terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A Era da Responsabilidade

Correio Braziliense

16/02/2009

Robert Zoellick, Presidente do Grupo Banco Mundial
Os historiadores dividiram a história ocidental em épocas que representam os seus valores culturais, econômicos e políticos. Assim, temos a Baixa Idade Média, a Renascença, a Reforma e o Iluminismo. Como será definida a primeira metade do século 21? Poderá ser chamada de Era da Reversão, em que os países retrocedem para soluções internas, circunscritos em suas fronteiras, levando consigo as memórias de prosperidade? Será a Era da Intolerância, em que os imigrantes e estrangeiros são responsabilizados pelo aumento do desemprego? Ou será conhecida apenas como O Declínio, tão abrupto quanto cruel?
Como o presidente Barack Obama identificou de forma correta, esse período também poderia e deveria ser chamado de Era da Responsabilidade. Para que isso se concretize, serão necessárias mudanças de atitude e políticas de cooperação, nos EUA e no mundo inteiro. Quais seriam as características de uma Era da Responsabilidade?
Em primeiro lugar, seria uma era da globalização responsável, onde a inclusão social e a sustentabilidade prevaleceriam sobre o enriquecimento de poucos. Isso significa o empenho na geração de um crescimento que abranja oportunidades para os pobres, desenvolvimento tecnológico, microfinanças e empréstimos para pequenos empresários, acordos comerciais que beneficiem ambas as partes envolvidas e níveis de ajuda que sejam suficientes para o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio. As primeiras etapas dessa agenda são a conclusão da Rodada de Doha e a renovação do compromisso de fornecer a ajuda que foi prometida.
Em segundo lugar, deverá ser uma era de gestão responsável do meio ambiente global. Para que isso aconteça, um acordo sobre mudanças climáticas poderia ser instituído em Copenhague, em dezembro, com o objetivo de reduzir as emissões de carbono usando novas tecnologias.
Em terceiro lugar, seria uma era de responsabilidade financeira, tanto no nível pessoal quanto sistêmico. Esse período deveria começar pelo estabelecimento de um acordo, em Londres, na reunião de cúpula das grandes economias que participam do G20, para que os governos cooperem com a expansão fiscal no âmbito de uma estratégia de disciplina orçamentária. Os países deveriam também acordar um plano que reabra os mercados de crédito, solucione os maus empréstimos, de modo que os bancos possam se recapitalizar, e evite o protecionismo.
Em quarto lugar, seria uma era de multilateralismo responsável, em que os países e as instituições procuram soluções práticas para problemas interdependentes. Alguns exemplos disso seriam o esforço para estabelecer acordos sobre o fornecimento humanitário de alimentos e a fixação de preços ou tarifas que estimulem o investimento na conservação e em fontes mais limpas de energia.
Em quinto lugar, seria uma era de partes interessadas responsáveis, em que a sua participação na economia internacional implicaria tanto responsabilidades quanto benefícios. Uma época que presenciaria os antigos clubes de países ricos dando lugar a um conselho diretor expandido, fundamentado nas atuais realidades econômicas. Esse grupo seria desafiado a atuar e discutir questões em conjunto. A nossa Era da Responsabilidade deve ser global e não apenas ocidental.
O modo como responderemos à crise nos próximos meses definirá o curso a ser adotado. Em uma primeira etapa, os países desenvolvidos deverão concordar em destinar 0,7% dos seus pacotes de estímulos econômicos para um fundo de vulnerabilidade, com o objetivo de apoiar os mais necessitados nos países em desenvolvimento. O Banco Mundial poderia administrar a distribuição dos recursos junto com as Nações Unidas e os bancos regionais de desenvolvimento. Poderíamos utilizar os mecanismos existentes para fornecer o capital de modo rápido e flexível, apoiados por esquemas de monitoramento e salvaguardas a fim de que o dinheiro seja empregado de forma adequada.
Após o choque de preços dos alimentos e dos combustíveis, no ano passado, a crise financeira aumenta os riscos para os países e as populações mais pobres. A retração do crédito e a recessão mundial estão minando as receitas governamentais e reduzindo sua habilidade para atingir as metas de educação, saúde e igualdade de gêneros. As transferências de dinheiro se tornam mais lentas. Os investimentos estrangeiros e domésticos estão congelados. O comércio está em declínio. Os distúrbios sociais aumentam. As estimativas sugerem que uma queda de 1% nas taxas de crescimento dos países emergentes insere mais 20 milhões de pessoas na pobreza. Cem milhões de indivíduos já foram levados a essa situação como resultado dos transtornos ocorridos no ano passado.
Os países pobres necessitam de três intervenções: programas de proteção social para ajudar a atenuar o impacto da crise econômica sobre os pobres; investimento em infraestrutura com vistas a criar uma base para a produtividade, o crescimento e a geração de emprego; e crédito para pequenas e médias empresas de forma a abrir postos de trabalho. Os doadores poderiam adaptar as contribuições ao fundo de vulnerabilidade de modo a atender aos seus interesses. Essa abordagem surtiu efeito no recente apoio do Japão e da Alemanha à recapitalização dos bancos promovida pelo Banco Mundial nos países pobres e na decisão de conceder financiamentos provisórios para projetos de infraestrutura viáveis, que ultimamente perderam acesso ao crédito.
Esse plano é possível de ser implementado. O percentual de ajuda estabelecido pelas Nações Unidas corresponde a 0,7% da economia de um país. O patamar de contribuição de 0,7% de cada pacote de estímulo de uma nação desenvolvida representa apenas uma fração mínima das centenas de bilhões destinados ao socorro financeiro proporcionado aos bancos. No entanto, esse percentual poderia fazer uma grande diferença para centenas de milhões de pessoas que são vítimas de uma crise pela qual não são responsáveis. E o que é mais importante: essa iniciativa sinalizaria um compromisso que o mundo está claramente escolhendo assumir, ao invés de ser direcionado pela crise. Ação internacional ou políticas protecionistas? Era da Responsabilidade ou Era da Reversão? A escolha é clara.

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