domingo, 28 de agosto de 2011
A volta da critica marxista
São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011 Folha
CRÍTICA
De volta para o futuro
Marx consegue dar conta do século 21?
RESUMO
As recentes crises financeiras mundiais e as transformações no comércio, na produção e no mercado de trabalho põem à prova o marxismo, teoria que vicejou nos séculos 19 e 20 para ter sua morte (ou crise) decretada na virada do século 21. Livros aproximam a economia atual da era vitoriana, que inspirou "O Capital".
JOAQUIM TOLEDO JR.
ilustração FELIPE COHEN
EM COMENTÁRIO publicado em 8 de agosto de 1853, o correspondente internacional do "New York Tribune" Karl Marx (1818-83) concluía que o desdobramento necessário do colonialismo britânico no subcontinente indiano seria o cumprimento de duas missões: "uma destrutiva, a outra regenerativa -aniquilar a velha sociedade asiática e estabelecer os fundamentos materiais da sociedade ocidental na Ásia".
À luz das sensibilidades contemporâneas, a afirmação surpreende pela aparente defesa do sistema colonial do século 19 -fundado em relações comerciais impostas pelo poder de intimidação da esquadra inglesa, como o próprio Marx apontou em seus artigos sobre os britânicos na China.
Surpreende também a aparente confiança nos benefícios da presença britânica na Índia: a imposição de unidade política ao subcontinente ("a primeira condição para sua regeneração"), sua inserção no circuito comercial europeu (que o salvaria de sua "posição isolada, o motivo maior de sua estagnação"), a construção de ferrovias, linhas telegráficas e sistemas de irrigação, o estabelecimento de indústrias.
Marx saudava, ainda que sem ilusões, a incubação de um processo de modernização que, embora fosse do interesse dos colonizadores, não deixaria de beneficiar os colonizados.
Apesar de essa regeneração ainda não estar visível em meio às ruínas da sociedade indiana tradicional, para Marx, no entanto, ele "já havia começado". Um aparente escorregão daquele que é, muito provavelmente, o maior crítico da modernidade capitalista: confiar em benefícios colaterais de uma relação desigual de exploração e apostar na força progressista da "modernização capitalista".
FILHO REBELDE Essa ambiguidade é prova de que a obra de Marx é manifestação do que se convencionou chamar de "dialética da modernidade", da qual o próprio pensador e a tradição que fundou oferecem a teoria mais completa e a crítica mais incisiva.
Filho rebelde do liberalismo e do iluminismo europeus, o marxismo tem oferecido nos últimos 160 anos o instrumental teórico mais sofisticado para a compreensão da natureza contraditória da sociedade moderna.
Como lembra o sociólogo sueco Göran Therborn ["From Marxism to Post-Marxism?", Verso Books, 208 págs., R$ 37], o marxismo sempre afirmou os traços progressistas do capitalismo, da industrialização e da urbanização, enquanto denunciava a "exploração, a alienação, a ubiquidade da forma mercadoria, a instrumentalização das relações sociais, a falsa ideologia e o imperialismo" inerentes ao processo de modernização.
Repensar o marxismo hoje pressupõe atualizar essa interpretação crítica da sociedade capitalista contemporânea em dois registros, antagônicos mas complementares: reconhecer e ampliar os avanços tecnológicos, culturais, políticos e sociais que acompanham o desenvolvimento econômico capitalista -ou sobrevivem a ele- e seus efeitos destrutivos.
ESPAÇO GLOBAL Para Therborn, o marxismo precisa dar conta de uma dimensão tradicionalmente marginal no próprio Marx e no marxismo em geral: o espaço do processo (desigual) de acumulação capitalista. Não é de hoje que esse é um espaço global, como já notaram Marx e Engels (1820-95) em seu "Manifesto Comunista" (1848); mas a conectividade global contemporânea é de uma densidade sem precedentes.
O espaço socioeconômico, cultural e geopolítico do século 21 é "radicalmente diferente daquele do século 20", que foi, acima de tudo, o último século eurocêntrico. O cenário geopolítico do século 21, por sua vez, é mais aberto e descentralizado, e o poder militar norte-americano, hegemônico desde o desfecho da Segunda Guerra Mundial (1939-45), está hoje em descompasso com a emergência de potências econômicas, na Ásia mas também na América Latina, e com o surgimento de uma "nova rede de Estados nacionais" e a intensificação das relações sul-sul.
CAPITALISMO LIBERAL Essa reconfiguração, sinal da diminuição das disparidades de influência política e força econômica entre regiões e nações, convive, no entanto, com o aumento global da desigualdade de renda e com a desarticulação da classe trabalhadora, na qual não só a teoria como a prática política marxista haviam depositado suas esperanças. Nesse sentido, o que parece que vivemos nesse começo do século 21 é um retorno ao capitalismo liberal do século 19.
Para Fredric Jameson, a crise atual pede uma releitura de "O Capital" (1867), a grande obra teórica de Marx. Em seu trabalho mais recente, "Representing 'Capital' - A Reading of Volume One" [Verso Books, 176 págs., R$ 55,70], o teórico norte-americano remexe as cinzas desse que é sem dúvida um dos maiores feitos intelectuais de seu século e investiga duas de suas dimensões fundamentais. Uma é formal -entender como Marx consegue oferecer uma representação (teórica, mas que lança mão de recursos literários de figuração, a que Jameson chama "protonarrativos") da "totalidade do sistema capitalista".
"O Capital" resultaria de um "tour de force" de composição não muito diferente daquele que animou o projeto da "Comédia Humana" de Honoré de Balzac (1799-1850): representar, com os meios limitados da exposição teórica na forma de um quase "tratado" (e de sua prima-irmã, a narrativa realista), um sistema em que cada uma das partes remete a todas as outras, e na qual qualquer ponto pode ser tomado como início ou como fim. Da mesma forma, o escritor francês procurou retratar, com seu conjunto de romances, a totalidade da complexa sociedade francesa da Restauração.
Segundo a leitura provocativa de Jameson, "O Capital", como forma, precisa enfrentar o desafio de oferecer uma visão total de processos que aparecem, na experiência social, fragmentados. O argumento progride segundo a resolução parcial de dilemas ou contradições específicas, de forma potencialmente mais clara, o que por sua vez resulta na expansão do próprio objeto -o capital.
DESEMPREGO A segunda dimensão fundamental de "O Capital" é socioeconômica: para Jameson -e a afirmação, ainda que questionável, não podia ser mais atual- "O Capital" é um livro sobre o desemprego e, mais especificamente, sobre como o desemprego é "estruturalmente inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria natureza do capitalismo".
A constatação joga a categoria de exploração econômica no centro do palco -em prejuízo, no entanto, da categoria política de dominação: a classe trabalhadora global contemporânea, que em sua precariedade e vulnerabilidade lembra justamente a miséria dos trabalhadores da aurora da revolução industrial, são os "portadores de um novo tipo de miséria histórica e global" que comprovam o caráter estrutural do desemprego e do emprego precário no capitalismo.
Haveria uma possibilidade promissora de mudança teórica que acompanha a reinterpretação dessas "populações perdidas" em termos não de dominação política, mas de exploração econômica. Uma releitura de "O Capital" nesses termos nos força a renovar o compromisso com a "invenção de um novo tipo de política transformadora em escala global", para além das tentativas, de mitigação dos efeitos perversos do capitalismo.
ESPAÇO CONSTRUÍDO Para David Harvey, no entanto, em "The Enigma of Capital" [Oxford University Press, 304 págs., R$ 37,90], a crise atual do capitalismo tem raízes mais particulares e concretas, e está associada a um curto-circuito no ciclo de investimento no "espaço construído" iniciado no pós-Guerra. A urbanização, processo que acompanha desde sempre o desenvolvimento capitalista, como atestam o surgimento das cidades industriais inglesas e a reestruturação de Paris pelo barão Haussmann, se tornou, explica Harvey, "um dos grandes negócios sob o capitalismo".
As conexões entre urbanização, acumulação de capital e formação de crises merecem, segundo o geógrafo britânico, uma análise cuidadosa. Os ganhos (e perdas) que advêm da criação de novos espaços e de novas relações espaciais seriam recorrentemente ignorados como "um dos aspectos fundamentais da reprodução do capitalismo". Para quem conhece cidades como Pequim ou São Paulo, isso não é novidade.
No centro da crise atual, por diferentes motivos EUA e Espanha viram-se reféns de modelos em muitos aspectos parecidos, centrados na expansão do mercado imobiliário, acompanhada de uma transformação das estruturas administrativas e financeiras que viabilizou um mercado fundado principalmente no endividamento da classe trabalhadora. A aposta, no entanto, na "valorização infinita" dos bens imobiliários e na capacidade de repagamento das dívidas pelas famílias (junto com os malabarismos financeiros possibilitados pela desregulamentação do mercado de crédito) levaram ao efeito dominó que derrubou Bolsas e mercados planeta afora.
O boom imobiliário e a explosão da bolha revelam a tendência real, para Harvey, do capitalismo global desde pelo menos meados da década de 1970: queda de produtividade (e da lucratividade dos investimentos produtivos), acompanhada de um excesso ("surplus") de capital que precisou ser reinvestido na construção de novos espaços. O esvaziamento das cidades americanas e a taxa de desocupação de imóveis novos na Espanha são o resultado dessa movimentação do capital que, como não raramente acontece, deixa em seu rastro espaços inutilizados ou devastados.
PÚBLICO E PRIVADO A perspectiva de Therborn também conduz a uma conclusão um pouco menos abstrata e mais realista do que a de Jameson, se não exatamente otimista. A pergunta relevante, nesse caso, nos joga em um campo crucial para as análises marxistas: o jogo entre o poder público e os atores privados, entre Estados e mercado, e diz respeito à capacidade do Estado de desenhar e implementar políticas públicas, sejam elas de coordenação (políticas de desenvolvimento econômico, por exemplo), sejam políticas sociais (como programas de transferência de renda).
As décadas recentes "testemunharam sucessos surpreendentes de políticas estatais", como o controle da inflação e a criação de organizações interestatais regionais -apesar da persistência do desemprego mesmo em regiões desenvolvidas como a União Europeia, onde as políticas de bem-estar têm sido capazes, pelo menos até esse momento, de proteger os desempregados da pobreza "ao estilo norte-americano".
