terça-feira, 30 de junho de 2009

Textos na Revista Isagoria

http://isegoria.revistas.csic.es/index.php/isegoria Enviado pelo Prof Marcus Firmino Santiago temos acesso a textos importantes de Benhabib sobre Direitos Humanos e um outro artigo sobre Hans Jonas

domingo, 28 de junho de 2009

A biblioteca de José Midlin

http://www.brasiliana.usp.br/ A mestre em Direito pela Puc-rio e Procuradora Regional da República envia esse endereço da coleção brasiliana da Biblioteca José Midlin. Acesse é importante para compreender o Brasil.

A cadeia de comando no Araguaia

Folha de São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009




Ordens no Araguaia eram dadas por quatro generais
Militar Lício Maciel afirma que guerrilheiros do PC do B foram mortos em confrontos

O major Curió disse que militantes foram mortos quando já estavam presos, mas não citou qual militar teria dado essa ordem

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O tenente-coronel da reserva do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o "major Curió", guarda silêncio sobre um ponto fundamental na história da guerrilha do Araguaia: qual oficial superior teria mandado as equipes militares de campo executarem guerrilheiros desarmados e prisioneiros.
Segundo as recentes entrevistas dadas ao jornal "O Estado de S. Paulo", Curió disse ter recebido "ordens superiores", de oficiais cujos nomes omitiu, "para não deixar rastros da guerrilha". Citou assassinatos de duas prisioneiras, mas negou ter sido o autor. Também não esclareceu os locais em que os corpos de guerrilheiros teriam sido enterrados.
Dois oficiais do Exército que tiveram papel destacado no combate à guerrilha -mas que negaram saber de ordem de execução de prisioneiros- descreveram à Folha a cadeia de comando militar das operações. Eles demonstraram irritação com as declarações de Curió e negaram assassinatos de guerrilheiros dominados.
Concederam entrevistas à Folha, por telefone, o coronel da reserva Gilberto Airton Zenkner, 75, que foi o coordenador do plano de infiltração "Operação Sucuri", a segunda fase da campanha, e o tenente-coronel reformado Lício Augusto Ribeiro Maciel, 79, ferido num tiroteio ao lado de Curió no início da terceira campanha, a "Operação Marajoara", que exterminou a guerrilha.
O coronel Lício, autor de um livro sobre o episódio, disse que por volta do dia 7 de outubro de 1973 recebeu uma "ordem superior" para capturar os guerrilheiros "vivos ou mortos". Segundo Lício, a ordem não falava de execução de prisioneiros.
A ordem, segundo ele, mudou todo o esquema dos militares para o combate. A partir dela, os guerrilheiros foram sendo eliminados -segundo ele, sempre em confrontos armados. O tenente-coronel disse que não guardou nenhuma cópia da ordem nem se recorda do nome de quem a assinou.
Ao longo dos quatro anos em que durou o conflito, as Forças Armadas lançaram três campanhas contra os militantes do PC do B que pretendiam derrubar a ditadura (1964-1985) e fundar um governo comunista no Brasil. A cadeia de comando modificou-se ao longo desse período. A ordem de oficiais descrita nas entrevistas corresponde à época da "Marajoara", que se estendeu de 1973 a meados de 1974. No período ocorreram 47 desaparecimentos de guerrilheiros, segundo o livro "A Lei da Selva", de Hugo Studart.
De acordo com Lício, a cadeia começava no presidente da República, Emílio Médici, passava pelo ministro do Exército, Orlando Geisel, pelo general Milton Tavares de Souza, comandante do CIE (Centro de Informações do Exército), e chegava ao chefe da seção de operações do CIE, coronel Carlos Sérgio Torres. Os quatro oficiais morreram entre o final do anos 70 e o final dos 80.
Torres enviava as ordens para as equipes de campo, em sintonia com seu superior, Tavares, depois substituído na chefia do CIE pelo general Confúcio Avelino. "As ordens vinham de Médici, de Geisel, de Milton e de Torres. Os nossos relatórios faziam o caminho inverso", disse Lício, para quem Torres foi "um homem valoroso".
"O Curió demonstrou total má-fé. Dizer que "respeita" os bandidos. Eles tinham o dinheiro dos comunistas. Os próprios generais em Brasília ficavam revoltados. A tropa, andando na mata, eles matavam e ficava por isso mesmo. Por quê? Porque eles [militares] não tinham [até 73] ordem para revidar", disse Lício.

Irã em decomposição

São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009 Caderno Mais



Irã em decomposição
Pressão social e por abertura política inspirada na revolução de 1979 torna inevitável o declínio de Ahmadinejad

SLAVOJ ZIZEK
COLUNISTA DA FOLHA

Q uando um regime autoritário se aproxima de sua crise final, sua dissolução, via de regra, se dá em dois passos. Antes de seu desabamento de fato, ocorre uma ruptura misteriosa: de repente, as pessoas sabem que o jogo já chegou ao fim e simplesmente deixam de sentir medo. Não é apenas que o regime perde sua legitimidade, mas seu próprio exercício do poder é visto como reação importante de pânico.
Em "Shah of Shahs" [Xá dos Xás], um relato clássico da revolução de Khomeini, Ryszard Kapuscinski localizou o momento preciso dessa ruptura: numa encruzilhada em Teerã, um manifestante isolado se negou a sair do lugar quando um policial lhe ordenou aos gritos que saísse. O policial, constrangido, simplesmente se afastou. Em poucas horas, Teerã inteira já sabia do incidente, e, embora os enfrentamentos nas ruas tenham continuado por semanas, todo mundo já sabia que a partida chegara ao fim. Estará algo semelhante acontecendo agora?

Fatos e versões
Há muitas versões sobre os acontecimentos em Teerã. Alguns enxergam nos protestos a culminação do "movimento reformista" pró-ocidental, na linha das revoluções "cor de laranja" na Ucrânia, na Geórgia etc. -ou seja, uma reação secular à revolução de Khomeini. Eles apoiam os protestos, que veem como o primeiro passo em direção a um novo Irã liberal-democrático, liberto do fundamentalismo muçulmano.
Contra eles se erguem os céticos que pensam que Ahmadinejad venceu de fato: ele seria a voz da maioria, enquanto o apoio ao candidato reformista derrotado Mir Hossein Mousavi viria sobretudo da classe média e de sua juventude dourada. E há os que veem em Mousavi nada mais do que um membro do establishment dos clérigos, cujas diferenças com Ahmadinejad são apenas superficiais: Mousavi também quer levar adiante o programa de energia atômica, é contra o reconhecimento de Israel e teve o pleno apoio de Khomeini quando foi primeiro-ministro nos anos da guerra contra o Iraque.
Finalmente, os mais lamentáveis de todos são os defensores esquerdistas de Ahmadinejad: para eles, o que realmente está em jogo é a independência iraniana. Ahmadinejad teria vencido porque defendeu a independência do país, expôs a corrupção das elites e usou a riqueza petrolífera para incrementar a renda da maioria pobre.
Essa visão ignora os fatos, a saber: o alto índice de participação na eleição, que dos 55% de praxe subiu para 85%, só pode ser explicado como um voto de protesto. E também manifesta uma cegueira em relação a uma demonstração genuína de vontade popular, ao pressupor, de maneira paternalista, que Ahmadinejad é o presidente que convém aos atrasados iranianos, que ainda não teriam maturidade suficiente para serem governados por uma esquerda secular.
Por mais que se oponham, todas essas versões interpretam os protestos iranianos segundo o eixo de linha-dura islâmica versus reformistas liberais pró-ocidentais. E é por isso que elas têm tanta dificuldade em situar Mousavi: ele seria um reformista que tem o apoio do Ocidente e procura mais liberdade pessoal e economia de mercado ou é um membro do establishment clerical cuja eventual vitória não afetaria seriamente a natureza do regime?
Tais oscilações extremas revelam que todas essas versões deixam de captar a verdadeira natureza dos protestos. A cor verde adotada pelos partidários de Mousavi, os gritos de "Allahu Akbar!" que ressoam dos telhados de Teerã no escuro da noite indicam claramente que os manifestantes enxergam sua atividade como repetição da revolução de 1979 de Khomeini, como um retorno às raízes dela, desfazendo sua corrupção posterior.
Esse retorno às raízes não é apenas programático; ele diz respeito, mais ainda, ao modo de atividade das multidões: a enfática união das pessoas, sua solidariedade abrangente, a auto-organização criativa, a improvisação de maneiras de articular o protesto, o misto singular de espontaneidade e disciplina, como a marcha lúgubre de milhares de pessoas em silêncio total. Estamos diante de um levante popular genuíno dos partidários iludidos da revolução de Khomeini.

Não herói, mas corrupto
Há duas consequências cruciais. Para começar, Ahmadinejad não é o herói dos pobres islâmicos, mas, sim, um legítimo populista islamo-fascista corrompido. Sua demagógica distribuição de migalhas aos pobres não nos deve enganar: por trás dele estão não apenas órgãos de repressão policial e um aparato de relações públicas muito ocidentalizado, mas também uma nova e forte classe rica, fruto da corrupção do regime.
Em segundo lugar, devemos traçar uma diferença nítida entre os dois principais candidatos opostos a Ahmadinejad, Mehdi Karoubi e Mousavi. Karoubi é de fato um reformista, alguém que propõe basicamente a versão iraniana de política de identidade, prometendo favores a todos os grupos distintos. Mousavi é inteiramente diferente: seu nome representa o genuíno renascimento do sonho popular que fundamentou a revolução de Khomeini. Mesmo que esse sonho tenha sido uma utopia, devemos reconhecer nele a genuína utopia da própria revolução.
O que isso quer dizer é que a revolução de Khomeini de 1979 não pode ser reduzida a uma tomada do poder pela linha-dura islâmica -ela foi muito mais que isso. Agora é o momento de recordarmos a incrível efervescência do primeiro ano após a revolução, com a explosão estarrecedora de criatividade política e social, experimentos organizacionais e debates entre estudantes e cidadãos comuns.
E em último lugar, mas não menos importante, o que isso significa é que existe no islã um potencial libertador genuíno.

Emancipação
O futuro é incerto. Mas, seja qual for o resultado, é muito importante guardarmos em mente que estamos assistindo a um grande acontecimento de emancipação que não se enquadra no contexto da luta entre progressistas pró-ocidentais e fundamentalistas antiocidentais.
Se nosso pragmatismo cínico nos fizer perder a capacidade de reconhecer essa dimensão emancipacionista, então nós, no Ocidente, estaremos de fato ingressando numa era pós-democrática e nos preparando para os nossos próprios Ahmadinejads.



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SLAVOJ ZIZEK é filósofo esloveno e autor de "A Visão em Paralaxe" (ed. Boitempo). Ele escreve na seção "Autores", do Mais! .
Tradução de Clara Allain.

PaulVeyne - o que é a história?

Folha de São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009 - Caderno Mais

História da carochinha
Especialista em Grécia e Roma antigas, o francês Paul Veyne diz que sua disciplina é assunto de "pura curiosidade" e não é mais importante que a astrologia



Especialista na Antiguidade greco-romana, grande erudito e leitor insaciável, Paul Veyne não fica limitado a fronteiras acadêmicas e nunca permanece dentro das correntes constituídas, como testemunham suas difíceis relações com a Escola dos Annales.
Em 1976, publicou sua tese "Le Pain et le Cirque" (O Pão e o Circo, ed. Seuil), um estudo fascinante sobre a sociedade romana, que lhe valeu uma cadeira no Collège de France. Desde então escreveu várias obras que unem reflexão epistemológica sobre o conhecimento histórico e análise do mundo greco-romano.
Com Michel Foucault, Paul Veyne afirmou que a história é a história das práticas e das crenças. Ele repudia qualquer ideia de racionalidade da história, de ser movida por fatores profundos como progresso ou luta de classes.
Sua reflexão sobre o estatuto da verdade o leva a demonstrar a dificuldade da explicação histórica: no máximo o historiador pode tentar explicitar fatos e historicizar noções (o Estado, o poder, a religião etc.).
Para Paul Veyne, "não se pode tirar nenhuma lição da história". Ele afirma a subjetividade de toda narrativa histórica e coloca em xeque o estatuto da verdade.




