Época
01/06/2009
Christopher Hitchens
No outono de 1978, fui abordado por um grupo de defensores dos direitos dos tâmeis do Sri Lanka que fizeram uma visita à redação do semanário socialista em Londres em que eu trabalhava e me imploraram para fazer uma visita a seu país. Disseram “seu” país, embora o chamassem de “Ceilão”: o nome colonial britânico que continuou a ser o nome do país depois da independência em 1948. Ele só foi mudado em 1972. Lanka é a palavra para ilha em sânscrito. O prefixo Sri tem conotação sagrada. A alteração refletiu as aspirações e preferências da maioria budista e dos que falavam cingalês.
Tudo o que esses camaradas tâmeis queriam era uma reportagem de tipo humanitário. Um ciclone violento tinha acabado de atingir a costa leste da ilha, área com alta densidade populacional tâmil. Eles temiam que o governo não se esforçasse muito para levar socorro a uma área tâmil e me pediram para agir como observador.
Então, passei alguns dias daquele dezembro nas cidades devastadas pelo ciclone e descobri que, de fato, o esforço para socorrê-los era muito inadequado. Também descobri a forte sensação que muitos tâmeis tinham de ser cidadãos de segunda classe. Muitos deles eram nativos da ilha, enquanto outros haviam sido trazidos das áreas tâmeis do sul da Índia pelos britânicos no século XIX para trabalhar nas plantações do chá mais delicioso do mundo. Como eles costumam ser um pouco menores e mais escuros que os cingaleses, mais proletarizados, e são na maioria hindus, e não budistas, os tâmeis sempre foram desprezados e submetidos a discriminação. Eu me interessei, escrevi artigos, fiz discursos em prol dos tâmeis, ironizei os extremistas nacionalistas budistas que adoravam o dente de Buda e organizaram massacres contra os tâmeis, e comecei a ter amigos tâmeis.
O fim dos Tigres tâmeis do Sri Lanka mostra que
as maiorias também têm direitos
Também percebi vagamente que, por trás da ladainha geral de queixas e lamentações dos tâmeis, muitas delas justificadas, havia outra força completamente diferente. Ela era discretamente chamada de “os Tigres”. Seus simpatizantes podiam ser reconhecidos por causa do costume de não usar o nome Sri Lanka ou mesmo Ceilão, mas “Eelam”: o nome de um futuro país só de tâmeis. Sem me dar conta, estive presente nos primeiros momentos dessa organização, que tinha uma boa dose de apoio entre a diáspora. Há muitas comunidades de tâmeis ganhando muito dinheiro na Europa e na América do Norte, e o apoio delas foi importante para a duração da mais longa guerra civil da Ásia, que agora chegou ao fim.
Mesmo se somarmos as duas populações tâmeis reconhecidas do Sri Lanka, elas não representam nem um quinto da população do país. Mas no auge de sua militância desenfreada, os Tigres pela Libertação do Eelam Tâmil chegaram a controlar um terço do território do Sri Lanka e passaram muito dos limites. Estabeleceram uma ditadura nas áreas que controlavam, recrutaram tanto crianças para lutar como soldados quanto homens-bomba suicidas. Um deles até assassinou o primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi em 1991: uma coisa realmente suicida para fazer, visto que os tâmeis precisavam da simpatia da Índia. O endurecimento do sentimento cingalês, divisões e deserções e a aquisição de aviões de guerra e outros equipamentos comprados da China e do Paquistão acabaram dando capacidade de ação para o governo central em Colombo. Tendo decidido lutar como um Exército convencional que pertencia a um Estado separado, os Tigres foram agora derrotados como um Exército convencional e seu Estado deixou de existir. Permanece o problema da população tâmil em si. Não é muito provável que o regime vitorioso do presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, esteja na melhor posição para estender a mão à liderança civil tâmil. Mas seria uma surpresa muito agradável se ele fizesse isso.
Não é verdade, como alguns esquerdistas costumam acreditar, que rebeliões, uma vez começadas, tenham a história a seu lado. Assim como por países como o Reino Unido e a Rússia, elas podem ser derrotadas por alguns Estados do Terceiro Mundo. Lideranças rebeldes muitas vezes cometem erros na batalha pelos “corações e mentes”, exatamente como fazem os governos. Os governos não são sempre estúpidos a ponto de banir a imprensa, dizer às agências de direitos humanos para ficar de fora e confiar no desejo popular por lei e ordem. Pode também ser importante ter em mente, como no Sri Lanka, onde isso foi decisivo, que as maiorias também têm direitos.
