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São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010


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Folha de São Paulo 11 de abril de 2010
Sem regras, Guantánamo julga seus presos
Desde que Obama reinstituiu comissões militares e anunciou mudanças, ainda não foi definido um novo manual de procedimento

Folha acompanhou audiência de caso de sudanês detido em 2002 na qual ficou claro que advogados ainda tateiam para se adequar a mudança

Soldado americano em torre de vigilância da prisão de Guantánamo, cujo prazo de fechamento prometido por Obama já expirou

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A GUANTÁNAMO

Mais de dois meses após expirar o prazo inicial do presidente Barack Obama para o fechamento da prisão de Guantánamo, não são apenas os mais de 180 suspeitos de terrorismo ainda detidos na base americana que mostram que pouco mudou. As polêmicas comissões militares já retomaram atividades na ilha, funcionando praticamente no mesmo sistema que um dia o democrata chamou de "uma bagunça".
Na última quarta-feira, a Folha acompanhou a audiência inaugural desses tribunais de exceção em 2010, que analisou o caso do sudanês Noor Uthamn Muhammed.
Em vários momentos, advogados dos dois lados, e mesmo a juíza, deixavam transparecer dúvidas sobre como proceder. Desde que Obama fez mudanças nos procedimentos em maio de 2009, não foi criado novo manual de regras para as comissões, que funcionam basicamente pelos regulamentos do manual de 2006, editado ainda sob o governo de George W. Bush, com algumas intervenções quase intuitivas que indicam novos limites.
Para completar o fardo, a sessão de Noor ocorreu em um tribunal secreto originalmente construído na ilha para abrigar os julgamentos dos acusados pelo 11 de Setembro. Em novembro, o secretário da Justiça americano, Eric Holder, anunciou que eles ocorreriam num tribunal federal de Nova York, mas a Casa Branca vem dando sinais de recuo diante da forte oposição e não há palavra final.
Nessa sala sofisticada e moderna, o sudanês, um negro franzino, de cabeça raspada e barba grisalha pontiaguda, permaneceu praticamente imóvel por duas horas. Ele chegou sem algemas e com uniforme branco, o que indica que é considerado cooperante. Não reagiu nem mesmo quando a juíza afirmou que há tanto material confidencial a ser revisto que um julgamento não será possível antes de 2011 -ele está preso desde que foi capturado no Afeganistão em 2002.
"A audiência foi mais uma manifestação de tudo o que está errado com as comissões desde sua criação", completou Michael Berrigan, vice-conselheiro-chefe de defesa de réus das comissões militares dos EUA. "A verdade é que não há regras. Já estamos na versão 4.0 das comissões, e daqui a pouco virá a 4.1."
"O problema é que não sabemos o que esperar", afirmou um advogado civil que visitava seu cliente em Guantámo e falou sob condição de anonimato. "Trabalho com acusados em comissões há dois anos e já vi as regras mudarem três vezes."

Nomenclatura
Quando abandonou sua intenção inicial de extinguir as comissões militares, Obama instituiu mudanças como uma maior possibilidade de escolha de advogados pelos acusados e limites mais rígidos na utilização de testemunhos indiretos. Também mudou a nomenclatura -acusados eram "combatentes inimigos ilegais" e agora são "inimigos beligerantes não privilegiados".
Informações podem ser resumidas e censuradas pela acusação antes de serem entregues à defesa, desde que revistas por um juiz para garantir precisão.
"A autoridade que está em vigor é o estatuto de 2009. Realmente é preciso promulgar um manual, e esperamos que isso ocorra em breve. Mas, enquanto isso, os juízes seguem atuando como podem", afirmou John Murphy, promotor-chefe das comissões militares.
"Algumas mudanças são cosméticas, outras reais", disse Berrigan. "Ainda estamos longe de um julgamento realmente justo. Mas as exigências para admissão de provas obtidas sob coerção melhoraram."
Com ou sem mudança, a manutenção do sistema em si e a enorme liberdade de acusações que ele permite oferecem motivo suficiente para críticas de grupos de direitos humanos.
O sudanês Noor, por exemplo, deverá ser julgado por conspiração e apoio material ao terrorismo -supostamente liderou um campo de treinamento para terroristas no Afeganistão e entregou um aparelho de fax ao líder terrorista Osama bin Laden. Mas "apoio material não deveria ser crime de guerra", afirmou à Folha Andrea Prasow, analista sênior da ONG Human Rights Watch para terrorismo que já defendeu acusados nas comissões. "E mesmo que fosse, deveria ser julgado em tribunais civis. Comissões não têm credibilidade nem legitimidade."
O promotor Murphy contesta. "A decisão de usar comissões ou tribunais civis é política. Se nossos líderes creem que é mais apropriado julgar os acusados em tribunais de guerra, que refletem a realidade de sua captura em campos de batalha e não são criminosos comuns, então faremos isso."
Prasow não esconde a decepção com Obama pela demora em cumprir as promessas. "Imprimi um cópia da ordem executiva para o fechamento do centro de detenção e a colei na porta do meu escritório no ano passado. É muito frustrante me ver ainda em Guantánamo em abril de 2010."

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