PERGUNTA - Em "O Pão e o Circo", o sr. propõe um estudo inovador do funcionamento político da cidade romana por meio da prática do evergetismo, ou seja, as doações públicas que os notáveis faziam à cidade. Por que escolheu essa abordagem?
PAUL VEYNE - A doação ocupava um lugar muito importante na sociedade romana: pão (sob a forma da distribuição de trigo), circo (organização de lutas de gladiadores) e festins públicos para o povo, mas também distribuição de terras, presentes para marcar o início do ano, presentes para o imperador e seus funcionários etc.
A maioria dos monumentos públicos das cidades greco-romanas (anfiteatros, basílicas, termas etc.) foi oferecida por notáveis.
Eu estava convencido de que essas doações não guardavam relação nenhuma com uma tentativa de despolitização e de manobra dos poderosos para afastar o povo da política.
Na sociedade romana, os notáveis não eram senhores que viviam em seus castelos, mas nobres que viviam na cidade -como, aliás, aconteceria mais tarde, na Itália medieval-, e essa nobreza enxergava a cidade como sua propriedade, que ela governava.
Em lugar de embelezar seus castelos, os nobres embelezavam a própria cidade, com o mecenato: construíam monumentos públicos e assim, com sua generosidade, mostravam que eram ricos e poderosos.
Essas doações ostentatórias também eram destinadas a mostrar que a cidade não podia viver senão graças a eles. Não se trata de uma despolitização dos espíritos, mas de um cálculo político mais sábio. Essa minha tese foi inspirada por "Ensaio sobre a Dádiva", de Marcel Mauss.

PERGUNTA - Apesar de sua prevenção com relação às ciências sociais, o sr. faz referências frequentes a Max Weber em sua obra. Qual foi a contribuição desse sociólogo?
VEYNE - A obra de Max Weber, justamente, mostra que toda noção é historicizada. Sua sociologia "abrangente" não procura formular leis. Ela reúne e classifica os casos particulares de um mesmo tipo de acontecimento ao longo dos séculos. Seus tipos ideais são um instrumento de interpretação, de hermenêutica dentro de uma problemática em que a história é concebida como conhecimento da individualidade.
Voltemos ao exemplo do mecenato na Antiguidade. Podemos enxergar a doação como uma espécie de invariável ao longo dos séculos e especular sobre categorias gerais: doação, imposto, troca...
Ou podemos nos espantar pelo fato de os nobres romanos terem dado pão e circo ao povo. A cidade era, de certo modo, seu castelo coletivo. Em nossos tempos, se um bilionário francês quisesse pagar parte do orçamento do Estado, ele seria rapidamente suspeito de ter desígnios obscuros.
Como se explica que o mecenato de Estado, público, fosse admitido na Antiguidade e seja impensável em nossa época? Em lugar de procurar invariáveis, passamos então a procurar nuanças, à maneira de Weber.
O cidadão romano não é visto como um sujeito abstrato, como o é o cidadão de direito da Revolução Francesa, mas como um personagem que contribui concretamente para a cidade, pelo fato de fazer parte dela. A cidade é o próprio grupo de notáveis.
Cada exemplo é específico, porque faz parte de um momento da história e, portanto, nos convida a raciocinar em termos concretos. O caso mais extremo é o da democracia antiga: como estabelecer um conceito geral que postule uma continuidade entre a democracia moderna e a dos gregos? Elas têm em comum apenas a palavra.

PERGUNTA - Poderíamos dizer, então, que a história serve apenas para contar belas histórias?
VEYNE - De um lado, eu responderia que todo trabalho histórico é parcial e subjetivo. Não existe uma narrativa canônica única da história da França, e seria impossível fazê-la. Somos obrigados a escolher um ângulo de apresentação, o da estruturação do espaço francês ou o da vida cotidiana dos franceses, a história da nação ou da sucessão dos poderes etc.
Existe necessariamente um corte. E, se você quiser fazer uma "história total", perceberá muito rapidamente que não fez mais do que reunir esses diferentes capítulos -e mais: que se esqueceu da história das mulheres e que isso não tem fim.
Por outro lado, penso que a história não tem mais utilidade que a astrologia. É um assunto de pura curiosidade ou, pelo menos, é preciso tratá-la como tal. A história não demonstra nada e não permite tirar lições eternas.
Algumas pessoas a utilizam para encontrar raízes fundadoras: é o caso da Sérvia atualmente, que está reconstruindo sua história a partir de todos os pedaços, enquanto os jovens historiadores israelenses desconstroem a história do Estado de Israel.
Vamos visitar ruínas que podem ser informes: é o caso da maioria das ruínas de Roma. Não visitamos esses monumentos por suas qualidades de relíquia nem por seu valor estético, mas porque são um pedaço do passado. Existe um interesse pelo passado humano, simplesmente por ele próprio. A que se deve esse fascínio?
Todos nós temos a tendência a imaginar uma natureza humana que teria necessidade de religião ou de uma atitude de piedade em relação aos ancestrais ou de ideais grandiosos como verdade, justiça etc. Nesse caso, o culto ao passado seria uma transformação da pulsão religiosa. Mas a partir disso podemos dizer tudo -ou seja, nada.

PERGUNTA - Em "Les Grecs Ont-Ils Cru à Leurs Mythes?" (Teriam os Gregos Acreditado em Seus Mitos?), o sr. mostra que a própria noção de verdade é historicizada. Existe, o sr. diz, "uma pluralidade de programas de verdade ao longo dos séculos".
VEYNE - Os gregos acreditavam muito firmemente em seus deuses. Por exemplo, ninguém punha em dúvida a existência do deus Baco.
Mas Baco era cercado de figuras fantásticas -as bacantes, os sátiros- em quem ninguém acreditava e cujas histórias eram consideradas fantasias que as babás contavam às crianças para distraí-las. Para nós, seria impossível dissociar essas crenças.
O fato de contos pueris e falsos serem associados à história de Baco contaminaria a crença nesse deus.
Os gregos abordavam seus deuses como um leitor de "Os Três Mosqueteiros" que zomba da realidade histórica e mergulha no romance de Alexandre Dumas sem se preocupar em saber se D'Artagnan, Athos, Porthos e Aramis existiram realmente.
Eu quis mostrar nesse ensaio que, ao longo dos séculos, as pessoas acreditaram firmemente em "verdades" que não eram verdades -a tal ponto que podemos enxergar a história do passado como uma sequência de crenças falsas. Nas ciências exatas, porém, desde Isaac Newton, poderíamos dizer, as verdades são cientificamente embasadas.
O estatuto da física não é o da astrologia e, em dado momento, a alquimia virou química, e a astrologia, astronomia. Por volta de 1800, a medicina começou a se tornar séria, quando antes não passava de uma série de crenças estarrecedoras.
A mesma coisa aconteceu com as ciências humanas por volta de 1860. Esse momento corresponde à contestação radical do cristianismo. A partir desse corte, descobrimos que tudo é histórico, e é a partir daí que as ciências humanas se desenvolvem, libertando-se de todos os preconceitos de nossos antepassados.
Essa mudança é marcada pelo filósofo Friedrich Nietzsche [1844-1900]. Ele foi o primeiro a mostrar que as noções ditas eternas tinham, na verdade, uma história.

PERGUNTA - Qual foi a importância de Foucault para os historiadores?
VEYNE - Foucault demonstrou que as convicções, por mais fortes que possam ser, devem ser analisadas dentro de seus contextos históricos. Se você me perguntar qual é a "verdadeira" democracia, não poderei lhe responder. Posso lhe dizer o que eu entendo por democracia, o que desejo e no que voto, aquilo que não estou disposto a colocar em dúvida.
Os trabalhos de Foucault sobre a prisão e a loucura são uma demonstração cabal da historicidade das convicções; para os historiadores, foram uma revelação. Foucault descreve as práticas e analisa os discursos.
Ele não procura definir o que seria a "verdadeira" loucura, mas descreve concepções diferentes que dominaram no passado. A verdade está, portanto, nessa descrição da maneira como a loucura foi vista e tratada segundo as diferentes épocas.

PERGUNTA - O sr. questionou o estatuto da verdade. Ao mesmo tempo, em cada um de seus livros, o sr. se distancia da corrente relativista, para a qual, na história, tudo é questão de ponto de vista. Suas posições não são contraditórias?
VEYNE - Sobre esse ponto, os historiadores sociológicos se safam muito bem: para eles, a verdade é mostrar as crenças e as representações que o homem construiu ao longo do tempo.
É evidente que a história séria não pode colocar em dúvida a existência dos campos de concentração ou o desaparecimento de famílias judias nas câmaras de gás. Existe uma verdade do passado.
Mas não existe uma vocação humana para ater-se à verdade: com a exceção dos historiadores que exercem sua profissão seriamente, as pessoas são capazes de negar as câmaras de gás ou de zombar delas ou, ainda, de inventar outras que não existiram.

PERGUNTA - Isso é assustador.
VEYNE - Não é sem inquietude que nos dizemos que é possível que dentro de cem anos os direitos humanos aos quais damos tanta importância não façam mais sentido nenhum para as pessoas.
Imagine um homem que lutou na Primeira Guerra, que se fez matar por sua pátria, mas que descobre, 66 anos mais tarde, que é visto como vítima ou como alguém que se deixou enganar. É de fato uma ideia muito angustiante. Mas -felizmente ou infelizmente?- a percepção da fragilidade da verdade não abala os homens em suas convicções.

sábado, 27 de junho de 2009

A questão hodurenha e o constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo, sábado, 27 de junho de 2009


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Projeto de Zelaya não tem base social para ser imposto
Guinada em direção ao populismo ao estilo chavista veio de cima para baixo, não por pressões populares

Ao aderir à Alba (Aliança Bolivariana para as Américas) e ao tentar mimetizar em Honduras o processo constituinte do bloco chavista, o presidente Manuel Zelaya rompeu o quase bicentenário pacto pelo qual o seu Partido Liberal e o opositor Partido Nacional se revezaram no poder na maior parte do tempo desde a independência.
Porém, ao mesmo tempo em que a Justiça e a maioria das forças políticas hondurenhas, incluindo parte da agremiação governista, questionam a legalidade do processo e veem nele apenas a expressão da ambição presidencial de instituir a reeleição, Zelaya não está apoiado sobre uma base social suficientemente organizada para impor seu projeto aos adversários.
Ao contrário do presidente boliviano Evo Morales, a virada supostamente "popular" de Zelaya veio mais como proposta instituída de cima do que como resultado de pressões de baixo.
Aproveitando período de crescimento econômico de em média 5,5%, ele aumentou em 60% o salário mínimo e estreitou a relação do governo com grupos antes sem poder político, como os indígenas. Seus rivais, no entanto, frequentemente o acusam de pagar manifestantes em atos de apoio.
Honduras não tinha passado, nos anos recentes, por mobilização social expressiva.
Paradoxalmente, um movimento sindical que já foi forte decaiu quando a agricultura deu lugar em importância às maquiladoras -fábricas com isenção de impostos que produzem roupas e alimentos para grandes marcas americanas.
Além delas, são as remessas enviadas por imigrantes que disputam o segundo lugar em renda para a economia do país. As empresas dos EUA venderam suas terras nos anos 90, e hoje compram os tradicionais banana, café e tabaco locais.
A pulverização dos locais de trabalho teve reflexos no sindicalismo, cuja mobilização conseguiu arrancar de um governo dos liberais, em 1955, uma legislação trabalhista avançada para os padrões regionais, com instituição de salário mínimo e jornada de oito horas.
No livro "Power in the Isthmus" (1988), o britânico James Dunkerley, estudioso da América Central, atribui a reformas como essa a relativa estabilidade hondurenha no século 20, em comparação ao vizinhos.
Mesmo com uma série de semigolpes palacianos e de um governo militar que durou 17 anos, entre 1963 e 1980, Honduras não passou por uma onda repressiva das dimensões das que se abateram sobre El Salvador e Guatemala.
O país tampouco tem uma tradição forte de esquerda, e um incipiente movimento guerrilheiro foi logo desbaratado nos anos 80.

