O Estado de São Paulo
09/02/2009
Eliana Cardoso
Eliana Cardoso é professora titular da EESP-FGV
Na semana passada, em seminário da OCDE em Paris, escutei a informação de que, entre 1965 e 2004, as economias dos países mais ricos do mundo (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) responderam em média por 65% do PIB global. Durante aqueles 40 anos essa participação se manteve quase constante, variando anualmente em cerca de três pontos porcentuais para cima ou para baixo. Mas em 2007, surpresa! A participação dos países do G-7 no PIB mundial caíra para 52%, tendo encolhido 13 pontos porcentuais. Parte da mudança derivava do aumento do preço das commodities e da consequente apreciação cambial dos países que as exportam. Outra parte refletia fenômeno de convergência de 28 países emergentes, que vinham crescendo acima de 3,5% ao ano nos 25 anos anteriores. Isso significa que a distribuição do poder econômico no mundo está mudando? Que papel terá a crise de 2009 nesse processo?
Caiu por terra a ideia de que as economias emergentes sofreriam menos com a crise do que os países ricos e consolidariam seu avanço relativo. Pois as economias mais dinâmicas do planeta estão sofrendo uma contração ainda mais severa que a dos países do G-7. No último trimestre o PIB de Cingapura encolheu 17% e o da Coreia do Sul, 21%. A produção industrial caiu ainda mais. Em Taiwan, por exemplo, retraiu-se 32% no mesmo período. A explicação é fácil: as exportações asiáticas despencaram depois que as economias avançadas se contraíram.
Mesmo na China, com seu pacote de investimentos, o desemprego aumentou de forma assustadora. Leva tempo transferir recursos e mão-de-obra do setor exportador para o setor de construção. Mas, enquanto os EUA prometem 5,8% do PIB em forma de estímulos à economia (incluindo garantias e compra de ativos), a China já está pondo em prática programa de estímulo fiscal equivalente a 15% de seu PIB.
Que implicações as mudanças no poder mundial trazem para a América do Sul no longo prazo? É possível pensar em três cenários. O primeiro é: mais do mesmo. Negligenciado pelos três grandes poderes da atualidade (EUA, China e União Europeia), o continente esquecido continuaria como o quintal americano. A tradição é tão longa que parece imutável.
Os EUA levaram todo o século 19 construindo sua hegemonia nas Américas antes de conquistá-la no século 20. Thomas Jefferson, presidente de 1801 a 1809, viu a América do Sul apenas como o continente que os EUA deveriam controlar. O princípio mais duradouro da diplomacia americana foi a doutrina do presidente James Monroe, articulada em 1823. Ele proclamou que qualquer interferência do Velho Mundo no Novo seria considerada "como perigosa para a paz" e advertiu a Europa que deixasse "a América para os americanos". Naquela época o poder militar dos EUA era desprezível. Talvez por isso mesmo o mundo tenha prestado pouca atenção à declaração de Monroe. Ela recebeu, entretanto, aprovação implícita da Inglaterra, que a interpretou como uma extensão da Pax Britânica.
A influência da Doutrina Monroe fortaleceu-se com Theodore Roosevelt para obstar a ameaça de intervenção europeia na Venezuela e na República Dominicana em 1905. Mas em 1928, sob o presidente Calvin Coolidge, o Memorando de Clark reverteu o Corolário Roosevelt e, em 1934, Franklin Roosevelt substituiu o intervencionismo militar pela "política de boa vizinhança". A influência americana manteve-se durante o resto do século 20.
Agora essa hegemonia se encontra em questão. A onda de globalização, que começou antes da 1ª Guerra Mundial, ganhou força a partir de 1970 e acelerou-se no final do século 20. À medida que a onda ganhava corpo, a distância geográfica entre os países começou a perder importância. A dominância americana no Hemisfério Ocidental com base na proximidade pode estar chegando ao fim. Os recursos naturais da América do Sul alcançam, cada vez com mais rapidez, qualquer canto do mundo. A presença da China na região aumentou de forma vertiginosa nos últimos dez anos.
Há indícios de que Barack Obama quer ressuscitar o nacionalismo econômico. Mesmo que a globalização venha a sofrer por causa disso, o segundo cenário é uma variação do primeiro, em que a diferença estaria na substituição do poder americano pelo poder chinês. Assim, o crescimento da região continuaria amarrado ao comportamento do preço das commodities.
O terceiro cenário, mais otimista, depende da integração econômica dos países sul-americanos. Unido, o continente ganharia maior projeção global. Mas, apesar das vantagens conferidas pela dominância de apenas duas línguas similares e da contiguidade territorial, a integração da América do Sul deixa a desejar. O excesso de volatilidade das taxas de câmbio impede melhor coordenação econômica e acordos sustentáveis. Dentro do Mercosul as barreiras ao comércio se multiplicam. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai foram incapazes de defender uma posição comum na Rodada Doha.
Em meados de dezembro de 2008, alguns analistas viram a possibilidade de que o Brasil viesse a liderar um movimento de convergência de interesses latino-americanos na reunião da Costa do Sauipe, que excluiu os EUA e o Canadá. Brasil e Cuba se uniram para tirar Hugo Chávez do centro do palco. Mas a reunião deixou claro que as distâncias ideológicas entre nossos países podem ser insuperáveis. A prova da divisão esteve na ausência de dois chefes de Estado: Álvaro Uribe, da Colômbia, e Alan García, do Peru. García justificou a ausência dizendo que não se senta com ditadores.
Apesar dos esforços tanto de Fernando Henrique Cardoso quanto de Lula, a união sul-americana continua arredia. Talvez entre as razões da falta de dinamismo das nossas economias se contem não apenas a maldição dos recursos naturais, mas também a incapacidade de integração criadora de comércio.
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