Época
16/02/2009
José Fucs
Quase todos os países estão adotando medidas nacionalistas. É uma reação compreensível em época de recessão. Mas é ruim para todo o mundo
Na quarta-feira, enquanto o mercado financeiro ainda digeria seu plano de resgate dos bancos, o novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, viveu um momento de alívio. Depois de um vaivém no Congresso que chegou a colocar em xeque sua capacidade de tirar o país da crise atual, o Senado e a Câmara dos Deputados dos EUA anunciaram um acordo para aprovar o pacote de estímulo à economia apoiado por Obama. A aprovação do pacote – a outra perna das medidas anunciadas por seu governo para enfrentar a crise – renova as expectativas de que a atividade econômica americana, que registrou uma queda anualizada de 3,4% no último trimestre de 2008, a maior desde 1982, comece a reagir (leia a reportagem à pág. 70). “Fico muito agradecido pelo Congresso ter entendido a urgência que o momento atual exige”, disse Obama, ao comentar o acordo.
Embora tenha sofrido algumas modificações no Legislativo e seu valor tenha sido reduzido dos US$ 920 bilhões desejados por Obama para US$ 789 bilhões, o pacote teve suas linhas principais preservadas. Do valor total, US$ 507 bilhões vão para investimentos e US$ 282 bilhões serão aplicados em incentivos fiscais e cortes de impostos. O pacote inclui US$ 150 bilhões para projetos de infraestrutura, medidas de estímulo ao desenvolvimento de fontes alternativas de energia e políticas sociais (leia o quadro ao lado). Mas a manutenção de um dispositivo aprovado pela Câmara e mantido pelo Senado no texto final do projeto preocupa os analistas e uma boa parte dos líderes internacionais.
O dispositivo, conhecido em inglês como “Buy American”, prevê uma reserva de mercado para alguns produtos americanos – ferro, aço e manufaturados – em todos os empreendimentos que envolvam dinheiro do pacote. O texto original da Câmara, que previa sua aplicação incondicional, foi atenuado no Senado. Agora, a aplicação deverá ser subordinada aos tratados internacionais assinados pelos EUA. Mas sua essência foi mantida e ninguém sabe dizer ao certo o que a ressalva introduzida pelo Senado significa na prática. Embora Obama tenha se manifestado contra a medida, tudo leva a crer que ele não deverá vetá-la. O que menos Obama deseja no momento é arrumar confusão com o Congresso.
A inclusão da reserva de mercado no pacote americano fez crescer em todo o mundo o receio de que a crise atual estimule uma nova onda de protecionismo. Um dos maiores símbolos dessa onda foi o movimento “Buy American” original, da década de 1980. Naquela época, os Estados Unidos foram invadidos por produtos japoneses melhores e mais baratos que os similares americanos. Quando a recessão atingiu o país, em 1982, os americanos erroneamente culparam os produtos japoneses. O movimento não foi bem-sucedido. Só no fim da década, os americanos retomaram a hegemonia nos negócios, porque suas empresas investiram em inovação e ganharam eficiência de gestão.
A volta do protecionismo seria um risco para os avanços alcançados com a globalização. Teme-se que, na tentativa de cada país estimular sua própria economia, a adoção de medidas protecionistas leve a uma reação em cadeia. Isso reduziria o comércio internacional, aumentaria o desemprego e autoalimentaria a crise. A busca de vantagens em cada país levaria ao pior cenário para todos. “Se o espectro do nacionalismo econômico não for enterrado para sempre, as consequências serão dramáticas”, diz a revista The Economist, em reportagem de capa na semana passada. De acordo com a Economist, há o risco de uma depressão mundial.