Estados nacionais, regiões e cidades diferem, naturalmente, em sua capacidade de implementar políticas públicas, mas, para Therborn, o padrão não aponta para uma diminuição geral dessa capacidade. "Certamente", conclui, "as políticas de esquerda têm tido mais dificuldade para serem implementadas, mas isso deriva não tanto de falhas dos Estados quanto da paralisia da coordenação política resultante de governos de direita" ("conservadores acreditam que o governo é ineficiente", diz um ditado corrente, "e se elegem apenas para provar que estão certos").
POLÍTICA A leitura de Jameson, totalizante e antipolítica como o marxismo filosófico corre o risco de ser, também perde de vista a multiplicidade de caminhos políticos tomados desde o pós-Guerra. O Estado de bem-estar social europeu e o Estado desenvolvimentista asiático, passando pelos "novos" movimentos sociais (as lutas por direitos civis, o feminismo, o ambientalismo etc.) aos governos latino-americanos de esquerda, indicam que, como afirma o crítico inglês Terry Eagleton, Marx "estava certo" [Why Marx Was Right, Yale University Press, 272 págs., R$ 55,80]. A denúncia e o combate à exploração, à desigualdade e à dominação são centrais hoje como eram no século 19.
Ninguém ficaria mais contente com o "fim" do marxismo do que os próprios marxistas, diz Eagleton. Isso seria sinal de que a tarefa histórica a que se propuseram -a superação da exploração e da desigualdade, ou do capitalismo- estaria cumprida. Ironicamente, no entanto, o marxismo é declarado morto, ou fora de moda, justamente pelos defensores contemporâneos de um capitalismo que rapidamente "reverte a níveis vitorianos de desigualdade."
A suposta crise do marxismo, no entanto, é antes reflexo das transformações sociais, econômicas e políticas das últimas três ou quatro décadas. Desde o início dos anos 1970, o por assim dizer "centro" do sistema capitalista -Europa e EUA- assistiu à transição de suas economias baseadas em manufatura para uma cultura "pós-industrial" da sociedade do consumo, das novas tecnologias de comunicação e da economia de serviços. As causas e consequências dessa mudança podem ser atribuídas ao refluxo dos anos de crescimento econômico explosivo do pós-guerra, mas também à escalada do conservadorismo político.
De Margaret Thatcher, no Reino Unido, a Ronald Reagan, nos EUA (e, para pegar um exemplo regional em versão mais explicitamente truculenta, Augusto Pinochet, no Chile), os novos conservadores tocaram o processo de desregulamentação dos mercados, submeteram os movimentos de trabalhadores a ofensivas legais e políticas e criaram um suposto consenso contra políticas sociais estatais (que, no caso dos EUA de Reagan, não deixou de ter contornos raciais e somou-se à reação conservadora contra o movimento dos direitos civis dos anos 1960). O resultado é um ambiente político que, com a destruição das lealdades de classe e o estímulo à fragmentação da sociedade civil, é cada vez mais cínico, administrado e manipulado.
O quadro atual, para Eagleton, faz ainda mais urgente a crítica marxista: em escala global, "o capital é mais concentrado e predatório do que jamais foi" e a classe trabalhadora, longe de ter desaparecido, aumentou em tamanho. Prova disso é o rápido processo de urbanização e industrialização em curso no sul global.
URGÊNCIA Para Eagleton a crítica marxista, no entanto, não pode resultar nessa forma bem-intencionada de resignação que é o pensamento utópico. O marxismo é atual não apenas como referencial teórico para as ciências humanas ou como crítica filosófica da modernidade -ele sempre carregou consigo as exigências políticas (e morais) mais urgentes para a sociedade contemporânea.
No último século e meio, foi capaz de aglutinar os mais diversos movimentos anticapitalistas, sejam os "tradicionais" movimentos trabalhistas, sejam os novos movimentos sociais. Se as reflexões de Eagleton têm algo de pastoral, ou de evangelho de um crente já cansado demais para abandonar suas certezas, elas reafirmam um conjunto de princípios -racionalidade, autonomia, igualdade- herdados, sem dúvida, da tradição iluminista burguesa, mas radicalizados pela crítica marxista e encampados nas diversas lutas anticapitalistas dos séculos 19 e 20 -e deste século 21.
Se as desigualdades de poder e riqueza, se as guerras imperiais, a intensificação da exploração e a atuação cada vez mais repressiva dos Estados caracterizam o mundo contemporâneo, a crítica marxista -cujos temas fundamentais são exatamente esses- é tanto mais pertinente e urgente.
"O capitalismo", diz Eagleton, "e não o marxismo, deveria estar fora de moda." É tempo de abandonarmos o mito de que a "riqueza fabulosa" -material ou imaterial- que o capitalismo é capaz de gerar estará, no final, à disposição de todos.
Marx saudava a incubação de um processo de modernização que, embora do interesse dos colonizadores, não deixaria de beneficiar os colonizados
A aposta na "valorização infinita" dos bens imobiliários e na capacidade de repagamento das dívidas pelas famílias derrubou Bolsas e mercados
O marxismo é declarado morto, ou fora de moda, pelos defensores de um capitalismo que "reverte a níveis vitorianos de desigualdade"
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Histórias da Argentina
El historiador analiza el período comprendido entre 1955 y 2010. Toma al peronismo como eje necesario del sistema político argentino y llega hasta el surgimiento del kirchnerismo.
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Por Cristian Vitale
El historiador esboza una sonrisa ante la ironía que escucha en el transcurso de la entrevista con Página/12: “Puede que Perón haya hecho todo lo que hizo para romperles la cabeza a ustedes, los historiadores...”. Marcos Novaro retruca, en un intento de salir del paso por la síntesis: “El problema es que se rompió la cabeza a sí mismo, porque él también terminó siendo víctima de su propia creación”. Y continúa: “Yo creo que el peor período de la Argentina es el que va de 1973 a 1980, porque Perón se rinde ante su propia obra”. El recorte navega dentro del marco mayor que implican las 318 páginas de Historia de la Argentina (1955-2010), el libro que la editorial Siglo XXI le encargó a este investigador del Conicet, profesor de Teoría Política y Contemporánea, y director del programa de historia política del Instituto Gino Germani.
Lo que Novaro se propuso no fue, claro, un ensayo holístico sobre Perón (que sólo gobernó ocho meses durante el período), sino desandar los flujos y reflujos políticos que le han inyectado a la historia moderna del país sus “intersticios, dobleces y complejidades” y que, más claro aún, tienen a Perón como actor entre actores. El intento es tratar de abstraerse de visiones “maniqueas” y “simplificaciones” y analizar, desde allí, hechos y tópicos que prendieron fuego el pasado siglo y lo que va de éste: el fracaso de la Revolución Libertadora, la fragilidad de los gobiernos de Frondizi e Illia y sus planteos ante el peronismo proscripto, el proyecto corporativo de Onganía, el ascenso de las organizaciones armadas, el programa represivo de los militares y la inconsistencia de sus políticas económicas, la esperanza que despertó Alfonsín y las dificultades que debió enfrentar, las reformas de mercado introducidas por el menemismo y el surgimiento del kirchnerismo, entre ellos.
–Un libro de historia que incluye el período kirchnerista. ¿Cómo se hace historia “hasta ayer”?
–(Risas) Bueno, es un tema: apenas lo terminé se murió Néstor Kirchner y entiendo que ese capítulo final es muy precario.
–Y difícil, se intuye, al menos para mantener el tono matizado y analítico del resto del relato.
–Sí. De todas formas, el kirchnerismo no puede entenderse fuera de esta larga historia del peronismo post régimen peronista. En este sentido, tuvo un período de auge y eficacia política, simbólica y cultural que, para mí, terminó en 2008. Creo que tuvo el proyecto de recuperar las banderas del populismo y el desarrollismo, una pretensión de síntesis interesante, incluso la recuperación de cierto liberalismo político. El kirchnerismo fue la renovación de la Corte Suprema, el abrazo con Alfonsín y su incorporación al panteón de héroes... en fin, una serie de gestos muy importantes...
–La reapertura de los juicios a las Juntas es insoslayable...
–Eso era esperable, pero los otros gestos fueron más innovadores. De todas maneras, entiendo que el proyecto político llegó a su límite porque no fue capaz de cambiar al peronismo tradicional y tampoco supo acomodarse a una etapa más complicada en términos económicos, porque uno de los problemas recurrentes en este país es que el poder central, en el marco de un sistema populista, siempre termina siendo víctima del arco de gastadores de presupuesto. Igual, hay que entender la alternativa de Kirchner, que era rendirse ante eso. También podría haber seguido el camino de las reformas, pero era costoso pelearse con los gobernadores para que los rendimientos influyeran sobre las partidas presupuestarias o para reformar el sistema impositivo.
A Novaro le toca el rol algo incómodo de tener que hablar como un analista político de la actualidad cuando lo que hizo fue escribir un libro de historia. Entre la muerte de Kirchner y hoy han pasado muchas cosas que su libro –axiomático– no pudo plasmar. De todas formas, el pantallazo sobre el período ancla con el eje propuesto, el del peronismo como centro y actor necesario del sistema político argentino. “Desde 1955 hasta hoy ha persistido la idea liberal de rediseño y corrección del país y el peronismo se ha burlado de todos ellos, incluso de los intentos de los propios peronistas”, sostiene.
–¿A qué se refiere, específicamente?
–A que los intentos de disciplinarse a sí mismos y poner en caja a ese monstruo invertebrado también han fracasado. Yo creo que la etapa contemporánea también se puede leer en esos términos. El proyecto kirchnerista tiene mucha similitud con el de Menem en la idea de hacer un peronismo definitivo, aunque de otro signo, desde la voluntad. Y eso no pudo ser, ni desde adentro ni desde afuera.
–Ciertos historiadores soslayan un hecho central para comprender el peronismo, que es la identificación emocional entre un hombre y las masas.
