segunda-feira, 8 de junho de 2009

Não à Chimérica

Correio Braziliense

08/06/2009

A torcida pela China é puro antiamericanismo

Por Ricardo Allan
ricardoallan.df@diariosassociados.com.br
As ligações econômicas entre a China e os Estados Unidos da América são tão fortes que os dois países estão se fundindo numa Chimérica. A tese é do historiador britânico Niall Ferguson, professor de Harvard e autor do livro A lógica do dinheiro. Mais nova estrela do mundo acadêmico-jornalístico internacional, Ferguson vê essa aliança como o casamento do grande gastador com o grande poupador. Os chineses dependem do apetite consumidor dos norte-americanos, que precisam da disciplina chinesa para formar reservas.

Mesmo com o brutal freio no consumo provocado pela crise, as importações feitas pelos Estados Unidos de produtos chineses superaram as exportações em US$ 266,3 bilhões no ano passado. Sozinhos, os chineses foram responsáveis por 39,2% do déficit comercial norte-americano, que chegou a US$ 680 bilhões. Só para ter uma ideia da grandiosidade desses números, o governo e o empresariado brasileiros comemoraram exportações de US$ 197,9 bilhões e saldo positivo de US$ 24,8 bilhões no comércio exterior no período.

Nas finanças, a interdependência não é menor. A China possui reservas internacionais de US$ 2 trilhões, metade em dólares. Detém o poder de matar a agonizante moeda dos EUA, mas não tem interesse em fazê-lo. Se o dólar ruir, a poupança chinesa cai na mesma proporção. O governo chinês é, de longe, o maior comprador de títulos do Tesouro norte-americano. Se não permanecer adquirindo os papéis, os planos do presidente Barack Obama de aumentar as despesas públicas para tirar o país do buraco serão frustrados.

Lugar comum
O keynesianismo de Obama vai resultar num déficit fiscal de US$ 1,9 trilhão neste ano, o equivalente a 13% do Produto Interno Bruto (PIB). Como Ferguson notou, a última vez em que tamanho rombo nas contas públicas ocorreu foi em 1942, como consequência da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Como disse outra estrela internacional do momento, o jornalista de assuntos internacionais indiano Fareed Zakaria, um dia os chineses podem se cansar de financiar as duas maiores expansões fiscais do mundo: a deles próprios e a dos norte-americanos.

Ferguson é presença constante no programa dominical de Zakaria na CNN, GPS (recomendo). No penúltimo, o britânico afirmou que Chimérica conduziu a expansão global nos últimos anos e qualificou os Estados Unidos de “império em decadência”. “Certamente os EUA vão ruir como todos os impérios ruíram: por causa da dívida excessiva, especialmente nas mãos de estrangeiros, e suas baixas taxas de crescimento. Essa foi a experiência britânica, espanhola, francesa. Escolha um exemplo”, disse. Virou lugar comum não só qualificar o país como um império como garantir que seus dias estão contados.

Zakaria não cedeu à tentação. Em seu livro O mundo pós-americano (recomendo vivamente), ele defende a tese de que os Estados Unidos não estão em decadência. Na verdade, eles estão perdendo terreno para os países emergentes, principalmente China e Índia. Mas sim porque os outros estão subindo numa velocidade superior, o que Zakaria chama de “a ascensão do resto”. Pura física newtoniana, que ele prova com fartos argumentos no livro. Nesse mundo mais multifacetado, os EUA terão que ceder parte de seu poder aos demais, o que já vem ocorrendo, como demonstra a experiência do G-20.

Amechina
Os números da economia chinesa são alarmantes. Qualquer coisa multiplicada por 1,3 bilhão de habitantes seria. Um número cada vez maior de pessoas torce para que se torne a primeira do mundo. Em 2008, o PIB chinês foi de US$ 4,4 trilhões, o japonês, de US$ 4,9 trilhões e o norte-americano, de US$ 14,3 trilhões. Não demora a China será a segunda. Quanto à liderança no ranking, as projeções divergem: alguns consideram que será alcançada em 2050. Outros põem mais fé no milagre oriental e encurtam a data para 2027.

A torcida pela China é puro antiamericanismo. Há um clamor para ver o país de joelhos. Vários governantes põem a culpa nos EUA por tudo de ruim que existe no mundo, escondendo a própria incompetência para fazer progredir suas nações. Os EUA se comportam como maiorais porque podem. Se o Brasil (ou a China) tivesse idêntico poderio militar, econômico, cultural e científico, faria o mesmo. Franceses e ingleses ridicularizam o american way of life, mas a expansão militar do país, em parte, é resultado da fraqueza dos concorrentes — a Europa já foi salva pelas tropas ianques pelo menos duas vezes.

A China não deve ser tomada como exemplo. Ou melhor, só por quem queira seguir a determinação de sua nomenclatura em eliminar obstáculos em nome do crescimento. Na China, não há direitos humanos, trabalhistas ou do consumidor. A informação é controlada. Até dentro do país, viajar pode ser perigoso. Para construir as instalações olímpicas, bairros inteiros de Pequim foram varridos e seus moradores enviados ao interior. Mendigos sumiram.

Apesar da gangue que tomou o poder entre 2001 e 2008, desvirtuando os princípios sobre os quais o país surgiu, os Estados Unidos têm um histórico de liberdade e democracia sem igual. Milhares de refugiados correm para lá. Se pudessem, milhões fugiriam da China. O termo Chimérica sugere a incorporação dos norte-americanos pelos chineses. Se a fusão for inevitável, melhor será a criação da Amechina.

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