domingo, 30 de maio de 2010
A visão da Ciência
Cientista ataca Big Bang e visão "estreita" dos físicos
Para Mário Novello, muitos viraram apenas "técnicos muito competentes'
Pesquisador critica a preocupação excessiva com carreira e prêmios; para ele, dados poderão provar Universo eterno
DE SÃO PAULO
Para Mário Novello, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, a cosmologia virou, com frequência, "uma coisa trivial, simplesmente saber qual porcentagem de matéria dessa categoria ou daquela tem no Universo".
Tão preocupante quanto isso, diz, é o esnobismo dos cientistas com a filosofia e a metafísica, que os impede de refletir sobre o que fazem. São apenas "técnicos extremamente competentes".
Novello está lançando o livro "Do Big Bang ao Universo Eterno" (Zahar), que resume sua defesa da ideia de que o Big Bang não foi o começo de tudo. Segundo ele, essa interpretação está conquistando cada vez mais físicos. Confira a entrevista abaixo.
(RICARDO MIOTO)
Folha - A ideia de um universo eterno está conquistando os físicos?
Mário Novello - Ninguém tem dúvidas de que o Universo esteve muito condensado no passado. O problema foi a identificação daquele momento, em que começa a expansão, como o começo de tudo. Sou contra definir o Big Bang como o marco zero. Isso é contra a atitude científica. Mas o cenário está mudando. Entre os cientistas há uma tendência a aceitar que chegou o momento de ir além do Big Bang como o começo.
Mas, quando jovem, o sr. não era partidário do Big Bang como o começo de tudo?
Eu não era. Era uma questão de princípio. A ciência é a tentativa de explicar racionalmente tudo que existe. Eu sabia muito bem que a ideia de singularidade [a concentração de toda a massa do Universo em um único ponto que teria dado origem a tudo que se conhece] significava abdicar de fazer ciência ao longo de toda a história do Universo, significava dizer que a ciência tinha limite. Eu não podia aceitar isso.
Na minha época, havia uma visão global do que era atividade humana. Havia cadeira de filosofia, de sociologia, tínhamos contato com o mundo. Existe uma falta de fundamentos, hoje, do que é fazer ciência. Você pode ser um técnico extremamente competente, mas fora da área técnica pode ser um ignorante completo, sem saber o que está por trás do que você está fazendo na sua área.
Mas aparentemente a maioria dos físicos ainda discorda do sr. sobre o Big Bang...
Se você entrevista cem físicos, 98 dizem que o Big Bang é verdade e dois malucos dizem que não. É razoável que a mídia fique em dúvida. Primeiro você precisa ver quem são essas pessoas. Eu criei a cosmologia no Brasil, tive mais de 50 alunos de doutorado, você precisa ver que não sou um bobo. Mudanças são lentas. E você sabe que os cientistas são extremamente reacionários.
Ser minoria não incomoda?
Quando você faz ciência, você precisa dialogar com a natureza, e não com os seus colegas. Se o seu objetivo é ganhar uma bolsa, ganhar fama, ganhar prêmio, isso não é ciência. Pode ser no mundo em que a gente vive. Estou pouco me importando com a opinião dos outros. Mas isso não significa isolacionismo, porque publico em revistas científicas.
Mas o senhor já tem uma carreira estabelecida. Um doutorando não deveria se preocupar com os pares?
Não deveria. Se ele começa a se preocupar lá, vai se preocupar a vida toda. Hoje em dia a cosmologia virou uma coisa trivial, ridícula, simplesmente saber qual porcentagem de matéria dessa categoria ou daquela tem no Universo. Isso não tem interesse nenhum. Quando começa a entrar nesse estágio, é o momento de mudar.
É possível fazer com que os cientistas se preocupem menos com os pares?
Ainda não conseguimos controlar a vaidade. É um sistema todo de premiação, bolsa disso, prêmio Nobel, tudo valoriza o indivíduo. E dá impressão de que, se você não valoriza o indivíduo, ele não vai fazer nada. E o prazer em fazer as coisas? O Garrincha dava de dez a zero em qualquer um desses caras aí de hoje em dia. E morreu com dez mil réis no bolso.
Você vai dizer que o exemplo que eu estou dando é de um maluco, uma pessoa totalmente pirada, uma mentalidade que nunca saiu dos 12 anos de idade. Tudo bem, é um exemplo extremo. Mas mostra que algo se perdeu.
Mas a vaidade sempre existiu, não?
Sim, claro, sempre existiu. Nem estou dizendo que o sistema, antigamente, era diferente. O que estou querendo dizer é que a razão pela qual Newton fazia aquilo não tinha nada ver com a razão pela qual um bolsista faz as coisas hoje em dia.
No caso do Big Bang, há expectativa de que alguma observação possa dar mais respostas sobre a sua legitimidade como marco zero?
Sim. Já foi lançado o satélite Planck. Ele, nos próximos anos, poderá ajudar a dizer, observacionalmente, se houve uma fase anterior ao colapso. Existe uma possibilidade de que o Universo esteja se acelerando. Ela surgiu de uns dez anos para cá. Isso não bate com as previsões do Big Bang como singularidade, como começo de tudo. Se o Universo estiver se acelerando, então aquilo que sustentou durante mais de 25 ou 30 anos o Big Bang acabou.
sábado, 29 de maio de 2010
TPI e Sudão
Sudão vira as costas para o Direito Internacional
A situação do Sudão frente à comunidade internacional só piora e desafia o Direito
globalizado. Esta semana, o Tribunal Penal Internacional (TPI), que fica em Haia, na
Holanda, reclamou do Estado africano para o Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU). Enquanto isso, o presidente sudanês, Omar Hassan Al Bashir, que
deveria estar preso por ordem do TPI, comemora a sua vitória eleitoral e assume um
novo mandato para governar o país — dessa vez, apoiado por eleições populares cuja
credibilidade é altamente questionada.
O comunicado do TPI para o conselho da ONU foi enviado na terça-feira (25/5) como
desdobramento de um dos três casos sobre o Sudão em tramitação na corte
internacional. O TPI acusa o país de se negar a cooperar com a corte na investigação
de Ahmad Harun, ministro de Estado, e Ali Kushayb, apontado como líder do grupo
armado Militia Janjaweed. Os dois têm ordem de prisão expedida pelo tribunal
internacional em abril de 2007, mas até hoje não cumprida pelo país.
De acordo com a ordem expedida pelo TPI (clique aqui e aqui para ler em inglês), a
prisão dos dois é necessária porque não há garantias de que eles vão cumprir
intimação e se apresentar ao tribunal. Além disso, o encarceramento é importante
para impedir que eles prejudiquem as investigações. Os dois são acusados de comandar
por pelo menos dois anos ataques aos rebeldes do sul do país, que buscam a separação
da região, que é rica em petróleo. Nesses ataques, teriam comandado massacres,
estupros, torturas e outros crimes considerados crimes de guerra e contra a
humanidade.
No comunicado enviado ao Conselho de Segurança da ONU (clique aqui para ler em
inglês), que trabalha em estreita cooperação com o TPI, a corte criminal aponta o
descumprimento da ordem de prisão dos dois acusados. Desde abril de 2007, quando
foram expedidos os mandados, a corte tenta, em vão, fazer o governo do Sudão receber
e cumprir o que determinado pela corte. Depois de inúmeras tentativas fracassadas, o
tribunal resolveu levar o caso para que o Conselho de Segurança da ONU decida o que
fazer.
O presidente do Sudão, Omar Bashir, também tem contra si um mandado de prisão
expedido em março do ano passado e ainda não cumprido (clique aqui para ler em
inglês). Desde que foi criado, em 2002, esta é a primeira — e única, até agora — vez
que o Tribunal Penal Internacional mandou prender um presidente de Estado. Bashir é
acusado de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. Ele governa o país há
duas décadas, quando chegou ao poder com um golpe de Estado. Nessa quinta, ao
assumir de novo o mandato, mas já se sentindo legitimado pela vontade do povo,
prometeu organizar um plebiscito para saber se o sul do país deve ganhar
independência ou não.
Independente dependente
A situação do TPI frente ao conflito no Sudão é complicada. O país africano não é
signatário do Tratado de Roma (clique aqui para ler), de julho de 1998, quando foi
instituído o tribunal, responsável por julgar criminalmente indivíduos por crimes
contra a humanidade e crimes de guerra. Entre os países que preferiram não dar seu
aval à criação da corte estão os Estados Unidos. Para a nação norteamericana, o
tribunal não poderia ser independente da ONU, embora independência não seja total.
Hoje, há três procedimentos contra quatro cidadãos sudaneses. Para três deles, foi
expedido mandado de prisão, não cumpridos. O terceiro procedimento é contra Bahar
Idriss Abu Garda, apontado como um dos líderes dos grupos rebeldes no país. Garda
foi intimado, se apresentou ao TPI e a corte acabou rejeitando as acusações contra
ele.
O fato de o Sudão não ter assinado o Tratado de Roma deixa o TPI de mãos amarradas.
O procedimento contra os membros do governo sudanês foram abertos a pedido do
Conselho de Segurança da ONU. O que garante que o TPI julgue cidadãos sudaneses,
mesmo sem o país ter assinado o tratado, é um pacto entre o tribunal e a ONU, o
chamado Negotiated Relationship Agreement between the International Criminal Court
and the United Nation (clique aqui para ler em inglês). O pacto prevê, entre outras
coisas, a cooperação e troca de informações entre ONU e TPI.
Além disso, todos os membros da ONU devem aceitar e sustentar as decisões do
Conselho de Segurança da organização. O Sudão é membro da ONU desde 1956. Quando o
país não signatário do Tratado de Roma decide não cooperar com o TPI, cabe a este
apenas levar o caso para que o conselho da ONU decida o que fazer. Só a Organização
das Nações Unidas pode tomar as medidas necessárias para garantir o trabalho do
tribunal.
Bashir no Brasil
Em julho de 2009, o Supremo Tribunal Federal começou a analisar a possibilidade de
prisão de um chefe de Estado estrangeiro em território brasileiro, justamente com o
caso de Omar Al Bashir. O Tribunal Penal Internacional pediu a sua prisão caso venha
ao Brasil. O Itamaraty e o Ministério da Justiça encaminharam o pedido ao STF para
deliberação. O ministro Celso de Mello, em despacho durante o exercício da
presidência da corte, lançou luzes sobre aspectos ainda não considerados sobre a
incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro dos termos do Estatuto que criou o
TPI.
Será a oportunidade para que o tribunal defina os termos da constitucionalização do
Estatuto de Roma no Brasil. Esta foi a primeira vez que o Tribunal Penal
Internacional dirigiu-se ao governo brasileiro e será também a primeira vez que o
Judiciário irá se posicionar a respeito. A largada é o exame preliminar, mas
bastante avançado, feito por Celso de Mello. No despacho, o ministro pediu
manifestação da Procuradoria-Geral da República.
O processo foi remetido ao Brasil em caráter supostamente sigiloso. O ministro Celso
desqualificou o sigilo, uma vez que o mandado de prisão expedido contra o sudanês
encontra-se no site do próprio TPI e todos os fatos em torno dele já se tornaram
públicos. O governo sulafricano, por exemplo, ao convidar Al Bashir para a posse do
novo presidente do país, advertiu-o que, caso ele atendesse o convite, seria preso
ao pisar em território sul-africano. Uganda, onde haveria reunião de presidentes
africanos, adotou a mesma postura. Já a União Africana que representa os presidentes
do continente repudiou, por maioria, a atitude do TPI.
