quinta-feira, 13 de maio de 2010

'Disseram que vão me calar' / entrevista

O Globo

13/05/2010

Iraniana Nobel da Paz pede que Lula cobre explicações de Ahmadinejad sobre direitos humanos

ENTREVISTA
Shirin Ebadi

Deborah Berlinck
Correspondente • PARIS

O GLOBO: O presidente Lula chega sábado ao Irã, mas não vai se encontrar com a oposição nem discutir os direitos humanos. Está decepcionada? SHIRIN EBADI: Estou muito decepcionada.

Espero que o presidente Lula visite os prisioneiros políticos e suas famílias. Há três dias, cinco prisioneiros foram executados. Não quiseram nem devolver os cadáveres às famílias.

O único crime destas pessoas foi pertencer a um grupo de minoria curda.

O Partido Curdo Iraniano decretou uma semana de luto. Infelizmente, há outros 18 opositores condenados à morte. Todas as organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, estão indignadas.

Qual é a sua mensagem para o presidente Lula? EBADI: Queria muito pedir que, durante as negociações com o governo iraniano, ele fale sobre direitos humanos e os prisioneiros políticos. E que pergunte por que prisioneiros políticos são condenados à morte.

O Brasil acha que pode intermediar um acordo na questão nuclear que permitirá ao presidente Ahmadinejad evitar uma nova rodada de sanções.

O que a senhora acha? EBADI: Espero que o Irã possa resolver este problema com negociação.

Sou contra um ataque militar ao Irã.

Sou também contra o boicote econômico.

É a população quem vai pagar.

Ao mesmo tempo, sou contra que o governo continue a executar prisioneiros políticos, sou contra a maneira como se comporta com o povo iraniano.

Quero chamar a atenção do presidente Lula sobre a resolução aprovada em 2009 na Assembleia Geral da ONU, que condenou o Irã por violação dos direitos humanos. Não é a primeira vez que o regime iraniano é condenado pela Assembleia Geral da ONU.

Em 31 anos de República Islâmica, o Irã foi condenado 25 vezes por violação dos direitos humanos. Eu desejo muito que isto seja dito (por Lula) na negociação com o presidente.

Lula insiste que não há provas de que a reeleição de Ahmadinejad foi fraudulenta, dizendo que 61,2% de votos é muito para ser fraude. Ele minimizou os protestos de rua, comparando a um jogo de futebol... EBADI: Gostaria de perguntar ao presidente Lula quais são os seus argumentos para dizer algo parecido. Mesmo que ele (Ahmadinejad) tenha tido muitos votos, não é argumento para violar os direitos humanos. Eu não tenho posição política. Não faço parte de qualquer organização política. Sou apenas uma defensora dos direitos humanos.

E é nesta condição que protesto.

No ano passado, o próprio governo admitiu ter prendido 6 mil pessoas por terem se manifestado. Foi muito mais do que isso. Muitos presos foram mortos ou torturados. Depois das eleições, nove prisioneiros foram executados, incluindo os cinco da semana passada. Os filmes e fotos no YouTube mostram a violência com que o governo se comporta com a população.

A senhora disse que não é a classe popular que apoia Ahmadinejad. Por que os ricos o querem no poder? EBADI: Nos últimos anos, a população empobreceu. Há muitas greves de trabalhadores, mas eles também estão sendo presos porque fazem greves.

O líder do sindicato dos motoristas foi condenado a cinco anos de prisão e está doente. Normalmente, deveriam deixá-lo sair para ir ao hospital.

Peço-lhe para visitar a família dele e que peça para que Ahmadinejad o libere para tratamento

Por que a senhora deixou o Irã em junho, pouco antes das eleições? EBADI: Um dia antes da votação, eu saí para ir a um seminário na Espanha.

Quando quis voltar, o Irã não era mais o mesmo país. Nas ruas, atiravam contra o povo, prenderam muitos manifestantes e jornalistas independentes, expulsaram todos os jornalistas estrangeiros.

Em vez de voltar a Teerã, fui às Nações Unidas. Desde então, não voltei mais ao país. Por não gostar do meu trabalho em defesa dos direitos humanos, o governo fechou todas as minhas contas bancárias e confiscou todos os meus bens no Irã, usando argumento de que em 2003 eu ganhei o Prêmio Nobel da Paz e não paguei imposto. Ora, pela lei, quando recebemos prêmios, não pagamos imposto.

Nestes cinco anos, nunca me pediram imposto.

E a sua família? EBADI: Perseguiram minha família.

Meu marido não pode mais sair do Irã, apesar de não ser parte de qualquer organização política ou social.

Também prenderam por três semanas minha irmã, que é professora universitária e não faz nenhuma militância política. Tudo isso é contra a lei iraniana. Infelizmente, o governo não respeita sequer leis que ele mesmo aprovou.

A senhora teme por sua vida? EBADI: Os agentes secretos disseram várias vezes ao meu marido que, seja lá onde eu estiver, vão me achar e dar um jeito de calar a minha boca. Não me importo. Um dia, todos morreremos.

Não é por medo que vamos parar de fazer o que temos de fazer. É nosso dever continuar. Os agentes secretos não param de dizer que sou uma agente do governo dos EUA e de Israel. Quando na realidade eu os ataco (americanos e israelenses) muito mais do que os defendo. No meu discurso no Nobel, ataquei os EUA e Israel.

Não estou na dinâmica de uma rivalidade política. Nunca quis um posto político. Sou unicamente uma defensora dos direitos humanos. Só penso no interesse do meu povo. Protesto contra as leis dos 30 últimos anos.

Por exemplo? EBADI: A lei que permite cortar as mãos e as pernas das pessoas. Há dois meses, um ladrão teve suas mãos e pernas cortadas. O lugar de um ladrão é na prisão. Protesto contra as leis sobre mulheres, sobre os menores, que podem ser executados. Em 2009, um relatório da ONU sobre execuções sumárias revelou que o Irã tem um dos mais elevados índices do mundo.

A senhora declarou que os protestos hoje no Irã marcam o início de um processo de democratização.

Não está sendo muito otimista? EBADI: Não. O movimento de democratização no Irã começou.

Teme a radicalização do movimento verde (como é conhecimento o movimento de oposição)? EBADI: Felizmente, as manifestações têm sido pacíficas, embora a atitude do governo com o povo venha sendo muito, muito violenta.

A oposição não espera mais uma mudança rápida. Até Houssein Moussavi (candidato derrotado por Ahmanidejad em 2009) disse que nem todas as reivindicações da oposição precisam ser atendidas de uma só vez. A senhora concorda? EBADI: A democracia é um processo histórico. Só atinge o seu objetivo quando o povo continua a protestar e a lutar por ela de forma pacífica.

A senhora acha que a República Islâmica pode ser reformada ou deve ser desmantelada? EBADI: Como lhe disse, não tenho posição política. Para mim, o governo ideal é o governo em que todo o povo está contente. E que o governo respeite os direitos humanos.

A senhora pediu o boicote da gigante de telefones Nokia. Por quê? EBADI: Porque a Nokia forneceu ao governo os instrumentos que permitem o total controle dos celulares e dos textos enviados deles. Um jornalista, Saharkiz, pediu para que processássemos a Nokia. Prenderam-no depois de localizá-lo graças aos instrumentos que a Nokia forneceu.

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