O Globo
09/06/2009
Respostas à crise são rechaçadas pelo eleitorado, que vota na direita. Verdes também crescem
BRUXELAS
A crise econômica mundial atropelou grande parte dos partidos de esquerda europeus, que assistiram à centro-direita dominar o novo Parlamento Europeu (PE).
Em eleições que foram marcadas pelo baixo comparecimento (43%), a desorganização em que vivem os partidos social-democratas dos maiores países da União Europeia deu à esquerda uma grande derrota, no momento em que tudo indica que os eurodeputados ganharão mais poder do que jamais tiveram.
Em termos continentais, as legendas que pertencem ao Partido Popular Europeu (PPE, a aliança da centro-direita) conquistaram quase 36% dos votos, ficando com 265 das 736 cadeiras do PE. Já os integrantes do Partido dos Socialistas Europeus elegeram somente 162 eurodeputados, com menos de 22% dos votos.
Segundo o presidente do PPE, Joseph Daul, o voto foi um recado do povo europeu de que ele não quer que os países invistam ainda mais dinheiro público em pacotes de estímulo para a economia. A centro-direita já se prepara para propor uma aliança com o grupo de liberais europeus (a Alde), a terceira força do PE, com 80 deputados.
O presidente do grupo socialista, Martin Schulz, reagiu a esta possibilidade: — Esta é certamente uma noite triste e amarga para a social-democracia. Mas vamos tentar frear as forças descontroladas do mercado, ainda que com uma base menos sólida que antes.
A eleição registrou também o crescimento do movimento ecológico, que aumentou sua participação em dez cadeiras, para 53. Os partidos verdes de cada país também foram os únicos a participarem da campanha com um discurso unificado em todos os países.
A extrema-direita conquistou algumas vitórias, crescendo em Hungria, Bulgária, Finlândia, Áustria e Holanda. Mas sofreu reveses, sendo varrida de países como Alemanha, Polônia e Bélgica. O rechaço a governos também provocou a derrota de alguns governantes de direita. Foi o caso de Grécia, Estônia e Malta. Em eleição comentada em toda a Europa, o Partido Pirata, da Suécia, conquistou uma cadeira.
Com cerca de 7% dos votos, a legenda será representada por Christian Engstrom. O grupo defende que arquivos de computador possam ser livremente compartilhados para fins não comerciais, e que a duração dos direitos de patente seja menor. O partido se tornou conhecido depois que o site Pirate Bay foi tornado ilegal por um tribunal.
Mais do que alterar a relação de forças no PE, hoje responsável pelo orçamento e por dois terços das leis europeias, o voto do fim de semana influenciou diretamente o quadro político de diversos países.
REINO UNIDO
Fernando Duarte
LONDRES. O fato de o Partido Trabalhista do Reino Unido ter tido a menor votação numa eleição nacional desde 1910 prometia ser uma oportunidade ideal para os rebeldes da legenda atacarem Gordon Brown. Porém, depois de uma longa reunião ontem, o premier pareceu ter sobrevivido a mais uma tentativa de deposição com o que algumas testemunhas disseram à mídia britânica ter sido o discurso de sua vida.
Embora o encontro tenha terminado em aplausos, Brown teve um dia tenso. Além da divulgação dos resultados da eleição europeia, em que os trabalhistas terminaram num humilhante terceiro lugar, com pouco mais de 15% dos votos, o premier precisou lidar com dois influentes colegas de partido, Charles Clarke e Stephen Byers, que pediram sua renúncia na reunião.
Brown disse aos colegas de Parlamento que estava disposto a aprender com seus erros, mas que a união no partido não era algo que precisava ser pedida. No entanto, a mídia britânica especulava ontem que o premier precisou fazer concessões aos rebeldes, como a promessa de um inquérito parlamentar sobre a invasão do Iraque — um assunto que divide seriamente os trabalhistas desde 2003.
— O premier também prometeu ouvir mais a base parlamentar em vez de apenas o Gabinete. Se cumprir, vai calar os críticos por enquanto — afirmou o deputado Barry Sherman, que atacara Brown nos últimos dias.
Enquanto isso, a oposição festejava. Os conservadores, pela desgraça de seus principais rivais, e por um desempenho de certa forma surpreendente nas eleições europeias — a legenda não vencia no País de Gales, por exemplo, desde 1918. O UKIP, partido nanico em termos nacionais, mas cuja plataforma de independência do Reino Unido em relação à União Europeia tem conquistado adeptos, celebrava ter conseguido 13 cadeiras, o mesmo que os trabalhistas.
Houve também festejos no Partido Nacional Britânico (BNP): a polêmica legenda de extremadireita, cuja plataforma é marcada por xenofobia e racismo, obteve duas cadeiras na assembleia continental.
