terça-feira, 9 de junho de 2009

O massacre no Peru e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Folha de São Paulo, terça-feira, 09 de junho de 2009


Troca de acusações reforça tensão entre Lima e índios
Principal central sindical peruana convoca para quinta marcha contra governo García, após conflito que deixou ao menos 50 mortos

A dura troca de acusações entre o governo direitista de Alan García e lideranças indígenas e a convocatória de uma marcha sindical em Lima para quinta-feira compuseram ontem o quadro de tensão no Peru, três dias após confronto entre policiais e manifestantes que deixou ao menos 50 mortos no norte do país.
Governo e movimento indígena, que reivindica a revogação de leis pró-investimento na Amazônia peruana, divergem sobre o número de vítimas. Para a Adeisp (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), corroborada por fontes médicas da região na sexta, ao menos 30 indígenas morreram. O governo fala em 9 manifestantes e 24 policiais mortos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), condenou "energicamente" a violência que se desatou durante ação de desbloqueio de uma estrada próxima à cidade de Bagua, a 1.400 km de Lima. A CIDH instou o Estado peruano a "esclarecer judicialmente os episódios" e alertou quanto ao uso desproporcional das forças de segurança.
Hoje, o Conselho Permanente da OEA, em Washington, fará uma sessão extraordinária sobre o confronto peruano.
A oposição e ONGs locais e internacionais acusaram o governo de estar promovendo uma "limpeza" de corpos na região, ainda sob toque de recolher. Lima negou, e os opositores não apresentaram provas.
Segundo o presidente do Conselho de Ministros (premiê) Yehude Simon, o principal líder da Adeisp, Alberto Pizango, refugiou-se na Embaixada da Nicarágua em Lima após ser acusado pelo governo de incitar a violência.
Walter Categari, diretor da Adeisp, disse à Folha que a orientação da associação, que representa 450 mil pessoas de 65 povos indígenas na Amazônia peruana, é seguir a mobilização que completa dois meses hoje, com bloqueios de estradas e ocupações de instalações petrolíferas. "Se pararmos agora, seremos derrotados."
Ontem, a principal central sindical peruana, a CGTP, convocou para quinta uma "Jornada Nacional de Luta", em resposta à violência na Amazônia, acentuando a pressão sobre o governo Alan García, que completa três anos em julho.

Negociação no Congresso
No Congresso, o Partido Nacionalista -de Ollanta Humala, derrotado por García nas eleições de 2006-, anunciou que convocará uma sessão extraordinária para debater o decreto 1.090, chamado de lei florestal.
O adiamento do debate sobre o decreto 1.090 foi um estopim da violência da sexta. No dia anterior, a maioria governista aprovara projeto para congelar o tema no Parlamento até que a mesa de diálogo -formada pelo Executivo e lideranças indígenas, neste momento já em impasse-, chegasse a um acordo.
A norma é um dos pilares do conflito no Peru porque reduz a área de proteção florestal no país e esboça um amplo plano de regulação do investimento na Amazônia.
Ativistas indígenas dizem que estarão disponíveis para atividade econômica mais 45 milhões de hectares, ou 60% da floresta, e que, contrariando legislação internacional adotada pelo Peru, as comunidades indígenas não foram consultadas.
Nos últimos dez anos, cresceu enormemente a ocupação da floresta peruana por empresas mineradoras e petrolíferas. A subsidiária da Petrobras no país explora um lote, com produção de 16 mil barris/dia, e detém concessão de outros cinco lotes ainda em prospecção.

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