quinta-feira, 11 de junho de 2009

Corte Européia de Direitos Humanos

Valor Economico de 10 de junho de 2009
A Corte Europeia de Direitos Humano




Muito progresso se tem alcançado em tribunais de direitos humanos fundamentais, que compreendem não somente direitos individuais da pessoa humana como outros também aplicáveis inerentemente a pessoas jurídicas, tais como o direito a propriedade, à não-discriminação, ao devido processo legal, entre outros. A Corte Europeia de Direitos Humanos tem sido um dos exemplos mais atuantes tentando preservar a autonomia dos Estados-membros no tocante à margem de apreciação de cada Estado para a adoção de suas políticas públicas e dos meios para concretizá-las. A convenção foi celebrada em 1950 e abrange, até o presente momento, 47 países com uma população de mais de 800 milhões de habitantes, tendo sido iniciada com apenas dez países.

Como contraponto a essa margem discricionária dos Estados-membros do Conselho da Europa, a Corte Europeia de Direitos Humanos tem adotado critérios de interpretação para o controle jurisdicional de atos normativos ou executivos das autoridades nacionais que, injustificadamente, limitem ou afetem o exercício na prática dos direitos fundamentais consagrados na convenção. Recordo-me, ao escrever esse breve artigo, da sessão que presenciei na corte em Estraburgo, em 12 de setembro de 2007, que tratava de um caso de discriminação relativo ao imposto sobre herança inglês que envolvia o tratamento discriminatório de duas irmãs em torno de 80 anos e que viviam juntas há mais de 40 anos.

O caso, em si, demonstra todos os princípios de interpretação adotados pela corte, em princípio reconhecendo a competência discricionária para o estabelecimento de leis com objetivos de políticas públicas legítimas (no caso afastar discriminação sexual, reconhecendo a união civil entre pessoas do mesmo sexo e lhes dar tratamento tributário semelhante aos de casais heterossexuais), de comparação com standards adotados, se houver, em outros países na mesma matéria, estabelecimento de mínimos standards de proteção dos direitos fundamentais, de uma interpretação que se evolui no tempo, de acordo com circunstâncias socioeconômicas, legais e culturais, em linha com uma interpretação teleológica, sistemática e evolutiva, procurando encontrar em cada caso um equilíbrio justo entre o interesse público alegado por cada Estado e o direito fundamental que teria sido violado.

Às vezes pode-se considerar que a corte não tem avançado como poderia na proteção efetiva dos direitos fundamentais, concedendo muita margem discricionária aos Estados e adotando uma visão utilitarista dos direitos individuais e mais preocupada com standards mínimos. Mas o fato é que suas decisões tem enriquecido não somente tribunais domésticos de países-membros e não-membros, como outros tribunais internacionais, como a Internacional Corte de Justiça e o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso porque, ao ser fixado um standard mínimo de proteção aos direitos fundamentais, o Estado em questão, além de dever mudar sua legislação, terá que tomar o cuidado para que sua prática externa em outras organizações internacionais não venham a infringir o mesmo direito individual protegido por uma corte.

Assim, por exemplo, se um país violou o direito expropriatório da justa indenização ou o direito internacional de mudar de residência, ou ainda o tratamento discriminatório entre exportadores ou importadores de mercadorias e serviços de um país em relação a outros, bem como estabeleceu, através de normas regulatórias restrições ou constrições indevidas ao direito de propriedade, deverá ter o mesmo cuidado em suas outras relações com países não-membros. Isso em função de outros acordos internacionais, sejam regionais - como Nafta e Mercosul - ou globais, como a OMC, no que tange ao comércio internacional, e a outros tratados de segurança ou de proteção ao meio ambiente, por exemplo. Por outro lado, o mesmo standard de proteção a um direito fundamental a que um Estado-membro do Conselho da Europa ficou submetido, ele poderia exigir de outros em suas relações comerciais e até jurídicas de cumprimento de outros tratados já em vigor como a OMC.

Esses assuntos estão ainda para serem mais desenvolvidos, mas já são uma realidade que comprova os efeitos irradiantes globais de proteção efetiva dos direitos individuais num mundo cada vez mais inter-relacionado. Outra maneira da influência da jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos na jurisdição de países não-membros é por meio da figura do transplante ou empréstimos de métodos ("constitutional borrowings") de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais. Como corte internacional, ao estabelecer standards mínimos de proteção, ela acaba por influenciar inclusive cortes constitucionais de outras jurisdições, tais como a Suprema Corte dos Estados Unidos, que historicamente tem demonstrado pouca importância ao direito estrangeiro e à jurisprudência de outros tribunais. Como se tratam de direitos fundamentais, considerados universais em sua concepção e aplicação, a tendência é a de se ter uma menor resistência ao entendimento, em especial de jurisdições internacionais como o da Corte Europeia de Direitos Humanos.

Não se tratam de meros transplantes de conclusões de casos concretos, que muitas vezes dependem de fatos e circunstâncias específicas, mas sim de uma troca de análises de forma e substância para a maior concretude e efetividade possível dos direitos fundamentais, que já podem ser chamados direitos internacionais.

João Dácio Rolim é sócio fundador do escritório Rolim, Godoi, Viotti & Leite Campos Advogados, professor de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV), LLM em direito tributário internacional pela London School of Economics, doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisador pela Queen Mary University of London, conselheiro fundador do Instituto de Estudos Fiscais (IEFi) e membro da International Fiscal Association (IFA), do European American Tax Institute (EATI) e do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF)

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