Muitos analistas temem que se repita o que aconteceu durante a Grande Depressão, nos anos 30. Na época, os EUA aumentaram a tarifa de importação de 20 mil produtos. A retaliação que se seguiu contribuiu para agravar a crise. Nos últimos meses, diversos países, inclusive o Brasil, já implementaram medidas para proteger a produção local dos efeitos da crise. A União Europeia adotou subsídios para derivados de leite e amenizou as normas que regulam a concessão de crédito com juros subsidiados pelos governos. A China, entre outras medidas, criou incentivos fiscais para estimular exportações e reduziu tributos sobre vendas de veículos fabricados no país. No Brasil, o governo reduziu tributos para estimular a venda de veículos nacionais e reduziu impostos sobre exportações. Chegou a estudar a exigência de licença para importações, mas acabou desistindo da ideia. “Estão jogando o livre-comércio na privada”, disse o francês Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, no fim de janeiro.
Segundo Lamy, a OMC está monitorando as ações de seus 153 países membros para identificar eventuais medidas protecionistas. O primeiro levantamento, publicado no fim de janeiro, ainda não é alarmante, mas mostra o crescimento do protecionismo. Sua atualização deverá ser divulgada em abril, durante o encontro do G-20, o grupo dos países mais industrializados e dos principais países emergentes, em Londres. “Até agora, não há nada dramático. Há algumas ações adotadas aqui e ali, mas nós sabemos, com base na experiência, que criar obstáculos ao comércio só torna as coisas ainda piores”, afirmou Lamy.
O protecionismo – que hoje designa a adoção de subsídios a empresas nacionais, barreiras alfandegárias ou a simples proibição de importações – tem sua origem no mercantilismo, o sistema econômico que predominou entre o fim da Idade Média, no século XVI, e meados do século XVIII. O mercantilismo defendia o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio do controle de importações e do aumento das exportações. Foi o filósofo Adam Smith, o pai da economia moderna, quem primeiro questionou a eficácia do mercantilismo para promover o desenvolvimento. Segundo Smith, só o livre-comércio garantiria a eficiência econômica, por favorecer a especialização das pessoas (e dos países) nas atividades em que são melhores. Suas ideias foram contestadas por muitos economistas, mas hoje praticamente todas as correntes concordam que o protecionismo dificulta a prosperidade dos povos.
O Brasil teve um longo histórico de protecionismo. Implementado nos tempos de Getúlio Vargas, tinha o objetivo de apoiar a incipiente indústria nacional, dentro de uma política de substituição de importações. Só que, em vez de ajudar, atrapalhou a economia do país. Protegida da concorrência externa, a indústria brasileira se acomodou, tornou-se ineficiente. Não tinha estímulo para investir na inovação. Com isso, os produtos consumidos no país eram piores e mais caros que os importados. Só no início dos anos 90, o presidente Fernando Collor de Mello abriu a economia brasileira à concorrência internacional. Forçou a indústria do país a se modernizar para sobreviver. As empresas brasileiras também puderam investir na compra de máquinas e equipamentos lá fora para se tornar mais eficientes. Nesse processo, o Brasil se tornou uma potência exportadora – e criou milhões de empregos.
Em Davos, o protecionismo virou quase um palavrão para os cerca de 2 mil economistas, banqueiros, empresários e autoridades de quase cem países que participaram do encontro. A necessidade de preservar o livre-comércio para facilitar a superação da crise tornou-se uma espécie de mantra. Dizia-se, ali, que ele não é a causa da crise. Ao contrário, é uma solução, por estimular a atividade econômica global. Houve críticas até para o chamado “protecionismo financeiro”, por meio do qual os grandes bancos internacionais sacam dinheiro dos mercados emergentes e passam a concentrar seus negócios nos países de origem para atender às exigências feitas pelo governo para lhes conceder assistência. Segundo uma previsão feita pelo Instituto de Finanças Internacionais, o fluxo de capitais estrangeiros para os mercados emergentes deverá cair de US$ 930 bilhões em 2008 para US$ 165 bilhões em 2009, incluindo os investimentos diretos na produção.