ESPANHA
MADRI. As eleições europeias podem significar o marco de uma virada na Espanha. Afinal de contas, foram as primeiras eleições nacionais espanholas vencidas pelo conservador Partido Popular desde o ano 2000. Ontem, o PP já exigia que o presidente do governo espanhol, o socialista José Luis Zapatero, fosse submetido a um voto de confiança no Parlamento do país.
— A mudança está crescendo na sociedade espanhola — disse o vice-secretário-geral do PP, Esteban Gonzáles Pons. Zapatero foi duramente derrotado nas urnas. Seu partido, o PSOE, recebeu apenas 38,5% dos votos, atrás dos 42,2% do PP. A derrota do partido do governo já era esperada.
A Espanha é o país da Europa Ocidental que mais está sofrendo as consequências da crise econômica mundial, com taxas de desemprego que superam os 17%. Talvez a gravidade da crise tenha, inclusive, suavizado a reação do PP. Apesar de o PP ter dito ontem que a desculpa do governo de que a crise é internacional é “simplista”, o PP não faz planos de pedir a convocação antecipada de eleições.
FRANÇA
PARIS. A eleição para o Parlamento Europeu marcou, simultaneamente, uma grande vitória do presidente Nicolas Sarkozy e uma derrota de proporções históricas para o Partido Socialista.
Aparentemente imune ao agravamento da crise econômica e aos protestos que começaram a tomar as ruas das cidades francesas, conseguiu algo inédito, como fez questão de frisar Xavier Bertrand, secretáriogeral da União para uma Maioria Popular (UMP), o partido de Sarkozy: — O partido obteve um êxito maior do que o previsto. É a primeira vez desde 1970 que o partido do presidente ganha as eleições europeias.
Sarkozy — cujo partido teve 27,8% dos votos, elegendo 29 eurodeputados — conseguiu duas vitórias simultâneas. Com seu forte discurso contra imigrantes em situação ilegal, acabou tomando votos que tradicionalmente eram depositados em legendas de extrema-direita, como a Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen, que obteve só 6,3% dos votos.
Mas a maior derrota — e, ao mesmo tempo, principal resultado para a política francesa e para a hegemonia política de Sarkozy — acabou sendo o afundamento dos socialistas. Vivendo uma feroz luta interna, o PS teve 16,4% dos votos, elegendo apenas 14 eurodeputados. A derrota socialista foi tão grave que, em número de cadeiras, ele empatou com uma nova coalizão de ecologistas, liderada por Daniel Cohn-Bendit, líder estudantil em maio de 1968.
PORTUGAL
LISBOA. As eleições europeias representaram um terremoto político em Portugal, onde o primeiroministro, José Sócrates, sofreu uma amarga e dupla derrota. Seu Partido Socialista perdeu meio milhão de votos em relação a 2004, despencando de 44,2% para 26,6% dos votos.
Aproveitando a crise no governo, o Partido SocialDemocrata, de direita, conquistou 32,3% dos votos. A virada na preferência do eleitorado pode indicar uma mudança no governo português. O país terá eleições gerais em setembro.
Em outra má notícia para o PS, outros partidos de esquerda cresceram. O Bloco de Esquerda conquistou 10,7% dos votos. O antigo Partido Comunista (hoje Coligação Democrática Unitária, CDU) teve 10,6%. Desta forma, houve mais de 20% de votos à esquerda do PS.
ITÁLIA
ROMA. Atolado numa grande crise política devido a denúncias sobre uso de dinheiro público nas polêmicas festas numa de suas mansões na Sardenha, o premier da Itália, Silvio Berlusconi, conquistou uma vitória ontem nas eleições europeias. Seu partido, o conservador Povo da Liberdade (PdL), teve 35,2% dos votos, derrotando facilmente o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.
O resultado acabou gerando críticas aos dois principais protagonistas do pleito. Berlusconi anunciara várias vezes durante a campanha que pretendia ter entre 40% e 45% dos votos, para que o PdL se tornasse o maior partido nacional dentro do bloco de centro-direita europeu. Não conseguiu. Ao mesmo tempo, o PD, que tenta se recuperar de disputas internas, foi criticado por não ter usado na campanha os escândalos sexuais do premier.
ALEMANHA
BERLIM. Entre os governantes europeus, a maior vitória foi a da chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, que se consolidou como a maior estrela da direita europeia. A governista União Democrática Cristã (CDU) teve 37,8% dos votos, conseguindo a maior bancada do Parlamento Europeu. Na verdade, a comemoração ocorreu em grande parte devido à derrota do principal partido de oposição, o social-democrata SPD — a legenda ficou 17 pontos percentuais atrás da CDU.
Para o cenário nacional, a vitória do partido de Merkel já leva a legenda a pensar em mudar de parceiro nas próximas eleições alemãs. Hoje, para conseguir uma maioria no Parlamento, o governo é formado exatamente pelos adversários CDU e SPD. Merkel anunciou que quer, da próxima vez, se aliar com o Partido Liberal.
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