domingo, 14 de setembro de 2008

A sociedade de risco e o Estado Confidencial

Estado confidencial
PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DE EDIMBURGO, JEFFREYS-JONES DIZ QUE GOVERNOS ESTÃO QUASE SEMPRE POR TRÁS DOS CASOS DE ESPIONAGEM E AFIRMA QUE SOFREU RETALIAÇÕES DO FBI POR TER ESCRITO UMA HISTÓRIA CRÍTICA DA AGÊNCIA A Agência de Segurança Nacional dos EUA tem satélites que podem grampear qualquer ligação de telefone no mundo todo
Shutterst
Os governos quase sempre estão por trás das ações de seus serviços de espionagem, mas usam a tese do agente "fora de controle" para não assumir responsabilidades. A opinião é do galês Rhodri Jeffreys-Jones, professor da Universidade de Edimburgo (Escócia) especializado em história da espionagem norte-americana. Ele cita o exemplo do lendário e controvertido J. Edgar Hoover (1895-1972), que comandou por 48 anos o FBI, a polícia federal dos EUA, e fazia escutas ilegais de inimigos políticos com o apoio tácito do presidente Franklin Roosevelt. Jeffreys-Jones, que acaba de lançar nos EUA "The FBI - A History" (FBI - Uma História, Yale University Press, 320 págs., US$ 18, R$ 32), diz que os tempos de Hoover estão voltando nos EUA e em outros países, como no Reino Unido, com os poderes do governo avançando progressivamente no terreno das liberdades civis. E comenta um episódio pessoal desse tipo de controle, no qual, segundo ele, o FBI tentou censurar seu livro sobre a história da agência, que em 2008 completa cem anos.

