Folha de São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010
Juiz Baltasar Garzón tem a toga ameaçada
Magistrado espanhol que ganhou fama ao pedir a extradição de Pinochet pode ser afastado do cargo por até 20 anos
Garzón é acusado de ter ido além de sua competência ao ordenar investigação de desaparecimentos sob a ditadura de Francisco Franco
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
O juiz espanhol Baltasar Garzón, um dos magistrados mais proeminentes da Europa, será julgado por prevaricação sob a acusação de ter ido além de sua autoridade ao ordenar, em 2008, a investigação de desaparecimentos sob a guerra civil e a ditadura de Francisco Franco. Se for condenado, a pena prevista é de 10 a 20 anos de afastamento de suas funções.
Garzón, 54, ganhou fama ao pedir o julgamento de estrangeiros de projeção internacional como o ditador chileno Augusto Pinochet (1973-1990), de quem chegou a solicitar a extradição ao Reino Unido para que respondesse pelos crimes de seu regime, e Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda, pelos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA.
Para tanto, o juiz da Audiência Nacional (AN) lançava mão do princípio da jurisdição universal, que foi restrito no fim do ano passado e até então permitia à Espanha efetuar julgamentos e investigações de supostos crimes em qualquer parte do planeta, contanto que houvesse queixa.
Desta vez, é Garzón que se sentará no banco dos réus. E para responder sobre um tema muito espanhol: se teria ou não ultrapassado conscientemente os limites de seu poder ao solicitar, em outubro de 2008, a investigação dos abusos e de mais de 100 mil desaparecimentos que ficaram de saldo da guerra civil (1936-39) e do regime de Francisco Franco (1939-75), mandando inclusive abrir valas comuns e exumar ossadas.
A investigação acabou derrubada pelo próprio Garzón menos de dois meses depois, sob intenso debate político no país e acusações da direita de que o juiz queria reabrir feridas para usá-las como bandeira política. A Lei de Anistia que vigora desde 1977 declara prescritos os crimes do período.
Ontem, o juiz Luciano Varela, do Tribunal Supremo, instância acima da AN, aceitou o caso, aberto por três grupos espanhóis ultraconservadores.
Varela, por sua vez, é identificado pela imprensa espanhola como progressista, próximo à vice-presidente de governo, de esquerda, e membro da associação internacional Juízes para a Democracia.
Em sua decisão, reproduzida no site do jornal espanhol "El País", Varela indica qual lei Garzón teria infringido e sugere ao Supremo a máxima punição prevista: uma pena de 10 a 20 anos de afastamento da magistratura e o impedimento de exercer qualquer cargo ou emprego público pelo período, além de uma multa (o valor não é indicado).
O juiz já havia tomado outra decisão, em fevereiro, na qual dizia que Garzón havia ignorado a lei.
Varela afirma, nos mesmos autos, que o magistrado da AN tinha consciência de que não tinha competência para ordenar as exumações e elaborou uma "argumentação artificial" para justificar a solicitação.
Uma vez autuados, os reclamantes terão dez dias para apresentar formalmente em detalhes, por escrito, suas acusações e para solicitar o julgamento em si. Nos próximos dias o Supremo já poderá afastar Garzón, embora caiba recurso contra a decisão.
Segundo o advogado do magistrado, Gonzalo Martinez-Fresneda, o julgamento deverá começar já no início de junho.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
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Um comentário:
Realmente, pretender reavivar discussão sobre fatos alçançados por anistia é subverter a ordem jurídica, isto é, a ordem pública. É o que alguns pretendem fazer por aqui, em prejuízo de uma das facções beneficiadas. Praticam o delito consistente em solapar uma lei que pacificou a nação e lhe proporcionou um recomeço jus-político. Ou seja, não fazem senão subversão. Lá, o Garzón vai pagar o pato!
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