O debate do constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo, sábado, 27 de junho de 2009



entrevista

"Presidente traiu acordo de partidos"


Ao propor consulta para mudar a Constituição de modo a contemplar a reeleição, o presidente hondurenho, Manuel Zelaya, mais do que desafiar a legalidade, rompeu o acordo tácito de acomodação entre os duas principais forças políticas do país, o seu Partido Liberal e o opositor Partido Nacional, levando Honduras à maior crise política desde a redemocratização, em 1981.
É o que diz o chileno Marco Moreno, pesquisador da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Social) e editor do livro "Governabilidade, Instituições e Desenvolvimento - América Latina e Honduras" (2004).



FOLHA - Como vê o choque entre Poderes em Honduras?
MARCO MORENO - É a crise política mais importante desde o retorno da democracia. Até agora Honduras vinha sendo um país relativamente tranquilo, porque a frágil governabilidade estava garantida por uma elite que se alternava no poder, um pacto entre os dois principais partidos, o Nacional e o Liberal. Ambos são de centro-direita. As diferenças entre eles não são substantivas, e a divisão responde a uma lógica histórica. É a ruptura desse pacto que causa a crise. Zelaya está tentando mudar uma espécie de modus vivendis com a reeleição, e por isso todos os atores envolvidos, partidos, Congresso, Justiça, resistem.

FOLHA - O que move Zelaya?
MORENO - Penso que há duas coisas: o interesse de se manter no poder, mas também o de introduzir algumas mudanças. Zelaya liderava um setor um pouquinho mais progressista do liberalismo, guardadas as proporções num país com tantos problemas sociais. A oposição tem um argumento público muito bom contra ele, que é a defesa da legalidade. Por isso que a arma de Zelaya é chamar um referendo, como fizeram outros presidentes latino-americanos. Ele assinala que, se a convocatória não é legal, ela é legítima, que vai aprofundar a democracia. Com a decisão de seguir com a consulta, ele está tensionando bem mais a situação.E ele tampouco pode recuar.

FOLHA - O sr. espera que uma eventual saída do presidente provoque reação popular?
MORENO - Os hondurenhos são muito distantes da política em geral. Não creio que haja uma reação em termos de mobilização social. O principal apoio do Zelaya vai estar dentro de seu próprio partido e numa poderosa corrente internacional que vai pôr panos quentes neste conflito, porque seria um precedente muito ruim para a América Latina. É um risco muito grande uma situação como essa, dado o histórico de nossos países: sabemos como começa o conflito, mas ninguém sabe que roteiro vai seguir. Nesse ponto, a elite local houve bastante os EUA, de importância enorme no país, onde ainda têm um encrave militar.

Constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo de 27 de junho de 2009

entrevista

"Zelaya não repetiria Chávez-2002"

Professor associado do Departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais da USP, o venezuelano Rafael Duarte Villa refuta as teses -referendadas pela Justiça hondurenha- de que houve ilegalidade na convocação da consulta sobre a Constituinte e na demissão do chefe das Forças Armadas pelo presidente Manuel Zelaya.
O estudioso descarta a interferências de atores de outros países no que define como "crise institucional" de Honduras e compara a ameaça de golpe contra Zelaya com a tentativa frustrada de golpe contra o venezuelano Hugo Chávez, em 2002.



FOLHA - Há um golpe em curso em Honduras?
RAFAEL DUARTE VILLA - Existe a possibilidade de ruptura institucional. Nesse aspecto, foi bastante positiva a reação presidencial de levar o problema para a esfera da OEA. Mas, de qualquer maneira, mesmo que supere o atrito institucional neste momento, Zelaya fica numa situação bastante enfraquecida.

FOLHA - Mas ele tem respaldo popular?
VILLA - Sim. Tem tomado medidas sociais que têm favorecido a população. Mas daí não podemos pensar cenários como, no caso de um golpe, os hondurenhos mais pobres terem a mesma reação que os venezuelanos com Hugo Chávez em 2002, promovendo sua volta ao poder.

FOLHA - Houve decretações judiciais de ilegalidades na convocação da consulta e na demissão do chefe do Exército. Zelaya podia ter feito isso?
VILLA - Há um conflito de poderes, uma crise institucional. Ambas as medidas ele poderia ter tomado, na condição de chefe de Estado. Não é um conflito constitucional, é político. O pano de fundo é o cenário futuro, a possibilidade de reeleição do presidente. Parece ser mais um caso de politização da Justiça que de controvérsia legal.

FOLHA - Se acontecer a consulta, a proposta pretendida pelo presidente passaria?
VILLA - Todas as recentes mudanças constituintes na América Latina -Bolívia, Equador, Venezuela, Colômbia- foram feitas em ambientes eleitoralmente favoráveis ao presidente. Ele [Zelaya] sabe que a tendência eleitoral, por sua popularidade, lhe favorece. E tem pressa em realizar o referendo, quer aproveitar este momento.

FOLHA - A oposição é ditada por interesses externos ou apenas galvaniza insatisfações domésticas?
VILLA - É mais fortemente doméstica. Há aí também outra diferença com o caso da Venezuela em 2002, quando havia uma articulação entre a oposição e certos setores dos EUA. Os tempos hoje são outros. Seria muito ruim para o começo do governo Obama que o Departamento de Estado se envolvesse em conspirações. Vejo a questão hondurenha mais como um conflito de forças conservadoras arraigadas com o estilo de Zelaya promover mudanças, que assusta muito tais elites.

O sultanato na Itália

ELPAIS.com Edición impresa Internacional 10 de 10 en Internacional anterior siguiente ENTREVISTA: GIOVANNI SARTORI Politólogo
"El sultán Berlusconi no caerá, es el dueño de todo el país"
MIGUEL MORA - Roma - 27/06/2009
Giovanni Sartori (Florencia, 1924) es uno de los pocos intelectuales italianos que se pronuncia sobre el alud de revelaciones de fiestas con sexo y droga que rodean al primer ministro, Silvio Berlusconi. Sartori publicó hace dos meses un libro de título profético, El sultanato, reunión de sus artículos para Il Corriere della Sera. El escéptico Sartori descarta que los escándalos vayan a tener un coste político para el sultán. "Si dimite, lo procesan, luego no puede caer. El partido come de él, la Iglesia también. Y los italianos no saben lo que pasa porque sólo ven la televisión", afirma.


Silvio Berlusconi

A FONDO
Nacimiento: 29-09-1936 Lugar: Milán
Giovanni Sartori

A FONDO
Nacimiento: 1924 Lugar: Florencia
Italia
A FONDO
Capital: Roma. Gobierno: República. Población: 58,145,321 (est. 2008)

La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
"Los italianos no conocen los escándalos, se informan sólo en TV"

"La Iglesia está comprada también, por eso calla y otorga"
Pregunta. La idea del libro es que la Italia de Berlusconi no es una dictadura ni tampoco es una democracia, sino un sultanato.

Respuesta. Decidí el título antes de que salieran las noticias sobre las fiestas y las velinas [azafatas televisivas] y ha hecho fortuna, aunque algunos sultanes eran más violentos que él. Tenían brigadas de enanos acróbatas que asesinaban a los enemigos. En todo caso, es un régimen de corte, un harén.

P. ¿Y en qué se parece a una dictadura?

R. Él no es un dictador del siglo XX porque no ha cambiado la Constitución, aunque ha intentado vaciarla de contenido desde dentro para quitarle poder al Parlamento. Pero los italianos que lo votan dicen: "Estamos contentísimos con nuestro dictador". Le define la idea de la corte: hace lo que quiere, obtiene lo que necesita, no distingue entre público y privado, el placer del poder le gratifica. Está a medio camino entre dictador y no. Es el padrone a la antigua, el dueño del cortijo.

P. ¿Le han sorprendido los usos del harén?

R. No, el sultán hace lo que quiere y lo que le gusta. Sabíamos que las chicas siempre le gustaron. Forma parte del personaje: el lujo, las grandes fiestas, las menores. Todavía no hay pruebas de eso, pero es absolutamente verosímil, encaja con el personaje.

P. Verónica Lario habló de "vírgenes ofrecidas al dragón".

R. Es su mujer, así que es lógico pensar que está al corriente. Desde entonces calla. Él tiene muchos y muy fuertes mecanismos de presión. El primero son los hijos. Si Verónica habla otra vez, los puede desheredar.

P. ¿Cree que esto será el fin de Berlusconi?

R. Ahora será más cauto y estará más atento. Sigue teniendo apoyo popular y ganando elecciones. Dice: "Soy así, y a los italianos les gusta como soy, no cambiaré". Para protegerse aprobará la ley que restringe las escuchas judiciales, hecho gravísimo porque daña la actividad policial contra la mafia, pero a él esos daños colaterales jamás le han importado.

P. Pero la sensación es que el fango sólo ha empezado a brotar.

R. Saldrán fotos y pruebas de todo tipo, pero dirá que son fotomontajes, calumnias.

P. Su partido no le creerá.

R. El Pueblo de la Libertad es una masa clientelista más fiel que la Democracia Cristiana. Todos viven de él, papi les da la papilla. No se romperá tan fácilmente como la DC, tienen más privilegios y más poder local, las regiones son un escándalo absoluto. Es una red feroz y voraz que conquista cada vez más poder, un para-Estado que tiene todo el interés en seguir juntos. Todos se suben al carro del vencedor y él deja hacer. Lo único que le importa es mantener su patrimonio intacto, lo demás es un gran pesebre.

P. ¿Y Fini?

R. Fini está jubilado. Con la integración de los partidos, Berlusconi coronó a los coroneles, les hizo ministros. No tiene poder ni sobre los suyos. Es frío y sajón hablando, pero su carrera política está coronada de errores y estupideces. Si llegara al poder me fiaría de él menos que de mi gato.

P. Pero la imagen internacional del país empeora cada vez más.

R. En el 94 le saltaron encima, nadie creía que fuera a durar, y se acostumbraron a él. No creo que haya la menor presión internacional. Él dice que todo es un complot de nuestros comunistas, Murdoch y EL PAÍS, y con esa fábula sigue adelante. Es muy listo, muy pícaro. Va a ver a Obama y se coloca el primero de la lista de amigos. Manda más soldados a Afganistán, acoge tres presos de Guantánamo, y Obama no lo puede maltratar.

P. Tampoco parece posible que dimita: pierde la inmunidad.

R. Si dimite, lo procesan. Antes de dimitir se haría garantizar la inmunidad como Pinochet. Vea su sonrisa: es genuina, auténtica. No miente. Trasluce: "Yo os doy la papilla. De los escándalos el país no sabe nada de nada. La televisión no informa, y el 80% de los italianos se informan a través de la televisión". Controla seis de siete canales, y el séptimo tiene miedo. Es imposible que le pasen la cuenta. No hay esperanza.

P. ¿La Iglesia no puede hacerle caer?

R. Está muy atenta, pero él la deja mandar cada vez más. No hay relaciones Iglesia-Estado, es de poder a poder. Ellos también se meriendan a su Italia, los colegios, el fin de la vida... Está comprada como los demás. Por eso calla y otorga. Es justo eso, la Iglesia.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cientista Político e o Brasil pós-crise

Valor de Econômico de 25 de junho de 2009
Cientista político destaca papel do Brasil no pós-crise

O Brasil terá um papel cada vez mais importante no cenário global, com voz crescente nas discussões sobre a arquitetura financeira e o comércio internacionais, avalia o professor Riordan Roett, da Universidade Johns Hopkins, de Washington, nos EUA. Para Roett, é necessário abrir espaço para a maior participação e influência do Brasil e dos outros países do Bric (Rússia, China e Índia) em instituições multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização das Nações Unidas (ONU).

Especialista em América Latina, o cientista político Roett elogia fartamente o Brasil. Ele diz que a estabilidade das contas fiscais e externas está consolidada, destacando a liderança na agroindústria, a atratividade do mercado doméstico do país para empresas estrangeiras e a internacionalização das multinacionais brasileiras como fatores que justificam o peso mais significativo do Brasil no mundo.

Roett ressalta também a qualidade da diplomacia brasileira como um trunfo importante nessa direção, elogiando a atuação do Itamaraty no governo Lula e também no de Fernando Henrique Cardoso. "Celso Amorim [ministro das Relações Exteriores] é uma pessoa com grande experiência, que participa de todas as reuniões internacionais importantes O Itamaraty é uma das melhores chancelarias do mundo", afirma ele, que não concorda com as críticas de que a política externa do governo Lula privilegiou em excesso as relações com os países em desenvolvimento. "As relações com os EUA e a União Europeia continuam importantes", diz Roett, que participou ontem do II Fórum Brasil-Estados Unidos, promovido pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio).

