quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mau momento

O Globo

18/06/2009

Se a crise econômica decorre de um fracasso do capitalismo, especialmente de sua versão mais liberal, então as esquerdas deveriam ter vencido as recentes eleições para o Parlamento europeu. Sempre críticas da economia de mercado e favoráveis aos controles estatais, as esquerdas tinham a oportunidade de ouro para ganhar a aprovação dos eleitores, neste momento em que a Europa é uma das maiores vítimas da recessão.

Mas perderam, ampla e variadamente.

Perderam os trabalhistas, os socialdemocratas e os socialistas. Perderam tanto os partidos que estão nos governos locais quanto na oposição.

Ganhou a direita, também nas suas várias modalidades e nas diferentes situações. Conservadores, que são oposição na Inglaterra e na Espanha, fizeram a maioria. Na França e na Alemanha, as direitas do presidente Nicolas Sarkozy e da chanceler Angela Merkel obtiveram ampla vantagem.

Pode-se concluir daí que os eleitores preferiram voltar à tendência liberal, entendendo talvez que a esquerda não estava sabendo lidar com a crise? Longe disso.

Tome-se a França. Sarkozy simplesmente tomou as bandeiras dos socialistas, atacou o capitalismo financeiro, criticou a globalização, colocou dinheiro público e regras para proteger empresas francesas e ainda ameaçou as companhias que investissem em outros países, mesmo sendo integrantes da União Europeia.

No que se refere a outros assuntos, Sarkozy continuou firme: duro com a imigração, por exemplo.

Tudo somado e subtraído, o resultado saiu o pior possível, isso do ponto de vista daqueles que prezam ao máximo a liberdade tanto individual quanto econômica.

A esquerda tradicional europeia é internacionalista, aberta, no que se refere aos direitos humanos. Defende a liberdade e o direito do imigrante de viver e trabalhar em paz onde quiser.

Sustentam a liberdade religiosa e política, apóiam a ampliação da União Europeia.

Essa esquerda, porém, é nacionalista, protecionista e estatizante na questão econômica. Defende restrições à liberdade de mercado.

Grosso modo, pode-se dizer que a direita tradicional europeia vai mais ou menos na direção contrária.

Privatizante e aberta na economia, mais restrita especialmente na questão dos imigrantes.

A direita que venceu na Europa não apenas exagera nas questões sociais — houve claras manifestações racistas e de intolerância religiosa e nacional — como absorveu o lado estatizante da esquerda. E não poucas lideranças de esquerda tentaram mudar o tom nas questões sociais para tentar capturar votos nas periferias xenófobas.

O quadro revela também uma absoluta carência de lideranças de um lado e de outro. Nem as antigas nem as novas conseguiram empolgar o eleitorado em torno, por exemplo, de políticas anticrise. Não conseguiram sequer apresentar rumos para a própria União Europeia. A Hungria elegeu direitistas que fizeram campanha pedindo a expulsão de ciganos para a Romênia, onde outros ganharam prometendo expulsar os húngaros. Claro, são minorias, mas só o fato de terem prosperado já é um mau sinal.

No geral, os eleitores mostraram um mal-estar espalhado, da economia à vida em geral, mas não escolheram uma resposta, em grande parte porque nenhuma proposta consistente foi apresentada.

É um problema para a Europa e para o mundo. Mais de um terço do PIB mundial está na União Europeia. Ali estão países ricos e alguns dos principais emergentes. Eles deveriam ser parte da solução global, em vez de cada país adotar atitudes defensivas isoladas, como tem ocorrido.

Assim, neste momento delicado, resta uma liderança capaz de empolgar o mundo e pavimentar caminhos, Barack Obama, claro. O problema é que ele ainda está em fase de testes, sem contar que o desafio é monumental.

Veremos.

Do lado emergente, a candidatura mais forte à liderança é a da China. Pelo peso econômico, até faz sentido: tem quase 8% do PIB mundial, é a terceira economia do planeta, caminhando rápido para ultrapassar a segunda (Japão) e ficar atrás apenas dos EUA, tendo demonstrado uma extraordinária capacidade de resistência à crise.

“Probleminha”: o modelo chinês só funciona com ditadura.

Voltamos a Obama.

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