Folha de S. Paulo
13/07/2009
Para além de polêmicas doutrinárias, encíclica de Bento 16 reforça a necessidade de reformas na economia global
GOVERNAR a globalização, civilizar a economia. Promover a responsabilidade ambiental, nas empresas e entre consumidores. Criar mecanismos mundiais de regulamentação do mercado financeiro. Intensificar a ajuda econômica e tecnológica a países pobres.
Propósitos desse tipo poderiam constar das resoluções de grupos como o G8, que acaba de reunir-se na cidade italiana de Áquila -sem trazer novidades ao que vai se tornando consenso entre lideranças mundiais.
O conjunto de recomendações sintetizado acima não provém, todavia, dos discursos de Lula, Obama ou Sarkozy, mas sim da última encíclica do papa Bento 16, "Caritas in Veritate".
A rigor, não surpreende a proximidade entre as reflexões pontifícias e a crítica, hoje corrente, aos equívocos do ultramercadismo e às irresponsabilidades, individuais e coletivas, que vicejaram no sistema financeiro ao longo dos últimos anos. Conservadora e rígida no âmbito da vida privada, a atitude da Igreja Católica no que diz respeito à economia caracteriza-se, há muito, pelo fato de ser talvez utópica, mas nada fundamentalista.
Nesta sua terceira encíclica, Bento 16 mantém-se coerente com a doutrina social de seus predecessores. O que se atualiza não é apenas a abordagem de uma série de questões específicas -que vão do turismo à imigração ilegal, das patentes farmacêuticas ao multiculturalismo-, mas também o próprio contexto em que são divulgadas.
Com a derrocada do chamado "socialismo real", no plano geopolítico mais amplo, e com o paralelo esfacelamento das forças vinculadas à "teologia da libertação", no plano organizacional interno da igreja, mudou naturalmente o foco das preocupações doutrinárias do Vaticano.
Há questão de 20 anos, criticar o marxismo tinha como efeito alinhar o Vaticano à direita do espectro ideológico. Tal alinhamento automático deixou de fazer sentido: é o fundamentalismo de mercado, e não mais o estatismo totalitário, a crença a ter seus limites e desastres expostos à luz do dia.
Sob os selos de "progressista" ou de "conservador", o Vaticano mantém-se, na verdade, como uma espécie de centro gravitacional, do ponto de vista ético, no terreno da economia.
Como líder religioso, Bento 16 insiste, por certo, no papel da fé cristã como o fundamento para conferir ao progresso econômico e tecnológico um autêntico sentido humano de fraternidade e de justiça. Pode-se considerar, de um ponto de vista leigo, que são desnecessárias justificativas transcendentes para que se busque um mundo melhor.
Esperanças desse tipo tiveram ao longo da história momentos de amargo desmentido. Com as imensas dificuldades que cercam o presente, porém, merece registro o fato de que um consenso por reformas equilibradas na economia global aos poucos se constitui -e a influência espiritual do Vaticano, neste ponto, reveste-se de um papel bem mais construtivo do que naqueles, tão polêmicos, que vinham marcando as preocupações do pontífice.
GOVERNAR a globalização, civilizar a economia. Promover a responsabilidade ambiental, nas empresas e entre consumidores. Criar mecanismos mundiais de regulamentação do mercado financeiro. Intensificar a ajuda econômica e tecnológica a países pobres.
Propósitos desse tipo poderiam constar das resoluções de grupos como o G8, que acaba de reunir-se na cidade italiana de Áquila -sem trazer novidades ao que vai se tornando consenso entre lideranças mundiais.
O conjunto de recomendações sintetizado acima não provém, todavia, dos discursos de Lula, Obama ou Sarkozy, mas sim da última encíclica do papa Bento 16, "Caritas in Veritate".
A rigor, não surpreende a proximidade entre as reflexões pontifícias e a crítica, hoje corrente, aos equívocos do ultramercadismo e às irresponsabilidades, individuais e coletivas, que vicejaram no sistema financeiro ao longo dos últimos anos. Conservadora e rígida no âmbito da vida privada, a atitude da Igreja Católica no que diz respeito à economia caracteriza-se, há muito, pelo fato de ser talvez utópica, mas nada fundamentalista.
Nesta sua terceira encíclica, Bento 16 mantém-se coerente com a doutrina social de seus predecessores. O que se atualiza não é apenas a abordagem de uma série de questões específicas -que vão do turismo à imigração ilegal, das patentes farmacêuticas ao multiculturalismo-, mas também o próprio contexto em que são divulgadas.
Com a derrocada do chamado "socialismo real", no plano geopolítico mais amplo, e com o paralelo esfacelamento das forças vinculadas à "teologia da libertação", no plano organizacional interno da igreja, mudou naturalmente o foco das preocupações doutrinárias do Vaticano.
Há questão de 20 anos, criticar o marxismo tinha como efeito alinhar o Vaticano à direita do espectro ideológico. Tal alinhamento automático deixou de fazer sentido: é o fundamentalismo de mercado, e não mais o estatismo totalitário, a crença a ter seus limites e desastres expostos à luz do dia.
Sob os selos de "progressista" ou de "conservador", o Vaticano mantém-se, na verdade, como uma espécie de centro gravitacional, do ponto de vista ético, no terreno da economia.
Como líder religioso, Bento 16 insiste, por certo, no papel da fé cristã como o fundamento para conferir ao progresso econômico e tecnológico um autêntico sentido humano de fraternidade e de justiça. Pode-se considerar, de um ponto de vista leigo, que são desnecessárias justificativas transcendentes para que se busque um mundo melhor.
Esperanças desse tipo tiveram ao longo da história momentos de amargo desmentido. Com as imensas dificuldades que cercam o presente, porém, merece registro o fato de que um consenso por reformas equilibradas na economia global aos poucos se constitui -e a influência espiritual do Vaticano, neste ponto, reveste-se de um papel bem mais construtivo do que naqueles, tão polêmicos, que vinham marcando as preocupações do pontífice.
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