–Bueno, no es un detalle. El peronismo hizo una revolución social, construyó una sociedad extremadamente igualitaria para los parámetros regionales y todavía uno tiene que discutir qué pasó con esa sociedad igualitaria. Y es que tiene un problema económico de base: es insostenible, porque la productividad en Argentina no alcanza para ser tan igualitarios. El país tenía que dar un salto de productividad para mantenerla y no lo pudo dar. Desde que Perón fracasó con el Congreso de la Productividad, ya no hubo forma de salvar esa sociedad. Ahora, yo pregunto, ¿si la igualdad es un principio que torna más estables a las sociedades, por qué la igualdad peronista fue tan inestable y disruptiva? Es un debate abierto y yo compartiría la tesis populista de que el problema no fue necesariamente el populismo, porque en realidad la sociedad argentina dejó de ser una sociedad populista y, sin embargo, se sigue gobernando con conflictos.
–Bien, pero pasaron cosas. Hubo una dictadura feroz, un neoliberalismo arrasador, un vaciamiento de la cultura política...
–Entiendo el argumento sobre la derrota del campo popular, pero no compartiría la idea de que hay, a partir de ese momento, un desequilibrio de poder. Está la tesis de Portantiero que dice “bueno, había un empate social y ese empate era el que generaba el conflicto, pero ese empate desapareció con la dictadura y a partir de ese momento no hay empate sino dominación”. Yo no lo comparto. Tiene una parte sugerente, sí, pero la idea de la derrota no tiene en cuenta el modo en que se autoderrotó la clase dominante con la dictadura. Y la gran conservación del poder que tuvieron actores del campo popular, principalmente los sindicatos. Más que pensar en un desempate hay que pensar en una derrota mutua: la Argentina populista implosionó y perdieron los dos. Me parece más interesante la explicación a lo
O’Donnell sobre alianza de clases. Cuando él escribe de la alianza hasta el ’76 dice que es mucho más complejo que la idea de empate. Lo que pasa del ’75 en adelante no es que hay un campo que sube y otro que baja, más bien hay un quilombo infernal en el que la derrota que infligen los sectores de poder militares y empresariales a los actores populares es un triunfo del cual no van a poder sacar provecho durante mucho tiempo. Una de las cosas importantes es que no está el empresariado. Fíjese que Alfonsín los tiene que ir a buscar para tratar de convencerlos de que dejen de fugar capitales. Para entender a Menem también hay que entender eso: dicen, “Menem se rindió ante el empresariado”, y no tenía frente a quien rendirse porque los tenía que convencer de que Argentina era viable, que dejaran de llevarse la guita. Este es un país de fuga constante, hay que entenderlo.
–¿En qué sentido entiende usted el concepto de populismo? Apela seguido a esa categoría.
–Yo creo que el populismo es un elemento bastante inevitable de todas las políticas democráticas, digamos. Los sistemas democráticos tienen una cuota de populismo que en algunas épocas es más de izquierda y en otras más de derecha. La apelación a las masas contra las instituciones o contra las jerarquías establecidas es algo muy fuerte en la política norteamericana, por ejemplo. Ahora, el populismo norteamericano convive en general con instituciones liberal-democráticas que lo canalizan. El populismo de Roosevelt, por ejemplo, encontró un freno en la Corte Suprema. ¿Fue bueno eso o no? Hay toda una discusión, porque la Corte era muy conservadora y le frenó las reformas sociales. Hay quienes piensan que eso fue un freno al reformismo.
–¿Y usted qué piensa?
–Me inclino a pensar que es un freno útil a los problemas del populismo porque éste arrasa con las instituciones y genera problemas más serios de los que resuelve. En algunas ocasiones es inevitable que arrase con las instituciones, como hizo el peronismo. Ahora, ¿por qué el reformismo de Roosevelt fue más duradero que el reformismo social del peronismo? En parte porque encontró instituciones, algunas de las cuales le hicieron frente, y en parte porque se canalizó a través de instituciones porque no podía ir por afuera. Ahora, ¿eso pasó porque las instituciones eran más permeables al cambio o porque el populismo no era tan virulento?... Tal vez por ambas cosas. En el caso argentino uno puede decir, bueno, el populismo en general ha ido por afuera de las instituciones y fue muy radical en el sentido distributivo.
–Puede preguntarse también si las elites y las instituciones que enfrentó el peronismo fueron flexibles con los reclamos sociales como para canalizar lo que usted llama populismo radicalizado.
–Yo diría que el problema no fue tanto con las elites sino con los partidos de oposición, la prensa y los sindicalistas socialistas y comunistas. Hubo una radicalización en ese sentido. Bueno, después uno podría decir “cuando Perón llamó a la paz Frondizi le contestó con guerra...” Y sí, es cierto. Frondizi creía que se iba a llevar las cosas por delante y que tenía que liquidar al usurpador de “su revolución”, y después pensó que podía usarlo como instrumento de su estrategia de superación del peronismo. Obviamente, hubo mucha omnipotencia en el antiperonismo, mucha revancha...
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terça-feira, 23 de agosto de 2011
Função do intelectual
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UNIVERSIDAD › DE LA TEORIA A LA PRACTICA POLITICA > DOS REFLEXIONES SOBRE EL ROL DE LOS INTELECTUALES EN LA VIDA PUBLICA
La función intelectual
En un debate organizado por el Instituto de Investigaciones Gino Germani (Sociales-UBA), José Nun y Emilio De Ipola abordaron desde distintos enfoques la articulación entre intelectuales, política y formas de intervención pública. Aquí, sus planteos centrales.
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Por José Nun *
1 Vivimos una época de continuos deslizamientos semánticos que oscurecen la realidad. Así, a un licenciado en Filosofía se lo llama “filósofo”, aunque nunca haya aportado una sola idea a su disciplina. Algo semejante ocurre con la siempre resbaladiza noción de “intelectual”. En su momento, Gramsci dio un gran paso adelante cuando desechó el uso del término para designar la naturaleza intrínseca de una actividad (como en la borrosa dicotomía “trabajo manual/trabajo intelectual”) y propuso que se empleara, en cambio, para aludir a una función determinada. Sólo que tanto la crisis de los discursos ideológicos totalizadores como la fragmentación de las clases sociales le han hecho perder anclaje a su propia categoría de “intelectual orgánico”, convirtiéndola en una abstracción.
2 Esto no significa en absoluto que la “función intelectual” haya desaparecido. Al revés, esa crisis y esa fragmentación la vuelven cada día más decisiva. Sólo que con ella apuntamos ahora a una apropiación eficaz de lo que producen esos que François Dosse llama “los talleres de la razón práctica”. Hablo, a la vez, de la necesidad y de la importancia de saberes acotados y rigurosos y de mediadores públicos que sean capaces de sistematizarlos críticamente y de ponerlos a disposición de audiencias amplias. La especificidad que asume hoy la función intelectual no excluye por cierto planteos más abarcativos, pero éstos dependen de la profundización de esos saberes y de las conexiones que se logren establecer entre ellos. Lo demás es cháchara de opinólogos poco dispuestos a cambiar nada y, mucho menos, su lugar.
3 Estamos muy lejos de Zola y del momento en que vio la luz el “Manifiesto de los intelectuales”, a fines del siglo XIX. Reitero: ahora cuenta muchísimo más la “función intelectual” que se cumpla que la pretendida figura de intelectual que se adopte. Por eso diría con apenas algo de exageración que puede haber obreros o gerentes o funcionarios de tiempo completo, pero no intelectuales de tiempo completo. No se trata de una profesión. Agente y función han dejado de ser asimilables, si es que alguna vez lo fueron. De ahí que crezcan tanto los riesgos de confusión y de un contrabando de credenciales que no tiene nada de ingenuo. Quiero decir: quienes asumen funciones intelectuales en ciertas circunstancias no lo hacen en otras, cuando la lógica de la militancia política, por ejemplo, los obliga a silenciar sus críticas o a sesgar sus discursos.
4 Entendámonos: son esenciales los papeles que cumplen los docentes o los investigadores o los militantes políticos. Es legítimo y necesario que se multiplique el número de quienes estudian a fondo aspectos diversos de la realidad, que hagan de esto una carrera profesional y que intercambien sus hallazgos con otros especialistas. Al mismo tiempo, es útil y recomendable que participen en actividades políticas de la más variada índole tal como lo hacen los jardineros o las azafatas. Pero desde el punto de vista que adopto aquí, nada de esto significa todavía que estén cumpliendo una función intelectual en el sentido descripto. Lo cual –prefiero pecar de repetitivo antes que ser mal interpretado– no va en absoluto en desmedro de sus prácticas.
5 Para decirlo en términos muy sencillos, en esta coyuntura la función intelectual implica adquirir conocimientos específicos en áreas que habitualmente se consideran reservadas a los expertos para después metabolizar críticamente esos conocimientos, relacionarlos con otros que resulten relevantes y ponerlos luego al servicio de quienes se interesen en comprender la realidad para poder transformarla. Pienso en temas tan fundamentales como la seguridad o la reforma fiscal o el sistema de salud o el uso del espacio público o la distribución del ingreso o la administración de justicia. Y pienso también en mediaciones críticas en sentido fuerte porque descreo del vínculo directo entre el político y el especialista. Estamos en un país donde la tentación del poder ha convertido ideológicamente a muchos expertos en ambiciosos aspirantes a tecnócratas y a buena parte de la dirigencia política en una nave a la deriva.
sábado, 20 de agosto de 2011
Comissao verdade no Chile
El informe oficial cifra en 3.065 los muertos y desaparecidos desde 1973 a 1990
MANUEL DÉLANO - Santiago - 20/08/2011
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La comisión pública que recibió e investigó nuevas denuncias de violaciones a los derechos humanos cometidas por agentes del Estado en la dictadura del general Augusto Pinochet entregó un informe de 60 páginas al presidente Sebastián Piñera que incorporó otras 9.800 víctimas y 30 casos de personas desaparecidas o ejecutadas, las cuales se agregan a las que ya habían sido calificadas con anterioridad. La Moneda dio escasa visibilidad al tema, mientras que las organizaciones de las víctimas criticaron el alto número de denuncias que fueron rechazadas por la comisión, más de 22.000.