Duas das principais estrelas de Davos, os primeiros-ministros Wen Jiabao, da China, e Vladimir Putin, da Rússia, fizeram defesas enfáticas do livre-comércio. O ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, reforçou o coro.“No coração da globalização mora a competitividade global. Se os governos começarem a proteger sua produção não competitiva, não será um comércio justo”, afirmou. “O protecionismo não protege ninguém”, disse o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, do Partido Trabalhista. “Esse é um momento em que não são necessárias apenas medidas nacionais para enfrentar a crise global. É um momento em que o mundo tem de se unir.”
O problema é que, com público internacional, todo mundo mostra indignação com o protecionismo. Em casa, o discurso muda. Embora a preservação do livre-comércio seja essencial para reduzir o impacto da crise, é difícil explicar seus benefícios para os eleitores. Quando o desemprego aumenta e o governo injeta recursos em empresas em dificuldade, cresce o clamor para proteger a produção nacional. Na opinião de Christine Lagarde, ministra das Finanças da França, o protecionismo é “um mal necessário” durante a crise.“O grande desafio é encontrar uma fórmula para estimular as economias nacionais sem passar por cima das regras comerciais”, diz.
Presente ao encontro de Davos, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, definiu o protecionismo como “a mais contagiosa das doenças”. Por pouco ele não teve de enfrentar uma “saia-justa” no evento. A medida que previa a exigência de licenças para importação, que estava em estudo no governo, causou péssima impressão. Vinha sendo usada como exemplo negativo por funcionários da OMC em conversas com jornalistas estrangeiros nos corredores de Davos. Em dois dias, a racionalidade imperou e o governo brasileiro desistiu de adotá-la.
Amorim participou de um painel específico em Davos para discutir o protecionismo e defendeu a conclusão da Rodada de Doha, em que se negociam novas bases para o comércio global, mais equilibradas entre países industrializados e emergentes. A ministra de Economia da Suíça, Doris Leuthard, chegou a sugerir um cronograma para a retomada das conversações, que deverá incluir um encontro preparatório antes do G-20, em Londres, em abril, outro em junho e um encontro pleno em Genebra, em julho.
É difícil imaginar, porém, na atual conjuntura, com os políticos sendo pressionados em todo o mundo a proteger as empresas e os trabalhadores de seus países, que haverá clima para uma maior liberalização do comércio internacional. Infelizmente, é quando mais se precisa de abertura comercial que o protecionismo se fortalece.
A aposta de Obama
As principais medidas incluídas no pacote de US$ 789 bilhões (US$ 507 bilhões em investimentos e US$ 282 bilhões em incentivos fiscais) em análise no Congresso dos EUA
Investimentos de US$ 150 bilhões nas áreas de transporte, energia e tecnologia
Estímulo à adoção de fontes alternativas de energia e ao aumento da eficiência energética em edifícios públicos
Apoio ao desenvolvimento de projetos de água potável e de recuperação de áreas destinadas a depósito de detritos e de lixo nuclear
Ajuda de US$ 54 bilhões aos Estados para cobertura de perdas de receita com a crise. Parte do dinheiro poderá ser usada em projetos de modernização de escolas
Reserva de mercado em projetos realizados com o dinheiro do pacote para alguns produtos americanos – ferro, aço e manufaturados
Cobertura de US$ 87 bilhões para os Estados enfrentarem aumentos nos custos do atendimento médico
Apoio financeiro às pequenas empresas em dificuldades
Crédito de até US$ 8 mil para quem comprar seu primeiro imóvel
Dedução de impostos pagos na compra de carros novos na declaração do Imposto de Renda
Crédito anual de até US$ 400 para pessoas físicas e US$ 800 para casais, conforme a renda de cada um
Pagamento extra de US$ 250 para beneficiários da Previdência Social e de programas de complementação de renda
Redução das contribuições à Previdência Social para trabalhadores isentos de Imposto de Renda
Ampliação de benefícios, desconto no seguro-saúde e vale-refeição para trabalhadores desempregados
16/02/2009
José Fucs
Quase todos os países estão adotando medidas nacionalistas. É uma reação compreensível em época de recessão. Mas é ruim para todo o mundo
Na quarta-feira, enquanto o mercado financeiro ainda digeria seu plano de resgate dos bancos, o novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, viveu um momento de alívio. Depois de um vaivém no Congresso que chegou a colocar em xeque sua capacidade de tirar o país da crise atual, o Senado e a Câmara dos Deputados dos EUA anunciaram um acordo para aprovar o pacote de estímulo à economia apoiado por Obama. A aprovação do pacote – a outra perna das medidas anunciadas por seu governo para enfrentar a crise – renova as expectativas de que a atividade econômica americana, que registrou uma queda anualizada de 3,4% no último trimestre de 2008, a maior desde 1982, comece a reagir (leia a reportagem à pág. 70). “Fico muito agradecido pelo Congresso ter entendido a urgência que o momento atual exige”, disse Obama, ao comentar o acordo.
