O Estado de S. Paulo
13/05/2010
Jamil Chade/Genebra, Lígia Formenti/Brasília
Apreensões de remédios em trânsito, sob justificativa de proteção à propriedade intelectual, motiva discussão entre as nações
comércio de genéricos levou o Brasil a iniciar na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma disputa contra a União Europeia (UE) e a Holanda. É uma reação às apreensões de medicamentos em trânsito no território europeu sob a justificativa de que eles ferem direitos de propriedade intelectual. Na prática, a ação policial da EU representa uma ameaça ao acesso a remédios que estão livres de patente.
A decisão brasileira – “pedido de consultas” – foi tomada após uma no de negociações fracassadas e pode representar o primeiro passo para abertura de um painel na OMC, como a ação é chamada no jargão diplomático. A discussão teve inícioemdezembrode2008, coma apreensão no porto de Roterdã, na Holanda, de uma carga de Losartan,indicado para hipertensão, que estava a caminho do Brasil.Vendido pelo fabricante indiano Dr. Reddy’s à empresa nacional EMS, o Losartan é livre de patente no Brasil e na Índia.
Autoridades holandesas alegavam que o remédio era protegido por patente no seu território, argumento suficiente para apreendera carga,segundo regulamento da UE datado de 2003. O Brasil não foi o único a ter remédios em trânsito apreendidos. Até o antirretroviral abacavir, comprado pela Unitaid, agência humanitária internacional, para ser encaminhado para a Nigéria, foi retido. Pelas contas do Grupo de Trabalho Sobre Propriedade Intelectual (Rebrip), foram apreendidos pelo menos 15 carregamentos de genéricos destinados a países da América Latina entre 2008 e 2009, com base no regulamento europeu.
O Itamaraty interveio, mostrando preocupação com a regulamentação da UE.“ Apesar de todos esses esforços,o regulamento da UE 1.383/2003, fundamento legal para as apreensões, permanece inalterado, causando insegurança jurídica e aumento de custos dos medicamentos”, diz nota divulgada ontem pelo Itamaraty. Para evitar apreensões, a EMS, por exemplo, mudou a rota dos remédios comprados no exterior.
A ação brasileira não se resumirá à OMC. O Brasil se prepara para ingressar na próxima semana em nova frente de defesa do comércio de genéricos, desta vez na Organização Mundial da Saúde.Um dos temas discutidos durante a Assembleia Mundial de Saúde será medicamentos contrafeitos, termo usado para remédios que desrespeitam direito de marca,masque nos últimos anos começou a ser usado também para designar falsificados ou piratas. Algo que permitiu a apreensão do Losartan.
Barreiras. Países em desenvolvimento enxergam na discussão, que parece ser meramente técnica,ameaça de novas barreiras para acesso a remédios. “O emprego equivocado do termo induz ao entendimento de que genéricos são contrafeitos”, disse o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães. Para ele, a OMS não deve incorporar termos relacionados à propriedade intelectual e se concentrar na proteção à saúde.
“Grandes empresas farmacêuticas atuam em várias frentes para tentar barrar o trânsito e o acesso a genéricos. O assunto está presente na OMC, na OMS, em acordos bilaterais, algo que muito nos preocupa”, afirma Gabriela Chaves, da ONG Médicos Sem Fronteiras.
Em uma das ações contra a ofensiva de países ricos e das grandes farmacêuticas, a Rebrip ingressa hoje no Tribunal dos Povos, acusando a UE de violar os direitos humanos à saúde e à vida das populações de países atingidos pelas apreensões de medicamentos nos portos europeus. “Há um uso de obstáculos ilegais, ilegítimos ao acesso de remédios”, diz a advogada da Rebrip, Renata Reis. “Uma condenação no tribunal émoral, mas o importante é que esse tema esteja presente, que população esteja atenta ao risco de retrocesso.
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