Cifras dramáticas
Chile
A FONDO
Capital: Santiago de Chile. Gobierno: República. Población: 16,454,143 (est. 2008)
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Los supervivientes cobrarán una pensión mensual de 180 euros
"Esperamos que este informe de la comisión contribuya a la paz y la reconciliación", sostuvo el ministro de Justicia, Teodoro Ribera. Desde el reinicio de la democracia en 1990, el Estado chileno ha tenido cuatro comisiones diferentes para reconocer a las víctimas y otorgarles una reparación. En total, sumando los casos de detenidos desaparecidos, ejecutados, torturados y presos políticos reconocidos por estas comisiones -sin considerar los exiliados ni las familias de todos los afectados-, el número de víctimas de la dictadura de Pinochet supera las 40.000 personas, de ellas 3.065 están muertas o desaparecidas entre septiembre de 1973 y marzo de 1990.
La Comisión Valech, bautizada así por el nombre del obispo Sergio Valech que la presidió hasta su fallecimiento, integrada por abogados y especialistas en temas de derechos humanos, de diferentes tendencias, recibió un total de 32.000 solicitudes, de las que certificó 9.800 tras examinarlas caso por caso. El trabajo tomó 18 meses. La comisión operó desde finales del Gobierno de la presidenta socialista Michelle Bachelet (2006-2010) y siguió trabajando durante la Administración de derecha de Piñera, e incluso debió pedir una ampliación del periodo para alcanzar a examinar cada caso. Las víctimas reconocidas recibirán una pensión mensual de 180 euros de reparación y beneficios de salud y educación, con un costo anual para el Estado cercano a 142 millones de euros.
La presidenta de la Comisión Valech, María Luisa Sepúlveda, atribuye el alto número de denuncias que recibieron a la mayor conciencia que tienen hoy los chilenos de haber sido víctimas en la dictadura. "Hay personas que se sienten víctimas, y que lo fueron, pero que estaban fuera del mandato que recibimos", afirmó Sepúlveda a este diario. "Por ejemplo, personas que se sienten víctimas por lo que pasó a sus padres e implicó para sus vidas. No es que no sean víctimas, es que no estaban dentro del mandato que tenía la comisión", agregó.
Para reconocer a una persona como víctima, la comisión requería que la persona presentara la denuncia de violación a sus derechos humanos, lo probara, y que en el atropello hubiesen participado agentes estatales. Si la persona había fallecido o estaba imposibilitada de acudir a la comisión, sus familiares debían documentarlo. Se podían presentar denuncias por los casos de detenidos y/o torturados por motivos políticos por agentes estatales o a su servicio, víctimas de desaparición forzosa o ejecutados por razones políticas, o quienes fueron secuestrados o víctimas de intentos de asesinatos por causas políticas.
Cada denunciante fue entrevistado y algunos en dos y hasta tres oportunidades. En la verificación se cruzaron las denuncias con el enorme acopio de información que se ha ido acumulando en el tiempo sobre la represión del Estado: listas de detenidos del Ejército y gendarmería, expedientes de la justicia militar y civil, las bases de datos de los organismos de derechos humanos, los informes sobre los recintos de detención, recortes de prensa y el archivo nacional.
"Más del 90% de los casos fueron resueltos por consenso y en unos pocos hubo votación", explica Sepúlveda. Las aprobaciones estaban bien fundamentadas. Entre los rechazos se encuentran, por ejemplo, casos en los que una persona fue víctima de graves abusos por parte de un vecino que era miembro de las fuerzas armadas. "Hubo abuso de poder, pero no se puede probar la motivación política". También quedaron sin reconocimiento casos de personas que hacían el servicio militar y fueron víctimas de malos tratos, de otros que fueron detenidos en manifestaciones públicas y no pasaron a tribunales, y de algunos que salieron al exterior y se les prohibió regresar, quedando en el exilio. Casos como estos quedaban excluidos del mandato de la comisión.
Para la vicepresidenta de la Agrupación de Familiares de Detenidos Desaparecidos (AFDD), Mireya García, la proporción de casos rechazados es "aberrante", según la agencia Efe. "Puede haber casos que no cumplen los requisitos, pero que sean casi el 70% del total es absurdo, ilógico", añadió.
Cifras dramáticas
- El Informe Rettig, que realizó la Comisión de la Verdad y Reconciliación en 1991, solo contabilizó ejecuciones y desapariciones. En total, reconoció 2.279 muertes en manos de las fuerzas de seguridad durante la dictadura de Pinochet.
- La Comisión Valech -bautizada así en honor del exobispo de Santiago, Sergio Valech- fue constituida originalmente en 2003 para ampliar la información sobre la represión. En noviembre de 2004 presentó un informe en el que daba cuenta de más de 30.000 víctimas, 28.459 por detenciones ilegales, tortura, ejecuciones y desapariciones.
- El segundo informe de la Comisión Valech, presentado el jueves, reconoce un total de más de 40.018 víctimas de la dictadura. Tras 18 meses de trabajo y 32.000 denuncias, la comisión solo dio por válidas casi 10.000 de estas. Los supervivientes recibirán una pensión mensual de 180 euros.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Crise Econômica
Crise é decorrente de mudanças em China e Índia, diz sociólogo
Francisco de Oliveira diz à Folha que atual turbulência reflete marca deixada por emergentes no capitalismo
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
A crise econômica nos EUA e na Europa foi provocada pela "revolução" que China e Índia imprimiram ao capitalismo, afirma o sociólogo Francisco de Oliveira, professor emérito da USP.
Segundo ele, que participa hoje em São Paulo do ciclo de debates "Mutações - Elogio à Preguiça", não há muito o que o governo brasileiro possa fazer. "É como colocar água em cesto", diz ele, um dos fundadores do PT, que se afastou do governo Lula.
Folha - Como o sr. analisa o estágio atual da crise?
Francisco de Oliveira - Esta crise é a primeira que não nasceu no centro, nasceu na periferia. Ela nasceu da revolução que a China e a Índia imprimiram ao capitalismo.
Esses países colocaram no mercado uma força de trabalho que o Ocidente em toda a sua história não conseguiu botar. Como no filme "Melancolia" [de Lars von Trier], é como se viesse outro planeta e explodisse a Terra.
Essa mão de obra começou a competir com a do centro?
Compete. Tente você produzir tecidos no Brasil. Não consegue.
Muitos economistas dizem que a bolha de crédito que explodiu em 2008 veio da estagnação da renda dos trabalhadores. O crédito foi para que continuassem a consumir.
O crédito dado por quem? Pela China. A China empurra trilhões na economia americana. O Fed (banco central) tem que emprestar aquilo. O sistema bancário foi reduzindo as taxas de juros e sucateando o crédito. Como a renda de fato não cresce, você tem um problema clássico de realização de valor [quando o baixo consumo reduz o lucro obtido com a produção]. Estão jogando dinheiro nos EUA porque do contrário liquida tudo, mas a origem da crise é asiática.
Então não tem solução?
Não tem, mas vão continuar jogando dinheiro, apagando fogo com gasolina.
A crise marca decadência dos EUA como centro capitalista?
Não assinala a decadência, mas é uma novidade histórica. A China não tem interesse em torrar os EUA. Eles têm o dinheirinho deles lá. Quem são os maiores aplicadores em bônus do Tesouro americano? A China, com volume extraordinário [US$ 2 trilhões], depois Índia e Brasil.
E como o Brasil fica?
Não vai acontecer nada demais. Vão ser períodos mornos, dependendo do arranjo.
As medidas contra a valorização do câmbio são placebo?
Apesar do esforço da Dilma, não há o que fazer na economia. Qualquer esforço aí é jogar água em cesto.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Benhabib
terça-feira, 16 de agosto de 2011
Boaventura de Sousa Santos e a Inglaterra
UNA MIRADA IGUALITARIA SOBRE EL CONSTITUCIONALISMO.
15/08/2011
Boa sobre la violencia social en Inglaterra
Como un buen modo de retomar la discusión que tuvimos aquí, hace poco, sobre los eventos de violencia en Inglaterra, hoy se publica (en Página) esta interesante nota del amigo Boaventura
Los límites del orden
Por Boaventura de Sousa Santos *
Los violentos disturbios ocurridos en Inglaterra no deben ser vistos como un fenómeno aislado. Son un perturbador signo de los tiempos. Sin darse cuenta, las sociedades contemporáneas están generando un combustible altamente inflamable que fluye en los subsuelos de la vida colectiva. Cuando llegan a la superficie pueden provocar un incendio social de proporciones inimaginables. Se trata de un combustible constituido por la mixtura de cuatro componentes: la promoción conjunta de la desigualdad social y del individualismo, la mercantilización de la vida individual y colectiva, la práctica del racismo en nombre de la tolerancia y el secuestro de la democracia por elites privilegiadas, con la consiguiente transformación de la política en la administración del robo “legal” a los ciudadanos y del malestar que provoca. Cada uno de estos componentes tiene una contradicción interna: cuando se superponen, cualquier incidente puede provocar una explosión.
- Desigualdad e individualismo. Con el neoliberalismo, el aumento brutal de la desigualdad social dejó de ser un problema para pasar a ser una solución. La ostentación de los ricos y los multimillonarios se transformó en la prueba del éxito de un modelo social que sólo deja miseria para la inmensa mayoría de los ciudadanos, supuestamente porque éstos no se esfuerzan lo suficiente como para tener éxito. Esto sólo fue posible con la conversión del individualismo en un valor absoluto, el cual, paradójicamente, sólo puede ser experimentado como una utopía de la igualdad, la posibilidad de que todos prescindan por igual de la solidaridad social, sea como sus agentes, sea como sus beneficiarios. Para el individuo así concebido, la desigualdad únicamente es un problema cuando le es adversa y, cuando eso sucede, nunca es reconocida como merecida.
