sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O perfil do PT - 30 anos

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Não se é novo aos 30 anos

Rachel Meneghello, para o Valor, de Campinas
05/02/2010
Valor Econômico

Lula e sua mulher, Marisa, no dia em que tomou posse como presidente, em janeiro de 2003: o ponto máximo de uma história de enfrentamento do PT com o círculo de elites políticas tradicionais do país
Há 30 anos, no espaço das possibilidades legais que a ditadura militar abria com a reforma de partidos de 1979, o PT surgia como resultado da confluência de sujeitos políticos articulados no terreno dos movimentos sociais, para tornar-se um dos principais protagonistas da construção democrática no país. No conjunto de partidos que pontuavam a então frágil competição política, o partido emergiu como inquestionável novidade: uma organização política socialmente enraizada, gerada na matriz de uma esquerda que associava a construção do socialismo ao cotidiano das lutas sociais no horizonte da institucionalidade democrática.

De lá para cá, seu desenvolvimento foi notável. De seu primeiro experimento eleitoral em 1982 às eleições gerais de 2006, a bancada de deputados federais cresceu de 8 para 83, de 13 deputados estaduais no país para 126, de 1 Senador eleito em 1990 para 14. Em nível local, seu crescimento foi ainda mais destacado: de 2 prefeituras conquistadas em 1982 o partido passou a governar 558 municípios em 2008, e de 118 cadeiras de vereadores no país, passou a 4.162. Desse processo de organização resultou um número não menos notável de mais de 860 mil filiados, conforme dados de 2006, um montante a ser comparado com os fortes partidos social-democratas europeus. A vitória para a Presidência da República em 2002 foi o ponto máximo de uma história de enfrentamento do partido com o círculo de elites políticas tradicionais do país. Essa história, no entanto, teve um custo alto.

A mudança de postura frente à política de alianças já na campanha de 1994, ampliando o arco de forças para setores dissidentes das agremiações de centro e centro-esquerda, inseriu o partido no campo da disputa eleitoral. Os sucessivos testes eleitorais e as derrotas nas eleições presidenciais até 1998 levaram o partido a mudar, transformando seu perfil originalmente sectário e sua estratégia política restritiva, em favor da ampliação de suas bases eleitorais, da inclusão no jogo político e da sua viabilização como força governante.

Ao chegar à fase madura de vida, em que por duas vezes obteve o poder nacional, o Partido dos Trabalhadores mostra que não é imune às imposições do jogo entre partidos, da competição política e do exercício do poder.

As relações contraídas com o Estado promoveram mudanças organizacionais importantes. Esse foi um processo experimentado pelos partidos de esquerda na Europa, transformados em partidos eleitorais convencionais, quase independentes de movimentos de mobilização. Para o PT, além da desmobilização de suas instâncias de base e do relativo distanciamento dos movimentos sociais, o partido teve que dar conta das imposições da dinâmica de negociações do governo federal e dos constrangimentos apresentados pelas condições de governabilidade, em que a formação de coalizões políticas e de maiorias parlamentares se sobrepõe às discussões internas partidárias. Para além das irregularidades cometidas por lideranças do partido na crise de 2005, o experimento no governo federal pôs fim ao ciclo virtuoso de vida petista.

Uma das mais importantes alterações sofridas pelo partido foi o movimento de adaptação estrutural para a dinâmica do poder nacional, que resultou na autonomia do grupo partidário no governo. Isso afetou o projeto de democracia interna participativa, traduzido inicialmente nos núcleos de base, a mais importante novidade petista no campo da organização partidária, e depois no PED (processo interno de eleições diretas), que se origina no partido já em 2001. Hoje, apesar da desmobilização, o PED pode ser visto como positiva e persistente estratégia de mobilização de base; afinal, mais de 518 mil filiados tomaram parte no processo eleitoral em 2009.

Aos 30 anos, tendo optado por participar da política democrática, não há como manter as inovações. O processo de construção democrática no país definiu espaços de atuação e posicionamentos políticos necessários para a sua consolidação e o PT optou por dialogar com ele. Em ultima instância, a "Carta aos Brasileiros" estava embutida nesse diálogo.

Mas se o PT alterou sua trajetória inicial, essa estratégia mostrou-se acertada. Ao redefinir-se no jogo político, o partido possibilitou o crescimento e a viabilização partidária da esquerda no país e, apesar das mudanças, o PT se consolidou como um grande partido de massas de centro-esquerda. Se desde os anos 1990 o partido veio movendo-se lentamente para aproximar-se ao centro, foi esse processo que deu condições de compor forças para a vitória em 2002 e repeti-la em 2006. Uma vez no governo, encontrou o espaço necessário para implementação de políticas com claro timbre petista, como os programas de inclusão e redistribuição ampliada de renda.

Entrando agora na casa dos 31, o PT se vê em plena novidade, pela primeira vez sem Lula como candidato à Presidência. Nessa trajetória de mudanças, o partido não teve êxito, até o momento, em constituir outras lideranças de envergadura nacional e com viabilidade eleitoral, coisa pouco fácil em nosso sistema político, e a escolha de Dilma como candidata do partido resulta dessa condição.

A essa altura, é possível afirmar que o legado da gestão de Lula é hoje o mais poderoso recurso de organização do partido.

Rachel Meneghello é professora livre-docente do departamento de ciência política da Unicamp e diretora do Centro de Estudos de Opinião Pública da mesma universidade. Dentre suas publicações estão os livros "PT-A Formação de um Partido" e "Partidos e Governos no Brasil Contemporâneo", editados pela Paz e Terra

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