O Estado de São Paulo
01/02/2009
Por outro lado, eleva o valor de abertura dos parceiros
Fernando Dantas, DAVOS
As emendas "buy American" da versão do pacote de estímulo fiscal americano que saiu da Câmara de Deputados provocaram arrepios nos que temem uma onda de protecionismo na esteira da crise global. Desde que o mundo mergulhou na atual turbulência, em setembro de 2008, as inevitáveis comparações com a Grande Depressão sempre apontam para o perigo de cada país tentar se fechar às importações para proteger produtores nacionais, levando a uma queda ainda pior do comércio mundial, um dos principais motores da longa expansão econômica encerrada em 2008.
"Isso é uma grande preocupação para mim. O que transformou a crise de 1929 em depressão econômica foi justamente o protecionismo, iniciado pelos americanos com a lei (tarifária) Smoot-Hawley", diz o economista espanhol Xavier Sala-i-Martin, da Universidade Columbia, em Nova York.
Ele explica que os pacotes de estímulo fiscal normalmente têm de passar pelos parlamentos, onde os representantes do povo fazem tudo para garantir que o dinheiro público a ser gasto beneficie os seus próprios eleitores. Isso significa canalizá-lo ao máximo para empresas e pessoas do próprio país, o que explica por que as emendas "buy American" enfiadas pelos deputados no pacote de US$ 819 bilhões do presidente americano Barack Obama proíbem o uso de aço e ferro estrangeiros nos investimentos previstos.
Na verdade, os Estados Unidos não estão sozinhos nas medidas protecionistas. Diversos países têm tomado medidas para barrar importações, seja por meio de restrições diretas, como no caso do Equador, seja por medidas administrativas, como as licenças prévias de importação que o Brasil anunciou, só para voltar atrás logo depois.
A tentação protecionista que vem junto com a atual crise põe em situação delicada as já desalentadoras negociações para a retomada da Rodada de Doha. O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, Pascal Lamy, nota que há um movimento simultâneo de pressão protecionista e de valorização do que se pode conquistar em termos de abertura, ou garantia de não fechamento, dos mercados dos parceiros comerciais.
Assim, o rebaixamento do teto máximo das tarifas, que normalmente está acima da tarifa efetivamente praticada, deixou de ser uma concessão desprezada. Nas negociações anteriores à crise, conta Lamy, alguns países sustentavam que só cortes nas tarifas efetivamente praticadas criam novos fluxos de comércio, e são, portanto concessões valiosas na mesa de negociações. Agora, o rebaixamento do teto voltou a ter valor: "Sabemos que você não ser capaz de elevar as tarifas tem um valor".
Para alguns analistas, porém, a principal preocupação no momento não é o protecionismo comercial, ligado em parte aos pacotes de estímulo fiscal, mas sim o protecionismo financeiro, que vem na esteira das medidas de saneamento do setor bancário pelos países ricos. As garantias quase ilimitadas estendidas aos bancos em dificuldades vêm acompanhadas de condições, como a de ampliar o crédito no mercado nacional, e não no externo.
"Os governos (dos países ricos) estão fundamentalmente dizendo aos bancos para manter o capital em casa e só emprestar em casa", diz Charles Dallara, diretor-gerente do Instituto Internacional de Finanças (IIF). Para ele, "isso coloca a globalização financeira em risco, e é ruim para todo mundo". Dallara acha que o protecionismo financeiro, ao afetar as linhas de comércio exterior e "partir os elos do financiamento ao comércio internacional", é um precursor e estimulador do protecionismo comercial.
Em relação às cláusulas protecionistas acrescentadas pela Câmara de Deputados ao pacote de Obama, há economistas que minimizam o seu impacto. Alan Blinder, da Universidade de Princeton, e ex-vice-chairman do Federal Reserve (Fed, banco central americano), diz que o impacto protecionista das cláusulas "buy American" não será grande. Ele lembra que elas não afetam "produtos vendidos em caixas", mas sim a construção, que é "inerentemente local".
O economista inglês Martin Wolf, colunista do jornal Financial Times, também não se abalou muito com as emendas "buy American". "Sempre houve essas emendas, e em todos os países do mundo as compras governamentais são protecionistas." Para ele, "o grande problema não é esse, mas sim a chance de que o pacote não funcione e os chineses continuem a ter imensos superávits comerciais. Aí, sim, daqui a uns dois anos, nós veremos protecionismo realmente grave".