- Mercantilización de la vida. La sociedad de consumo consiste en la sustitución de las relaciones entre personas por las relaciones entre personas y cosas. Los objetos de consumo dejan de satisfacer necesidades para crearlas incesantemente y la inversión personal en ellos es tan intensa cuando se tiene como cuando no se tiene. Los centros comerciales son la visión espectral de una red de relaciones sociales que empieza y termina en los objetos. El capital, con su infinita sed de lucro, ha llegado a someter a la lógica mercantil bienes que siempre pensamos que eran demasiado comunes (el agua y el aire) o demasiado personales (la intimidad y las convicciones políticas) para ser intercambiados en el mercado. Entre creer que el dinero media todo y creer que se puede hacer todo para obtenerlo hay un paso mucho menor de lo que se piensa. Los poderosos dan ese paso todos los días sin que nada les pase. Los desposeídos, que piensan que pueden hacer lo mismo, terminan en las cárceles.
- El racismo de la tolerancia. Los disturbios en Inglaterra comenzaron con una dimensión racial. Lo mismo sucedió en 1981 y en los disturbios que sacudieron Francia en 2005. No es una coincidencia: son irrupciones de la sociabilidad colonial que continúa dominando nuestras sociedades, décadas después del fin del colonialismo político. El racismo es apenas un componente, ya que en todos los disturbios mencionados participaron jóvenes de diversos grupos étnicos. Pero es importante, porque reúne a la exclusión social con un elemento de insondable corrosión de la autoestima, la inferioridad del ser agravada por la inferioridad del tener. En nuestras ciudades, un joven negro vive cotidianamente bajo una sospecha social que existe independientemente de lo que él o ella sea o haga. Y esta sospecha es mucho más virulenta cuando se produce en una sociedad distraída por las políticas oficiales de lucha contra la discriminación y por la fachada del multiculturalismo y la benevolencia de la tolerancia.
- El secuestro de la democracia. ¿Qué comparten los disturbios en Inglaterra y la destrucción del bienestar de los ciudadanos provocada por las políticas de austeridad dirigidas por las agencias calificadoras y los mercados financieros? Ambos son signos de las extremas limitaciones del orden democrático. Los jóvenes rebeldes cometieron delitos, pero no estamos frente a “pura y simple” delincuencia, como afirmó el primer ministro David Cameron. Estamos frente a una denuncia política violenta de un modelo social y político que tiene recursos para rescatar a los bancos y no los tiene para rescatar a los jóvenes de una vida de espera sin esperanza, de la pesadilla de una educación cada vez más cara e irrelevante dado el aumento del desempleo, del completo abandono en comunidades que las políticas públicas antisociales transformaron en campos de entrenamiento de la rabia, la anomia y la rebelión.
Entre el poder neoliberal instalado y los rebeldes urbanos hay una simetría perturbadora. La indiferencia social, la arrogancia, la distribución injusta de los sacrificios están sembrando el caos, la violencia y el miedo, y quienes están realizando esa siembra van a decir mañana, genuinamente ofendidos, que lo que ellos sembraron nada tenía que ver con el caos, la violencia y el miedo instalados en las calles de nuestras ciudades. Los que promueven el desorden están en el poder y pronto podrían ser imitados por aquellos que no tienen poder para ponerlos en orden.
* Doctor en Sociología del Derecho; profesor de las universidades de Coimbra (Portugal) y de Wisconsin (EE.UU.).
Traducción: Javier Lorca.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Internacionalização do estado
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ENTREVISTA FRANÇOIS CHESNAIS
A crise é o impasse absoluto do regime guiado pela dívida
ECONOMISTA FRANCÊS AFIRMA QUE ENTRAMOS NAS PIORES CONDIÇÕES POSSÍVEIS NUMA ERA EM QUE A CIVILIZAÇÃO ESTÁ PATINANDO
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
A crise financeira não tem final à vista. O modelo de crescimento baseado em endividamento, seguido nos países ricos, está num beco sem saída. E o calcado em exportações de insumos --como o do Brasil-- pode não funcionar por muito tempo.
A análise é do economista marxista François Chesnais, 77. Para ele, os protestos em Londres, no Chile e no Oriente Médio são expressão "de uma doença mundial criada pelo caminho tomado pelo neoliberalismo e pela dominação das finanças".
Numa época de valorização do consumismo, são "reações ao extraordinário abismo social", afirma.
Folha - Qual a natureza da crise atual?
François Chesnais - O momento atual é um novo episódio na crise mundial. Ela começou há cinco anos, teve seu ponto mais crítico com a quebra do Lehmann Brothers, e não tem um final à vista.
Foi prenunciada pela crise asiática (1997-1998) e pela quase quebra do Long Term Capital Management, no início da crise financeira russa.
Eventos-chave nos anos 2000 e 2001 lançaram as bases para a eclosão da crise: o crash da Nasdaq, a resposta norte-americana ao 11 de Setembro, as guerras no Iraque e no Afeganistão e a entrada da China na Organização Mundial do Comércio.
Quais são as causas?
O funcionamento da economia mundial desde o início dos anos 2000 se baseou em dois pilares: o regime de crescimento guiado pela dívida, adotado pelos EUA e pela Europa, e o regime de crescimento orientado por exportações globais, no qual a China é a principal base industrial, e o Brasil, a Argentina e a Indonésia são os provedores-chave de recursos naturais.
A crise representa o beco sem saída, o impasse absoluto do regime guiado pela dívida. O segundo pilar está levemente melhor, mas o crescimento baseado em exportações globais não poderá funcionar por muito tempo sem uma forte demanda externa, especialmente dos EUA e da União Europeia.
Por que há tensão nos mercados?
Os investidores financeiros estão extremamente preocupados. Há a perspectiva de um segundo mergulho da economia dos EUA, uma crise em forma de "W" nas economias avançadas.
Outro risco é a vulnerabilidade do sistema bancário europeu, na zona do euro e na Grã-Bretanha. Há também o perigo de que o lento crescimento faça com que empréstimos públicos e privados sejam cada vez mais difíceis de serem recuperados.
Qual a situação na Europa?
Na União Europeia, desde abril de 2010, tem havido um contínuo fluxo de dinheiro público para alguns governos e para os bancos.
Isso tem sido acoplado a políticas de austeridade muito drásticas em alguns países, que os arrastou à recessão (-4% na Grécia).
Com isso, fica impossível o repagamento da dívida soberana. Provoca a quebra de empresas, além de levar os sistemas bancários na Grécia, na Itália e na Espanha para uma cada vez maior proximidade do colapso. Isso ameaça bancos nos países do coração da zona do euro, especialmente na França.
A situação dos bancos é preocupante?
Os eventos nas Bolsas estão sendo subordinados a situações bancárias críticas.
Em 2008, a ameaça às finanças globais veio dos bancos de investimento dos EUA e das grandes seguradoras.
O próximo episódio financeiro maior acontecerá quando um segmento do sistema bancário da Europa entrar em colapso na Grécia, Espanha ou Itália. A atual turbulência nas Bolsas é a expressão do pânico do investidor, que tenta antecipar esse tipo de evento. Seu principal efeito é contribuir para a efetiva ocorrência de um desastre em algum lugar. Isso afeta o comportamento do consumidor de renda mais alta e desencoraja investimentos da classe média.
Nos seus livros, o sr. descreve os detalhes do avanço das finanças. Como avalia o atual momento na história do capitalismo?
É possível traçar paralelos com o passado. Mas em nenhum período anterior foram tão elevados a quantidade de ações e títulos, os ganhos dos rentistas nem foi tão grande a quantidade em circulação do que chamo de "capital monetário fictício elevado à enézima potência".
Nunca os lucros financeiros foram tão altos em comparação com a atividade produtiva. Nunca as finanças foram tão desreguladas. Nunca a capacidade dos governos de recuperar o controle sobre as finanças foi tão fraca. A extrema fraqueza da liderança política é uma consequência direta disso. Mas há uma nova dimensão da história do capitalismo.
Qual é ?
Essa nova dimensão é a crise ambiental, começando com as mudanças climáticas, que se desenvolve em paralelo à ascensão das finanças e de sua crise. Por isso, entramos nas piores condições possíveis numa era em que a civilização como a concebemos, no Ocidente e no Oriente, está patinando.
Os governos deveriam jogar mais dinheiro nos mercados financeiros?
As políticas fiscais anunciadas ou já decretadas são fortemente pró-cíclicas. Elas acentuam o beco sem saída do regime de crescimento e a incapacidade que a elite dirigente tem de imaginar qualquer outra maneira de reger a economia.
Não haverá fim para a crise mundial enquanto os bancos e os investidores financeiros estiverem no comando, fazendo políticas totalmente dirigidas pelos interesses dos rentistas e dando respostas à crise dominadas por tentativas de dar sobrevida ao regime guiado pela dívida.
O que precisaria ser feito para a retomada da crescimento?
Nos EUA e na Europa, a recuperação requer o restabelecimento do poder de compra das classes baixas e médias, a recriação e expansão da capacidade dos Estados de fazer os investimentos sociais e ambientais necessários e o estabelecimento de um sistema monetário internacional estável, não subordinado ao capital financeiro.
As condições para isso vão incluir o cancelamento de boa parte da dívida soberana, assim como de boa parte da dívida doméstica; o restabelecimento de uma taxação correta para a renda das finanças e do capital; o restabelecimento de um verdadeiro controle público do sistema de crédito; um controle restrito dos fluxos de capital e uma luta efetiva contra os paraísos fiscais.
Qual sua visão sobre o poder das agências de classificação de risco?
O poder das agências de classificação de risco apenas espelha o quanto os governos foram colocados nas mãos das finanças. Mostra a extensão da abdicação do poder dos governos, que mudaram as finanças públicas de uma forma baseada em impostos para uma baseada em dívida.
E o que ocorre agora?
As agências de risco estão pressionando a elite política francesa para aprofundar as políticas de austeridade. Isso no contexto de uma situação de quase recessão.
É possível que, nos próximos meses, ocorra na França uma reação popular contra os cortes de orçamento.
As revoltas no Norte da África e no Oriente Médio, o movimento dos "indignados" na Espanha e agora os protestos em Londres têm alguma ligação?
Eu adicionaria à lista as enormes marchas em Tel Aviv, com 200 mil pessoas, e em outras cidades contra a alta nos preços dos alimentos e o desemprego.
E também esse extraordinário movimento dos estudantes no Chile. Cada um desses movimentos precisa ser analisado com cuidado.
São obviamente expressão de uma doença mundial criada pelo caminho tomado pelo neoliberalismo e pela dominação das finanças.
