domingo, 15 de fevereiro de 2009

Venezuela: ''As pessoas poderão votar, e não eleger'' /Entrevista

Folha de São Paulo

15/02/2009

Fabiano Maisonnave
DE CARACAS

A reeleição indefinida, aliada ao uso da máquina do Estado, tira a legitimidade das eleições na Venezuela, diz Julio Borges, coordenador nacional Primeiro Justiça (PJ, direita), um dos partidos mais importantes da oposição. Para Borges, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é "hipócrita" ao apoiar o colega Hugo Chávez, mas ser contra a mesma mudança no Brasil. Eis sua entrevista à Folha:

FOLHA - Por que o sr. defende o "não" neste referendo?
JULIO BORGES - É uma pergunta que já foi feita em 2007, e o povo já disse "não". Voltar a apresentá-la é um desrespeito à soberania popular. Em segundo lugar, reeleição ilimitada, na história venezuelana, só ocorreu durante duas ditaduras militares. O problema não é só a reeleição ilimitada mas também o abuso do poder, o uso do petróleo, dos meios de comunicação do Estado, das Forças Armadas, das instituições. Essa combinação faria com que as pessoas pudessem votar, mas não eleger, porque não haverá jogo limpo.

FOLHA - Há risco de a oposição rechaçar o resultado?
BORGES - O que está acontecendo é a degradação do processo eleitoral. Na medida em que você tem um jogo injusto, o que se está plantando é uma grande decepção. Nosso desafio é que a maioria dos que dizem que não votarão está a favor do "não", mas não crê no sistema. Portanto, uma minoria acaba se impondo à maioria porque não confia no sistema.

FOLHA - Lula visitou a Venezuela durante a campanha e fez declarações de apoio a Chávez. O que o sr. diria ele?
BORGES - Parece hipócrita, pois o presidente Lula vem aqui e afinal está pensando mais nos negócios do que na democracia. Dentro do Brasil, Lula diz que é contra a reeleição ilimitada e que se rebelaria contra o seu partido se alguém fizesse essa proposta. É como a Bolívia, onde se limitou a reeleição. Mas eles vêm aqui fazer o jogo de Chávez e, lamentavelmente, a razão se chama petróleo, não democracia.

FOLHA - Um dos principais argumentos do chavismo é que em vários países da Europa, como Inglaterra, Espanha e França, não há limite de mandatos.
BORGES - A referência importante é a América, e aqui não há reeleição sem limite do Alasca até a Argentina, exceto em Cuba. Aqui, são regimes presidencialistas. Na Europa, são parlamentaristas.

FOLHA - E o argumento de que, sem Chávez, a Venezuela mergulharia na guerra civil?
BORGES - O mesmo se diz em qualquer país onde o governo controla tudo. Chávez tem dez anos no poder e virou a única referência. O [ditador chileno, Augusto] Pinochet, em 1989, acusava a oposição de não ter líderes.

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