Embora tenha sofrido algumas modificações no Legislativo e seu valor tenha sido reduzido dos US$ 920 bilhões desejados por Obama para US$ 789 bilhões, o pacote teve suas linhas principais preservadas. Do valor total, US$ 507 bilhões vão para investimentos e US$ 282 bilhões serão aplicados em incentivos fiscais e cortes de impostos. O pacote inclui US$ 150 bilhões para projetos de infraestrutura, medidas de estímulo ao desenvolvimento de fontes alternativas de energia e políticas sociais (leia o quadro ao lado). Mas a manutenção de um dispositivo aprovado pela Câmara e mantido pelo Senado no texto final do projeto preocupa os analistas e uma boa parte dos líderes internacionais.
O dispositivo, conhecido em inglês como “Buy American”, prevê uma reserva de mercado para alguns produtos americanos – ferro, aço e manufaturados – em todos os empreendimentos que envolvam dinheiro do pacote. O texto original da Câmara, que previa sua aplicação incondicional, foi atenuado no Senado. Agora, a aplicação deverá ser subordinada aos tratados internacionais assinados pelos EUA. Mas sua essência foi mantida e ninguém sabe dizer ao certo o que a ressalva introduzida pelo Senado significa na prática. Embora Obama tenha se manifestado contra a medida, tudo leva a crer que ele não deverá vetá-la. O que menos Obama deseja no momento é arrumar confusão com o Congresso.
A inclusão da reserva de mercado no pacote americano fez crescer em todo o mundo o receio de que a crise atual estimule uma nova onda de protecionismo. Um dos maiores símbolos dessa onda foi o movimento “Buy American” original, da década de 1980. Naquela época, os Estados Unidos foram invadidos por produtos japoneses melhores e mais baratos que os similares americanos. Quando a recessão atingiu o país, em 1982, os americanos erroneamente culparam os produtos japoneses. O movimento não foi bem-sucedido. Só no fim da década, os americanos retomaram a hegemonia nos negócios, porque suas empresas investiram em inovação e ganharam eficiência de gestão.
A volta do protecionismo seria um risco para os avanços alcançados com a globalização. Teme-se que, na tentativa de cada país estimular sua própria economia, a adoção de medidas protecionistas leve a uma reação em cadeia. Isso reduziria o comércio internacional, aumentaria o desemprego e autoalimentaria a crise. A busca de vantagens em cada país levaria ao pior cenário para todos. “Se o espectro do nacionalismo econômico não for enterrado para sempre, as consequências serão dramáticas”, diz a revista The Economist, em reportagem de capa na semana passada. De acordo com a Economist, há o risco de uma depressão mundial.