O que os movimentos têm em comum?
Eles têm em comum o fato de terem sido estimulados pela juventude. Em muitos casos são liderados por jovens líderes que estão emergindo do movimento.
São todos reações ao extraordinário abismo social num tempo em que o consumismo é projetado mundialmente pela tecnologia contemporânea e pelas estratégias de mídia.
Cada um tem suas idiossincrasias nacionais e suas trajetórias políticas. Em cada caso há uma diferente mistura de um componente fundamental democrático, com conteúdo anticapitalista. Reagem ao fato de a eles ter sido negada a posse de bens que outros da sua mesma geração possuem no seu cotidiano.
A crescente percepção da corrupção político-financeira atiça a indignação e, no caso dos jovens mais pobres, os faz usar os únicos métodos que têm à disposição.
domingo, 14 de agosto de 2011
Link injeçao letal aplicado no Araguaia
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Link para participar e divulgar III Forum de grupos de pesquisa em Direito Constitucional e Teoria do Direito - participar e divulgar
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Sistema partidário brasileiro
05/08/2011
Silvia Costanti/Valor
Fernando Limongi, professor da USP, em sua casa em São Paulo: unidade do PMDB é a maior novidade na conjuntura política
No tempo em que se dizia que o país precisava de reforma política para se tornar governável, Fernando Limongi publicou o livro definitivo - "Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional" (1999) - mostrando voto a voto que o Executivo não tinha embaraços em formar maioria. Quando o debate passou a ser dominado pela fisiologia paralisante das comissões de Orçamento, novo livro, também em parceria com Argelina Figueiredo - "Política Orçamentária no Presidencialismo de Coalizão" (2008) - mostrava que as emendas comprometem migalhas do investimento e que, ao rifá-las da lei orçamentária, se arriscava a empobrecer a representação.
Aos 53 anos, professor titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que presidiu de 2001 a 2005, Limongi continua incomodado. Não aceita a tese de que a amplitude da base aliada é a raiz dos problemas da presidente Dilma Rousseff nem que seu governo começa sob mais turbulência que os precedentes.
Em entrevista ao Valor, afirma que a maior novidade da conjuntura política brasileira é a unidade do PMDB, mas ainda se confessa aturdido pela tendência de fragmentação do quadro partidário que acreditava estar em processo de reversão.
Diz que a crise política por que passa o governo Barack Obama revela uma crise decisória no sistema político americano que não deveria servir de inspiração para nenhuma das democracias emergentes. E lança uma provocação aos compatriotas que não conseguem enxergar nenhum outro país mais corrupto que o Brasil: "Não há como medir a corrupção. Todos os indicadores são baseados em percepção que é um nome bonito para 'pré-conceito'. É possível obter uma correlação quase perfeita entre índices desse tipo e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos".
"Governos custam a encontrar seu ponto de equilíbrio. Dilma parecia que não ia ter esse problema, mas é difícil botar a coisa para funcionar"
A seguir, a entrevista:
Valor: O governo Dilma Rousseff mal começou e já trocou dois ministros. Aliados se dizem apreensivos com seu estilo. Teme-se que colha troco lá na frente. Dilma corre o risco de se inviabilizar?
Fernando Limongi: Se você acompanha o início do [Fernando] Collor, do Fernando Henrique e do [Luiz Inácio] Lula [da Silva], todos começaram com um rearranjo muito profundo das bases. Collor superestimou seu poder e precisou reformular o ministério. FHC começou com um governo majoritário para aprovar legislação ordinária, mas minoritário para reforma constitucional. Para passar a reforma da Previdência, chamou o PP e rearrumou a coalizão. Lula também começou minoritário. Na primeira fase o [ex] PFL e o PSDB cooperaram, depois ele também refez o ministério.
Valor: A base excessivamente heterogênea do governo não é fonte permanente de tensão?
Limongi: O que ocorreu com o [Antonio] Palocci também ocorreu no governo FHC, que teve uma crise no caso de escuta telefônica na Casa Civil [conversa grampeada entre o embaixador Júlio Cesar dos Santos e o representante da Raytheon, empresa que disputava o Sivam, levou à queda do chefe de gabinete do presidente, Xico Graziano]. Esse tipo de problema sempre acontece. Os governos sempre custam a engrenar e a encontrar seu ponto de equilíbrio. Dilma, por ter maior continuidade com Lula - com o fim do governo, não com seu início -, parecia que não ia ter esse problema de ajuste, mas é sempre difícil botar a coisa pra funcionar. O governo começa, tenta achar o prumo e encaixar as peças. É o contrário da ideia da lua de mel, do período de graça. Só com o início de governo é possível saber se as pessoas combinam com os cargos e as lideranças são de fato exercidas. Lula só foi achar o prumo quando Dilma subiu para a Casa Civil e botou a máquina para andar. Até lá, a visão era toda negativa porque a coisa não funcionava. Tinha-se grande expectativa de que [José] Dirceu ia ser o condutor, mas ele se mostrou muito aquém das expectativas. Além do mensalão, só deu problema e nunca foi o homem da máquina que se esperava.
Ruy Baron/Valor
Dilma entrega mensagem ao Congresso Nacional: "Se você acompanhar o início do Collor, do Fernando Henrique e do Lula, todos começaram com rearranjo profundo das bases", diz professor
Valor: Essa fase inicial de ajustes pode ser semelhante a outros governos, mas a base dela é mais ampla do que a de qualquer outro. São 17 partidos na base, sendo 7 representados no governo. A dificuldade de abrigar todos no primeiro escalão não é parte da explicação?
Limongi: Pode ser, mas não há evidências de que esse é o problema. Do ponto de vista das evidências, o que chama a atenção, e não se dá a devida atenção, é que o PMDB tem votado absolutamente disciplinado. Ter votado 100% unido no salário mínimo e no Código Florestal não é pouca coisa. O PMDB nunca teve essa unidade.
Valor: Qual é sua leitura dessa unidade?
Limongi: Essa unidade é politicamente construída. [Michel] Temer exerce uma liderança sobre a bancada que ninguém nunca teve. O PMDB sempre esteve em todos os governos, mas nunca com essa disciplina. Isso é disciplina de PT. O PMDB hoje tem mais cadeiras e representação nacional do que qualquer outro partido. Está jogando diferente. Se há tensão no interior da base por espaço, o PMDB vai ocupá-lo. O partido já não era pequeno no fim do governo Lula. E agora joga com unidade para aumentar seu espaço. Todo mundo falou do seu lado fisiológico ou ruralista no Código Florestal. Até pode ser que o PMDB tenha sido majoritariamente ruralista, mas e o PCdoB, que votou igual?
Limongi: É parte da estratégia política do PMDB, e não necessariamente o partido é o mal. Não existe um lado do bem e do mal, como todo mundo tende a ler. Meus filhos de cinco e oito anos podem pensar assim, mas as coisas são muito mais complexas. O Código Florestal tinha muitos lados, vi alguns debates e não conseguia saber de que lado eu estava. Ninguém, no fundo, sabia de que lado estava.
Valor: Mas o fato é que o governo foi derrotado na votação...
Limongi: Em situações semelhantes outros governos sempre foram mais ambíguos, mais coniventes e dançaram conforme a música. Dilma bateu ficha numa questão difícil. FHC e Lula sempre fugiram pela tangente nessas horas, fizeram algum acordo que diluía o embate. Lula decidia por decreto no tema. Dilma não diluiu. Talvez tenha sobre-estimado forças, não tenha querido voltar atrás, perder imagem. Ex post foi desnecessário, até porque ainda tem Senado e a negociação vai e volta.
Valor: Essa disposição de bater ficha, no limite, não pode comprometê-la com a base?
"Olhando para o que acontece nos EUA e Europa, ideias de que o Brasil tem sistema político que atrapalha a economia é história para boi dormir"
Limongi: As demissões nos Transportes vão na mesma direção, muito menos panos quentes do que normalmente se coloca nessas questões. O curioso é que quando ela compõe é porque está sendo conivente. Quando enfrenta é porque não tem jogo de cintura. O partido com o qual está brigando, o PR, teve problemas similares no governo FHC, quando ainda se chamava PL. Valdemar Costa Neto meteu-se num conflito que envolveu a Polícia Federal em Guarulhos. Saiu atirando e foi a partir daí que começou a construir a aliança com o PT. Quando o PL saiu do governo, Valdemar disse que cada um tem o porto que merece, falando que o Temer controlava o porto de Santos e ele, Guarulhos. Essa redefinição de espaços tem muito a ver com a renovação das cúpulas, que vai bater no mensalão. O PL era controlado por Álvaro Valle. Quando ele morreu, o controle passou para Valdemar. O PTB era controlado por aquele banqueiro do Paraná que foi ministro de FHC [José Eduardo de Andrade Vieira, do Bamerindus]. Aí o cara saiu e veio [Roberto] Jefferson. [Paulo] Maluf perdeu o controle do PP com a reeleição. Não se sabe como esses partidos são controlados. São extremamente centralizados e baseados em comissões provisórias. Seu eleitor votava numa direita tipo PFL, PDS ou PMDB, controlada por velhas lideranças mais acomodadas. Quando veio a transição PSDB-PT, começou a hemorragia na direita tradicional e esses partidos começaram a disputar espaço. É essa a malta que Dilma está tentando segurar em áreas com muito dinheiro, de Copa do Mundo e Olimpíada, e onde o Estado tem que se mostrar eficiente. Então decidiu enfrentar.
Valor: Sua aposta é de que, na indefinição de como se dará a relação de Dilma com esses partidos médios, o PMDB decidiu apostar cada vez mais na condição de fiador da governabilidade?
Limongi: O PMDB pode crescer muito aí. Não fiz os cálculos, mas acho que o PR é dispensável.
Valor: São 41 deputados...
Limongi: É, mas tem o bloco que o PR controla de todos os pequenos partidos de direita. Boa parte desses caras, se o governo falar "ó, ou joga direito ou tá fora", não tem muito para onde correr. O PR não controla nenhum Estado, não tem nenhuma máquina.
Valor: Dilma tem sido persistentemente questionada sobre suas condições para lidar com essa base política, ao contrário de Lula e de FHC. Sua inexperiência nesse campo não pesa?