"O futuro reserva um tremendo potencial para decisões multilaterais. Nesse contexto, o Brasil não vai ser o principal protagonista, mas assumirá um papel cada vez mais importante", diz Roett, para quem os países emergentes, como os do Bric, vão ganhar mais participação nos próximos anos nas instituições multilaterais, ainda que o sistema não vá mudar de imediato. "Não é possível discutir as mudanças climáticas hoje sem o Brasil", exemplifica ele.

Roett também aponta problemas que atrapalham o desenvolvimento do Brasil. "É preciso investir mais em educação e tecnologia", diz ele, acrescentando que o sistema tributário do país é "terrível", assim como a situação da infraestrutura, que exige mais investimentos.

Para Roett, as eleições de 2010 não devem causar sobressaltos no país, nem devem colocar em risco a estabilidade das contas fiscais e externas. Qualquer que seja o vitorioso na disputa presidencial do ano que vem, não deverá ruptura, acredita ele, por considerar que a elite política brasileira aprendeu muito sobre a importância da continuidade na transição do governo Fernando Henrique Cardoso para o governo Lula.

Também presente ao evento da Fecomercio, o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel, foi outro a ressaltar a importância crescente do país no cenário global. "O Brasil tem de ser hoje parte da solução para os problemas globais de energia, clima e alimentos", diz Sobel, observando que o país não é hoje apenas uma "ilha de estabilidade política", mas também financeira.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Gilmar Ferreira Mendes e a guerrilha do Araguaia

Folha de São Paulo de 23 de junho de 2009

Mendes defende abertura dos arquivos do Araguaia
Presidente do STF diz que, pelo "direito à verdade", documentos devem ser apresentados

Para irmã de desaparecida, revelações de militar sobre mortes de integrantes do PC do B pela ditadura podem ter sido feitas para confundir



O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, defendeu ontem a abertura de arquivos do período da ditadura (1964-1985) e da guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1975, sustentando o "direito à verdade".
"Eu acho que há um direito à verdade. Se de fato esses documentos existem, eles devem ser mostrados", disse Mendes. O presidente do STF afirmou que não vê possibilidade de proibição em relação à medida. "Tem que haver abertura [dos arquivos]. Os documentos existentes devem ser apresentados", disse ontem, em São Paulo.
O tema da abertura dos arquivos voltou à tona com a divulgação de novas informações contidas no acervo pessoal do militar Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, que fez parte da repressão à guerrilha.
Segundo documentos do militar divulgados em reportagem de "O Estado de S. Paulo", 41 integrantes da guerrilha, comandada por membros do PC do B, foram rendidos e executados pelas forças militares do governo brasileiro.
Segundo dados do Arquivo Nacional, apenas 15% dos setores da administração pública federal entregaram, até agora, documentos da época. O governo chegou a anunciar que pretende criar uma lei para pressionar órgãos oficiais a divulgar documentos da época.
Para a pedagoga Valéria Costa Couto, irmã da guerrilheira Walquíria Afonso Costa, desaparecida desde 1974, as revelações de Curió foram influenciadas pelo fato de o governo brasileiro ter passado a ser réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão judicial autônomo da OEA (Organização dos Estados Americanos), por supostamente não revelar à sociedade os arquivos a respeito da guerrilha do Araguaia.
"O país já começa a se sentir coagido diante da Corte Interamericana. Isso [as revelações de Curió] já é uma reação", afirmou a parente da desaparecida.
Valéria desconfia das afirmações de Curió. "Enquanto familiar já desgastada emocionalmente, não chego a acreditar na veracidade das informações. Talvez essas revelações tenham sido feitas para confundir mais ainda", disse.
Criméia Alice Schmidt de Almeida, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e mulher do desaparecido André Gribois, afirmou que as declarações de Curió causaram "repulsa" entre os parentes dos guerrilheiros do Araguaia.
"É incrível como essas informações ficaram escondidas da sociedade durante tanto tempo. Essa situação mostra o descaso do Estado brasileiro em relação aos fatos ocorridos no Araguaia", afirmou Criméia.

domingo, 21 de junho de 2009

Espanha pendurará a toga de juiz universal

O Globo

21/06/2009

Reforma tirará da Justiça local poder de julgar ditadores e criminosos responsáveis por violações em outros países

Priscila Guilayn - Correspondente

MADRI. O caso Pinochet fez a jurisdição universal espanhola famosa em todo o mundo. Embora não tivesse pisado na Espanha, o ex-ditador chileno foi detido em Londres, onde permaneceu preso por 503 dias até o Reino Unido decidir-se, por razões médicas, mandá-lo de volta a seu país. Por trás da surpreendente prisão estava o respeitado juiz espanhol Baltazar Garzón.

Desde então, a Espanha foi aumentando seu papel de protagonista ao acolher 14 importantes casos de crimes internacionais, envolvendo EUA (Guantánamo), Ruanda, Tibete, Israel, Guatemala e El Salvador. Agora, no entanto, os socialistas (no governo) e os conservadores do Partido Popular fizeram um acordo: preparam uma reforma que promete dar, até o final deste mês, marcha a ré na legislação atual. A Espanha deixará de ser o orgulho no mundo.

— A Espanha está jogando com a impunidade. Será que não se interessa em combater os crimes mais atrozes? Atrás disso estão seus interesses particulares.

É um enorme retrocesso e uma enorme desinformação — diz Giulia Tamayo, advogada especializada em justiça universal da ONG Anistia Internacional.

A justiça universal não se exerce contra Estados e sim contra criminosos, responsáveis por crimes de guerra e contra a Humanidade, torturas, genocídio, desaparições forçadas e outras formas de terrorismo de Estado.

Mas, ao ditar ordens internacionais de captura contra os acusados de cometer estes crimes, são grandes as ameaças de conflitos diplomáticos.

ONGs de direitos humanos criticam decisão

O governo chinês, por exemplo, exigiu, no dia 7 de maio, que a Espanha tomasse medidas “imediatas e efetivas” para que fosse arquivado o processo aberto contra o ex-presidente Jiang Zemin e outros seis altos funcionários por crimes de lesahumanidade, genocídio e tortura cometidos no Tibete, no rastro da ocupação chinesa. Em janeiro, a então chanceler israelense, Tzipi Livni, já tinha batido à porta do colega espanhol, Miguel Ángel Moratinos, com o mesmo pedido. Queria evitar que sete militares israelenses, entre eles um ex-ministro de Defesa, fossem julgados pelo ataque que matou 14 civis e feriu 150 em Gaza, em 2002, quando um avião de Israel jogou uma bomba para matar o dirigente do Hamas Salah Shehadeh.

— Alguns mitos e distorções precederam a decisão de fazer esta reforma. Argumentos falsos como o de que a Justiça espanhola era ineficaz e que a execução da justiça universal é cara. Tudo falso. Dos casos abertos na Espanha, os de jurisdição universal são 0,0005% — explica a responsável por investigações da Anistia Internacional.

As principais organizações mundiais de defesa dos direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch, apresentaram abaixo-assinados contra a reforma. Ela pretende limitar a justiça universal, mudando de paradigma: passaria de justiça universal ao princípio de personalidade passiva, centrandose na nacionalidade das vítimas. O caso teria de ter alguma conexão com a Espanha ou algum cidadão espanhol.

Desde 1985, a legislação espanhola contempla a possibilidade de que se julguem crimes cometidos fora do território nacional. No entanto, tal princípio só começou a ser aplicado 12 anos depois, com o caso Pinochet, que marcou um antes e um depois da justiça universal.

Foi um processo argentino o único dos 14 casos de jurisdição universal acolhidos pela Audiência Nacional que teve resolução. O militar Adolfo Scilingo foi condenado a 1.084 anos de prisão por 30 mortes, além de tortura e detenção ilegal de 256 pessoas, em 1976 e 1977. Na Espanha, o acusado deve estar presente no momento do julgamento para exercer seu direito de defesa.

— Nos últimos cinco anos, a situação na Argentina mudou.

Revogaram a Lei de Ponto Final e a Lei de Anistia, e, portanto, outros torturadores, que foram colocados à disposição da Justiça espanhola, estão sendo extraditados para serem julgados lá — explica Xavier Pons, catedrático de Direito Internacional da Universidade de Barcelona.

O poder das redes sociais

El poder de las redes sociales
Irán, Moldavia, China... Twitter provoca a los Gobiernos oscuros
VERÓNICA CALDERÓN Y JUAN DIEGO QUESADA 21/06/2009


No han puesto un pie en Irán, pero el informático estadounidense Austin Heap y el británico Esko Reinikainen llevan desde el domingo difundiendo en su blog trucos para burlar la censura del Gobierno iraní. Los censores están desbordados. No pueden parar la avalancha de información que llega al mundo entero a través de Twitter.


La fractura de Irán
Ahmadineyad exige a EE UU y al Reino Unido que dejen de interferir en Irán

Irán
A FONDO
Capital: Teherán. Gobierno: República Teocrática. Población: 65,875,224 (est. 2008)

La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
Esta red social de Internet, que permite enviar fotos y mensajes de hasta 140 caracteres, ha alentado las protestas en las calles de Teherán. "Los ayatolás no han aprendido de lo ocurrido hace meses en Moldavia", dicen los informáticos. Y es que en Moldavia, un pequeño país de Europa Oriental, comenzó lo que se conoce como la revolución twitter.

Las elecciones moldavas del pasado mes de abril no tuvieron mucho eco internacional. Hasta que un grupo de veinteañeros reunido en una cafetería, envalentonado por las arengas de la periodista Natalia Morari, decidió convocar una manifestación a través de Internet para protestar por los resultados de las elecciones que daban como ganador a la formación en el Gobierno, el Partido Comunista.

Los jóvenes y los dirigentes de la oposición creían que se trataba de un pucherazo. "Esperaba que fuesen a quejarse unas 200 personas", cuenta Morari a este periódico. Pero se quedó corta: la protesta se publicitó a través de Twitter y Facebook, y unas 20.000 personas recorrieron las calles de Chisinau, la capital, furiosas por la supuesta trampa de los comunistas. La marcha, que acabó en violentos incidentes, se convirtió en el símbolo de la primera revolución twitter. La periodista Morari, que tiene ahora 25 años, cree que el fallo de los Gobiernos radica en "subestimar las nuevas tecnologías". Internet "hace un mundo más democrático. La democracia es imparable a través de la Red", apunta.

China, gigante, hermética, milenaria y tradicional, también se ha visto afectada. Todo empezó con un fax. En junio de 1989, los estudiantes chinos de la Universidad de Michigan, al conocer las imágenes que daban cuenta de la matanza de Tiananmen, decidieron comprar entre todos un fax. Así comenzaron a enviar a sus familiares y amigos en China las crónicas periodísticas y las fotos que demostraban lo que en realidad estaba pasando. Hoy, 20 años después de la matanza de los estudiantes, el Gobierno de Pekín ha tenido que enfrentarse a otro enemigo mayor y más silencioso que un fax: Internet. Entre los adolescentes chinos se conoce a la censura en Internet como la "Grandiosa Gran Muralla". Si este año la policía ha impedido a los medios extranjeros entrar en la plaza, durante el día del vigésimo aniversario, tanto el relato como imágenes de la matanza han corrido como la pólvora por Twitter o Facebook. La Gran Muralla tiene una grieta.

No es la única. En Guatemala ocurre lo mismo. El abogado Rodrigo Rosemberg, muerto a tiros el 10 de mayo en Guatemala, apareció en un vídeo días después de su asesinato: "Si usted lo está viendo es que he sido asesinado por el presidente". Rosemberg acusaba directamente al presidente Álvaro Colom. La cinta en YouTube suma ya 500.000 visitas. Y Jean Anleu Fernández, estudiante de ingeniería en sistemas, colgó un mensaje con 14 palabras en Twitter instando a retirar el dinero del Banco Banrural, una de las instituciones financieras a las que Rosemberg acusó de corrupción y responsabilizó también de su muerte. El estudiante fue detenido, enjuiciado y encarcelado el mismo día, acusado de provocar "pánico financiero". Todo en un país donde el 98% de los crímenes se queda sin resolver, como el de Rosemberg. Ya en libertad, Fernández explica por correo electrónico que ha cambiado sus hábitos desde que fue encarcelado. "Leo en blogs sobre mi caso, pero me mantengo desconectado. Mi situación es delicada".