Com a Emenda Constitucional 45, no entendimento de muitos estudiosos, o Brasil
submeteu-se à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. A EC 45 diz que o país se
submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional e não “do”, mas há
controvérsias. Celso de Mello não se posiciona, mas elenca questões delicadas ou
ambíguas que pedem reflexão. O ministro destaca os pontos que têm pertinência, como
no caso de o perseguido ser brasileiro nato — o que ele não examina, apenas cita
para mostrar a complexidade da matéria. O artigo 27 do Estatuto de Roma, por
exemplo, estabelece que perante o TPI é irrelevante se a pessoa em julgamento é
chefe de estado — enquanto a tradição brasileira reconhece a imunidade diplomática
do dirigente.
A França, por exemplo, subscreveu o Estatuto de Roma. Mas, ao ratificar, o
presidente da França o submeteu ao conselho constitucional porque, de acordo com a
Constituição francesa, o presidente só pode ser preso por alta traição. Os franceses
decidiram fazer uma emenda à Constituição para adaptar-se ao Estatuto.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Nova estratégia militar americana
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Os EUA apresentam nesta quinta-feira (27) a sua nova estratégia de segurança nacional, a primeira sob o mandato de Barack Obama. As novas diretrizes incluem abandonar a referência à "guerra contra o terrorismo", mas apontam a Al Qaeda como principal inimiga americana, e também unem o envolvimento diplomático e a disciplina econômica ao poderio militar, como forma de ampliar a presença dos EUA no mundo.
O presidente já havia antecipado as linhas principais da ação no sábado (22), na graduação dos cadetes da Academia Militar de West Point, e agências de notícias internacionais revelaram hoje partes do documento de 52 páginas.
"Tentaremos deslegitimar o uso do terrorismo e isolar aqueles que o praticam", afirmam os EUA em trechos do documento. "Não é uma guerra mundial contra uma tática, o terrorismo, ou uma religião, o islã", completa o texto.
"Nós estamos em guerra com uma rede específica, Al Qaeda, e os terroristas que a apoiam em seus esforços para atacar os Estados Unidos e nossos aliados", diz a nota.
Outro ponto será ao combate a extremistas que vivem no próprio país. "Vimos um número cada vez maior de indivíduos aqui nos EUA que se interessam e se aproximam das causas e das atividades extremistas", já havia assinalado John Brennan, principal assessor na luta contra o terrorismo de Obama.
O assessor se refere a incidentes como a tentativa de fazer explodir um carro-bomba em pleno centro de Nova York no início do mês, em atentado fracassado sob suposta responsabilidade do paquistanês naturalizado americano Faisal Shahzad.
"Esta é a primeira estratégia de segurança nacional de qualquer presidente que integra a segurança interna como parte da estratégia de segurança global", acrescentou o funcionário.
Brennan também prometeu que os EUA "levará o combate" aos locais onde os extremistas "tramam seus planos e se treinam, no Afeganistão, Paquistão, Iêmen, Somália e além". No entanto ele garantiu que usarão a força "de maneira prudente".
Parcerias
Rompendo formalmente com o unilateralismo da era Bush, a estratégia do presidente Barack Obama prevê a expansão de parcerias para além dos aliados tradicionais dos EUA, de modo a abrangerem também potências emergentes, como China e Índia, para compartilharem o ônus dos problemas internacionais, segundo trechos do documento.
O governo também admite que reforçar o crescimento econômico e pôr em ordem as contas públicas dos EUA são itens que fazem parte das prioridades de segurança nacional. "No centro dos nossos esforços está um compromisso de renovar nossa economia, que serve como fonte do poderio norte-americano".
"Devemos renovar a fundação da força da América", diz o documento, declarando que o crescimento sustentável da economia depende de colocar o país numa "trilha fiscalmente responsável" e de reduzir a dependência do país em relação ao petróleo importado.
No entanto, o texto não faz menção a um crescente consenso entre especialistas de que o profundo endividamento dos EUA junto a países como a China constitui um problema de segurança nacional.
Revisão
Os presidentes americanos revisam periodicamente suas estratégias de segurança, nas quais enumeram suas principais prioridades em matéria de defesa.
A primeira declaração oficial de Obama sobre os objetivos da segurança nacional, a ser divulgada na íntegra ainda nesta quinta-feira, omite acintosamente a política de "guerra preventiva" que foi adotada em 2002 por seu antecessor, George W. Bush, e que incomodou muitos aliados dos EUA.
Num momento de reordenação da ordem mundial, e no qual os EUA estão envolvidos em duas guerras, no Iraque e no Afeganistão, a nova doutrina formaliza a intenção de Obama de enfatizar a diplomacia multilateral em detrimento da força militar.
O governo tem, por um lado, reiterado a orientação de Obama de negociar com "nações hostis", uma referencia velada a Irã e Coreia do Norte, mas também ameaça isolar esses regimes se eles insistirem em desafiar as normas internacionais.
A estratégia de segurança nacional, uma obrigação legal de cada presidente, costuma ser uma reafirmação das políticas em vigor, mas é um documento importante porque pode influenciar orçamentos e leis, além de ser observado de perto no exterior.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Quilombolas e Raposa Serra do Sol
Folha deSão Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010
STF vota em junho ação sobre quilombos
Para antropólogos, decisão pode colocar em risco títulos de posse de terra emitidos para mais de 11 mil famílias
Ação do DEM rejeita critério para identificar os remanescentes de quilombolas, hoje feita por autodeclaração
MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO
O assunto explosivo da demarcação de remanescentes de quilombos entrará na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal na primeira quinzena de junho.
A decisão pode pôr em risco até os 106 títulos já emitidos para 11.070 famílias com base na Constituição de 1988, temem antropólogos envolvidos no debate.
Essas famílias quilombolas obtiveram o reconhecimento da posse coletiva de uma área de 9.553 km2 desde 1995, parte dela após desapropriação de terras particulares. A área equivale a um Distrito Federal e meio, ou menos de 1 km2 por família.
Apesar de envolver áreas individuais muito menores que os 17 mil km2 da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, espera-se uma polêmica similar à de dezembro de 2008, quando o STF manteve a demarcação contínua daquela área indígena.
O debate ficará restrito ao STF, porque não está prevista audiência pública, como nos casos de Raposa/Serra do Sol e das cotas raciais. O relator e atual presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, decidiu não convocá-la.
Quilombos reconhecidos recebem títulos de posse coletiva emitidos para a comunidade e não podem ser desmembrados nem vendidos. A posse coletiva também vale para terras indígenas homologadas, que integram o patrimônio da União.
Há cerca de mil outros processos sobre quilombos no Incra. Uma centena já avançou para as fases de identificação, delimitação, reconhecimento e desapropriação (no caso de terras privadas).
Os processos em andamento totalizam 21.244 famílias, que viriam a ser beneficiadas com 19.541 km2 de terra -quase um Sergipe. O quinhão de 0,9 km2 por unidade familiar se mantém.
O decreto que regulamenta o processo de demarcação de quilombos (n.º 4.887, de 2003) foi posto em questão em 2004 por ação direta de inconstitucionalidade do PFL (hoje DEM), que também luta contra as cotas raciais.
O partido alega que a desapropriação, por criar despesa, teria de ser regulamentada por lei, não decreto. O DEM rejeita, ainda, o critério da autodeclaração para identificar remanescentes.
Sua interpretação da Constituição condiciona o reconhecimento à posse efetiva do território em 1988, época da promulgação da Carta.
A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendem o decreto e a autodeclaração. Afirmam que não é o único critério para reconhecer um quilombo.
A decisão final cabe ao poder público, apoiado em laudos antropológicos que atestem o vínculo com o território e sua necessidade para garantir a reprodução física e cultural do remanescente.
Para AGU e PGR, o decreto questionado dá consequência à intenção dos constituintes e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, que tem o Brasil como signatário. Não teria cabimento a distinção entre "remanescente" e "descendente" de quilombolas proposta pela ação do DEM.
NOVOS QUILOMBOS
A questão tem relação direta com a dos "direitos originais" dos índios às terras tradicionalmente ocupadas e "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições", como prescreve o artigo 231 da Constituição.
Em ambos os casos a posse da terra teria a finalidade de garantir a sobrevivência da comunidade e sua cultura.
Nos dois campos, ganharam destaque recente supostos casos de fraudes, o que, aliado à iminência do julgamento, colocou antropólogos em pé de guerra.
"Um voto contrário [ao decreto] anulará, ou pode anular, todas as demarcações de quilombos até agora", afirma Carlos Caroso, presidente da ABA (Associação Brasileira de Antropologia).
O último livro de Bauman - resenha
Também há uma crise existencial a ser enfrentada
Olga de Mello, para o Valor, do Rio
25/05/2010
"Capitalismo Parasitário"
Zygmunt Bauman. Trad. de Eliana Aguiar. Zahar. 96 págs., R$ 19,00
"Diante da Crise"
Luc Ferry. Tradução de Karina Jannini. Difel. 128 págs., R$ 28,00
A reação a uma crise econômica se faz através da reconstrução de um sistema que já provou ser instável ou deve levar a reflexões sobre novas maneiras de produção e de reestruturação social, passando pelo trabalho e pela educação? Buscar novos rumos para a economia europeia - e para sua cultura - através da análise dos problemas mundiais desencadeados a partir do segundo semestre de 2008 é o que propõem em seus livros o filósofo francês Luc Ferry e o sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
AP
Ferry sugere um movimento educativo, que valorize a vida menos materialista
Críticos ferrenhos da cultura do consumo compulsivo, que em muito explica o desastre financeiro americano e, por consequência, a crise global, Ferry e Bauman estão mais preocupados com o vazio existencial das novas gerações do que com a imediata recuperação da economia. A base desse vazio, que privilegiou o consumidor em detrimento do cidadão, é a mesma que permitiu a reinvenção dos piores aspectos do capitalismo, substituindo a exploração dos trabalhadores pelo endividamento dos consumidores. No entanto, se Bauman e Ferry compartilham a virulência no ataque às estratégias das entidades bancárias - aliadas a veículos de comunicação que disseminam a cultura da satisfação imediata pela aquisição de bens que se mostram obsoletos antes de serem plenamente usufruídos -, cada um mantém uma visão particular sobre como enfrentar uma crise que não está circunscrita a aspectos econômicos.
Aos 84 anos, professor emérito das universidades de Leeds e de Varsóvia, Bauman acredita que o capitalismo encontrará novas formas de sobrevivência, alimentando-se, como um parasita, de quem o hospeda ou sustenta. A atual contração do crédito, afirma, "fruto do sucesso extraordinário dos bancos em transformar os correntistas em uma raça de devedores eternos", não significa o fim do sistema, mas "a exaustão de mais um pasto". A saída do sistema está na máquina estatal, com a utilização de recursos públicos, "já que o poder de sedução do mercado está momentaneamente abalado".