AP
A crise política por que passa o governo Obama revela, segundo Limongi, uma crise decisória no sistema político americano que não deve servir de inspiração
Limongi: Na verdade, no início dos governos Lula e FHC ninguém lhes reconhecia essas qualidades. Depois ambos viraram gênios. Dizem que Dilma é inexperiente, mas FHC nunca foi um cara prático. Dona Ruth é que administrava a conta corrente dele. Lula nunca tinha administrado nada, não tinha relação com a máquina do Estado. Dilma cresceu na máquina gaúcha e foi bater na Casa Civil. Foi superbem-sucedida e subiu como um foguete. Conhece como se governa, muito mais do que conheciam FHC, Collor, Itamar ou Lula. O que é que há no governo que a ministra da Casa Civil não conheça?
Valor: O controle da corrupção passa pela redução dos cargos comissionados?
Limongi: O problema é mais complicado do que parece. Algumas dessas questões que aparecem hoje são problemas e ambiguidades presentes desde o início do governo representativo de quem deve ocupar cargos, qual é o critério para a distribuição, se deve ser a competência ou o critério partidário. Nos Estados Unidos, esse é um problema desde o conflito federalistas versus republicanos no século XIX e até hoje não se resolveu. É verdade que esses conflitos por vezes são inadministráveis. O assassino de [Abraham] Lincoln foi um cara que não recebeu o emprego que esperava. Quem deve governar? Se forem os mais competentes, então quem governa são sempre os mesmos, os mais competentes. Mas você votou num partido para exercer o governo. O que a gente chama de loteamento é o exercício do governo partidário. Se o PT nomeia todo mundo e governa mal, a gente bota o partido para fora e vota no PSDB. O PSDB põe seus homens, se não derem no couro, que venha o próximo. Na coligação governista, o partido que tem quadros é o PT, mas o caso dos Transportes mostra que alguns partidos vão construindo ramificações com o setor privado e formando "quadros" em alguns setores.
Valor: E o combate à corrupção não passa pelo corte dessas ramificações?
Limongi: A gente não tem nenhuma forma de saber se a corrupção aqui é mais alta ou mais baixa do que no resto do mundo. O problema é óbvio: como se mede corrupção? Não pode ser medida objetivamente por razões óbvias. Os indicadores normalmente usados em pesquisas comparadas são indiretos e se referem à percepção. Muitas vezes essa percepção é um nome mais bonito para "pré-conceito". Eu brinco que é possível obter uma correlação quase perfeita entre esses índices e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos. Todas as indicações são de que a corrupção aqui é como em qualquer outro lugar. A Inglaterra, com esse escândalo da imprensa, mostra que quando os interesses privados chegam junto do Estado você não consegue mais distingui-los. De repente o cara está na Scotland Yard, de vez em quando ele está no jornal, ele vai na Scotland Yard... Esse é o jeito que os interesses se constroem. Não tem saída para isso. É um problema de assimetria de informações. Como é que você vai ter um setor de empreiteiras que seja verdadeiramente competitivo? Três ou quatro grandes empresas vão controlar o mercado. E quem vai contratar esses caras? No fim é o cara que era da empreiteira e foi para o Estado e de lá para o setor privado, e esses interesses acabam não se distinguindo como se gostaria.
Waldemir Barreto/Agência Senado
Alfredo Nascimento, exonerado do Ministério dos Transportes sob acusações de irregularidades: Dilma pôs "menos panos quentes do que normalmente se coloca nessas questões", diz LimongiValor: O sr. diz que não há como medir se o Brasil é mais ou menos corrupto do que outros países. A que o sr. atribui, então, a difusão dessa convicção entre os brasileiros?
Limongi: É puro "pré-conceito". Quem acompanha política em outros lugares do mundo sabe que coisas feias acontecem em todo lugar. Uma vez fui fazer uma conferência para banqueiros na Europa. Eles queriam saber como funcionava o sistema político brasileiro. Fui lá e mostrei que funcionava bem, que tinha lógica, que a forma como eles entendiam os sistemas políticos europeus poderiam ser usadas para entender o Brasil. Daí, no debate, um senhor começou a me espinafrar, dizendo que estava cansado de ouvir que os políticos brasileiros eram confiáveis, que as coisas aqui eram OK, e quando ele abria o jornal só lia notícias desabonadoras quanto às nossas práticas políticas, que o governo brasileiro só fazia aumentar o déficit. Quando ele acabou de falar, eu estava meio nas cordas e para ganhar tempo perguntei de que país ele vinha. Ele respondeu: Itália. Não precisei responder. Só "I see" com riso meio cínico bastou.
Valor: O sr. vê alguma relação entre a perda de prerrogativas legislativas e a ocupação dos aliados em desencavar os podres da República? As MPs têm saído com mais de 50 temas, tanto que uma recebeu o nome de "árvore de Natal"...
Limongi:: Na entrevista do Temer para o Valor, ele começa falando: "Participei de um grupo que elaborou uma medida provisória. Nós ficamos estudando e todo mundo participou". Então quem fez a medida? Dilma não tem tempo para fazer isso. Quando sai uma MP, não é uma decisão unilateral do Executivo.
Valor: Pode ser uma costura partidária, mas que foge do âmbito legislativo...
Limongi: Se está saindo como "árvore de Natal" é porque todo mundo já deu "pitaco". Quando o texto começa a tramitar, não foi Deus quem o criou. Todo mundo já botou a mão. O texto não é confeccionado a portas fechadas.
Valor: Mas a oposição não participa...
Limongi: Nem é para participar. Tem a tramitação para espernear. Quando passou a reforma das MPs no governo FHC, todo mundo achou que estava fazendo uma grande coisa. E, na verdade, foi um desastre institucional. A MP tramitava no Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Não atrapalhava a tramitação dos demais projetos nem travava a pauta. Agora a medida passa pela Câmara, depois vai para o Senado, tem um tempo para correr, e tem que apresentar emenda aqui e lá, mas ninguém sabe como funciona. O fato é que se o Congresso quiser rejeitar uma medida porque não é pertinente à matéria em tramitação, derruba. O regimento garante. Não tem essa de nosso Legislativo estar subjugado, isso é tudo bobagem.
AP
O ex-CEO da Enron Jeffrey Skilling e os advogados Daniel Petrocelli e Ron Woods: vários escândalos envolvendo financiadores das campanhas de Bush foram revelados
Valor: Num artigo polêmico, FHC disse que a política tem que ser buscada fora das instituições, nos jovens e na internet. A maior surpresa de 2010, Marina Silva, não veio desse mundo?
Limongi: Marina, de fato, surpreendeu. Mas só foi tão bem votada porque Serra e Dilma perderam votos. Lula polarizou demais no fim da campanha, chamou para a briga e tirou votos de Dilma, que, pelo desempenho da economia, teve um resultado eleitoral aquém do esperado no primeiro turno. Tanto que seguraram Lula no segundo. José Serra cresceu, mas puxando um voto que não era dele, de quem achava que, por ter religião, não podia votar em Dilma. Foi um voto que também beneficiou Marina. Teve a coisa religiosa que surpreendeu todo mundo. Marina não conseguiu segurar nem o PV. Então tem um apoio muito difuso e desorganizado para ser considerado um trunfo. Tirante o PT, nenhum partido consegue penetrar na sociedade, mas o que os petistas têm de voto é muito mais do que têm de militância e penetração. É outro modelo de partido daquele do pós-guerra, que tinha células, militância, cobrava contribuição, fazia jornal e tinha escolinha. Hoje partido não precisa disso, vai à TV. Se é isso que FHC quer dizer, realmente mudou e não apenas no Brasil. Mas não é de hoje.
Valor: A internet, então, ainda vai demorar a dar as cartas na política?
Limongi: Deve ter muita gente tentando transformar o que se passa na internet em voto. Não vai ser espontâneo. FHC é sociólogo e sabe que não há nada de espontâneo nesse mundo de meu Deus. Tem que ter coisa organizada, estruturada. Onde isso tudo junta? No modelo institucional da eleição majoritária. Por isso PT e PSDB têm vantagem. Porque polarizam as eleições e coordenam a competição. PT e PSDB saem na frente na hora de lançar candidato à Presidência. Vai ter um candidato do PSDB, um do PT e uma terceira via. Marina vai ter que correr por fora para montar uma estrutura de campanha. Não vai ter os governos estaduais do PSDB nem a estrutura de governo federal do PT. Não vai ganhar pelo Twitter, até porque as pessoas, para votarem nela, precisam saber que ela tem chance de ganhar. Uma candidatura desastrosa do PSDB poderia fazer isso. Mas o PSDB teria que pisar muito na bola. A história é cheia de partidos que dilapidam patrimônio brigando internamente. Serra já fez isso uma vez e ameaça repetir ao resistir a ceder a liderança.
Valor: Se a tendência de polarização na eleição presidencial é tão forte assim, por que não afeta a disputa pelo Congresso?
Limongi: O resultado mais intrigante dessas eleições foi o descasamento entre as eleições majoritárias e proporcionais. A eleição presidencial vertebra a disputa nos Estados, que foi totalmente casada com a presidencial. Em todo Estado teve o candidato da Dilma e do Serra. E o PMDB ora jogou com um, ora com o outro. Agora, no Congresso, os sinais de que o número de partidos estava diminuindo desapareceram. E não apenas porque PP, PDT, PTB, que eram partidos médios, caíram e se igualaram ao PR ou ao PSB. PMDB, PT e PSDB também caíram. Pode ter a ver com esse terreno pantanoso que saiu da órbita do PSDB e caiu na do PT, mas ainda não está fazendo muito sentido. O que parece de fato diferente é essa coisa de o PMDB votar unido.
Valor: Esse pacto político pela distribuição de renda, contra o qual ninguém se rebela, não é o substrato dessa fragmentação tão acentuada?
Limongi: Há uma certa indistinção entre o PT e o PSDB quanto às propostas. A gente não sabe o que o PSDB teria para fazer de diferente do PT. O discurso do Serra foi da eficiência, faço-melhor-do-que-eles-que-só-seguem-nossa-cartilha. Mas não deu certo. O PSDB não tem realmente uma agenda alternativa. O PT, enquanto na oposição, conseguia fazer uma imagem de que era diferente e tal, que depois com o mensalão se viu que não era tão diferente assim.