El profesor de sistemas de información en IE Business School, Enrique Dans, cree que Twitter es incontrolable. "Es simple y promiscuo. Se puede utilizar desde el ordenador, una cafetería con conexión o desde el móvil. No hablamos de portabilidad de datos: es promiscuidad de información", apunta Dans, autor también de un blog muy popular. "Tiene un ecosistema tan brutal que es incontrolable. También ese es su peligro. Los Gobiernos lo utilizan para enviar mensajes equívocos", explica.

El reto de los activistas informáticos implicados en causas como la de Irán consiste en burlar lo que se conoce como el Muro de Berlín virtual. Los jóvenes rebeldes de estos días convulsos de Irán utilizan en sus ordenadores un programa que hace imposible revelar su identidad. Son los mismos que forman esa gran marea verde en las calles de Teherán. Los mismos que han abierto una fisura en un país conocido por el cerrojazo ideológico de su Gobierno. Una grieta en otra Gran Muralla.

Indios amazônicos e os da cordilheira no Peru

Para discutirmos o constitucionalismo latino-americano, leiam a notícia abaixo:




Folha de São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009



Disputa peruana joga luz sobre índios amazônicos
Até então, voz indígena era representada principalmente por povos da cordilheira

Especialistas enxergam articulação inédita entre populações da selva e da serra; país abriga pelo menos 60 etnias distintas

O recuo do governo Alan García no Peru, que cedeu à reivindicação principal do movimento indígena em ser consultado previamente sobre um pacote de leis sobre a Amazônia, foi uma conquista política importante para os povos nativos num país que, à diferença dos vizinhos andinos, não se diz uma sociedade plurinacional.
Os amazônicos também ganharam espaço político quando a "voz indígena", em geral, é a do mestiço camponês de origem quéchua e aymara, da cordilheira dos Andes.
Os indigenistas mais otimistas viram, porém, na manifestação de apoio de grupos andinos à Aidesep (Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana), o embrião de uma articulação historicamente frágil entre a selva e a serra, frente à elite da costa representada por Lima.
Em Apurímac, a segunda região (Estado) mais pobre do Peru, na serra andina, o Comitê de Luta dos Camponeses de Andahuaylas, a capital, tomou aeroporto, bloqueou estradas em apoio ao movimento da selva. O aeroporto segue tomado, e o movimento exige o cumprimento de sua própria demanda: a construção de uma estrada e a luta contra a pobreza.
Seguem, portanto, separando os índios amazônicos e os camponeses de origem quéchua e aymara principalmente a concepção de etnicidade, organização e agenda.
Os indígenas amazônicos vivem, em geral, em comunidades rurais de terra compartilhada. São cerca de 400 mil, divididos em 60 etnias.
Com apoio de ONGs e de setores da Igreja Católica, o movimento da selva ganhou força nas últimas três décadas com agenda de titulação de suas terras e defesa da floresta.
Já os povos da cordilheira tiveram contato desde a colonização com os europeus. No ditadura nacionalista de Juan Velasco (1968-1975), o Estado evocou o imaginário inca e passou a tratar os povos da região com uma abordagem de classe, como "camponeses", termo que permanece apesar do movimento recente de valorização étnica. (FLÁVIA MARREIRO)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Celso Amorim e os Direitos Humanos

Folha de São Paulo, quinta-feira, 18 de junho de 2009



Para Amorim, Brasil é "realista" em conselho de direitos humanos
"Tem gente que quer ir para o CDH para purgar os pecados do colonialismo", critica chanceler



O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, rebateu ontem as críticas à linha do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU -defendeu uma atitude realista em relação ao tema e acusou os países ricos de agir movidos pelo sentimento de culpa colonialista.
Na última segunda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no CDH, em Genebra, sob ataques de ONGs de defesa dos direitos humanos ao histórico do Brasil no órgão.
Para as ONGs, ao evitar condenações a regimes acusados de cometer abusos, como Sudão, Congo e Coreia do Norte, o governo brasileiro é conivente com eles e mina a capacidade do CDH de defender as vítimas.
Amorim reafirmou a convicção do Itamaraty de que é melhor dialogar com países acusados que isolá-los. Disse isso no palácio do presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, líder de um regime autoritário que há dois anos obteve o direito ilimitado de se reeleger.
"É uma questão de concepção. Tem gente que quer ir para o CDH para ficar em paz com a sua consciências e purgar os pecados do colonialismo."
Um dos exemplos de pragmatismo citados pelo ministro foi a recente resolução sobre o Sri Lanka, aprovada num CDH profundamente dividido.
Copatrocinado pelo Brasil, o texto não fez menção aos abusos de que o governo é suspeito e não inclui a necessidade de uma investigação independente, o que foi defendido pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay.
"Se o Brasil não tivesse se envolvido na resolução, ela teria simplesmente passado a mão na cabeça do Sri Lanka e ponto final. O envolvimento do Brasil é que permitiu que a resolução tenha criado obrigações para o governo, que ele acabou tendo que aceitar para ter esse apoio mais amplo", disse o ministro.
Em outubro do ano passado, Amorim foi ao Zimbábue no momento em que países europeus pressionavam o presidente Robert Mugabe a deixar o poder, por indícios de fraude eleitoral. Após semanas de tensão, Mugabe aceitou dividir o poder com o candidato de oposição Morgan Tsvangirai
Amorim, que manteve conversas com os dois, disse que o diálogo evitou o pior. "O que queriam muitos países europeus é que o Mugabe saísse, mas isso teria levado a uma guerra", disse o ministro.
"O [debate] fundamental em direitos humanos é entre melhorar a situação ou simplesmente exprimir uma condenação que fique bonita e se bote num diploma na parede", ironizou ele. "O Brasil quer efetivamente melhorar a situação."
Grupos civis consideram a visão brasileira moralmente duvidosa, por preferir manter alianças com países em desenvolvimento a privilegiar a defesa das vítimas.0 (MARCELO NINIO)

Cerco a mídia e opositores

O Globo

18/06/2009

Manifestantes desafiam o governo iraniano, que ameaça blogueiros e prende 200

TEERÃ

As autoridades iranianas apertaram o cerco ontem a blogueiros, jornalistas, estudantes e opositores, ameaçando manifestantes de uma província com a pena de morte. Pelo menos 200 ativistas de destaque já foram presos. O governo reduziu a velocidade de conexão da internet, tornando a navegação extremamente lenta, e era difícil conseguir sinal para o celular funcionar.

Mesmo assim, milhares de pessoas organizaram um novo protesto e voltaram às ruas de Teerã e de outras cidades iranianas para contestar o resultado das eleições presidenciais de sexta-feira. Apesar do silêncio dos manifestantes, que tentavam não provocar os policiais, a mensagem era clara: não estão dispostos a recuar.

Vestidos de preto e verde (a cor da campanha de Mir Houssein Moussavi), os manifestantes foram até a Praça Vali Asr, no protesto que reuniu até 500 mil pessoas. Eles se repetiram em Shiraz, Isfahan, Rasht, Orumiyeh, Zanjan, Zahedan, Tabriz, Mashhad e Qazvin.

— Por que deveria ter medo? Nós somos muitos, eles não podem resistir às nossas exigências — desafiou uma jovem na manifestação.

A polícia não interveio, mas a repressão ganhou novas formas. A Guarda Revolucionária ordenou que todos os sites e blogs eliminem qualquer conteúdo “que gere tensão”. O governo reduziu a velocidade de conexão e limitou ainda mais o acesso a sites, mostrando que a habilidade dos webcensores vem crescendo. O tráfego de dados já caiu 54% desde a eleição.

Houve uma debandada de jornalistas estrangeiros, cujos vistos não foram renovados. Christiane Amanpour, da CNN, e Tim Marshall, da Sky News, já deixaram o país, enquanto Bill Keller, editor-executivo do “New York Times” fazia as malas — a extensão do visto fora negada. Os jornalistas estão proibidos de cobrir as manifestações e foram alertados ontem novamente.

O Irã acusou repórteres estrangeiros de serem “porta-vozes de vândalos”.

Onze jornalistas do país foram presos e dez têm o paradeiro desconhecido.

As imagens que chegam ao exterior são feitas por celulares. Jornalistas que tentam ligar para fontes no país encontram telefones desconectados, e para os iranianos é negado o acesso a sites de notícias. Mensagens de texto por telefone estão suspensas.

Moussavi convoca dia de luto nacional

Mas uma rede de voluntários se encarrega de informar sobre os protestos.

Um dos principais meios de comunicação é a rede de relacionamentos Twitter. E ontem o Pirate Bay, um movimento contra direitos autorais na internet, lançou um fórum de discussão para os iranianos usarem.

Moussavi também manteve o tom desafiador. Em seu site, ele convocou um dia de luto nacional para hoje, em homenagem aos mortos nos protestos: oito, segundo fontes oficiais. “Queremos uma manifestação pacífica contra as irregularidades e para conseguir que os resultados sejam anulados”.

A sensação de ameaça contra a oposição cresce. A Campanha para Direitos Humanos, em Nova York, estima que 200 ativistas proeminentes foram presos. Mohammadreza Habibi, o promotor da província de Isfahan, advertiu os manifestantes: — Alertamos elementos controlados por estrangeiros que tentam perturbar a segurança que a pena para a guerra contra Deus é a execução.

Por outro lado, o Ministério do Interior se viu obrigado a investigar o ataque ao dormitório da Universidade de Teerã, após a divulgação de imagens feitas com o celular pelos estudantes.

Ontem, mais quatro universidades teriam sido atacadas pelos Basijis, a força paramilitar, e 150 estudantes teriam sido presos.

O Ministério do Exterior chamou o embaixador da Suíça, que representa os interesses dos EUA no país, para protestar contra a interferência do governo americano, classificando-a de intolerável. Na véspera, o presidente Barack Obama dissera estar preocupado com a violência no Irã.

Mau momento

O Globo

18/06/2009

Se a crise econômica decorre de um fracasso do capitalismo, especialmente de sua versão mais liberal, então as esquerdas deveriam ter vencido as recentes eleições para o Parlamento europeu. Sempre críticas da economia de mercado e favoráveis aos controles estatais, as esquerdas tinham a oportunidade de ouro para ganhar a aprovação dos eleitores, neste momento em que a Europa é uma das maiores vítimas da recessão.

Mas perderam, ampla e variadamente.

Perderam os trabalhistas, os socialdemocratas e os socialistas. Perderam tanto os partidos que estão nos governos locais quanto na oposição.

Ganhou a direita, também nas suas várias modalidades e nas diferentes situações. Conservadores, que são oposição na Inglaterra e na Espanha, fizeram a maioria. Na França e na Alemanha, as direitas do presidente Nicolas Sarkozy e da chanceler Angela Merkel obtiveram ampla vantagem.

Pode-se concluir daí que os eleitores preferiram voltar à tendência liberal, entendendo talvez que a esquerda não estava sabendo lidar com a crise? Longe disso.

Tome-se a França. Sarkozy simplesmente tomou as bandeiras dos socialistas, atacou o capitalismo financeiro, criticou a globalização, colocou dinheiro público e regras para proteger empresas francesas e ainda ameaçou as companhias que investissem em outros países, mesmo sendo integrantes da União Europeia.

No que se refere a outros assuntos, Sarkozy continuou firme: duro com a imigração, por exemplo.

Tudo somado e subtraído, o resultado saiu o pior possível, isso do ponto de vista daqueles que prezam ao máximo a liberdade tanto individual quanto econômica.

A esquerda tradicional europeia é internacionalista, aberta, no que se refere aos direitos humanos. Defende a liberdade e o direito do imigrante de viver e trabalhar em paz onde quiser.

Sustentam a liberdade religiosa e política, apóiam a ampliação da União Europeia.

Essa esquerda, porém, é nacionalista, protecionista e estatizante na questão econômica. Defende restrições à liberdade de mercado.

Grosso modo, pode-se dizer que a direita tradicional europeia vai mais ou menos na direção contrária.