A indignação de Bauman é direcionada também aos esforços dos agentes financeiros em convencer jovens a contrair empréstimos antes mesmo de iniciarem suas carreiras profissionais. Ao disseminar a noção de que o consumo é o meio para alcançar a felicidade, o sistema bancário internacional garante que as dívidas se eternizem em amortizações infindáveis.
"Ainda não começamos a pensar seriamente na sustentabilidade dessa sociedade alimentada pelo consumo e pelo crédito. (...) As fontes de lucro do capitalismo se deslocaram da exploração da mão de obra operária para a exploração dos consumidores", alerta Bauman em "Capitalismo Parasitário", no qual aponta a volúpia dos serviços de marketing em conquistar os poupadores que rejeitam o parcelamento de suas compras. Para assegurar a fidelidade dos devedores ao consumo compulsivo existe o crédito, que pode criar dependência maior do que drogas tranquilizantes, afirma o sociólogo.
Mais comedido em seus exemplos, embora também contundente na objeção à cultura do endividamento, Ferry preocupa-se em identificar a crise como econômica, gerada no enfraquecimento das classes médias - uma decorrência da globalização. Um momento-chave para o crescimento do capitalismo passar a depender do endividamento "das famílias mais numerosas e menos ricas". Ex-ministro da Educação da França entre 2002 e 2004, Ferry, de 59 anos, hoje preside o Conselho de Análise da Sociedade, órgão governamental para o qual, no ano passado, ele escreveu o relatório "Diante da Crise - Materiais para uma Política de Civilização". O documento não se limita a discutir as causas do colapso financeiro mundial, mas pretende aproveitar a crise como "uma oportunidade para abrir os olhos", pois, segundo Ferry, "é intrinsecamente insatisfatória uma sociedade que parece atribuir à vida humana, como único horizonte de sentido, o 'cada vez mais' .(...) Cria frustrações irremediáveis".
Otimista, Ferry acredita que a compulsão consumista possa ser abafada com o fortalecimento de valores humanitários. Isso, porque, se não existe mais mobilização em torno da defesa de religiões, nações ou políticas/revoluções, dentro de um contexto europeu, os filhos ou até "pessoas próximas, família ou amigos" ainda são motivo suficiente para levar alguém a correr riscos, a entrar em batalhas. Depois das mudanças céleres experimentadas a partir do século XX, chegamos a uma época de solidariedade afetiva, a era de um novo humanismo, afirma Ferry.
Publicados antes da recente crise da Grécia, os dois livros trazem a advertência dos autores sobre a probabilidade de problemas econômicos estarem à espreita dos jovens que não se prepararam para substituir os atuais adultos. O desinteresse desses jovens em receber tal treinamento viria da superficialidade de um mundo em que sobram informações, mas a formação é escassa. "A arte de viver num mundo hipersaturado de informações ainda não foi compreendida", observa Bauman.
O estranhamento das gerações, para Ferry, pode e precisa ser combatido. Desse afastamento teria surgido a erosão das tradições, "calamitosa em alguns níveis, sobretudo na escola", que é traduzida pelo "aumento da incivilidade". Sem perder o entusiasmo, Ferry aposta em um amplo programa educacional, que divulgue obras filosóficas, literárias e cinematográficas e, assim, desperte a atenção dos estudantes para a ética de uma vida menos materialista.
terça-feira, 25 de maio de 2010
200 anos do Estado argentino
Divisões no país remontam à ditadura, diz analista
DE BUENOS AIRES
A dificuldade de lograr consensos no campo político e um clima de embate permanente entre a população são heranças do último regime militar (1976-1983) instalado na Argentina, que de forma violenta transformou a identidade nacional e fez o país regredir.
É o que defende o sociólogo da UBA (Universidade de Buenos Aires) Luis Fanlo, que estuda a "argentinidade". Segundo ele, o período inscreveu no corpo do argentino um perfil de confronto e que permite pouca autocrítica.
"As diferenças são vistas como obstáculos que devem ser arrancados. É como se fosse preciso aniquilar aquele que pensa diferente. Cito como exemplo o jargão "hay que matarlos a todos". Parece sair da boca para fora, mas representa uma carga forte de violência."
Segundo Fanlo, a subjetividade dos argentinos foi reconfigurada em uma profundidade ainda impossível de precisar, mas essa mudança pode ser percebida tanto no Congresso Nacional como em conversas de esquina.
"Há um rechaço em ouvir o outro, uma dificuldade de entender uma posição contrária, seja na política, seja no futebol", afirma.
VIOLÊNCIA
As entidades de direitos humanos estimam que aproximadamente 30 mil pessoas tenham sido assassinadas pelo aparato repressor do Estado durante o regime militar, o que faz da última ditadura argentina uma das mais sangrentas da história do continente.
Enquanto o Brasil aposta na anistia e no esquecimento como melhores opções para lidar com o passado, na Argentina estão em curso centenas de processos contra membros do regime militar.
A reabertura das causas na Justiça foi possibilitada pela revogação das leis de anistia no governo Néstor Kirchner (2003-2007).
domingo, 23 de maio de 2010
Habermas e União Européia
En el euro se decide el destino de la UE
JÜRGEN HABERMAS 23/05/2010
El filósofo alemán Jürgen Habermas exige a los Estados una mayor implicación política para defender a la UE de los ataques financieros y muestra que la Alemania actual no está en el mejor momento para asumir el liderazgo
Días decisivos: Occidente celebra el 8 de mayo y Rusia el 9 de mayo la victoria sobre la Alemania nacionalsocialista; también aquí, en Alemania, se habla de día de la liberación. Este año, las fuerzas de la alianza que lucharon contra Alemania (con la participación de una unidad polaca) celebraron conjuntamente un desfile de la victoria. En la Plaza Roja de Moscú Angela Merkel estaba justo al lado de Vladímir Putin. Su presencia confirmaba el espíritu de aquella nueva Alemania surgida en la posguerra, cuyas distintas generaciones no han olvidado que también fueron liberadas, a costa de los mayores sacrificios, por el Ejército rus
Hoy ya nadie puede rechazar la exigencia del FMI de un "gobierno económico europeo
En Alemania gobierna una generación que solo se enfrenta a los problemas del día a día
La canciller llegó desde Bruselas, donde había tratado de una derrota de un tipo completamente distinto. La imagen de la conferencia de prensa en la que se anunció la decisión de los jefes de Gobierno de la UE sobre el fondo de rescate común para contrarrestar los ataques al euro traicionaba la convulsa mentalidad no de aquella nueva Alemania, sino de la Alemania de hoy. La chirriante foto muestra las caras petrificadas de Merkel y Nicolas Sarkozy: unos jefes de Gobierno exhaustos que ya no tienen nada que decirse. ¿Acabará siendo esa foto el referente iconográfico del fracaso de una manera de ver Europa que ha marcado su historia durante más de medio siglo?
Mientras que en Moscú Merkel estaba a la sombra de la tradición de la antigua República Federal, este 8 de mayo pasado, en Bruselas, la canciller dejaba tras sí algo distinto: la lucha de semanas de una empedernida defensora de los intereses nacionales del Estado económicamente más poderoso de la UE. Apelando al ejemplo de la disciplina presupuestaria alemana, había bloqueado una acción conjunta de la Unión que habría respaldado a tiempo la credibilidad de Grecia frente a una especulación que buscaba la quiebra del Estado. Una serie de declaraciones de intenciones ineficaces había impedido una acción preventiva conjunta. Grecia como un caso aislado.
Hasta que no se ha producido la última conmoción bursátil, la canciller no ha cedido, ablandada por el masaje anímico colectivo del presidente de Estados Unidos, del Fondo Monetario Internacional y del Banco Central Europeo. Por temor a las armas de destrucción masiva de la prensa amarillista parecía haber perdido de vista la potencia de las armas de destrucción masiva de los mercados financieros. No quería de ninguna manera una eurozona sobre la que el presidente de la Comisión Europea, José Manuel Barroso, pudiera decir al día siguiente: quien no quiera la unificación de las políticas económicas, debe olvidarse también de la Unión Monetaria.
La cesura. Desde entonces, todos los afectados empiezan a vislumbrar el alcance de la decisión que se tomó el 8 de mayo de 2010 en Bruselas. Las medidas de emergencia sobre el euro adoptadas de la noche a la mañana han tenido consecuencias distintas de las de todos los bail outs habidos hasta la fecha. Como ahora es la Comisión quien suscribe los créditos en los mercados representando a la Unión Europea en su conjunto, este mecanismo de crisis se ha convertido en un instrumento de comunidad que transforma las bases económicas de la Unión Europea.
El hecho de que a partir de ahora los contribuyentes de la zona euro avalen solidariamente los riesgos presupuestarios del resto de los Estados miembros supone un cambio de paradigma. Se ha tomado conciencia así de un problema reprimido desde hacía mucho tiempo. La crisis financiera, amplificada a crisis de Estado, nos trae el recuerdo de los errores originales de una Unión Política incompleta que se ha quedado a mitad de camino. En un espacio económico de dimensiones continentales, sumamente poblado, surgió un Mercado Común con una moneda parcialmente común, sin que al mismo tiempo se introdujeran competencias que sirvieran para coordinar eficazmente las políticas económicas de los Estados miembros.
Hoy ya nadie puede rechazar de plano, calificándola de irrazonable, la exigencia formulada por el presidente del Fondo Monetario Internacional de un "gobierno económico europeo". Los modelos de una política económica "conforme a las reglas" y de un presupuesto "disciplinado", según lo establecido en el Pacto de Estabilidad, no están a la altura de los desafíos de una adaptación flexible a constelaciones políticas en rápida transformación. Claro que hay que sanear los presupuestos nacionales. Pero no se trata únicamente de las trapacerías griegas o de las ilusiones de bienestar españolas, sino de una equiparación político-económica de los niveles de desarrollo dentro de un espacio monetario con economías nacionales heterogéneas. El pacto de Estabilidad, que precisamente Francia y Alemania tuvieron que dejar en suspenso en 2005, se ha convertido en un fetiche. No bastará con endurecer las sanciones para equilibrar las consecuencias no deseadas de la deseada asimetría entre la completa unificación económica de Europa y su incompleta unificación política.
Incluso la sección de Economía del Frankfurter Allgemeine Zeitung considera que "la unión monetaria está en la encrucijada". El periódico atiza con un escenario de horror la nostalgia por el marco alemán en contra de los "países con monedas débiles", mientras que una amoldable canciller habla repentinamente de que los europeos deben buscar "una mayor integración económica y financiera". Pero no hay, a lo ancho y a lo largo, huella alguna de la conciencia de una profunda cesura. Unos confunden la conexión causal entre la crisis del euro y la crisis bancaria y apuntan exclusivamente el desastre a la falta de disciplina presupuestaria. Otros se afanan denodadamente en reducir el problema de la falta de coordinación entre las políticas económicas nacionales a una mera cuestión de mejora de la gestión.
La Comisión Europea quiere que el fondo de rescate, de duración limitada, se mantenga a largo plazo, además de inspeccionar los planes presupuestarios nacionales, incluso antes de que estos se hayan sometido a los parlamentos nacionales. No es que estas propuestas sean descabelladas. Pero es una falta de vergüenza sugerir que semejante intervención de la Comisión en el derecho presupuestario de los parlamentos no tocaría los tratados y no aumentaría de forma inaudita el déficit democrático que se arrastra desde hace tanto tiempo. Una coordinación eficaz de las políticas económicas debe conllevar un reforzamiento de las competencias del Parlamento de Estrasburgo; también planteará, en otros ámbitos políticos, la necesidad de una mejor coordinación.
Los países de la zona euro se enfrentan a la alternativa entre una profundización de la cooperación europea y la renuncia al euro. No se trata de la "vigilancia recíproca de las políticas económicas" (Trichet), sino de una actuación común. Y la política alemana está mal preparada para esto.
Cambio generacional y nueva indiferencia. Tras el Holocausto, hicieron falta esfuerzos de décadas -desde Adenauer y Heinemann, pasando por Brandt y Helmut Schmidt, hasta Weizsäcker y Kohl- para el retorno de la República Federal al círculo de las naciones civilizadas. No bastaba con la astuta táctica marcada por el ministro de Exteriores, Hans Dietrich Genscher, de orientarse a Occidente por razones de oportunidad. Era precisa una transformación, infinitamente trabajosa, de la mentalidad de toda la población. Lo que acabó por propiciar un talante conciliador en nuestros vecinos europeos fueron, en primer término, la transformación de las convicciones normativas y el cosmopolitismo de las generaciones más jóvenes, crecidas en la República Federal. Y, naturalmente, en la actividad diplomática marcaron la pauta las convicciones creíbles de los políticos en activo durante aquella época.
El manifiesto interés de los alemanes por una unificación europea pacífica no era suficiente para desactivar la desconfianza hacia ellos, históricamente fundamentada. Los alemanes occidentales parecían conformarse con la división nacional. A ellos, con el recuerdo de sus excesos nacionalistas, no habría de resultarles difícil renunciar a la reivindicación de sus derechos de soberanía, asumir en Europa el papel del principal contribuyente neto y, si hacía falta, adelantar créditos que, en cualquier caso, redundaban en beneficio de la República Federal. El compromiso alemán, para ser convincente, tenía que tener un arraigo normativo. Jean-Claude Juncker ha descrito bien esa prueba de esfuerzo cuando, en alusión al frío cálculo de intereses de Angela Merkel, echaba en falta la disposición a "aceptar riesgos en la política interna en pro de Europa".
La nueva intransigencia alemana tiene raíces profundas. Ya con la reunificación se transformó la perspectiva de una Alemania que había crecido y se ocupaba de sus propios problemas. Más importante fue la quiebra de las mentalidades que se produjo tras la marcha de Helmut Kohl. Con la excepción de un Joschka Fischer prematuramente agotado, desde la toma de posesión de Gerhard Schröder gobierna una generación normativamente desarmada que permite que una sociedad cada vez más compleja le imponga un trato cortoplacista con los problemas del día a día. Consciente de la reducción de los márgenes de juego político, renuncia a fines y a intenciones de transformación política, por no hablar de un proyecto como la unificación de Europa.
Hoy las élites alemanas disfrutan de una recuperada normalidad nacional estatal. Al final de un largo camino hacia Occidente han adquirido su certificado de madurez democrática y pueden volver a ser como los demás. Ha desaparecido aquella nerviosa disposición a acomodarse con mayor prontitud a la constelación posnacional de un pueblo vencido también moralmente y obligado a la autocrítica. En un mundo globalizado todos deben aprender a incorporar a la propia perspectiva la de los otros, en vez de retraerse a la mezcla egocéntrica de esteticismo y optimización del beneficio. Un síntoma político del retroceso de la disposición a aprender son las sentencias sobre los tratados de Maastricht y Lisboa del Tribunal Constitucional alemán, que se aferran a superados dogmatismos jurídicos relativos a la soberanía. La mentalidad del ensimismado coloso centroeuropeo, que gira en torno a sí misma y que carece de ambición normativa, ya no es ni siquiera garantía de que la Unión Europea se mantendrá en su tambaleante status quo.
La adormecida conciencia de crisis. Cambiar de mentalidad no es razón alguna para hacer reproches; pero la nueva indiferencia tiene consecuencias para la percepción política del desafío actual. ¿Quién está realmente dispuesto a sacar de la crisis bancaria aquellas conclusiones que la cumbre del G-20 de Londres plasmó en bellas declaraciones de intenciones... y a luchar por ellas?
Por lo que respecta a la doma del asilvestrado capitalismo financiero, nadie puede engañarse sobre la voluntad mayoritaria de las poblaciones. Por primera vez en la historia del capitalismo, en el otoño de 2008 sólo pudo salvarse la columna vertebral del sistema económico mundial, impulsado por los mercados financieros, gracias a las garantías de los contribuyentes. Y este hecho -que el capitalismo no pueda ya reproducirse por sus solas fuerzas- se ha fijado desde entonces en las conciencias de los ciudadanos que, como ciudadanos-contribuyentes, tuvieron que salir fiadores del fracaso del sistema.
Las exigencias de los expertos están sobre la mesa. Se está hablando sobre el aumento de los fondos propios de los bancos, una mayor transparencia para las actuaciones de los fondos especulativos de inversión, la mejora de los controles de las bolsas y las agencias de calificación de riesgos financieros, la prohibición de instrumentos especulativos llenos de imaginación pero dañinos para las economías nacionales, la imposición de una tasa a las transacciones financieras, el reforzamiento de las provisiones bancarias, la separación de la banca de inversión y comercial o la disgregación preventiva de los complejos bancarios demasiados grandes para caer. En la cara de Josef Ackermann, presidente del Deutsche Bank y astuto lobbista mayor de la banca alemana, se reflejaba un cierto nerviosismo cuando la periodista televisiva Maybrit Illner le daba a elegir entre algunos de estos "instrumentos de tortura" de los legisladores.
No es que la regulación de los mercados financieros sea tarea sencilla. Para llevarla a cabo también se requiere, sin duda, el conocimiento especializado de los banqueros más taimados. Pero las buenas intenciones fracasan no tanto por la complejidad de los mercados como por la pusilanimidad y falta de independencia de los Gobiernos nacionales. Fracasan por una apresurada renuncia a una cooperación internacional que se ponga como fin el desarrollo de las capacidades de actuación políticas de las que se carece... y ello en todo el mundo, en la Unión Europea y en primerísimo lugar dentro de la zona euro. En el asunto de la ayuda a Grecia, los negociantes y especuladores en divisas creyeron antes el hábil derrotismo empresarial de Ackermann que la tibia aprobación de Merkel al fondo de rescate del euro; realmente, no tienen confianza alguna en la decidida disposición a cooperar de los países de la zona euro. ¿Cómo podrían ser de otra manera las cosas en una Unión que derrocha sus energías en peleas de gallos para llevar a las figuras más grises a los cargos más influyentes?
En épocas de crisis, incluso los individuos pueden hacer historia. Nuestra enervada élite política, que prefiere seguir los titulares del Bildzeitung, no puede convencerse a sí misma de que son las poblaciones quienes impiden una unificación europea más profunda. Saben perfectamente que el retrato demoscópico de la opinión de la gente no es lo mismo que el resultado de la formación de una voluntad democrática deliberativamente constituida de los ciudadanos. Hasta hora, no ha habido en país alguno una sola elección europea o un solo referéndum en el que se haya decidido sobre algo que no sean temas y listas electorales nacionales. Sin mencionar siquiera la miopía nacional-estatal de la izquierda (y aquí no hablo sólo del partido alemán La Izquierda), hasta este momento todos los partidos políticos nos deben el intento de conformar políticamente la opinión pública mediante una Ilustración a la ofensiva.
Con un poco de nervio político, la crisis de la moneda común puede acabar produciendo aquello que algunos esperaron en tiempos de la política exterior común europea: la conciencia, por encima de las fronteras nacionales, de compartir un destino europeo común.
Jürgen Habermas es filósofo alemán, ganador del Premio Príncipe de Asturias de Ciencias Sociales 2003. © 2010, Jürgen Habermas, Die Zeit. Traducción de Jesús Alborés Rey.
Boaventura de Sousa Santos: amicus curiae, audiência pública e quilomboas
Vejam nesta matéria da revista Carta Maior com texto de Boaventura de Sousa Santos enviado pelo pesquisador Humberto Laport do OJB/UFRJ sobre o gargalo institucional do amicus curiae e audiência pública no Brasil especialmente no caso dos quilombolas no STF
quarta-feira, 19 de maio de 2010
terça-feira, 18 de maio de 2010
Araguaia
ditadura
SAN JOSÉ, Costa Rica — O Brasil se sentará nos próximos dias 20 e 21 de maio
no banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José,
para responder por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985),
informou a Corte.
Em uma audiência pública ante representantes das vítimas e autoridades
brasileiras, a Corte julgará o caso Gomes Lund, mais conhecido como
"Guerrilha do Araguaia", sobre detenção arbitrária, tortura, assassinato e
desaparecimento de pelo menos 70 pessoas durante operações das Forças
Armadas entre 1972 e 1975 com o objetivo de destruir um movimento armado de
resistência à ditadura.
O Estado brasileiro negou-se por mais de 30 anos a iniciar uma investigação
criminal para esclarecer os fatos e determinar responsabilidades,
amparando-se na Lei da Anistia, promulgada em 1979 pelo governo militar,
segundo organizações defensoras dos direitos humanos.
Os funcionários estatais envolvidos nesses crimes contra os Direitos Humanos
beneficiaram-se da Lei da Anistia, "mediante uma interpretação política que
foi dada a esse texto", denunciou o Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL), uma organização defensora dos Direitos Humanos e
representante das vítimas.
A Corte Interamericana analisará a Lei de Anistia, considerada pelas vítimas
o principal obstáculo para a investigação, e realizará o esclarecimento dos
fatos e o julgamento das violações dos Direitos Humanos e crimes contra a
Humanidade cometidos durante o regime militar brasileiro, informa esta
organização.
As partes têm até o dia 21 de junho para apresentar suas alegações por
escrito e posteriormente a Corte deliberará a sentença, processo que
normalmente leva vários meses.
domingo, 16 de maio de 2010
A natureza das leis
+Marcelo Gleiser
A natureza das leis
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As leis da natureza foram inventadas pelo homem ou forçadas pelo mundo ao redor?
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O que nós, cientistas, estamos querendo dizer quando falamos em "leis da natureza"? A questão é bem mais complicada do que parece ser. Não será no curto espaço desta coluna que farei jus à ela, mas temos que começar de algum lugar. Aí vai.
Autoridades tanto na ciência quanto na filosofia têm posições antagônicas com relação à natureza das leis da natureza. Antes de apresentar minhas opiniões, eis algumas outras.
Max Planck, grande físico alemão que inventou o conceito do quantum em 1900 e ganhou o prêmio Nobel da Física em 1918, escreveu que "existe um mundo real, e ele é independente dos nossos sentidos".
Para ele, "as leis da natureza não foram inventadas pelo homem, mas sim forçadas sobre ele pelo próprio mundo natural. São a expressão de uma ordem racional do mundo".
Planck acreditava que não inventamos essas leis, mas que as descobrimos. Se seres extraterrestres existissem, portanto, descobririam as mesmas leis. Poderiam representá-las de forma diferente, mas sua essência seria idêntica.
Essa postura supõe a existência de um saber universal: existe um único corpo de conhecimento que, dado tempo suficiente, vai ficando cada vez mais claro.
A posição de Planck ressoa com a dos que acreditam que Deus criou o mundo e suas leis. De fato, a primeira menção das leis da natureza aparece num texto de Descartes, em que ele afirma que as leis da natureza são uma criação divina.
A maioria dos pensadores, entretanto, discorda da visão de Planck. O próprio Albert Einstein dizia que nossas teorias são "ficções", no sentido de que podem existir duas ou mais explicações equivalentes sobre o mesmo fenômeno. "O caráter fictício das [teorias científicas] fica óbvio quando vemos que duas diferentes, cada qual com as suas consequências, concordam em grande parte com a experiência", disse.
O físico americano Richard Feynman escreveu que "como nada pode ser expresso precisamente, toda lei científica, todo princípio cientifico, toda asserção sobre os resultados de uma observação é uma espécie de sumário que deixa de lado os detalhes". Ou seja, nossas teorias são apenas aproximações da realidade.
Os filósofos Karl Popper e Thomas Kuhn vão ainda mais longe (Kuhn talvez um pouco longe demais). Popper escreveu que teorias científicas "não são um resumo de observações mas invenções-conjecturas propostas para serem julgadas e, se discordarem das observações, eliminadas".
Entrando no debate, o que podemos dizer sobre as leis da natureza?
Não há dúvida de que observamos padrões regulares na natureza, do micro ao macro. Alguns desses padrões podem ser expressos matematicamente. Porém, quando físicos afirmam, por exemplo, que "a energia é conservada", sabem que essa lei só é estritamente válida dentro da precisão de suas medidas.
E mesmo que a precisão de nossos instrumentos e medidas melhore com o passar do tempo, sempre haverá um limite. Consequentemente, jamais podemos afirmar que a "energia é conservada" em termos absolutos.
De fato, na prática não existem asserções de caráter absoluto, nem mesmo no contexto das ciências físicas. Construímos modelos que descrevem a realidade que medimos da melhor maneira possível.
Como humanos, vemos o mundo sempre fora de foco. Os óculos que inventamos melhoram a qualidade da imagem, mas sempre existirão detalhes que escaparão ao nosso olhar. O mundo é o que vemos dele.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "Criação Imperfeita"
A visaõ econômica do Consenso de Washington
EUA não sentirão crise, diz pai do Consenso de Washington
Para John Williamson, país é "refúgio" na turbulência e dólar manterá força
Para economista que listou receituário de livre mercado, Brasil não corre grandes riscos, mas deve reduzir gastos públicos
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Temores crescem, ações caem, mas o economista John Williamson, conhecido como "pai" do Consenso de Washington (receituário de livre mercado), não prevê grandes abalos nos EUA causados pela crise na zona do euro.
"Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar um refúgio em outro", disse Williamson em entrevista à Folha, na qual manifestou ter confiança na continuidade da recuperação do país.
FOLHA - Quais os impactos nos EUA da crise na zona do euro?
JOHN WILLIAMSON - No momento, o efeito para os EUA vem da diminuição da demanda na Europa, que vai prejudicar as exportações americanas.
Um outro ponto é que a capacidade do dólar de servir como principal moeda de reserva internacional não está sob muita pressão. Provavelmente permaneceremos com o sistema baseado no dólar a longo prazo.
É difícil ver os EUA sofrendo grande falta de confiança gerada por essa situação. Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar refúgio em outro.
Na realidade, o maior risco que os EUA enfrentam é o de se tornarem excessivamente endividados, o que é provável que aconteça a longo prazo se as políticas não forem alteradas. Mas ainda se pode mudá-las.
FOLHA - Em que cenário da economia dos EUA chegam esses efeitos?
WILLIAMSON - A economia dos EUA parece se recuperar bem, apesar de não ser uma recuperação fortíssima. Não acho que será abalada. Talvez na criação de empregos, mas não vejo uma mudança na tendência.
FOLHA - Que medidas adicionais os EUA têm de adotar para manter a recuperação estável diante da crise?
WILLIAMSON - A maior necessidade é uma estratégia fiscal crível de médio prazo, que terá de envolver elevação de impostos. No caso dos EUA, isso é bem claro. Mais cedo ou mais tarde os políticos terão de enfrentar esse fato. Acredito que isso acontecerá já no próximo outono [primavera no Brasil].
No caso do Brasil, a necessidade é de cortar gastos públicos. Não se poderá fugir disso. Mas, assim como nos EUA, não vejo um risco tão grande para o Brasil no momento.
FOLHA - O ministro Guido Mantega sugeriu que, para reequilibrar o sistema internacional, os EUA deviam subir os juros. O sr. discorda?
WILLIAMSON - Sim. O mais importante é ter crescimento real. Esperamos que a situação atual sirva como alerta antecipado para a necessidade de reformar a política fiscal. Isso serve também para o Brasil.
FOLHA - Alguns analistas temem que a fuga de investidores de títulos públicos poderia levar mesmo os EUA a elevarem os juros...
WILLIAMSON - No curto prazo, não creio que isso acontecerá nos EUA. O Fed manterá a política de juros baixos.
FOLHA - O pacote de resgate da zona do euro será suficiente para estancar o sangramento?
WILLIAMSON - Acho que o pacote poderá fazer uma contenção, mas é importante seguir adiante com corte de gastos públicos e elevação de impostos. O resgate é uma solução de curto prazo.
No caso da Grécia, em algum ponto o país terá mesmo de reestruturar a dívida. É difícil ver como isso poderia ser evitado, especialmente quando não podem desvalorizar a moeda. Só cortar gastos não terá efeito suficiente.
Mas acho que não vão abandonar o euro, o que traria problemas muito maiores. Devem reestruturar a dívida -não há nada que os impeça-, mas permanecendo na zona do euro.
Visão do pai do Consenso de Washington
EUA não sentirão crise, diz pai do Consenso de Washington
Para John Williamson, país é "refúgio" na turbulência e dólar manterá força
Para economista que listou receituário de livre mercado, Brasil não corre grandes riscos, mas deve reduzir gastos públicos
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Temores crescem, ações caem, mas o economista John Williamson, conhecido como "pai" do Consenso de Washington (receituário de livre mercado), não prevê grandes abalos nos EUA causados pela crise na zona do euro.
"Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar um refúgio em outro", disse Williamson em entrevista à Folha, na qual manifestou ter confiança na continuidade da recuperação do país.
FOLHA - Quais os impactos nos EUA da crise na zona do euro?
JOHN WILLIAMSON - No momento, o efeito para os EUA vem da diminuição da demanda na Europa, que vai prejudicar as exportações americanas.
Um outro ponto é que a capacidade do dólar de servir como principal moeda de reserva internacional não está sob muita pressão. Provavelmente permaneceremos com o sistema baseado no dólar a longo prazo.
É difícil ver os EUA sofrendo grande falta de confiança gerada por essa situação. Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar refúgio em outro.
Na realidade, o maior risco que os EUA enfrentam é o de se tornarem excessivamente endividados, o que é provável que aconteça a longo prazo se as políticas não forem alteradas. Mas ainda se pode mudá-las.
FOLHA - Em que cenário da economia dos EUA chegam esses efeitos?
WILLIAMSON - A economia dos EUA parece se recuperar bem, apesar de não ser uma recuperação fortíssima. Não acho que será abalada. Talvez na criação de empregos, mas não vejo uma mudança na tendência.
FOLHA - Que medidas adicionais os EUA têm de adotar para manter a recuperação estável diante da crise?
WILLIAMSON - A maior necessidade é uma estratégia fiscal crível de médio prazo, que terá de envolver elevação de impostos. No caso dos EUA, isso é bem claro. Mais cedo ou mais tarde os políticos terão de enfrentar esse fato. Acredito que isso acontecerá já no próximo outono [primavera no Brasil].
No caso do Brasil, a necessidade é de cortar gastos públicos. Não se poderá fugir disso. Mas, assim como nos EUA, não vejo um risco tão grande para o Brasil no momento.
FOLHA - O ministro Guido Mantega sugeriu que, para reequilibrar o sistema internacional, os EUA deviam subir os juros. O sr. discorda?
WILLIAMSON - Sim. O mais importante é ter crescimento real. Esperamos que a situação atual sirva como alerta antecipado para a necessidade de reformar a política fiscal. Isso serve também para o Brasil.
FOLHA - Alguns analistas temem que a fuga de investidores de títulos públicos poderia levar mesmo os EUA a elevarem os juros...
WILLIAMSON - No curto prazo, não creio que isso acontecerá nos EUA. O Fed manterá a política de juros baixos.
FOLHA - O pacote de resgate da zona do euro será suficiente para estancar o sangramento?
WILLIAMSON - Acho que o pacote poderá fazer uma contenção, mas é importante seguir adiante com corte de gastos públicos e elevação de impostos. O resgate é uma solução de curto prazo.
No caso da Grécia, em algum ponto o país terá mesmo de reestruturar a dívida. É difícil ver como isso poderia ser evitado, especialmente quando não podem desvalorizar a moeda. Só cortar gastos não terá efeito suficiente.
Mas acho que não vão abandonar o euro, o que traria problemas muito maiores. Devem reestruturar a dívida -não há nada que os impeça-, mas permanecendo na zona do euro.
sábado, 15 de maio de 2010
O caso Balthazar Garzón
Es sorprendente que el juez que quiso esclarecer los crímenes del franquismo haya sido apartado de la carrera y vaya a ser juzgado. En el peor de los casos, se debería haber aceptado su petición de traslado a La Haya
Finalmente se ha producido la suspensión del magistrado Baltasar Garzón por decisión del Consejo General del Poder Judicial y a consecuencia del procedimiento penal abierto en su contra por el Tribunal Supremo por el intento de investigación de los crímenes del franquismo.
Se criminaliza una doctrina compartida por Garzón y muchos jueces y juristas en España y en el mundo
Se ha ignorado que el Ministerio Fiscal no vea materia alguna para actuar contra Garzón
La imagen del juez abandonando la Audiencia Nacional es sorprendente y, sin duda, ha conmocionado a una buena parte de la ciudadanía española e internacional.
Se cesa a un juez que ha servido al Estado de derecho durante casi 30 años, 20 de ellos en la Audiencia Nacional. Un juez que se ha ganado el prestigio gracias a su labor en la persecución de los crímenes internacionales, de terrorismo y relativos a la corrupción pública.
De su trabajo en estos años resulta especialmente relevante su decisiva contribución en el caso Pinochet a favor de la concepción de la Justicia Universal. Desde las sentencias del Tribunal de Nuremberg, en defensa de los valores universales asociados a la dignidad de las personas y al derecho a la vida, ninguna resolución judicial ha tenido más repercusión en la consolidación de los principios de imprescriptibilidad y jurisdicción universal para la persecución de los delitos de genocidio y contra la humanidad que la orden de detención internacional del juez Garzón al general Augusto Pinochet, en el año 1999.
Estos principios obligan a todos los Estados a perseguir los graves crímenes contra los derechos humanos, en cualquier lugar y en cualquier momento que se hubieran producido, precisamente porque no sólo afectan de forma directa a las víctimas, sino que agreden al conjunto de la humanidad por su carácter sistemático y masivo.
Pues bien, estos mismos principios son los que intentó aplicar el juez Garzón en la causa por los crímenes de la cruenta dictadura franquista. Y, paradojas de la vida, la actuación que hace 11 años fue objeto de reconocimiento, ahora le lleva al banquillo de los acusados, a raíz de la iniciativa de un autodenominado sindicato Manos Limpias, cuyo máximo dirigente aparece históricamente vinculado a la ultraderecha, y en virtud de una querella de Falange Española y de las JONS, por el momento apartada del proceso por razones formales.
Y ello, a pesar de la razonada oposición del Ministerio Fiscal y de la inexistencia de perjudicados por sus resoluciones calificadas de prevaricadoras. Ni un solo ciudadano ha comparecido ante el Tribunal Supremo sintiéndose víctima de las decisiones del juez Garzón. Contrariamente a ello las víctimas del franquismo constataron que se abría una vía de esperanza a sus legítimas demandas de justicia y reparación y tutela judicial efectiva.
El peor delito que puede imputarse a un juez es el de prevaricación: dictar a sabiendas una resolución injusta. Sólo aquellas decisiones judiciales que no tengan cabida en la ley, y que comporten un retorcimiento tal del ordenamiento jurídico de forma que resulten indefendibles, pueden ser tildadas de prevaricadoras.
El procedimiento penal abierto por el juez Garzón lo fue a raíz de las denuncias presentadas por familiares de las víctimas del franquismo, cuya legítima pretensión era saber la verdad, recuperar los restos de sus familiares ejecutados, conocer la suerte de los desaparecidos y conseguir que se hiciera justicia. Sus decisiones jurisdiccionales se han basado en la consideración de que las desapariciones forzadas, el secuestro organizado de niños y los asesinatos masivos son crímenes de lesa humanidad que no están prescritos ni amparados por la Ley de Amnistía de 1977, en aplicación de los Tratados Internacionales ratificados por España y del derecho internacional de los derechos humanos, cuyas normas forman parte de nuestro ordenamiento y nos obligan.
Pueden ser decisiones discutibles pero responden a una doctrina que es compartida por jueces españoles y de otros países, además de por un sector significativo de los juristas expertos en derecho internacional.
Estamos ante un debate jurídico serio y complejo, y por muy discutible que sea, y justo por eso, no puede ser objeto de criminalización. Una controversia que, en el fondo, lo es también sobre la independencia judicial, al alcanzar de lleno lo que constituye el ámbito propio de la tarea judicial: la interpretación de las leyes a la luz de la Constitución y de las normas internacionales.
En la declaración "a favor de la libertad de interpretación judicial" suscrita por el Secretariado de Jueces para la Democracia y firmada por más de 50 jueces el pasado 12 de febrero, se afirmaba que la tarea judicial es hoy un espacio de creación, no porque lo quiera el juez, sino porque lo impone la realidad de la propia ley. Por ello cercenar el debate jurídico resulta altamente preocupante para la independencia judicial porque desincentiva la imaginación jurídica, moldea jueces conformistas y sumisos al poder y a la jerarquía y se erige en un obstáculo insalvable para la imprescindible evolución de la jurisprudencia.
Y, así las cosas, ¿podía el Consejo General del Poder Judicial haber decidido no suspender cautelarmente al juez Garzón?
En nuestra opinión sí. Es cierto que la Ley Orgánica del Poder Judicial determina que la suspensión de los jueces y magistrados tendrá lugar "cuando se hubiera declarado haber lugar a proceder contra ellos por delitos cometidos en el ejercicio de sus funciones". Sin embargo, su aplicación no puede entenderse de forma automática.
Cabría distinguir entre aquellos procedimientos penales en los que la querella ha sido interpuesta por el Ministerio Fiscal de aquellos otros en los que el querellante es una acusación popular. La diferenciación no es gratuita: el fiscal constitucionalmente defiende el principio de legalidad, lo que no ocurre con la acción popular, que defiende intereses difusos, y en ocasiones contrarios al interés general. Una acusación del fiscal comporta una mayor solidez de que en el futuro pueda prosperar una condena contra un juez. Sin embargo, una petición de absolución por el Ministerio Fiscal, representante de la legalidad, hace más plausible una sentencia absolutoria, pese al ejercicio de la acción popular por acusaciones claramente posicionadas a favor del franquismo y en contra de la recuperación de la memoria de las víctimas.
En cualquier caso, cabía otra solución, la de haber aceptado previamente su petición de traslado a la Corte Penal Internacional, informada favorablemente por todas las instituciones públicas implicadas, y haber esperado al resultado del juicio y de la sentencia, antes de proceder a la suspensión.
El juicio que va a iniciarse ante el Tribunal Supremo será recordado como el proceso contra el juez que quiso esclarecer los crímenes del franquismo. El Tribunal Supremo deberá resolver si la inaplicación de la Ley de Amnistía entra en el terreno de lo discutible y deberá pronunciarse sobre si el juez Garzón actúo en el ámbito de su independencia judicial; también si se ha respetado su derecho a un proceso justo.
En su caso, el Tribunal Constitucional y, en última instancia, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos deberán pronunciarse sobre idénticas cuestiones.
Aunque no compartamos muchas de las decisiones adoptadas contra el juez Garzón, vivimos en un Estado de derecho y confiamos en nuestro sistema judicial. Esperamos, por ello, que Baltasar Garzón pueda algún día volver a ejercer como juez. Creemos que con ello aumentará la credibilidad en nuestra justicia y la confianza de los ciudadanos en nuestras instituciones.
Montserrat Comas d'Argemir, Ramón Sáez Valcárcel, Manuela Carmena y Javier Martínez Lázaro son magistrados. Félix Pantoja García es fiscal. Y todos son ex vocales del Consejo General del Poder Judicial.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Conselho de Estado francês rejeita a burka
http://www.elpais.com/articulo/sociedad/Consejo/Estado/vuelve/rechazar/ley/anti-burka/Sarkozy/elpepusoc/20100514elpepusoc_2/Tes
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Comissão terá acesso a dados sigilosos
Folha de S. Paulo
13/05/2010
Felipe Seligman, Simone Iglesias, da Sucursal de Brasília
Grupo que irá analisar violações de direitos humanos praticadas na ditadura não poderá divulgar informações recebidas
Governo enviou ontem ao Congresso projeto que cria a comissão; após avaliação de Câmara e Senado, texto irá para sanção do Planalto
Integrantes da Comissão Nacional da Verdade terão acesso a documentos sigilosos hoje em posse do poder público, mas não poderão divulgá-los.
O governo enviou na noite de ontem ao Congresso o projeto de lei que estabelece a criação da comissão. Ela será composta, "de forma pluralista", por sete conselheiros -que receberão salário de R$ 11.179- e outros 14 funcionários auxiliares.
Eles serão nomeados pelo presidente da República, que escolherá "entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos".
O objetivo do grupo será analisar "graves violações de direitos humanos praticadas" entre 1946 e 1988 "a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".
Um dos artigos do projeto permite que a comissão requisite informações e documentos de órgãos e entidades do poder público, "ainda que classificados em qualquer grau de sigilo".
"Os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo", afirma.
Conforme a Folha adiantou na terça-feira, caso o texto seja aprovado da forma como foi enviado, militares e servidores civis serão obrigados a colaborar com os trabalhos, podendo ser convocados para depor ou enviar informações de interesse à investigação.
A comissão terá dois anos de duração e contará com o suporte "técnico, administrativo e financeiro" da Casa Civil.
Repressão política
O projeto de lei que cria a comissão não cita a expressão "repressão política", repetida 12 vezes no Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em 2009 e que gerou crise no governo. A criação da comissão era um dos pontos do plano.
A expressão remetia à apuração de excessos cometidos apenas por agentes de Estado, como os torturadores, o que desagradou o ministro da Defesa, Nelson Jobim.
Tanto o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) como os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ameaçaram pedir demissão se não houvesse acordo para essa polêmica.
Sem a expressão, as investigações poderão focar tanto nos atos cometidos pelo Estado como pela esquerda armada. Um dos artigos do texto diz, por exemplo, que a comissão tem como meta identificar estruturas e locais onde ocorriam as violações dos direitos humanos -"nos diversos aparelhos estatais e na sociedade".
O projeto passará pela avaliação de deputados e senadores e seguirá para análise de sanção ou vetos do Planalto. A comissão não terá poder para punir.
País abre disputa com UE por genérico
O Estado de S. Paulo
13/05/2010
Jamil Chade/Genebra, Lígia Formenti/Brasília
Apreensões de remédios em trânsito, sob justificativa de proteção à propriedade intelectual, motiva discussão entre as nações
comércio de genéricos levou o Brasil a iniciar na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma disputa contra a União Europeia (UE) e a Holanda. É uma reação às apreensões de medicamentos em trânsito no território europeu sob a justificativa de que eles ferem direitos de propriedade intelectual. Na prática, a ação policial da EU representa uma ameaça ao acesso a remédios que estão livres de patente.
A decisão brasileira – “pedido de consultas” – foi tomada após uma no de negociações fracassadas e pode representar o primeiro passo para abertura de um painel na OMC, como a ação é chamada no jargão diplomático. A discussão teve inícioemdezembrode2008, coma apreensão no porto de Roterdã, na Holanda, de uma carga de Losartan,indicado para hipertensão, que estava a caminho do Brasil.Vendido pelo fabricante indiano Dr. Reddy’s à empresa nacional EMS, o Losartan é livre de patente no Brasil e na Índia.
Autoridades holandesas alegavam que o remédio era protegido por patente no seu território, argumento suficiente para apreendera carga,segundo regulamento da UE datado de 2003. O Brasil não foi o único a ter remédios em trânsito apreendidos. Até o antirretroviral abacavir, comprado pela Unitaid, agência humanitária internacional, para ser encaminhado para a Nigéria, foi retido. Pelas contas do Grupo de Trabalho Sobre Propriedade Intelectual (Rebrip), foram apreendidos pelo menos 15 carregamentos de genéricos destinados a países da América Latina entre 2008 e 2009, com base no regulamento europeu.
O Itamaraty interveio, mostrando preocupação com a regulamentação da UE.“ Apesar de todos esses esforços,o regulamento da UE 1.383/2003, fundamento legal para as apreensões, permanece inalterado, causando insegurança jurídica e aumento de custos dos medicamentos”, diz nota divulgada ontem pelo Itamaraty. Para evitar apreensões, a EMS, por exemplo, mudou a rota dos remédios comprados no exterior.
A ação brasileira não se resumirá à OMC. O Brasil se prepara para ingressar na próxima semana em nova frente de defesa do comércio de genéricos, desta vez na Organização Mundial da Saúde.Um dos temas discutidos durante a Assembleia Mundial de Saúde será medicamentos contrafeitos, termo usado para remédios que desrespeitam direito de marca,masque nos últimos anos começou a ser usado também para designar falsificados ou piratas. Algo que permitiu a apreensão do Losartan.
Barreiras. Países em desenvolvimento enxergam na discussão, que parece ser meramente técnica,ameaça de novas barreiras para acesso a remédios. “O emprego equivocado do termo induz ao entendimento de que genéricos são contrafeitos”, disse o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães. Para ele, a OMS não deve incorporar termos relacionados à propriedade intelectual e se concentrar na proteção à saúde.
“Grandes empresas farmacêuticas atuam em várias frentes para tentar barrar o trânsito e o acesso a genéricos. O assunto está presente na OMC, na OMS, em acordos bilaterais, algo que muito nos preocupa”, afirma Gabriela Chaves, da ONG Médicos Sem Fronteiras.
Em uma das ações contra a ofensiva de países ricos e das grandes farmacêuticas, a Rebrip ingressa hoje no Tribunal dos Povos, acusando a UE de violar os direitos humanos à saúde e à vida das populações de países atingidos pelas apreensões de medicamentos nos portos europeus. “Há um uso de obstáculos ilegais, ilegítimos ao acesso de remédios”, diz a advogada da Rebrip, Renata Reis. “Uma condenação no tribunal émoral, mas o importante é que esse tema esteja presente, que população esteja atenta ao risco de retrocesso.
‘Os iranianos estão passando pelo período mais obscuro de sua história’
O Estado de S. Paulo
13/05/2010
Ania Cavalcante, especial para O Estado
ENTREVISTA
Mahmoud Amiry-Moghaddam, ativista iraniano de direitos humanos
O Irã já foi um país tolerante. Hoje, é umque mais viola os direitos humanos. Como o sr. vê a situação atual do Irã?
Os iranianos estão passando pelo período mais obscuro de sua história. Violações de direitos humanos também ocorreram no regime anterior, mas a situação se agravou depois de 1979.
Segundo o relatório anual do Iran Human Rights, as execuções por pena de morte são as maiores dos últimos dez anos.
A situação se deteriorou após as eleições de junho. Muitos foram presos e torturados. O regime está fazendo de tudo para impedir novos protestos e estamos
preocupados porque a violação de direitos humanos pode se agravar nos próximos meses.
Como o sr. vê a aproximação entre Brasil e Irã?
A seleção de futebol do Brasil têm muitos fãs entre os jovens iranianos. A mesma juventude que têm sido jogada nas prisões, torturada, assassinada nas
ruas. Entregar a camisa do Brasil para os responsáveis por esses crimes é um insulto à seleção brasileira. Espero que jogadores, torcedores e a Confederação
Brasileira de Futebol protestem e mostrem solidariedade aos iranianos. O Brasil está consciente das violações de direitos humanos no Irã. Qualquer diálogo com autoridades iranianas, sem mencionar os direitos do povo, é um sinal de
aceitação dessas violações.
Lula visitará Mahmoud Ahmadinejad no fim de semana. Se o sr. pudesse, o que diria ao presidente do Brasil?
Ouvi Lula falar a respeito dos direitos dos trabalhadores e dos sindicalistas. Gostaria de informá-lo que os trabalhadores iranianos não têm direito de organizar seus próprios sindicatos. Eles não têm direito de greve. Quando protestam por falta de pagamento, o regime responde espancando-os e colocando-os
na prisão. Gostaria de pedir a Lula que pergunte a Ahmadinejad sobre os trabalhadores que estão nas prisões, sobre a tortura e as sentenças de morte para menores de idade.
O que o sr. acha do programa nuclear iraniano?
O Irã está buscando armas nucleares. Isto é motivo de grande preocupação. O regime atual com armas nucleares é uma ameaça maior ainda. Devemos lembrar que só um Irã democrático pode garantir uma paz e a estabilidade na região. É por isso que a comunidade internacional não deve comprometer os direitos do povo iraniano em detrimento da questão nuclear.
O sr. crê ser moral manter relações econômicas com um país cujo regime viola os direitos humanos e oprime seu povo?
Investir no Irã vai contra os interesses dos iranianos. Todo o diálogo deveria estar centrado nos direitos humanos. Como qualquer indivíduo, membros de governo e empresários privados têm a responsabilidade moral de reagir diante de crimes contra outros seres humanos.
'Disseram que vão me calar' / entrevista
O Globo
13/05/2010
Iraniana Nobel da Paz pede que Lula cobre explicações de Ahmadinejad sobre direitos humanos
ENTREVISTA
Shirin Ebadi
Deborah Berlinck
Correspondente • PARIS
O GLOBO: O presidente Lula chega sábado ao Irã, mas não vai se encontrar com a oposição nem discutir os direitos humanos. Está decepcionada? SHIRIN EBADI: Estou muito decepcionada.
Espero que o presidente Lula visite os prisioneiros políticos e suas famílias. Há três dias, cinco prisioneiros foram executados. Não quiseram nem devolver os cadáveres às famílias.
O único crime destas pessoas foi pertencer a um grupo de minoria curda.
O Partido Curdo Iraniano decretou uma semana de luto. Infelizmente, há outros 18 opositores condenados à morte. Todas as organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, estão indignadas.
Qual é a sua mensagem para o presidente Lula? EBADI: Queria muito pedir que, durante as negociações com o governo iraniano, ele fale sobre direitos humanos e os prisioneiros políticos. E que pergunte por que prisioneiros políticos são condenados à morte.
O Brasil acha que pode intermediar um acordo na questão nuclear que permitirá ao presidente Ahmadinejad evitar uma nova rodada de sanções.
O que a senhora acha? EBADI: Espero que o Irã possa resolver este problema com negociação.
Sou contra um ataque militar ao Irã.
Sou também contra o boicote econômico.
É a população quem vai pagar.
Ao mesmo tempo, sou contra que o governo continue a executar prisioneiros políticos, sou contra a maneira como se comporta com o povo iraniano.
Quero chamar a atenção do presidente Lula sobre a resolução aprovada em 2009 na Assembleia Geral da ONU, que condenou o Irã por violação dos direitos humanos. Não é a primeira vez que o regime iraniano é condenado pela Assembleia Geral da ONU.
Em 31 anos de República Islâmica, o Irã foi condenado 25 vezes por violação dos direitos humanos. Eu desejo muito que isto seja dito (por Lula) na negociação com o presidente.
Lula insiste que não há provas de que a reeleição de Ahmadinejad foi fraudulenta, dizendo que 61,2% de votos é muito para ser fraude. Ele minimizou os protestos de rua, comparando a um jogo de futebol... EBADI: Gostaria de perguntar ao presidente Lula quais são os seus argumentos para dizer algo parecido. Mesmo que ele (Ahmadinejad) tenha tido muitos votos, não é argumento para violar os direitos humanos. Eu não tenho posição política. Não faço parte de qualquer organização política. Sou apenas uma defensora dos direitos humanos.
E é nesta condição que protesto.
No ano passado, o próprio governo admitiu ter prendido 6 mil pessoas por terem se manifestado. Foi muito mais do que isso. Muitos presos foram mortos ou torturados. Depois das eleições, nove prisioneiros foram executados, incluindo os cinco da semana passada. Os filmes e fotos no YouTube mostram a violência com que o governo se comporta com a população.
A senhora disse que não é a classe popular que apoia Ahmadinejad. Por que os ricos o querem no poder? EBADI: Nos últimos anos, a população empobreceu. Há muitas greves de trabalhadores, mas eles também estão sendo presos porque fazem greves.
O líder do sindicato dos motoristas foi condenado a cinco anos de prisão e está doente. Normalmente, deveriam deixá-lo sair para ir ao hospital.
Peço-lhe para visitar a família dele e que peça para que Ahmadinejad o libere para tratamento
Por que a senhora deixou o Irã em junho, pouco antes das eleições? EBADI: Um dia antes da votação, eu saí para ir a um seminário na Espanha.
Quando quis voltar, o Irã não era mais o mesmo país. Nas ruas, atiravam contra o povo, prenderam muitos manifestantes e jornalistas independentes, expulsaram todos os jornalistas estrangeiros.
Em vez de voltar a Teerã, fui às Nações Unidas. Desde então, não voltei mais ao país. Por não gostar do meu trabalho em defesa dos direitos humanos, o governo fechou todas as minhas contas bancárias e confiscou todos os meus bens no Irã, usando argumento de que em 2003 eu ganhei o Prêmio Nobel da Paz e não paguei imposto. Ora, pela lei, quando recebemos prêmios, não pagamos imposto.
Nestes cinco anos, nunca me pediram imposto.
E a sua família? EBADI: Perseguiram minha família.
Meu marido não pode mais sair do Irã, apesar de não ser parte de qualquer organização política ou social.
Também prenderam por três semanas minha irmã, que é professora universitária e não faz nenhuma militância política. Tudo isso é contra a lei iraniana. Infelizmente, o governo não respeita sequer leis que ele mesmo aprovou.
A senhora teme por sua vida? EBADI: Os agentes secretos disseram várias vezes ao meu marido que, seja lá onde eu estiver, vão me achar e dar um jeito de calar a minha boca. Não me importo. Um dia, todos morreremos.
Não é por medo que vamos parar de fazer o que temos de fazer. É nosso dever continuar. Os agentes secretos não param de dizer que sou uma agente do governo dos EUA e de Israel. Quando na realidade eu os ataco (americanos e israelenses) muito mais do que os defendo. No meu discurso no Nobel, ataquei os EUA e Israel.
Não estou na dinâmica de uma rivalidade política. Nunca quis um posto político. Sou unicamente uma defensora dos direitos humanos. Só penso no interesse do meu povo. Protesto contra as leis dos 30 últimos anos.
Por exemplo? EBADI: A lei que permite cortar as mãos e as pernas das pessoas. Há dois meses, um ladrão teve suas mãos e pernas cortadas. O lugar de um ladrão é na prisão. Protesto contra as leis sobre mulheres, sobre os menores, que podem ser executados. Em 2009, um relatório da ONU sobre execuções sumárias revelou que o Irã tem um dos mais elevados índices do mundo.
A senhora declarou que os protestos hoje no Irã marcam o início de um processo de democratização.
Não está sendo muito otimista? EBADI: Não. O movimento de democratização no Irã começou.
Teme a radicalização do movimento verde (como é conhecimento o movimento de oposição)? EBADI: Felizmente, as manifestações têm sido pacíficas, embora a atitude do governo com o povo venha sendo muito, muito violenta.
A oposição não espera mais uma mudança rápida. Até Houssein Moussavi (candidato derrotado por Ahmanidejad em 2009) disse que nem todas as reivindicações da oposição precisam ser atendidas de uma só vez. A senhora concorda? EBADI: A democracia é um processo histórico. Só atinge o seu objetivo quando o povo continua a protestar e a lutar por ela de forma pacífica.
A senhora acha que a República Islâmica pode ser reformada ou deve ser desmantelada? EBADI: Como lhe disse, não tenho posição política. Para mim, o governo ideal é o governo em que todo o povo está contente. E que o governo respeite os direitos humanos.
A senhora pediu o boicote da gigante de telefones Nokia. Por quê? EBADI: Porque a Nokia forneceu ao governo os instrumentos que permitem o total controle dos celulares e dos textos enviados deles. Um jornalista, Saharkiz, pediu para que processássemos a Nokia. Prenderam-no depois de localizá-lo graças aos instrumentos que a Nokia forneceu.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
OEA critica uso arbitrário da força e sugere a adoção de políticas cidadãs no combate à violência
Agência Brasil
12/05/2010
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Os governos dos países latino-americanos devem implementar políticas de segurança cidadã que respeitem os direitos humanos, visando a redução dos índices de pobreza e ampliando as possibilidades de melhoria da qualidade de vida. Para autoridades internacionais, a história latino-americana tem mostrado que o desrespeito aos direitos humanos envolve “uso ilegal e arbitrário” da força em nome da manutenção da ordem.
A análise e as orientações são da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Hoje (11), o órgão divulgou o relatório sobre a Segurança Cidadã e Direitos Humanos elaborado em parceria entre o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Escritório das Nações Unidas do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (Acnudh).
Os números mostram que os dados referentes às Américas são alarmantes. No Caribe, são 30 mortes por assassinatos a cada 100 mil pessoas, enquanto na América Sul o número cai para 26 e na América Central diminui para 22 - também em cada 100 mil habitantes. Em geral, as vítimas são homens jovens, com menos de 29 anos, e de baixa renda.
“Os Estados [países] devem encontrar soluções para os problemas decorrentes da violência no âmbito dos instrumentos previstos nos documentos internacionais de direitos humanos e à aplicação da regra da lei como pilares fundamentais para a superação da pobreza e o pleno respeito pelos direitos humanos e a dignidade”, diz o documento.
Em seguida, o documento alerta que: “as políticas de segurança cidadã historicamente perseguida nas Américas, em termos gerais, divergiram dos padrões internacionais na área dos direitos humanos e, em muitos casos, as autoridades recorreram ao uso ilegal e arbitrário da força em nome da prevenção e do controle”.
Sem mencionar os países de forma específica, os especialistas da OEA criticam o funcionamento da Justiça na região latino-americana. “Os mecanismos judicial com a tarefa de garantir a transparência e a responsabilização permanecem enfraquecidos”, diz o relatório.
Em outro trecho do documento, as autoridades afirmam que: “o uso da força para além dos limites estabelecidos pela lei e pelas normas internacionais, agravados pela incapacidade das instituições responsáveis por garantir a segurança do cidadão para o desenvolvimento de medidas eficazes para lidar com o crime e a violência, só aumenta a insegurança dos cidadãos”.
Os especialistas da OEA citam ainda a preocupação com o aumento da ideologia chamada de "limpeza social" que leva ao surgimento de grupos de "esquadrões da morte", parapoliciais e paramilitares. “Em alguns blocos sub-regionais, a violência e a criminalidade estão associadas ao crime organizado, especialmente o tráfico de drogas. Em outros [blocos], o principal problema é a violência social.
Nações Unidas condenam lei anti-imigratória adotada por estado norte-americano
Agência Brasil
12/05/2010
Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A Organização das Nações Unidas (ONU), via especialistas, criticou a decisão do estado do Arizona, nos Estados Unidos, de autorizar a polícia a interrogar qualquer pessoa que tenha a aparência de imigrante em situação irregular. Pela lei, as autoridades também podem prender o suspeito por até seis meses, se ele estiver ilegal. Para as Nações Unidas, a medida afeta diretamente as minorias e os povos indígenas.
Em comunicado, a ONU analisa que essas medidas são discriminatórias e atingem pessoas de vários setores da população norte-americana. O relator de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas das Nações Unidas, James Anaya, assina o documento que pede a revogação da nova lei. “Estamos fazendo um chamado para que as leis não se apliquem para evitar o perigo que representam e a melhor maneira de fazer que isso ocorra é que se revogue as medidas”, disse Anaya.
No último dia 4, no Brasil, o Ministério das Relações Exteriores condenou a adoção da lei que criminaliza a imigração irregular, aprovada no Arizona. Para as autoridades brasileiras, a iniciativa leva à transgressão e violação dos direitos humanos.
Em nota oficial, o Itamaraty afirmou que “o governo brasileiro tem se pronunciado firme e reiteradamente, em negociações bilaterais e nos foros internacionais, contra a associação indevida entre migração irregular e criminalidade. No caso da nova lei do Arizona, o poder discricionário conferido aos agentes policiais para verificação da situação migratória e prisão de estrangeiros virá ao sacrifício dos direitos humanos dos migrantes.”
Segundo o documento, o governo brasileiro se une às manifestações contrárias à lei anti-imigratória do Arizona e espera que ela seja revista.
Notas de um frequente viajante
Folha de S. Paulo
12/05/2010
Roberto Teixeira da Costa
Ao longo do tempo, as percepções sobre nosso país vêm-se alternado externamente, variando de distanciamento e desconfiança, passando gradualmente a um aumento de interesse e até mesmo, em tempos recentes, a certa euforia a respeito do potencial brasileiro, por conta dos resultados já alcançados.
Alguns, inclusive, afirmam que o Brasil não é mais o país do futuro, e sim o país do presente!
A ascensão do Brasil se justifica por resultados da política macroeconômica, controle da inflação, melhoria no quadro social e maior presença no cenário internacional.
Essa presença é marcada por grande ativismo da política externa, encabeçada pela atuação do presidente da República -recentemente considerado por uma revista norte-americana uma das personalidades mais influentes do mundo.
Obviamente, esse reconhecimento do país como potência traz como consequência uma maior cobrança sobre atitudes e medidas internas e externas que o Brasil venha tomando ou mesmo as que deveria tomar.
É o preço da liderança!
Em viagem recente, participando da reunião anual do Fórum Econômico Mundial na América Latina, realizado em Cartagena das Índias, na Colômbia, e, posteriormente, num encontro do Ceal (Conselho Empresarial da América Latina), em Bogotá, fiquei com a sensação de que há uma alteração nesse cenário verde-amarelo.
O questionamento se refere ao distanciamento do país na questão dos direitos humanos em Cuba; à sua atuação em Honduras; à aproximação com o Irã e à pretensão de mediar conflitos históricos entre árabes e israelenses, citados pela comunidade empresarial como fatores para explicar um certo viés crítico de nossa atuação externa.
Como líder regional, havia, para essa comunidade, a expectativa de que nossa atuação seria a de um mediador, e que pudesse mitigar conflitos porventura existentes na região.
Na Colômbia, especificamente, em vários momentos anotei críticas vindas do empresariado local quanto ao alheamento do nosso país no que entendem que sejam agressões da Venezuela à Colômbia nas áreas política, de segurança e comercial.
Ouvi dessa comunidade comentários críticos ao fato de que o Brasil, em vez de buscar solucionar, com sua forte presença, a crise entre aqueles dois países, organizou missões comerciais à Venezuela para ocupar nichos de mercado até então supridos por exportações colombianas.
Em painel específico, no qual fui um dos participantes e que tratava do papel dos mercados de capitais como mecanismo de integração, percebi questionamento sobre os benefícios alcançados com a capitalização das empresas via Bolsa de Valores.
Fui cobrado por empresários pelo resultado negativo que algumas dessas empresas trouxeram para os investidores pela queda dos preços após o lançamento.
Também foi colocado em dúvida, nesses fóruns, se será possível manter a consistência da política econômica, tendo em vista os diferentes ciclos negativos/positivos experimentados no passado. Tal viés crítico ainda é sequela de um passado distante, em que o Brasil não honrou compromissos externos.
A possibilidade de integração dos mercados de capitais regionais foi debatida, mas as dificuldades de implementação não são desprezíveis. Especificamente, fiz referência ao lançamento do Brain (Brasil Investimentos e Negócios), recebido com certa frieza pelos líderes ali reunidos.
Trata-se de projeto de criar um centro de negociação em São Paulo, para ser a porta de entrada de aplicação de recursos na região.
Obviamente, as dúvidas e questionamentos foram respondidos, mas esse registro serve para alertar que, quer pela nossa maior presença, quer por leitura crítica do que não fizemos ou não estamos mostrando disposição em assumir, cobranças continuarão, e serão mais enfáticas. Será importante para as plataformas dos candidatos presidenciais que essa mudança seja percebida.
Temos que corresponder às expectativas criadas, e não sermos complacentes com o que já fizemos, mas, sim, olharmos criticamente aquilo que devemos realizar.
Aliás, na nossa região, esse sentimento é generalizado. Perdemos excelentes oportunidades, num cenário econômico-financeiro mundial benigno até 2007, para completar um ciclo de reformas que nos traria blindagens ainda mais sólidas em relação a futuras crises externas, que continuam, por aí afora, a nos preocupar.
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA, 75, economista, é sócio-fundador da Prospectiva - Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais. Foi o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), um dos fundadores do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e presidiu o Conselho de Empresários da América Latina.
CNBB vê chavismo em plano de direitos humanos
O Estado de S. Paulo
12/05/2010
José Maria Mayrink, enviado especial/Brasília
Para entidade, programa do governo na área de Direitos Humanos tem como objetivo cercear liberdade de imprensa
A discussão do Programa Nacional de Direitos Humanos foi o tema de maior tensão na 48.ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que se encerra amanhã em Brasília, por causa da oposição de um grupo de participantes.
O grupo considera o texto uma "inspiração bolivariana", com a intenção de cercear a democracia, utilizando para isso a censura à imprensa. "Há uma inspiração inegável nos modelos bolivarianos da Venezuela, Bolívia e Equador, cujos governos pregam a democracia participativa de grupos de pressão, inibem o Legislativo e o Judiciário e negam valores transcendentes", afirmou o arcebispo da Paraíba, d. Aldo Pagotto, que brigou no plenário da reunião pela aprovação de uma declaração mais dura sobre o programa.
A tendência inicial, pela proposta de alguns bispos, era divulgar uma mensagem mais moderada, restringindo as críticas a alguns pontos condenados pela Igreja, como a defesa do aborto e a união estável de pessoas do mesmo gênero.
Os debates levaram a uma versão aceitável para os dois lados, depois da rejeição de um rascunho de declaração considerado brando pelos mais radicais.
Ambiguidade. "A questão da retirada de símbolos religiosos de locais públicos é periferia, pois na verdade não há lugar no Programa Nacional de Direitos Humanos para valores perenes", insistiu d. Aldo. "O texto é cheio de proposições ambíguas que misturam direitos humanos com leis feitas por minorias e grupos de pressão, de acordo com uma ética de situação ou das circunstâncias", acrescentou.
Para d. Aldo, exemplo dessa ambiguidade é a ação dos sem-terra, que passam a ter direitos acima da propriedade, com consequente inibição do Judiciário, "Invade-se a terra e, para reaver o que considera seu, o fazendeiro tem de discutir com os invasores, antes de recorrer à Justiça", observou.
O arcebispo da Paraíba disse ainda que, ao contrário de alguns bispos que acreditam ser possível um diálogo, porque identificam pontos positivos no programa, ele não vê como se pode dialogar a partir de ambiguidades.
"Eu tenho dificuldade de apontar pontos positivos no texto, porque me parece óbvia a intenção de cercear a democracia, que os bolivarianos consideram uma instituição caduca", insistiu d. Aldo.
Tensão. Falando aos jornalistas como delegados da Assembleia Geral, o bispo de Jales (SP), d. Demétrio Valentini, e o de Balsas (MA), d. Enemésio Lazzaris, também comentaram as discussões provocadas pela terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em dezembro do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Houve muita tensão, porque alguns bispos quiseram ir além dos pontos condenados, por consenso, pela Igreja (aborto, legalização do lenocínio, união de homossexuais)", observou d. Demétrio.
Para o bispo, está em jogo uma visão antropológica que "não respeita a ordem natural das coisas e a lei natural".