Fernando Dantas, DAVOS
As emendas "buy American" da versão do pacote de estímulo fiscal americano que saiu da Câmara de Deputados provocaram arrepios nos que temem uma onda de protecionismo na esteira da crise global. Desde que o mundo mergulhou na atual turbulência, em setembro de 2008, as inevitáveis comparações com a Grande Depressão sempre apontam para o perigo de cada país tentar se fechar às importações para proteger produtores nacionais, levando a uma queda ainda pior do comércio mundial, um dos principais motores da longa expansão econômica encerrada em 2008.
"Isso é uma grande preocupação para mim. O que transformou a crise de 1929 em depressão econômica foi justamente o protecionismo, iniciado pelos americanos com a lei (tarifária) Smoot-Hawley", diz o economista espanhol Xavier Sala-i-Martin, da Universidade Columbia, em Nova York.
Ele explica que os pacotes de estímulo fiscal normalmente têm de passar pelos parlamentos, onde os representantes do povo fazem tudo para garantir que o dinheiro público a ser gasto beneficie os seus próprios eleitores. Isso significa canalizá-lo ao máximo para empresas e pessoas do próprio país, o que explica por que as emendas "buy American" enfiadas pelos deputados no pacote de US$ 819 bilhões do presidente americano Barack Obama proíbem o uso de aço e ferro estrangeiros nos investimentos previstos.
Na verdade, os Estados Unidos não estão sozinhos nas medidas protecionistas. Diversos países têm tomado medidas para barrar importações, seja por meio de restrições diretas, como no caso do Equador, seja por medidas administrativas, como as licenças prévias de importação que o Brasil anunciou, só para voltar atrás logo depois.
A tentação protecionista que vem junto com a atual crise põe em situação delicada as já desalentadoras negociações para a retomada da Rodada de Doha. O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, Pascal Lamy, nota que há um movimento simultâneo de pressão protecionista e de valorização do que se pode conquistar em termos de abertura, ou garantia de não fechamento, dos mercados dos parceiros comerciais.
Assim, o rebaixamento do teto máximo das tarifas, que normalmente está acima da tarifa efetivamente praticada, deixou de ser uma concessão desprezada. Nas negociações anteriores à crise, conta Lamy, alguns países sustentavam que só cortes nas tarifas efetivamente praticadas criam novos fluxos de comércio, e são, portanto concessões valiosas na mesa de negociações. Agora, o rebaixamento do teto voltou a ter valor: "Sabemos que você não ser capaz de elevar as tarifas tem um valor".
Para alguns analistas, porém, a principal preocupação no momento não é o protecionismo comercial, ligado em parte aos pacotes de estímulo fiscal, mas sim o protecionismo financeiro, que vem na esteira das medidas de saneamento do setor bancário pelos países ricos. As garantias quase ilimitadas estendidas aos bancos em dificuldades vêm acompanhadas de condições, como a de ampliar o crédito no mercado nacional, e não no externo.
"Os governos (dos países ricos) estão fundamentalmente dizendo aos bancos para manter o capital em casa e só emprestar em casa", diz Charles Dallara, diretor-gerente do Instituto Internacional de Finanças (IIF). Para ele, "isso coloca a globalização financeira em risco, e é ruim para todo mundo". Dallara acha que o protecionismo financeiro, ao afetar as linhas de comércio exterior e "partir os elos do financiamento ao comércio internacional", é um precursor e estimulador do protecionismo comercial.
Em relação às cláusulas protecionistas acrescentadas pela Câmara de Deputados ao pacote de Obama, há economistas que minimizam o seu impacto. Alan Blinder, da Universidade de Princeton, e ex-vice-chairman do Federal Reserve (Fed, banco central americano), diz que o impacto protecionista das cláusulas "buy American" não será grande. Ele lembra que elas não afetam "produtos vendidos em caixas", mas sim a construção, que é "inerentemente local".
O economista inglês Martin Wolf, colunista do jornal Financial Times, também não se abalou muito com as emendas "buy American". "Sempre houve essas emendas, e em todos os países do mundo as compras governamentais são protecionistas." Para ele, "o grande problema não é esse, mas sim a chance de que o pacote não funcione e os chineses continuem a ter imensos superávits comerciais. Aí, sim, daqui a uns dois anos, nós veremos protecionismo realmente grave".
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