Privatizante e aberta na economia, mais restrita especialmente na questão dos imigrantes.

A direita que venceu na Europa não apenas exagera nas questões sociais — houve claras manifestações racistas e de intolerância religiosa e nacional — como absorveu o lado estatizante da esquerda. E não poucas lideranças de esquerda tentaram mudar o tom nas questões sociais para tentar capturar votos nas periferias xenófobas.

O quadro revela também uma absoluta carência de lideranças de um lado e de outro. Nem as antigas nem as novas conseguiram empolgar o eleitorado em torno, por exemplo, de políticas anticrise. Não conseguiram sequer apresentar rumos para a própria União Europeia. A Hungria elegeu direitistas que fizeram campanha pedindo a expulsão de ciganos para a Romênia, onde outros ganharam prometendo expulsar os húngaros. Claro, são minorias, mas só o fato de terem prosperado já é um mau sinal.

No geral, os eleitores mostraram um mal-estar espalhado, da economia à vida em geral, mas não escolheram uma resposta, em grande parte porque nenhuma proposta consistente foi apresentada.

É um problema para a Europa e para o mundo. Mais de um terço do PIB mundial está na União Europeia. Ali estão países ricos e alguns dos principais emergentes. Eles deveriam ser parte da solução global, em vez de cada país adotar atitudes defensivas isoladas, como tem ocorrido.

Assim, neste momento delicado, resta uma liderança capaz de empolgar o mundo e pavimentar caminhos, Barack Obama, claro. O problema é que ele ainda está em fase de testes, sem contar que o desafio é monumental.

Veremos.

Do lado emergente, a candidatura mais forte à liderança é a da China. Pelo peso econômico, até faz sentido: tem quase 8% do PIB mundial, é a terceira economia do planeta, caminhando rápido para ultrapassar a segunda (Japão) e ficar atrás apenas dos EUA, tendo demonstrado uma extraordinária capacidade de resistência à crise.

“Probleminha”: o modelo chinês só funciona com ditadura.

Voltamos a Obama.

Para Amorim, Brasil é "realista" em conselho de direitos humanos

Folha de S. Paulo

18/06/2009

Marcelo Ninio

"Tem gente que quer ir para o CDH para purgar os pecados do colonialismo", critica chanceler

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, rebateu ontem as críticas à linha do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU -defendeu uma atitude realista em relação ao tema e acusou os países ricos de agir movidos pelo sentimento de culpa colonialista.
Na última segunda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no CDH, em Genebra, sob ataques de ONGs de defesa dos direitos humanos ao histórico do Brasil no órgão.
Para as ONGs, ao evitar condenações a regimes acusados de cometer abusos, como Sudão, Congo e Coreia do Norte, o governo brasileiro é conivente com eles e mina a capacidade do CDH de defender as vítimas.
Amorim reafirmou a convicção do Itamaraty de que é melhor dialogar com países acusados que isolá-los. Disse isso no palácio do presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, líder de um regime autoritário que há dois anos obteve o direito ilimitado de se reeleger.
"É uma questão de concepção. Tem gente que quer ir para o CDH para ficar em paz com a sua consciências e purgar os pecados do colonialismo."
Um dos exemplos de pragmatismo citados pelo ministro foi a recente resolução sobre o Sri Lanka, aprovada num CDH profundamente dividido.
Copatrocinado pelo Brasil, o texto não fez menção aos abusos de que o governo é suspeito e não inclui a necessidade de uma investigação independente, o que foi defendido pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay.
"Se o Brasil não tivesse se envolvido na resolução, ela teria simplesmente passado a mão na cabeça do Sri Lanka e ponto final. O envolvimento do Brasil é que permitiu que a resolução tenha criado obrigações para o governo, que ele acabou tendo que aceitar para ter esse apoio mais amplo", disse o ministro.
Em outubro do ano passado, Amorim foi ao Zimbábue no momento em que países europeus pressionavam o presidente Robert Mugabe a deixar o poder, por indícios de fraude eleitoral. Após semanas de tensão, Mugabe aceitou dividir o poder com o candidato de oposição Morgan Tsvangirai
Amorim, que manteve conversas com os dois, disse que o diálogo evitou o pior. "O que queriam muitos países europeus é que o Mugabe saísse, mas isso teria levado a uma guerra", disse o ministro.
"O [debate] fundamental em direitos humanos é entre melhorar a situação ou simplesmente exprimir uma condenação que fique bonita e se bote num diploma na parede", ironizou ele. "O Brasil quer efetivamente melhorar a situação."
Grupos civis consideram a visão brasileira moralmente duvidosa, por preferir manter alianças com países em desenvolvimento a privilegiar a defesa das vítimas.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Estado palestino?

Jornal do Brasil

17/06/2009

André Luís Woloszyn

ANALISTA DE INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

Em um momento em que as ações do terrorismo internacional têm se manifestado de forma localizada, porém não menos frequente, surge à mesa de negociações uma aposta que divide a opinião de analistas. A criação do Estado palestino, um sonho legítimo acalentado há décadas pela comunidade muçulmana e com previsão legal das Nações Unidas desde 1947, ano da criação do Estado judeu.

Para uns, a iniciativa apresentada pelos EUA poderá acarretar em redução das tensões e ações terroristas na região do Oriente Médio, considerado por muitos especialistas um polo irradiador do terrorismo notadamente para a Ásia e África. Para outros, o Estado palestino trará força aos grupos extremistas que pregam a extinção de Israel e será mais um apoiador do terrorismo, agora com legitimidade e independência, protegido por normas do direito internacional.

Inobstante tais aspectos, diversos fatores de natureza estratégica deverão ser analisados de forma decisiva para a concretização dessa iniciativa. Dentre estes, a perspectiva de futuras relações do novo Estado com países da região como a Síria, o Líbano e o Irã e a hipótese de fortalecimento destes em um bloco contra Israel.

Nesta questão, pelo menos um ponto é de consenso geral. Dificilmente ocorrerá um acordo nos termos apresentados pois as imposições de Israel como condição para assinar e reconhecer o Estado palestino são consideradas absurdas e não foram aceitas pela Autoridade Nacional Palestina, pressionada por grupos internos como o braço armado do Hamas e o da Frente para a Libertação da Palestina.

Caso fossem aceitas tais imposições os palestinos teriam um Estado fantoche e ainda mais vulnerável do que os territórios atuais, sem Forças Armadas para protegê-lo, principalmente no que se refere à defesa da população e da soberania territorial.

Outro ponto polêmico é o desarmamento dos braços armados de grupos considerados partidos políticos pelos palestinos – sendo, no entanto, tidos pelo Departamento de Estado americano como terroristas.

Embora a iniciativa possa ser considerada uma das maiores estratégias diplomáticas do século 21, deixando os EUA de maneira confortável perante a opinião pública internacional e com uma visão de excelência na mediação de conflitos, um contraponto a era George Bush, a tendência é de que o sonho de um Estado palestino seja prorrogado mais uma vez por tempo indeterminado. Exceto se houver uma mudança radical de paradigmas de ambas as partes – o que, historicamente, não tem ocorrido.

Etanol aparece em relatório de trabalho escravo

Folha de S. Paulo

17/06/2009

Direitos Humanos
O trabalho de brasileiros em situação análoga à de escravos na produção do etanol é mencionado na edição mais recente do relatório anual do Departamento de Estado americano sobre tráfico de pessoas, produzido a pedido do Congresso dos EUA.
"Cerca de metade das vítimas libertadas em 2008 foram encontradas em fazendas de plantação de cana-de-açúcar para a produção e exportação do etanol, um biocombustível, além da produção de cana-de-açúcar para utilização em alimentos e em eletricidade", diz o relatório.
Apesar de ser o primeiro do tipo a vir com a assinatura de Barack Obama, o relatório foi apurado entre março de 2008 e março deste ano -portanto em grande parte sob a gestão de George W. Bush.
A menção ao etanol aparece no contexto do aumento de operações do tipo realizadas no Brasil pelo Ministério do Trabalho: 154 ações feitas em 290 propriedades, que encontraram em 5.016 vítimas.
"Em 19 operações, foram resgatadas 2.553 vítimas de trabalho forçado em fazendas de açúcar, onde os trabalhadores podem ser submetidos a uma alta cota diária de produção e corte", diz o texto.
O relatório trata de 175 países e os classifica conforme o empenho de seus governos de combater o tráfico humano. O Brasil é o segundo melhor grupo, mesma posição ocupada nos dois anos anteriores.
A União da Indústria da Cana-de-Açúcar diz que nenhum caso citado no relatório levou a condenação até agora e que é contra "qualquer irregularidade na área trabalhista".

domingo, 14 de junho de 2009

Brecht e o papel da Ciência

Folha de São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

Interpretando Galileu
PEÇA DE BERTOLT BRECHT QUE INTRODUZIU A VIDA E OS DILEMAS ÉTICOS DO CIENTISTA ITALIANO A GERAÇÕES DE ESPECTADORES COMPLETA 70 ANOS


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O Galileu de Brecht não aceita a absolvição. Ele afirma ter errado ao abjurar sua doutrina
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TIAGO TRANJAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Galileu: "(...) Repassei o meu caso, e pensei sobre o juízo que o mundo da ciência (...) deverá fazer a respeito."
Duas bombas atômicas -e uma guerra, a emigração para os EUA, o macartismo, o retorno para a Alemanha Oriental- separam o texto final de "A Vida de Galileu" (1955) de sua primeira versão, escrita por Bertolt Brecht em 1939, durante o exílio na Dinamarca.
A peça, considerada por muitos o ponto culminante do teatro brechtiano, introduziu gerações de plateias ao personagem Galileu, não apenas como genial cientista, mas como portador de um dilema ético central para toda a ciência contemporânea. Essa ciência que, justamente a partir da Renascença, foi ganhando relevância progressiva, até se tornar importante força de moldagem social, ao mesmo tempo em que se institucionalizava e se profissionalizava.
Um antigo discípulo: "O senhor escondeu a verdade, diante do inimigo. Também no campo da ética o senhor estava séculos adiante de nós (...) O senhor fugia meramente a uma briga política sem chances, para avançar o trabalho verdadeiro da ciência".
Em retiro forçado, após abjurar a doutrina heliocêntrica de Copérnico devido às ameaças da Inquisição, Galileu prossegue solitariamente seu trabalho científico. É nessas condições que escreve sua obra máxima, os "Discursos sobre Duas Novas Ciências". Com ela, a ciência começa a assumir a forma como a conhecemos hoje, como descrição matemática do mundo, baseada na livre investigação dos fatos. Galileu aparece envolvido, aqui, em uma luta grandiosa: para libertar a ciência do jugo da religião, dos preconceitos intelectuais, da tirania ideológica. Para ele, o livro da natureza está aberto para quem deseje ler; e o valor a ser buscado é a verdade, o conhecimento. Delineiam-se nessa luta valores que viriam a ser vistos como fundamentais para a ciência: imparcialidade, autonomia e neutralidade. Valores cognitivos puros. Valores da busca pelo conhecimento.
Galileu: "A prática da ciência me parece exigir notável coragem (...). Ela negocia com o saber obtido através da dúvida. Arranjando saber, a respeito de tudo e para todos, ela procura fazer com que todos duvidem."
De maneira surpreendente e cruel, porém, na última cena da peça, o Galileu de Brecht não aceita a absolvição oferecida por seu ex-discípulo. Ele afirma ter errado ao abjurar sua doutrina. Diz ter perdido a luta: essa luta pela nova física que, hoje, nos parece ganha. Por que, então, o genial cientista não consegue perdoar-se? Acontece que o Galileu de Brecht está falando de uma outra luta. "A miséria de muitos é velha como as montanhas, e, segundo os púlpitos e as cátedras, ela é indestrutível, como as montanhas."
Para Brecht, o conhecimento era um instrumento de transformação. Toda sua teoria do teatro épico fundava-se na ideia de que o homem podia sempre reconstruir-se, ao mesmo tempo em que reconstruía as próprias estruturas sociais. Não havia natureza definitiva da humanidade, senão a possibilidade de avançar, de descobrir novas formas de sociabilidade, mais justas e fraternas. Para isso, porém, uma condição impunha-se: que as pessoas pudessem compreender sua própria realidade, e refletir acerca de seu papel no mundo.
Galileu: "E se os cientistas (...) acham que basta amontoar saber, a ciência pode se transformar em aleijão (...) Com o tempo, é possível que vocês descubram tudo o que haja por descobrir, e ainda assim o seu avanço há de ser apenas um avanço para longe da humanidade. O precipício entre vocês e a humanidade pode crescer tanto que, ao grito alegre de vocês, grito de quem descobriu alguma coisa nova, responda um grito universal de horror."
As duas bombas atômicas haviam se tornado a marca profunda do que Brecht vinha tentando dizer. Podia-se ver agora, que a ciência não possuía apenas um método, a ser libertado e aperfeiçoado, nem somente um objetivo -o conhecimento -a ser buscado. Ela possuía também um uso político e uma apropriação social, e estes exigiam, urgentemente, uma nova configuração. Diferentes lutas, mas que precisavam ser lutadas sempre ao mesmo tempo.
Tanto Galileu quanto Brecht buscam a "verdade". Mas qual verdade? Brecht pede a Galileu que faça com sua busca científica o que ele próprio fizera com sua arte: a busca da "verdade" como revelação do homem ao próprio homem. Cabe então perguntar: estaria Brecht oferecendo, assim, um novo dogmatismo ideológico, que deveria submeter a investigação científica assim como o "realismo socialista" havia tentado submeter a arte?
A mensagem é mais crucial e precisa. Brecht coloca em dúvida a possibilidade do valor cognitivo puro, pois sabe que valores estão sempre imersos em uma sociedade. O termo "verdade" só pode apontar em uma direção: para uma melhor compreensão do ser humano e de suas possibilidades no mundo; para a consciência do homem que constantemente se reconstrói. A cobrança que Brecht dirige a Galileu -aos cientistas e homens de sua época- é tudo menos dogmática. Existe uma busca pelo conhecimento científico? Não se questiona. Mas, tudo somado, a "verdade" pode apenas ser uma busca humana.

A criação do sistema bancário americano

Folha de São Paulo de 14 de junho de 2009

Bancofobia
O HISTORIADOR BRITÂNICO SIMON SCHAMA INVESTIGA A RESISTÊNCIA NOS EUA À CRIAÇÃO DE UM BANCO CENTRAL, NO SÉCULO 19, QUE OPÔS VALORES RURAIS E URBANOS


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Para o presidente Andrew Jackson, o domínio de um banco central era um "jugo despótico"
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SIMON SCHAMA

Porque não estão acostumados a receber ordens de ficar em pé no canto da sala de aula usando um chapéu de burro, os banqueiros dos EUA, ao que se diz, estão começando a se irritar com os "testes de desgaste" que lhes foram impostos pelo Tesouro para receberem verbas do fundo de resgate.
Há boatos de que eles estão "resistindo" às restrições que foram adotadas quanto ao salário dos executivos financeiros.
Antes que sua arrogância volte a transbordar, talvez devessem considerar a longa história do relacionamento de amor e ódio entre os bancos e o governo dos EUA. Uma providência simples seria estudar a cédula de US$ 20.
Pois nela, no espaço que separa as palavras "Federal" e "Reserve", irrompe a cabeleira basta de Andrew Jackson [1767-1845], o presidente norte-americano que mais se preocupou com a questão do penteado.
O sétimo presidente do país também foi inimigo jurado do dinheiro em papel e da criação de um banco central. Jackson fez carreira combatendo índios, derrotando os britânicos e conquistando o afeto das populações fronteiriças.
Mas o que realmente o irritava era o Banco dos Estados Unidos, instituição à qual havia sido concedido o monopólio sobre a emissão de papel-moeda. "O monstro", declarou no auge de sua batalha contra o presidente do banco, Nicholas Biddle, "quer me matar, mas eu o matarei primeiro".

Povo x monstro
E foi isso exatamente o que Jackson fez com o Banco dos EUA, vetando a renovação de sua carta-patente pelo Senado, em 1832, e conduzindo sua campanha à reeleição com a plataforma "o povo versus o monstro".
O resultado da extinção da regulação monetária era previsível: especulação descontrolada. Dois anos depois que Jackson encerrou seu segundo mandato, em março de 1837, o segundo dos grandes colapsos financeiros da história dos EUA estava em curso (o primeiro acontecera em 1819).
E um terceiro se seguiu rapidamente em 1839, durante o governo de Martin Van Buren [1837-41], o sucessor que Jackson havia escolhido a dedo. Às vésperas da Guerra Civil Americana [1861-65], o desejo de descentralização monetária que Jackson um dia expressou havia sido realizado de maneira muito mais ampla do que ele poderia ter sonhado.
Havia mais de 7.000 moedas locais circulando na república, e a falsificação de papel-moeda era epidêmica.
Foi necessária a Lei Bancária que o presidente Abraham Lincoln assinou em 1862 -devido à necessidade desesperada de garantir o crédito necessário para enfrentar a guerra- para que um mínimo de ordem monetária fosse imposto.
Jackson, como nos informa a recente biografia produzida por Jon Meacham ["American Lion - Andrew Jackson in the White House", Leão Americano - Andrew Jackson na Casa Branca, Random House, 512 págs., US$ 18, R$ 35], escrita de maneira elegante e excessivamente generosa para com a figura central do livro, foi uma personalidade excepcional na política norte-americana de muitas maneiras.
Em seu repugnante entusiasmo pela limpeza étnica e eliminação dos indígenas norte-americanos, em sua desconsideração de opiniões inconvenientes da Suprema Corte e em sua certeza de que representava a personificação da democracia popular.
O fato de que os entusiastas de um banco central eram admiradores do Banco da Inglaterra só servia para reforçar a convicção do veterano general de que essas instituições traziam algo de desprezível e antiamericano.
Sua suspeita quase paranoica quanto ao monopólio do banco permitiram que ele explorasse as inseguranças de muitos norte-americanos com relação ao caráter moral do dinheiro.

Nota promissória
Na década de 1790, os caminhos do sucesso para qualquer jovem ambicioso que vivesse na fronteira eram a especulação com terras, a advocacia ou o serviço militar, e Jackson se dedicou a essas três atividades.
Em 1795, passou três semanas na Filadélfia tentando vender uma propriedade de alguns milhares de hectares de excelentes terras de fronteira. Encontrou um comprador, que pagou com nota promissória.
Jackson adquiriu vagões e mais vagões de provisões, usando a nota endossada. Pouco depois, os fornecedores desses bens informaram a ele que a falência do emissor da nota o tornava responsável pelo saldo restante da promissória. Essa dívida paralisou por muito tempo as perspectivas econômicas de Jackson e lhe causou desconfiança duradoura quanto aos instrumentos de comércio em papel.
Jackson veio a acreditar que os meios circulantes são, na melhor das hipóteses, uma criação pouco confiável de um capricho financeiro (já que aqueles que dele dependem nunca sabem que valor receberão pelos instrumentos) e, na pior, a ferramenta preferencial de uma conspiração para escravizar pela dívida.
Assim, o presidente deliberadamente iludiu o país quanto aos males do Banco dos EUA e o seu monopólio.
Alegou não apenas que ele representava uma interposição inconstitucional entre o governo eleito e o povo, mas que havia fracassado em sua responsabilidade de estabelecer um papel-moeda sólido e aceito em todo o país.
Na verdade, nas condições instáveis que reinavam nos EUA na década de 1830, o papel-moeda do Banco dos EUA era de longe o meio mais confiável para conduzir transações. Mas Jackson estava convencido de que, a menos que o banco fosse eliminado, a democracia norte-americana estaria sempre infectada por suas maquinações. O que estava em jogo era uma batalha entre valores rurais e urbanos pela alma econômica dos EUA.
De certa forma, essa batalha era tão crucial quanto a disputa entre o sul escravagista e o norte abolicionista, porque envolvia uma definição direta daquilo que o país deveria ser: um lugar onde simplicidade e transparência imperavam, em comunidades pequenas norteadas pela moral, ou uma máquina autoalimentada de crescimento econômico e poderio ilimitado? "Campo dos Sonhos" ou "Cidadão Kane"?
Mas, além da destruição do banco, Jackson esperava livrar a nação daquilo que ele insistia ser a grande trapaça dos meios circulantes.
Para ele, o papel encorajava a especulação, a especulação escravizava os cidadãos aos monopolistas do banco, e as pessoas que saíam feridas eram "os ossos e músculos" da nação, "homens que amam a liberdade e desejam nada mais que leis iguais e direitos iguais", "as classes agrícolas, mecânicas e laboriosas da sociedade".
O domínio exercido por um banco central, que poderia "tornar o dinheiro escasso quando bem quisesse", era para ele um "jugo despótico".
O Banco dos EUA estava liquidado, mas ai do país caso um sucessor viesse a surgir, como agência por meio da qual os "interesses endinheirados" seriam capazes de tiranizar a maioria honesta!
Esse sucessor, o Federal Reserve [Fed, o atual banco central norte-americano], a cuja boa-fé e crédito Jackson agora empresta sua efígie, demorou muito a se materializar, e só foi estabelecido em 1913.
Os poderes que Jackson acreditava capazes de subverter as liberdades da maioria "honesta" -a capacidade de regular a base monetária- agora são considerados indispensáveis à nossa sobrevivência financeira.
A diferença é que, enquanto o Fed é uma instituição pública, o Banco dos EUA não o era. No entanto, Jackson provavelmente continuaria a desaprovar a qualidade que mais apreciamos no Fed: sua independência com relação ao Tesouro.
Mas a criação do Fed, às vésperas da Primeira Guerra Mundial [1914-18], devia muito à sobrevivência da retórica de oposição aos "interesses endinheirados" proposta por Jackson.

Fazenda x banco
Paradoxalmente, o ouro que Jackson imaginava que poderia servir como defesa do homem comum contra a fraude plutocrática era agora alvo da ira dos populistas. Uma vez mais, a oposição era entre campo e cidade, fazenda e banco.
E foi assim que entrou na liça, contra o candidato presidencial republicano William McKinley [que foi o presidente norte-americano de 1897 a 1901], o pior pesadelo dos defensores do padrão-ouro: o deputado William Jennings Bryan, admirador apaixonado de Andrew Jackson, advogado em uma pequena cidadezinha do Nebraska e pregador laico.
Todos aqueles que o ouviam, seja no circuito evangélico de Chautauqua ou no plenário do Congresso, diziam que Bryan era o mais impressionante orador que haviam encontrado. E Bryan era democrata. Antes que ele transformasse o partido, este era uma organização de derrotados.
Na convenção democrata de 1896, em Chicago, Bryan -ainda que viesse a sair derrotado da eleição- revolucionou o partido, transformando-o na agremiação que viria a abraçar a causa do "homem comum" nos momentos difíceis: o partido de Franklin Roosevelt, Lyndon Johnson e Obama.

Ouro e trabalho
Bryan subiu ao palanque em um terno de alpaca negro e de corte desleixado. "Estou aqui para lhes falar sobre uma causa tão sagrada quanto a liberdade -a da humanidade".
"O padrão-ouro é a pedra que uma parte dos EUA amarrou ao pescoço da outra. A alegação de seus defensores, os republicanos, é que eles são o partido dos negócios".
[Mas] "o homem que trabalha por um salário é tão homem de negócios quanto seu empregador, e o advogado em uma cidadezinha do interior é tão homem de negócios quanto o conselheiro de uma grande empresa em uma metrópole [...] Os mineiros que descem 300 metros às profundezas da terra ou galgam encostas de 600 metros, trazendo de seus esconderijos os metais preciosos que serão despejados nos canais do comércio, são tão homens de negócios quanto os (...) magnatas, que, de suas salas escondidas, manipulam o dinheiro do mundo".
Foi uma obra de arte norte-americana, tão afeita ao solo escuro do país quanto os versos de Walt Whitman ou a feroz sátira de Mark Twain.
Depois, ele decolou para mostrar a eles um continente sofrendo as agruras da dor social. Era o ouro, o produto dos Midas de Wall Street, que causava esse sofrimento. O que aqueles que o acumulavam sabiam sobre os EUA reais, sobre a terra do trabalho e da oração?
Com sua famosa peroração, Bryan ofereceu ao Partido Democrata, vitorioso ou não, o seu novo evangelho.
Seria bom não esquecermos que temos outro cristão sério na Casa Branca. Mas determinar se, nos tempos financeiros difíceis que ainda podem estar à espera, ele realmente terá capacidade de mudar e transformar o dinheiro em algo moral novamente é algo que ainda resta provar.



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SIMON SCHAMA é historiador, autor de "O Futuro da América" (Companhia das Letras). A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".

sábado, 13 de junho de 2009

Ò Peru e a questão indigena

Folha de São Paulo, sábado, 13 de junho de 2009



Peru recua e inclui indígenas em diálogo
Governo havia vetado principal associação da selva em fórum; manifestantes exigem troca de ministros

Horas depois de promover o primeiro encontro do recém-criado Grupo Nacional de Coordenação para o Desenvolvimento dos Povos Amazônicos sem a principal associação indígena do país, o governo Alan García recuou e informou ontem que aceitará dialogar com os líderes dos protestos que sacodem o país há mais de dois meses.
Lima havia anunciado anteontem que a Aidesep (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), que existe há 30 anos e representa cerca de 300 mil indígenas, estava excluída do novo grupo, que debaterá um plano de desenvolvimento da Amazônia. García responsabiliza a entidade pelos confrontos no norte que causaram ao menos 34 mortes em 5 de junho, segundo cifras oficiais.
O governo conservador de Alan García criou o novo fórum para tentar aplacar a crise política provocada por mais de dois meses de protestos do movimento indígena contra um pacote legal pró-investimentos na selva baixado sem consultar a população originária.
Mas, se o governo recuou, a Aidesep ainda exige que García troque os interlocutores na negociação. O pedido vira pressão explícita do Partido Nacionalista (do candidato vencido por García em 2006, Ollanta Humala) pela queda do presidente do Conselho de Ministros (premiê), Yehude Simon.
Na quarta, o Congresso aprovou a suspensão por prazo indeterminado de dois decretos aos quais o movimento indígena peruano se opõe, mas a Aidesep exige que eles sejam revogados.
Falando a empresários, o presidente Alan García manteve o tom duro e disse que o "comunismo internacional" está por trás dos protestos e quer provocar o caos.
Ontem, a Defensora do Povo (ouvidora pública), Beatriz Merino, criticou a falta "vontade política efetiva"dos dois lados. Atacou o veto à Aidesep, horas depois revertido.
No sudeste, manifestantes camponeses interromperam ontem a principal estrada de acesso ao aeroporto da cidade andina de Andahuaylas, na região (Estado) de Apurímac.
Os participantes do protesto chegaram a ocupar a pista de pouso. Em Andahuaylas, de 34 mil habitantes e próxima da turística Cusco, lojas e restaurantes não abriram as portas pelo segundo dia, temendo saques.
Manifestantes que há semanas bloqueiam a estrada de 130 km que liga as cidades de Tarapoto e Yurimaguas, no norte do país, permitiram a passagem de caminhões por duas horas pela manhã e mais duas à tarde.
As duas cidades, a 1.000 km de Lima, já sofrem desabastecimento, que provocou alta nos preços de comida e gás. Em Yurimaguas, além da estrada, os indígenas tomaram um porto no rio Huallaga.

Lula, Onu e Direitos Humanos

Folha de São Paulo, sábado, 13 de junho de 2009


Sob bateria de críticas, Lula vai à ONU falar de direitos humanos
Discurso de presidente em Genebra na segunda será recebido por cobranças de entidades sobre política externa brasileira para área

Human Rights Watch acusa Brasil de ser conivente com países violadores de direitos humanos ao se negar a votar por punições em conselh

Ao fazer o seu primeiro discurso internacional sobre direitos humanos em sete anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será recebido em Genebra, na próxima segunda-feira, por uma bateria de cobranças.
Pelo menos três organizações prometem divulgar comunicados criticando as posições adotadas pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU, onde o presidente falará por 20 minutos sobre as diretrizes que regem seu governo em temas humanitários.
No centro dos ataques está o histórico de voto do país. Em sucessivas sessões do CDH, o Brasil, em nome da não ingerência e do consenso, poupou regimes que cometem abusos .
Com isso, reforçou a suspeita de troca de favores com países em desenvolvimento, sobretudo árabes e muçulmanos, de olho em metas estratégicas, como a obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Itamaraty nega a correlação.
No texto que distribuirá aos membros do CDH, a organização brasileira Conectas critica as "ambiguidades" do Itamaraty, citando duas resoluções recentes, sobre a Coreia do Norte e o Sri Lanka. Em ambas, o Brasil evitou condenar os países alegando que o diálogo é mais eficaz do que sanções para fomentar a cooperação.
"É um falso dilema", rebate a coordenadora de relações internacionais da Conectas, Lucia Nader. "Para que haja cooperação é fundamental que as violações e as obrigações dos países sejam reconhecidas."
Com frequência, o argumento do Itamaraty para não endossar resoluções condenatórias é o de que busca agir como "ponte" entre países com posições divergentes para fortalecer o diálogo multilateral.
Foi o caso da sessão especial que discutiu o conflito no Sri Lanka, há três semanas. O Brasil foi um dos principais articuladores da negociação entre países europeus, que exigiam menção clara à suspeita de violações cometidas tanto pelo governo como pelos separatistas, e o grupo asiático, que defendia um texto mais brando.
Sem consenso, acabou sendo aprovada a resolução proposta pelo Sri Lanka, considerada fraca pelos ativistas, apesar de o Brasil ter conseguido incluir alguns elementos que eles aprovavam. Para a embaixadora do Brasil no CDH, Maria Nazareth Farani Azevêdo, é um erro julgar a atuação do Brasil somente pelo voto.
"Algumas organizações tendem a fazer essa avaliação, que é muito superficial, muito rasa", diz a diplomata. "O Brasil buscou uma atuação que trouxesse o Sri Lanka para dentro do conselho. O isolamento não iria ajudar o país a observar direitos humanos."
O argumento não convence as organizações civis que acompanham o dia a dia do CDH. No texto que divulgará na segunda, ao qual a Folha teve acesso, a Human Rights Watch acusa o Brasil de conivência com violadores de direitos humanos.
"Quando o presidente Lula se dirigir ao CDH hoje [segunda], ele precisa explicar porque o Brasil está usando seu voto para proteger aqueles que cometem graves abusos de direitos humanos", diz o texto.
"A ação do Brasil está minando a ação do órgão", completa Julie de Rivero, diretora da organização em Genebra.
Já a Anistia Internacional reconhece os avanços obtidos nos últimos anos no Brasil, como a proteção de direitos sociais e econômicos e o reconhecimento de abusos como tortura e violência policial. Mas aponta inconsistências entre o discurso do Itamaraty e sua atuação no conselho.
"Estou convencido de que o que mais interessa ao Brasil é o assento permanente no Conselho de Segurança e a consolidação de uma liderança como a que conquistou na Organização Mundial do Comércio", diz Peter Splinter, representante da AI em Genebra.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

A defesa de Battisti

O Globo

12/06/2009

Merval Pereira

Como os leitores da coluna devem saber, já me posicionei contra a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de não extraditar o ex-terrorista italiano Cesare Battisti, que estava foragido há 26 anos, foi um dos chefes da organização de extremaesquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos, pois não imagino que a Justiça da Itália não seja independente do governo, e não creio que uma democracia tão sólida pudesse perseguir um preso político sem que outros poderes protestassem, e até mesmo a imprensa livre.

Além do mais, tudo indica que há um consenso na Itália sobre as medidas adotadas durante o período de combate ao terrorismo, dentro de um sistema democrático que o terrorismo queria destruir, medidas aprovadas pelo Congresso.

Não creio que nem o governo do direitista Silvio Berlusconi, nem qualquer governo de esquerda, como o da época da condenação do Battisti, tenham ingerência sobre a Justiça italiana, e não vejo como um ministro do Brasil possa revogar uma decisão soberana de uma justiça de um país democrático.

Seria totalmente diferente se essas medidas tivessem sido tomadas em um período ditatorial. Como já escrevi aqui, não corresponde à “soberania brasileira” avaliar decisões do Poder Judiciário de um país democrático.

A medida apenas explicita a distorção dos critérios do governo Lula, que considera que a Venezuela tem democracia demais e a Itália, democracia de menos.

Dizendo tudo isso, considero, no entanto, que a minha coluna deve ser um local de discussão dos grandes temas atuais, e o advogado Luiz Roberto Barroso me enviou as seguintes considerações sobre o caso, que considero importante divulgar: “Há algumas semanas, depois de estudar o processo, aceitei atuar na defesa do refugiado Cesare Battisti, no processo de extradição a que responde no STF. Convencime de se tratar de uma causa juridicamente interessante e moralmente justa. Após entrar no caso, no entanto, descobri que ele se encontra enredado em uma teia de preconceitos e de interesses políticos que ficariam melhor em um folhetim do que em um processo judicial. Os preconceitos são os seguintes: “1. Contra o próprio Battisti, antigo militante de extremaesquerda. Embora os episódios dos quais participou tenham ocorrido há mais de 30 anos, ele é visto como um espécime anacrônico, um tipo fora de época.

E o chamam de ‘terrorista’, quando foi um ativista político radical, como tantos outros, ao redor do mundo e na mesma época.

“2. Contra o ministro da Justiça, que tem adversários ideológicos e eleitorais à direita e à esquerda, que gostariam de vê-lo desmoralizado por uma decisão do STF que anulasse a concessão do refúgio.

“3. Contra o advogado de Battisti que competentemente atuou no caso até meu ingresso (Luiz Eduardo Greenhalgh), igualmente devido a razões políticas e por associarem-no (injustamente, ao que saiba) à Operação Satiagraha.

“A maior dificuldade que enfrento nessa matéria é que a Itália, havendo perdido os dois processos de extradição anteriores — relativos a ativistas de esquerda que atuaram no mesmo período — procurou nesse terceiro caso, injusta e insistentemente, caracterizar Battisti como um criminoso ‘comum’.

“Como você sabe, o Brasil não concede a extradição no caso de crime político, por força de norma constitucional. No entanto, a própria sentença italiana afirma que os crimes foram políticos, em tentativa de subversão do regime.

“Gosto da frase de que ‘as pessoas têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos’ e a circunstância de você propiciar o debate já fará grande diferença. Faço três observações: “1. As palavras ‘terrorismo’ e ‘terrorista’, aplicadas à atuação da esquerda revolucionária italiana, são impróprias.

Esses termos, sobretudo depois do 11 de setembro, ficaram associados a atentados de larga escala, com vítimas inocentes.

“Battisti participou de uma organização que pretendia derrotar o regime e implantar o comunismo. E houve vítimas.

Mas não foi acusado nem condenado por atentados terroristas. O fato de que estava historicamente equivocado e de que foi derrotado não dá direito ao vencedor de chamá-lo assim.

“2. O ministro da Justiça não revogou a decisão italiana.

Ele apenas afirmou que ela pode ter sido proferida em um contexto que, em razão do contágio político, impediu a ampla defesa, sobretudo por ter se baseado em delação premiada feita contra um réu revel. Por isso, não ajudaria a cumpri-la, reconhecendo ao acusado a condição de refugiado.

“3. Você tem razão de que se formou um consenso poderoso na Itália contra os ativistas de esquerda e em favor da condenação de todos eles. Governo, Parlamento, Judiciário e imprensa do mesmo lado, unidos pelos mesmos sentimentos. É precisamente contra esse tipo de consenso que existe a Constituição e os direitos fundamentais: para que as maiorias não passem a achar que podem tudo.

“O julgamento de adversários políticos derrotados é problemático em qualquer parte do mundo. Mas observo que os fatos se passaram há mais de 30 anos. Battisti constituiu família, tem duas filhas, publica seus livros pela renomada editora francesa Gallimard e não apresenta perigo para ninguém.

“Sou convencido de que ele é inocente e há muitos elementos objetivos que parecem confirmar isso.

Mas, mesmo abstraindo desse fato, por qual razão o Brasil abandonaria sua tradição humanitária e acolhedora de perseguidos políticos de diferentes partes do mundo (desde integrantes das Brigadas Vermelhas até o paraguaio Stroessner) para mandar para a prisão perpétua, sem luz solar, um homem que não oferece perigo a ninguém?.”