Folha de São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010
EUA não sentirão crise, diz pai do Consenso de Washington
Para John Williamson, país é "refúgio" na turbulência e dólar manterá força
Para economista que listou receituário de livre mercado, Brasil não corre grandes riscos, mas deve reduzir gastos públicos
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Temores crescem, ações caem, mas o economista John Williamson, conhecido como "pai" do Consenso de Washington (receituário de livre mercado), não prevê grandes abalos nos EUA causados pela crise na zona do euro.
"Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar um refúgio em outro", disse Williamson em entrevista à Folha, na qual manifestou ter confiança na continuidade da recuperação do país.
FOLHA - Quais os impactos nos EUA da crise na zona do euro?
JOHN WILLIAMSON - No momento, o efeito para os EUA vem da diminuição da demanda na Europa, que vai prejudicar as exportações americanas.
Um outro ponto é que a capacidade do dólar de servir como principal moeda de reserva internacional não está sob muita pressão. Provavelmente permaneceremos com o sistema baseado no dólar a longo prazo.
É difícil ver os EUA sofrendo grande falta de confiança gerada por essa situação. Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar refúgio em outro.
Na realidade, o maior risco que os EUA enfrentam é o de se tornarem excessivamente endividados, o que é provável que aconteça a longo prazo se as políticas não forem alteradas. Mas ainda se pode mudá-las.
FOLHA - Em que cenário da economia dos EUA chegam esses efeitos?
WILLIAMSON - A economia dos EUA parece se recuperar bem, apesar de não ser uma recuperação fortíssima. Não acho que será abalada. Talvez na criação de empregos, mas não vejo uma mudança na tendência.
FOLHA - Que medidas adicionais os EUA têm de adotar para manter a recuperação estável diante da crise?
WILLIAMSON - A maior necessidade é uma estratégia fiscal crível de médio prazo, que terá de envolver elevação de impostos. No caso dos EUA, isso é bem claro. Mais cedo ou mais tarde os políticos terão de enfrentar esse fato. Acredito que isso acontecerá já no próximo outono [primavera no Brasil].
No caso do Brasil, a necessidade é de cortar gastos públicos. Não se poderá fugir disso. Mas, assim como nos EUA, não vejo um risco tão grande para o Brasil no momento.
FOLHA - O ministro Guido Mantega sugeriu que, para reequilibrar o sistema internacional, os EUA deviam subir os juros. O sr. discorda?
WILLIAMSON - Sim. O mais importante é ter crescimento real. Esperamos que a situação atual sirva como alerta antecipado para a necessidade de reformar a política fiscal. Isso serve também para o Brasil.
FOLHA - Alguns analistas temem que a fuga de investidores de títulos públicos poderia levar mesmo os EUA a elevarem os juros...
WILLIAMSON - No curto prazo, não creio que isso acontecerá nos EUA. O Fed manterá a política de juros baixos.
FOLHA - O pacote de resgate da zona do euro será suficiente para estancar o sangramento?
WILLIAMSON - Acho que o pacote poderá fazer uma contenção, mas é importante seguir adiante com corte de gastos públicos e elevação de impostos. O resgate é uma solução de curto prazo.
No caso da Grécia, em algum ponto o país terá mesmo de reestruturar a dívida. É difícil ver como isso poderia ser evitado, especialmente quando não podem desvalorizar a moeda. Só cortar gastos não terá efeito suficiente.
Mas acho que não vão abandonar o euro, o que traria problemas muito maiores. Devem reestruturar a dívida -não há nada que os impeça-, mas permanecendo na zona do euro.
domingo, 16 de maio de 2010
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