quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Maior presença do setor público minimiza efeitos globais da crise

Gazeta Mercantil

18/02/2009
Viviane Monteiro


Brasília, 18 de Fevereiro de 2009 - A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) defendeu mais intervenção do setor público na economia a fim de minimizar os impactos da crise no Brasil e no resto do mundo. O economista da divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento do organismo, Alfredo Calcagno, disse que se deve adotar políticas expansivas e de menor taxa de juros. "É preciso que o Estado compense a redução prevista do investimento privado; essa crise não se resolve com o livre mercado", destacou em sua palestra no seminário "Crise Econômica Internacional", promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília.

"A gente propõe uma política monetária expansiva e, principalmente, uma política fiscal expansiva, pois achamos que é através do gasto fiscal que os países podem tentar manter um processo de crescimento este ano, apesar de ser menor do que os de 2007 e 2008", disse o economista. Segundo ele, esse não é o momento para se adotar políticas de ajustes econômicos para acalmar o mercado.

O diretor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), José Carlos Braga, criticou as iniciativas dos bancos centrais. Segundo ele, as autoridades tentam evitar a ruptura do sistema financeiro, mas não conseguem injetar crédito no sistema e nem tampouco atender às necessidade de crédito à população. O professor da Unicamp defendeu a estatização do sistema financeiro. "É preciso se criar um banco público para se conceder crédito (à população)".

Já o diretor da Comércio Internacional e Integração da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), Osvaldo Kacef, alertou para a questão dos déficits públicos e da redução do comércio exterior que limitam a implantação de políticas anticíclicas no bloco. Além disso, ele ressaltou que as reservas internacionais estão mais voláteis por estarem aplicadas em investimentos de curto prazo.

No entanto, para o economista da Unctad, Calcagno, a situação da economia da América Latina, aparece "relativamente" menos afetada pela crise mundial. Porém, destacou que o bloco será prejudicado de qualquer jeito. "O dinamismo do comércio mundial está caindo. Os preços das matérias-primas e de produtos de exportação caíram significativamente. E as remessas dos trabalhados que moram nos países desenvolvidos deixaram de crescer", justificou ele.

Calcagno discorda de que a "política expansionista" defendida pela Unctad possa gerar picos inflacionário futuramente. "O risco inflacionário não existe", descartou.

Segundo Calcagno, o risco inflacionário tem sido superdimensionado no mundo. "Mesmo diante do momento em que parecia que existia um risco no início de 2008, a gente considerava que era mais um choque de oferta e que era pontual, pois estava vinculado ao alto preço de energia e de produtos agropecuários. Agora os preços caíram e a demanda mundial também está caindo o risco inflacionário não existe".

O economista que defende a redução do juros disse que a implantação da "política monetária expansionista" é limitada, sobretudo nos países desenvolvidos. É o exemplo do Japão, onde "não se pode reduzir mais juros; e dos Estados Unidos, onde a taxa já está quase em zero". Porém, ele avalia que há espaço para se reduzir o juro na América Latina, inclusive no Brasil. Porém, disse que a implantação de uma política monetária "relativamente expansionista" não é suficiente para haver a retomada da economia. Além do aumento dos gastos públicos na economia, ele defendeu políticas de redução de impostos e de distribuição de renda para classes desfavorecidas.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) defendeu melhoria na política social e a extensão do aumento do teto da parcela de seguro-desemprego para todos os trabalhadores brasileiros. Fora isso, cobrou a obrigatoriedade do benefício para as empregadas domésticas, com o objetivo de reduzir o impacto da crise mundial no mercado de trabalho do Brasil. "Por que no Brasil não há seguro desemprego (obrigatório) paras as empregadas domésticas?", questionou a pesquisadora do departamento de estratégia de emprego da OIT no Brasil, Janine Berg, no seminário

Janine vê risco no aumento da informalidade, na taxa de desemprego, nos índices de pobreza e deterioração do padrão de vida melhorado nos últimos anos. Dessa forma, ela defendeu a extensão do teto do seguro-desemprego, de cinco meses para sete meses, para todos os trabalhadores do Brasil. E criticou a atitude do governo de selecionar apenas alguns setores que teriam sido os mais prejudicados pelos impactos da crise, cujo impacto seria de R$ 1,1 bilhão. Segundo ela, apenas 2/3 dos trabalhadores formais recebem o seguro desemprego no Brasil. Hoje existem 35,5 milhões de empregados com carteira assinada.

Janine vê também espaço para aumentar os benefícios do programa Bolsa Família, para o qual o governo desembolsa apenas R$ 12 bilhões anuais, o equivalente a 11,1 milhões de beneficiados. A cifra representa apenas 0,4% do PIB. Enquanto isso, na China, disse a pesquisadora o governo estendeu os benefícios sociais para 30 milhões de pessoas. No Brasil, benefícios oscilam de R$ 20 a R$ 182 mensais.

Segundo ela, assistência social reduz a pobreza e estimula a economia, porque representa mais gastos por parte da população.

O pacote de Obama

O economista da Unctad, Calcagno, apoiou o pacote do presidente dos EUA, Barack Obama - firmado ontem - para socorrer a economia. "O que a administração americana está fazendo agora é muito necessário. E cobre muitos aspectos", disse, porém reconheceu que existe resistência às medidas. "Elas têm recebido críticas em relação à sua imprecisão, pois ainda não se sabe muito bem como vai se conseguir expandir o crédito, se vai conseguir limpar os bancos com seus ativos tóxicos", disse.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 11)(Viviane Monteiro)

Nenhum comentário: