quarta-feira, 18 de junho de 2008

Saída do Exército do Morro da Providência: íntegra da decisão

Transcrevo neste blog a íntegra da decisão de antecipação de tutela julgada hoje pela juíza Regina Coeli Medeiros, da 18ª Vara Federal do Rio, a pedido da Defensoria Pública da União, sobre a retirada das tropas do Exército do Morro da Providência.


Trata-se de Ação Civil Pública proposta pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, seja determinada a imediata retirada das tropas do Exército Brasileiro do Morro da Providência, localizado no Município do Rio de Janeiro, com a mantença do pessoal técnico-militar (engenheiros, arquitetos etc), sob pena de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Alega, em síntese, que a Lei Complementar nº 97/99, que regulamenta o parágrafo primeiro do artigo 142, da Constituição Federal, não traz qualquer autorização para o exercício da segurança pública por parte do Exército, sendo que sua atribuição subsidiária particular encontra-se afeta à cooperação com Órgãos Públicos Federais, Estaduais e Municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante (artigo 17-A, II, da LC nº 97/99).
Aduz, ainda, que, nos termos do artigo 15, da Lei Complementar nº 97/99, a única hipótese de admissão de Forças Armadas na segurança pública diz respeito à garantia da lei e da ordem quando esgotados os instrumento de preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144, da Constituição Federal, sendo que tal atuação dependeria do reconhecimento formal do Governador do Estado do Rio de Janeiro acerca da indisponibilidade ou insuficiência das polícias militar e civil locais, bem como da determinação do Presidente da República e da aprovação do Congresso Nacional.
Por fim, salienta que a atuação do Exército na execução da segurança pública naquele local violou o dever de abstenção de condutas que causem ameaças ou danos ao direito social, situação evidenciada pelo homicídio de três jovens residentes na Comunidade.
É o breve relatório. Passo a decidir.
Com efeito, em exame da documentação referente aos Procedimentos Operacionais Padrão e Regras de Reengajamento atinentes à operação ¿Cimento Social¿, conclui-se que a operação realizada pelo Exército no Morro da Providência tem por escopo a manutenção da ordem e da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro.
Tais procedimentos, em linhas gerais, excluem o emprego de munição real quando da ausência concreta de ameaça, sendo que nenhum cidadão brasileiro deve ser tido como inimigo e todas as apreensões executadas, sejam de bens e/ou de pessoas, devem ser encaminhadas à 1ª DPJM, à exceção de indivíduos menores.
Ora, em que pese a finalidade da operação do Exército de manter a ordem e a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, é certo que tal missão contradiz os termos do artigo 144, da Constituição Federal, o qual atribui tal garantia aos Órgãos que descreve, não havendo qualquer menção às Forças Armadas, que, de acordo com o disposto no artigo 142, da Constituição Federal, destinam-se à Defesa da Pátria, à Garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da Lei e da Ordem.
Ressalte-se que o aludido dispositivo delega à Lei Complementar a regulamentação da matéria, no que tange ao preparo e ao emprego das Forças Armadas.
A propósito, a Lei Complementar nº 97/99, que dispõe sobre as normas gerais para organização, preparo e emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na garantia da lei e da ordem prevê a responsabilidade do Presidente da República na determinação da ativação de Órgãos operacionais ao respectivo Ministro de Estado, uma vez esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (artigo 15, º 2º).
Tal disciplina evidencia a natureza subsidiária da atuação das Forças Armadas na hipótese de garantia da ordem e da lei, o que vem expresso no artigo 16, ao fazer menção à situação de cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República, incluindo a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social (Lei Complementar nº 117/2004).
Ressalte-se que o disposto no artigo 17, II, da Lei Complementar nº 97/99, refere-se a tal cooperação por parte do Exército, prevendo a possibilidade de atuação em caráter de auxílio na execução de obras e serviços de engenharia.
É de se concluir portanto que dois são os requisitos para a atuação subsidiária descrita acima, quais sejam: a determinação expressa do Presidente da República, observada a forma de subordinação mencionada nos incisos do artigo 15, da LC nº 97/99, bem como o esgotamento ou a insuficiência de recursos de Segurança Pública por parte do Ente Federativo.
No presente caso, nota-se que, além do aparente desatendimento das formalidades e requisitos previstos em Lei Complementar, foi observada a inabilidade e o despreparo do Exército Brasileiro no desenvolvimento de seu mister relativamente à garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio de Janeiro, bem como sua atuação prática como verdadeira instituição de policiamento ostensivo, na medida em que descumpriu a orientação específica quando da apreensão de pessoas, infringindo os comandos normativos acima descritos.
Vislumbra-se, ainda, diante da notoriedade dos fatos ocorridos, que, à primeira vista, a cooperação do Exército não estaria restrita à garantia das obras do Projeto denominado ¿Cimento Social¿, conjuntura esta que induz à satisfação do interesse público, neste momento, implica a retirada das tropas do Exército daquela localidade, como meio de restabelecer o fiel cumprimento da lei regulamentadora, bem como da ordem.
Saliente-se que tal retirada não pode prescindir do necessário policiamento local, a fim de salvaguardar a integridade dos colaborares do projeto e da comunidade, pelo que se revela como melhor alternativa a substituição dos militares por efetivo da Força Nacional de Tarefa, no intuito de garantir a continuidade das obras em andamento.
Isto posto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar a retirada das tropas do Exército Brasileiro do Morro da Providência, no Município do Rio de Janeiro, com a mantença do pessoal técnico-militar colaborador do projeto ¿Cimento Social¿, impondo-se a imediata substituição dos militares pela Força Nacional de Tarefa, em efetivo suficiente ao resguardo da segurança local, conforme fundamentação acima expendida.
Oficie-se a Advocacia Geral da União para imediato cumprimento da decisão.

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