Jornal do Brasil
15/02/2009
Natalia Pacheco
Ascensão do neoprotecionismo dará lugar à nova integração, com controle limitado de capitais
A crise financeira internacional exumou um protecionismo que caminhava para ser reduzido às páginas da História. Como um volta ao passado, as restrições ao livre fluxo de mercadorias crescem paralelamente à ameaça à livre circulação de capitais e ao livre trânsito de trabalhadores. Longe de constituir o único efeito colateral de um colapso que se revela cada vez mais complexo, no entanto, o neoprotecionismo representa um espectro com potencial para assombrar não só as massas trabalhadoras, mas para colocar em xeque a própria globalização.
Especialistas temem, no entanto, que, ao se popularizar como um discurso pronto em resposta à desaceleração da atividade econômica e ao dramático aumento do desemprego, o neoprotecionismo permaneça mais tempo do que o desejado. Nesse caso, justificam, poderia como na crise de 1929 fermentar o colapso econômico a ponto de produzir uma indigesta crise política.
Mesmo os menos catastrofistas, que duvidam do poder destrutivo da atual crise, admitem, no entanto, que a prosperidade dos últimos 10 anos, que transformou emergentes como a China em potências, dará lugar a um comércio mais tímido. Se, por um lado, tal fenômeno reduz o ritmo de diminuição da pobreza do mundo, por outro, dará lugar a um fluxo mais regrado de comércio e menor frenético de transferência de capitais.
- A volta do livre comércio será mais regrada. E a aprovação da Rodada Doha, uma das maiores esperanças do Brasil para aumentar as suas exportações, vai demorar a sair afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, ao esclarecer que, em sua nova forma, o protecionismo tem se consolidado de forma velada, sem contrariar as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Os países, afirma Freitas, vão recorrer cada vez mais a exigências ambientais ou fitossanitárias, como ao etanol na União Europeia e à carne na Rússia.
Uma nova globalização
O economista ressalta, no entanto, que a novidade da atual crise foi a criação do protecionismo financeiro, motivado pela escassez de crédito no mercado financeiro internacional.
- Os governos vão estimular seus bancos centrais a emprestar mais aos próprios países. Esse é o maior problema. As empresas com planos de investimentos robustos vão sentir falta de crédito no mercado, porque os bancos estarão orientados a ajudar as companhias de seus países - ressalta.
Embora os efeitos colaterais da crise estejam evidentes, o mesmo não se pode dizer da realidade pós-colapso. Para os que se arriscam, como o professor de Economia e presidente do Instituto Desemprego Zero, José Carlos de Assis, da crise vai emergir uma nova globalização, marcada pelo que classifica de proteção estratégica às indústrias, maior cooperação entre as nações e maior restrição à especulação financeira.
- A globalização financeira vai mudar completamente. Os países vão vigiar suas economias porque sabem que não dá mais para a especulação. O princípio da globalização pós-crise será cooperação - avalia Assis.
Mesmo com a recuperação das economias, os primeiros anos do pós-colapso ainda serão minguados, se comparados aos anos de exuberância, com menores volumes de negócios.
Para o professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antônio Corrêa de Lacerda, uma maior integração global será resgatada aos poucos, mas não nos níveis do período anterior à crise financeira internacional, que eclodiu com a queda do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008.
- O ritmo vai voltar, mas não de uma hora para outra. Vai demandar tempo. Quando as economias já estiverem a todo vapor, o volume de negócios engata novamente. Será um comércio mais rígido, mas isso não implicará diretamente nas balanças. É um mecanismo para evitar a especulação - explica o professor.
Nem tudo são flores
Apesar do freio no livre comércio no período de crise - e a provável adoção de regras para as futuras negociações - para o economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves, a globalização vai voltar com força total assim que a crise voltar. E mais: os volumes dos negócios serão bem maiores do que os atuais, o que poderá provocar uma outra crise financeira no futuro, devido às especulações.
- A adoção de medidas protecionistas em períodos de crise é natural. A globalização está aí há cinco séculos e não acabou. Já passou por muitos colapsos econômicos e resistiu. E a tendência, após o fim de uma crise, é de maiores volumes de negócios. Infelizmente, o capitalismo não aprende com os próprios erros - lamenta.
O professor lembra que o monitoramento e a exigência de transparência financeiras são pontuais, ou seja, perduram apenas na crise. Depois que as economias retomam suas atividades, o mercado volta a ser especulativo, o que gera outras bolhas financeiras. Os negócios sofrerão um baque momentâneo.
- O giro financeiro vai diminuir apenas durante a crise - diz.
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