No outono de 1978, fui abordado por um grupo de defensores dos direitos dos tâmeis do Sri Lanka que fizeram uma visita à redação do semanário socialista em Londres em que eu trabalhava e me imploraram para fazer uma visita a seu país. Disseram “seu” país, embora o chamassem de “Ceilão”: o nome colonial britânico que continuou a ser o nome do país depois da independência em 1948. Ele só foi mudado em 1972. Lanka é a palavra para ilha em sânscrito. O prefixo Sri tem conotação sagrada. A alteração refletiu as aspirações e preferências da maioria budista e dos que falavam cingalês.
Tudo o que esses camaradas tâmeis queriam era uma reportagem de tipo humanitário. Um ciclone violento tinha acabado de atingir a costa leste da ilha, área com alta densidade populacional tâmil. Eles temiam que o governo não se esforçasse muito para levar socorro a uma área tâmil e me pediram para agir como observador.
Então, passei alguns dias daquele dezembro nas cidades devastadas pelo ciclone e descobri que, de fato, o esforço para socorrê-los era muito inadequado. Também descobri a forte sensação que muitos tâmeis tinham de ser cidadãos de segunda classe. Muitos deles eram nativos da ilha, enquanto outros haviam sido trazidos das áreas tâmeis do sul da Índia pelos britânicos no século XIX para trabalhar nas plantações do chá mais delicioso do mundo. Como eles costumam ser um pouco menores e mais escuros que os cingaleses, mais proletarizados, e são na maioria hindus, e não budistas, os tâmeis sempre foram desprezados e submetidos a discriminação. Eu me interessei, escrevi artigos, fiz discursos em prol dos tâmeis, ironizei os extremistas nacionalistas budistas que adoravam o dente de Buda e organizaram massacres contra os tâmeis, e comecei a ter amigos tâmeis.
O fim dos Tigres tâmeis do Sri Lanka mostra que
as maiorias também têm direitos
Também percebi vagamente que, por trás da ladainha geral de queixas e lamentações dos tâmeis, muitas delas justificadas, havia outra força completamente diferente. Ela era discretamente chamada de “os Tigres”. Seus simpatizantes podiam ser reconhecidos por causa do costume de não usar o nome Sri Lanka ou mesmo Ceilão, mas “Eelam”: o nome de um futuro país só de tâmeis. Sem me dar conta, estive presente nos primeiros momentos dessa organização, que tinha uma boa dose de apoio entre a diáspora. Há muitas comunidades de tâmeis ganhando muito dinheiro na Europa e na América do Norte, e o apoio delas foi importante para a duração da mais longa guerra civil da Ásia, que agora chegou ao fim.
Mesmo se somarmos as duas populações tâmeis reconhecidas do Sri Lanka, elas não representam nem um quinto da população do país. Mas no auge de sua militância desenfreada, os Tigres pela Libertação do Eelam Tâmil chegaram a controlar um terço do território do Sri Lanka e passaram muito dos limites. Estabeleceram uma ditadura nas áreas que controlavam, recrutaram tanto crianças para lutar como soldados quanto homens-bomba suicidas. Um deles até assassinou o primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi em 1991: uma coisa realmente suicida para fazer, visto que os tâmeis precisavam da simpatia da Índia. O endurecimento do sentimento cingalês, divisões e deserções e a aquisição de aviões de guerra e outros equipamentos comprados da China e do Paquistão acabaram dando capacidade de ação para o governo central em Colombo. Tendo decidido lutar como um Exército convencional que pertencia a um Estado separado, os Tigres foram agora derrotados como um Exército convencional e seu Estado deixou de existir. Permanece o problema da população tâmil em si. Não é muito provável que o regime vitorioso do presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, esteja na melhor posição para estender a mão à liderança civil tâmil. Mas seria uma surpresa muito agradável se ele fizesse isso.
Não é verdade, como alguns esquerdistas costumam acreditar, que rebeliões, uma vez começadas, tenham a história a seu lado. Assim como por países como o Reino Unido e a Rússia, elas podem ser derrotadas por alguns Estados do Terceiro Mundo. Lideranças rebeldes muitas vezes cometem erros na batalha pelos “corações e mentes”, exatamente como fazem os governos. Os governos não são sempre estúpidos a ponto de banir a imprensa, dizer às agências de direitos humanos para ficar de fora e confiar no desejo popular por lei e ordem. Pode também ser importante ter em mente, como no Sri Lanka, onde isso foi decisivo, que as maiorias também têm direitos.
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