FOLHA - Como é o histórico de escutas ilegais das agências de inteligência dos EUA? RHODRI JEFFREYS-JONES - Uma suspeita parecida com a que cerca a Abin rondou J. Edgar Hoover. Quando era diretor do FBI ele teria grampeado pessoas influentes para desencorajá-las a criticar a agência. Casos como esse e o do Brasil sempre levantam a discussão sobre se os serviços secretos se tornaram fortes demais ou se saíram do controle. Mas a verdade é que eles nunca estão fora de controle -são sempre controlados pela Casa Branca.
FOLHA - O governo sempre esteve por trás de casos como o de Hoover e de outros abusos mais recentes? JEFFREYS-JONES - A Casa Branca deu encorajamentos tácitos. Não há nada documentado em papel. O presidente Franklin Roosevelt, nos anos 30 e 40, certamente encorajou J. Edgar Hoover a fazer escutas telefônicas ilegais de opositores políticos. Um exemplo é o debate sobre se os EUA deveriam entrar na Segunda Guerra. Hoover grampeou as conversas de senadores americanos que se opunham à entrada dos EUA na guerra, ao lado da França e do Reino Unido, e informava o presidente sobre suas táticas políticas.
FOLHA - Usava os dados também para chantageá-los? JEFFREYS-JONES - J. Edgar Hoover era muito sutil e inteligente. Ele não chantageava diretamente. O que fazia era mostrar aos adversários informações confidenciais sobre os colegas deles. Dessa forma, os assustava e conseguia sua submissão. As informações poderiam ser de natureza pessoal, como um filho ilegítimo ou práticas homossexuais. As pessoas tinham muito medo de serem expostas.
FOLHA - Há exemplos recentes desse tipo de prática? JEFFREYS-JONES - O problema é que esse tipo de prática é muito facilmente ocultável. Nos anos 1970, informações sobre essas práticas chegaram à imprensa, houve uma grande investigação sobre a CIA e o FBI, e foi criada uma nova legislação. Por exemplo, em 1978, a Lei de Inteligência de Segurança Estrangeira foi sancionada com o objetivo de estabelecer padrões legais para a escuta telefônica. Em casos em que precisavam usar grampos para contra-espionagem, os agentes recorriam a cortes secretas, e o FBI ou a polícia local ou a CIA tinham que convencer os juízes da necessidade do grampo. Desde então, essa práticas e as possíveis chantagens passaram para os bastidores. Mas, sob o governo do presidente George W. Bush, a situação mudou. É sabido que o FBI, junto com a Agência de Segurança Nacional e outras partes da comunidade de inteligência dos EUA, usa métodos ilegais, ignorando essas cortes especiais. E, se são descobertos, eles podem pedir permissão de forma retroativa para grampear telefones e e-mails. Infelizmente estamos voltando à situação parecida com os tempos de J. Edgar Hoover. Cada vez mais as liberdades civis estão perdendo para os poderes do governo, não só nos EUA, mas também aqui, no Reino Unido.
FOLHA - As novas tecnologias aumentaram muito esses poderes? JEFFREYS-JONES - A Agência de Segurança Nacional dos EUA tem satélites que podem grampear, por exemplo, qualquer ligação de telefone fixo ou celular do mundo. Nesse sentido, as ferramentas são muito mais poderosas do que anos atrás. Mas em termos de utilidade de toda essa informação, que eles mantêm armazenada, é um problema. Porque acaba-se coletando tanta informação que fica difícil analisá-la apropriadamente. Além disso, não há no serviço secreto americano tradutores suficientes em idiomas vitais, como o árabe. Uma massa enorme de dados está sendo acumulada, mas não é útil como deveria ser. Ao mesmo tempo, a coleta desses dados é muito perigosa para as liberdades civis, principalmente quando caem em mãos erradas. Um exemplo são dados pessoais sobre a saúde de alguém, doenças hereditárias que possa haver em sua família, coisas assim. Esse é o tipo de informação que as agências coletam. E, se essas informações chegam às mãos de companhias de seguro, a pessoa já não consegue fazer um seguro. É algo muito sensível.
FOLHA - Os governos dos EUA tentaram impor limites a suas agências de inteligência ou preferiram mantê-las "fora de controle", para não assumirem suas enrascadas? JEFFREYS-JONES - Essa tese de que as agências estão fora do controle do governo é controvertida, porque se trata de uma possibilidade problemática. Mais grave, contudo, é quando o governo controla suas agências de espionagem, mas bota a culpa nelas se algo dá errada. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o 11 de Setembro. Mas a verdade é que os governos quase sempre sabem o que seus serviços secretos estão fazendo. Se não sabem, deveriam assumir a responsabilidade por isso. Não sei exatamente os detalhes do caso brasileiro, mas culpar as agências de inteligência é uma forma de fugir à responsabilidade. Uma outra tática usada por governos é recompensar o fracasso. Se algo dá errado, eles pagam aos responsáveis para mantê-los calados enquanto, em público, falam mal das agências.
FOLHA - O sr. teve um incidente recente com a inteligência americana, quando o FBI ordenou a retirada do logotipo da agência da capa de seu livro. Por que o sr. acha que há outras intenções por trás disso? JEFFREYS-JONES - O FBI sob J. Edgar Hoover era muito pouco tolerante com qualquer tipo de crítica. E acho que [no caso do meu livro] o FBI mais uma vez tenta estrangular a crítica. Ele tem algumas críticas, mas é um livro bem equilibrado. Neste ano o FBI completa cem anos. Outro livro foi lançado sem problema com o logotipo do FBI na capa, mas mostra a agência de forma bem mais positiva. Acho que o que querem é projetar o livro que lhes é mais favorável.
FOLHA - Para liberar o livro com o logotipo, o FBI exigiu fazer uma "revisão" da obra, o que o sr. não aceitou por considerar uma tentativa de censura. Que partes o sr. desconfia que eles censurariam se pudessem? JEFFREYS-JONES - Eles ficaram muito irritados porque escrevi que o FBI sempre teve problemas com racismo. Outra parte que causou desconforto foi a que mostra que a luta contra o terrorismo se tornou ineficiente pelo fracasso do FBI e da CIA em trocar informações

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