Muitos analistas temem que se repita o que aconteceu durante a Grande Depressão, nos anos 30. Na época, os EUA aumentaram a tarifa de importação de 20 mil produtos. A retaliação que se seguiu contribuiu para agravar a crise. Nos últimos meses, diversos países, inclusive o Brasil, já implementaram medidas para proteger a produção local dos efeitos da crise. A União Europeia adotou subsídios para derivados de leite e amenizou as normas que regulam a concessão de crédito com juros subsidiados pelos governos. A China, entre outras medidas, criou incentivos fiscais para estimular exportações e reduziu tributos sobre vendas de veículos fabricados no país. No Brasil, o governo reduziu tributos para estimular a venda de veículos nacionais e reduziu impostos sobre exportações. Chegou a estudar a exigência de licença para importações, mas acabou desistindo da ideia. “Estão jogando o livre-comércio na privada”, disse o francês Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, no fim de janeiro.
Segundo Lamy, a OMC está monitorando as ações de seus 153 países membros para identificar eventuais medidas protecionistas. O primeiro levantamento, publicado no fim de janeiro, ainda não é alarmante, mas mostra o crescimento do protecionismo. Sua atualização deverá ser divulgada em abril, durante o encontro do G-20, o grupo dos países mais industrializados e dos principais países emergentes, em Londres. “Até agora, não há nada dramático. Há algumas ações adotadas aqui e ali, mas nós sabemos, com base na experiência, que criar obstáculos ao comércio só torna as coisas ainda piores”, afirmou Lamy.
O protecionismo – que hoje designa a adoção de subsídios a empresas nacionais, barreiras alfandegárias ou a simples proibição de importações – tem sua origem no mercantilismo, o sistema econômico que predominou entre o fim da Idade Média, no século XVI, e meados do século XVIII. O mercantilismo defendia o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio do controle de importações e do aumento das exportações. Foi o filósofo Adam Smith, o pai da economia moderna, quem primeiro questionou a eficácia do mercantilismo para promover o desenvolvimento. Segundo Smith, só o livre-comércio garantiria a eficiência econômica, por favorecer a especialização das pessoas (e dos países) nas atividades em que são melhores. Suas ideias foram contestadas por muitos economistas, mas hoje praticamente todas as correntes concordam que o protecionismo dificulta a prosperidade dos povos.
O Brasil teve um longo histórico de protecionismo. Implementado nos tempos de Getúlio Vargas, tinha o objetivo de apoiar a incipiente indústria nacional, dentro de uma política de substituição de importações. Só que, em vez de ajudar, atrapalhou a economia do país. Protegida da concorrência externa, a indústria brasileira se acomodou, tornou-se ineficiente. Não tinha estímulo para investir na inovação. Com isso, os produtos consumidos no país eram piores e mais caros que os importados. Só no início dos anos 90, o presidente Fernando Collor de Mello abriu a economia brasileira à concorrência internacional. Forçou a indústria do país a se modernizar para sobreviver. As empresas brasileiras também puderam investir na compra de máquinas e equipamentos lá fora para se tornar mais eficientes. Nesse processo, o Brasil se tornou uma potência exportadora – e criou milhões de empregos.
Em Davos, o protecionismo virou quase um palavrão para os cerca de 2 mil economistas, banqueiros, empresários e autoridades de quase cem países que participaram do encontro. A necessidade de preservar o livre-comércio para facilitar a superação da crise tornou-se uma espécie de mantra. Dizia-se, ali, que ele não é a causa da crise. Ao contrário, é uma solução, por estimular a atividade econômica global. Houve críticas até para o chamado “protecionismo financeiro”, por meio do qual os grandes bancos internacionais sacam dinheiro dos mercados emergentes e passam a concentrar seus negócios nos países de origem para atender às exigências feitas pelo governo para lhes conceder assistência. Segundo uma previsão feita pelo Instituto de Finanças Internacionais, o fluxo de capitais estrangeiros para os mercados emergentes deverá cair de US$ 930 bilhões em 2008 para US$ 165 bilhões em 2009, incluindo os investimentos diretos na produção.
