quarta-feira, 12 de maio de 2010

Notas de um frequente viajante

Folha de S. Paulo

12/05/2010

Roberto Teixeira da Costa

Ao longo do tempo, as percepções sobre nosso país vêm-se alternado externamente, variando de distanciamento e desconfiança, passando gradualmente a um aumento de interesse e até mesmo, em tempos recentes, a certa euforia a respeito do potencial brasileiro, por conta dos resultados já alcançados.
Alguns, inclusive, afirmam que o Brasil não é mais o país do futuro, e sim o país do presente!
A ascensão do Brasil se justifica por resultados da política macroeconômica, controle da inflação, melhoria no quadro social e maior presença no cenário internacional.
Essa presença é marcada por grande ativismo da política externa, encabeçada pela atuação do presidente da República -recentemente considerado por uma revista norte-americana uma das personalidades mais influentes do mundo.
Obviamente, esse reconhecimento do país como potência traz como consequência uma maior cobrança sobre atitudes e medidas internas e externas que o Brasil venha tomando ou mesmo as que deveria tomar.
É o preço da liderança!
Em viagem recente, participando da reunião anual do Fórum Econômico Mundial na América Latina, realizado em Cartagena das Índias, na Colômbia, e, posteriormente, num encontro do Ceal (Conselho Empresarial da América Latina), em Bogotá, fiquei com a sensação de que há uma alteração nesse cenário verde-amarelo.
O questionamento se refere ao distanciamento do país na questão dos direitos humanos em Cuba; à sua atuação em Honduras; à aproximação com o Irã e à pretensão de mediar conflitos históricos entre árabes e israelenses, citados pela comunidade empresarial como fatores para explicar um certo viés crítico de nossa atuação externa.
Como líder regional, havia, para essa comunidade, a expectativa de que nossa atuação seria a de um mediador, e que pudesse mitigar conflitos porventura existentes na região.
Na Colômbia, especificamente, em vários momentos anotei críticas vindas do empresariado local quanto ao alheamento do nosso país no que entendem que sejam agressões da Venezuela à Colômbia nas áreas política, de segurança e comercial.
Ouvi dessa comunidade comentários críticos ao fato de que o Brasil, em vez de buscar solucionar, com sua forte presença, a crise entre aqueles dois países, organizou missões comerciais à Venezuela para ocupar nichos de mercado até então supridos por exportações colombianas.
Em painel específico, no qual fui um dos participantes e que tratava do papel dos mercados de capitais como mecanismo de integração, percebi questionamento sobre os benefícios alcançados com a capitalização das empresas via Bolsa de Valores.
Fui cobrado por empresários pelo resultado negativo que algumas dessas empresas trouxeram para os investidores pela queda dos preços após o lançamento.
Também foi colocado em dúvida, nesses fóruns, se será possível manter a consistência da política econômica, tendo em vista os diferentes ciclos negativos/positivos experimentados no passado. Tal viés crítico ainda é sequela de um passado distante, em que o Brasil não honrou compromissos externos.
A possibilidade de integração dos mercados de capitais regionais foi debatida, mas as dificuldades de implementação não são desprezíveis. Especificamente, fiz referência ao lançamento do Brain (Brasil Investimentos e Negócios), recebido com certa frieza pelos líderes ali reunidos.
Trata-se de projeto de criar um centro de negociação em São Paulo, para ser a porta de entrada de aplicação de recursos na região.
Obviamente, as dúvidas e questionamentos foram respondidos, mas esse registro serve para alertar que, quer pela nossa maior presença, quer por leitura crítica do que não fizemos ou não estamos mostrando disposição em assumir, cobranças continuarão, e serão mais enfáticas. Será importante para as plataformas dos candidatos presidenciais que essa mudança seja percebida.
Temos que corresponder às expectativas criadas, e não sermos complacentes com o que já fizemos, mas, sim, olharmos criticamente aquilo que devemos realizar.
Aliás, na nossa região, esse sentimento é generalizado. Perdemos excelentes oportunidades, num cenário econômico-financeiro mundial benigno até 2007, para completar um ciclo de reformas que nos traria blindagens ainda mais sólidas em relação a futuras crises externas, que continuam, por aí afora, a nos preocupar.
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA, 75, economista, é sócio-fundador da Prospectiva - Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais. Foi o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), um dos fundadores do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e presidiu o Conselho de Empresários da América Latina.

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