Duas das principais estrelas de Davos, os primeiros-ministros Wen Jiabao, da China, e Vladimir Putin, da Rússia, fizeram defesas enfáticas do livre-comércio. O ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, reforçou o coro.“No coração da globalização mora a competitividade global. Se os governos começarem a proteger sua produção não competitiva, não será um comércio justo”, afirmou. “O protecionismo não protege ninguém”, disse o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, do Partido Trabalhista. “Esse é um momento em que não são necessárias apenas medidas nacionais para enfrentar a crise global. É um momento em que o mundo tem de se unir.”
O problema é que, com público internacional, todo mundo mostra indignação com o protecionismo. Em casa, o discurso muda. Embora a preservação do livre-comércio seja essencial para reduzir o impacto da crise, é difícil explicar seus benefícios para os eleitores. Quando o desemprego aumenta e o governo injeta recursos em empresas em dificuldade, cresce o clamor para proteger a produção nacional. Na opinião de Christine Lagarde, ministra das Finanças da França, o protecionismo é “um mal necessário” durante a crise.“O grande desafio é encontrar uma fórmula para estimular as economias nacionais sem passar por cima das regras comerciais”, diz.
Presente ao encontro de Davos, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, definiu o protecionismo como “a mais contagiosa das doenças”. Por pouco ele não teve de enfrentar uma “saia-justa” no evento. A medida que previa a exigência de licenças para importação, que estava em estudo no governo, causou péssima impressão. Vinha sendo usada como exemplo negativo por funcionários da OMC em conversas com jornalistas estrangeiros nos corredores de Davos. Em dois dias, a racionalidade imperou e o governo brasileiro desistiu de adotá-la.
Amorim participou de um painel específico em Davos para discutir o protecionismo e defendeu a conclusão da Rodada de Doha, em que se negociam novas bases para o comércio global, mais equilibradas entre países industrializados e emergentes. A ministra de Economia da Suíça, Doris Leuthard, chegou a sugerir um cronograma para a retomada das conversações, que deverá incluir um encontro preparatório antes do G-20, em Londres, em abril, outro em junho e um encontro pleno em Genebra, em julho.
É difícil imaginar, porém, na atual conjuntura, com os políticos sendo pressionados em todo o mundo a proteger as empresas e os trabalhadores de seus países, que haverá clima para uma maior liberalização do comércio internacional. Infelizmente, é quando mais se precisa de abertura comercial que o protecionismo se fortalece.
A aposta de Obama
As principais medidas incluídas no pacote de US$ 789 bilhões (US$ 507 bilhões em investimentos e US$ 282 bilhões em incentivos fiscais) em análise no Congresso dos EUA
Investimentos de US$ 150 bilhões nas áreas de transporte, energia e tecnologia
Estímulo à adoção de fontes alternativas de energia e ao aumento da eficiência energética em edifícios públicos
Apoio ao desenvolvimento de projetos de água potável e de recuperação de áreas destinadas a depósito de detritos e de lixo nuclear
Ajuda de US$ 54 bilhões aos Estados para cobertura de perdas de receita com a crise. Parte do dinheiro poderá ser usada em projetos de modernização de escolas
Reserva de mercado em projetos realizados com o dinheiro do pacote para alguns produtos americanos – ferro, aço e manufaturados
Cobertura de US$ 87 bilhões para os Estados enfrentarem aumentos nos custos do atendimento médico
Apoio financeiro às pequenas empresas em dificuldades
Crédito de até US$ 8 mil para quem comprar seu primeiro imóvel
Dedução de impostos pagos na compra de carros novos na declaração do Imposto de Renda
Crédito anual de até US$ 400 para pessoas físicas e US$ 800 para casais, conforme a renda de cada um
Pagamento extra de US$ 250 para beneficiários da Previdência Social e de programas de complementação de renda
Redução das contribuições à Previdência Social para trabalhadores isentos de Imposto de Renda
Ampliação de benefícios, desconto no seguro-saúde e vale-refeição para trabalhadores desempregados
Nenhum comentário:
Postar um comentário