Valor: E como conseguem polarizar o eleitorado se não têm propostas diferentes?
Limongi: Não é fácil entender qual é a percepção que de fato os eleitores têm dos partidos, se os veem ou não como diferentes e se essas diferenças são programáticas ou de outra natureza. Para saber essas coisas é preciso fazer pesquisa de opinião, entender como os eleitores organizam a disputa partidária na cabeça. E quando a gente lê pesquisa bem feita sobre esse tipo de coisa sempre acaba se surpreendendo. O que me parece interessante é que os partidos brasileiros podem não estar organizados como estavam os da Europa do pós-guerra, mas a divisão do eleitor é forte. Todo mundo diz que brasileiro é pouco politizado. Mas é o contrário. Nessa última eleição presidencial, minha filha mudou de escola e passei a levá-la à casa das novas amiguinhas. Chegava lá e os pais me perguntavam: "Voto em tal partido, e você?" Ouvi inúmeras vezes no metrô gente falando em quem iria votar. Passei duas eleições presidenciais nos Estados Unidos sem ouvir nenhuma pessoa falar sobre eleição presidencial. E estava dentro do departamento de ciência política de uma universidade. Isso é impensável no Brasil. Todo mundo emite opinião política o tempo inteiro. E todo mundo declara suas preferências. E isso não pode se dar sem que os partidos desempenhem um papel. O voto é obrigatório, mas sempre se pode votar em branco ou nulo. E, se os partidos não fossem capazes de mobilizar eleitores, a taxa de votos brancos e nulos deveria ser muito alta. Até foram em algumas eleições, mas caíram violentamente com o voto eletrônico. É possível que votações como a de Enéas, Clodovil e Tiririca venham de eleitores que os partidos não conseguem mobilizar. Sempre há um candidato com discurso antipolítica para o qual um caminhão de eleitores converge.
Valor: Muito se especula sobre o vetor político da chamada nova classe média. Essa seria a última eleição da distribuição de renda?
Limongi: Acho que leva algumas gerações para a ascensão social virar conservadorismo. Não acredito que o cara que subiu na vida em dois anos vai ficar defendendo o dele e virar conservador. O eleitor pode ser extremamente volátil, no sentido de que, se o PT amanhã vem com uma crise econômica e esses ganhos são perdidos de um governo para o outro, o eleitor pode se bandear para a oposição. Com isso estou de acordo. Foi o que aconteceu no segundo mandato de FHC. No primeiro, ele estava com tudo, distribuiu renda e fez crescer. Veio a crise, o eleitor bandeou para o outro lado. Mas se o crescimento se mantiver não vejo esse cenário.
Valor: A última vez em que a política balançou o mercado foi na eleição de 2002. De lá para cá, entra mensalão, sai mensalão, entra PR, sai PR, e a política não abala mais a economia. Por que houve esse insulamento? Por que ninguém se arrisca a mexer no dito tripé da economia?
Limongi: Não sei se foi a política ou se foi a economia que se insulou. No fim do governo, Lula fez um certo keynesianismo e ninguém se insurgiu contra. Até porque se saíssem batendo poderiam colher rejeição eleitoral. Os políticos observam e esperam se vai dar resultado. Se der, não criticam. Na hora em que der errado, a oposição vai sair criticando e aí o PSDB vai montar seu discurso alternativo. Se a economia continuar bem até 2014, não vai haver plano alternativo. O fato é que todo mundo foi surpreendido pelas mudanças estruturais no mercado de trabalho do Brasil, muito mais significativas que a Bolsa Família. O mundo político também parece ter sido surpreendido pelas conexões do Brasil com a China, que o tornaram menos dependente dos Estados Unidos.
Valor: Se a gente olha para o Congresso americano, vê o fracasso tanto das tentativas de aprovar uma regulação mais rígida para o mercado financeiro quanto esse embate republicano com o Obama. Como é que o sr. vê a resposta da política à crise financeira?
Limongi: A má qualidade do sistema politico americano é uma coisa inacreditável. Quem fica falando que o sistema brasileiro não funciona é porque não conhece o americano. Se tem um sistema político travado, parado, incapaz de produzir decisão, é o americano. É um sistema em que a Presidência tem pouco poder efetivo, depende muito de um Congresso que é capaz de barrar e está repleto de traidores. [Paul] Krugman afirmou em artigo recente que esse limite de endividamento foi renegociado e ampliado mais de uma vez ao longo do governo Bush. Que rever e readaptar o limite à realidade não teria consequência econômica alguma. Que o ponto é pura ideologia. Que os republicanos querem nocautear o Obama. Creio que ele esteja certo. Acompanhei in loco a reforma da saúde pública. Vi e ouvi os argumentos dos republicanos. É pura ideologia. Desculpe o exagero, mas é realmente primitivo. O reacionarismo é impressionante. E já radicalizaram dessa forma no passado. Fecharam o governo Clinton ao não aprovar o Orçamento. Tomaram uma tunda depois. No que fechou o governo, a população se voltou contra os republicanos.
Valor: Foi naquele momento que Clinton conseguiu a reeleição, não foi?
Limongi: Clinton estava morto e aí eles resolveram pisar em cima e espicaçar. E aí o Clinton renasceu e foi reeleito. Então é mais ou menos a mesma situação que Obama, só que agora em proporções muito maiores. A única coisa que os republicanos querem é corte de gasto e de imposto. Estão criando um sistema inviável. Todos os dados que se tem sobre desigualdade nos Estados Unidos mostram que aumentou uma barbaridade no governo republicano porque se cortou imposto no topo e gasto para base sem se conseguir, com isso, dar impulso à economia. É um exemplo de mau funcionamento do sistema político inacreditável. Faz a gente falar "puxa, estamos numa maravilha!"
Valor: Os EUA, ao contrário do Brasil, não têm um Congresso que reproduz mais ou menos as mesmas divisões da eleição presidencial?
Limongi: Nos Estados Unidos você tem a eleição presidencial e o "coattail", que é o efeito do voto puxado pelo presidente sobre o Congresso. Mas depois você tem reversão no meio do ano - em geral, o partido do presidente perde cadeira no meio do mandato. Quanto perde é que varia. Obama perdeu muito porque o americano médio é da direita brava. Se existe um sistema político que dá veto a minorias, esse sistema é o americano. No Senado há o que se chama de "filibuster", que é basicamente o direto de a minoria estender indefinidamente o debate, evitando que a matéria venha a voto. Se a minoria é contra, a coisa não vem a voto. Bloqueia. Para tudo. O que Obama passou de reforma da Previdência foi um negocinho desse tamanho sob um custo inacreditável. Aqui o presidente passaria aquilo tranquilo.
Valor: Os dividendos políticos dessa crise que já dura três anos é o crescimento da direita, em alguns países, como a Noruega, tragicamente?
Limongi: A Europa tem um problema grave, que é a pouca tolerância para com o imigrante. Tem dificuldade para assimilá-lo, ao mesmo tempo em que precisa dele. Há países que estão com crescimento negativo, como a Itália. Todo mundo sabe que eles precisam de mão de obra, mas não querem imigrantes. Vão acabar com déficit populacional. Todos os estudos mostram. Isso pode ser fonte de tensão política grande, mas qualquer projeção seria arriscada de como é que isso vai se resolver. Olhando para o que está acontecendo nos EUA e Europa, essas ideias de que o Brasil tem um sistema político problemático, que atrapalha a economia, a distribuição de renda, é história para boi dormir. Tudo se provou errado. Tivemos todas essas coisas sem reforma do sistema político.
Valor: E por que sistemas políticos tão vigorosos não conseguem dar uma resposta à crise?
Limongi: Esses sistemas políticos que sempre foram modelos estão embaralhados com um problema de decisão. O que pode mostrar que o sistema político é muito menos importante do que se pode achar. Há uma supervalorização das escolhas institucionais, uma expectativa de que se possa reformar tudo por modelos institucionais. Li recentemente uma citação do [Pierre] Rosanvallon [historiador francês], dizendo que logo depois da Revolução Francesa os caras começaram a falar em reforma das instituições, sempre com a expectativa de que assim se poderia eliminar todas as impurezas do sistema político. Estamos pensando isso até hoje.
Valor: Em meio a essa crise, os países emergentes têm reivindicado maior parte da governança global, mas há resistências dos ricos, que não lhes reconhecem maturidade institucional para dividir essa governança. Com que argumento se pode sustentar a justeza dessas reivindicações?
Limongi: Quem quer que olhe para o sistema político americano e seu desempenho recente colocará em questão essa ideia. O governo de Bush filho - aliás, imagina só se tivéssemos pai e filho eleitos em tão curto espaço de tempo em um país latino-americano - já começou com uma lambança institucional sem igual. Não se pode dizer que a eleição na Flórida esteve livre de fraudes e, mais, que as fraudes não influíram no resultado. Ao longo do seu governo, explodiram vários escândalos envolvendo financiadores das campanhas de Bush. Basta lembrar a Enron. Isso para não citar a invasão do Iraque, toda ela montada em relatórios discutíveis. Qual é a maturidade institucional do grande líder? E o pior é que não são só os republicanos. O livro do [Joseph] Stiglitz ["O Mundo em Queda Livre"], deveria ser leitura obrigatória. Mostra que os economistas que dirigiam os bancos que causaram a crise de 2008 foram convocados por Obama para resolvê-la. Não é apenas ideologia ou ideias básicas que guiam as políticas. São as pessoas. São os mesmos caras. E eles fizeram o que se esperava que fizessem: protegeram os bancos e deixaram os eleitores pagar a conta.
terça-feira, 2 de agosto de 2011
A fragilidade na prevenção e no combate ao terror
Correio Braziliense
02/08/2011
Lázaro Guimarães - Magistrado e professor
Os regimes democráticos têm revelado extrema fraqueza na prevenção e no combate ao terror. Essa é a constatação que se impõe ante os seguidos atentados, com milhares de mortes, praticados por ações individuais, como parece ser o caso da tragédia norueguesa, ou de pequenos grupos, como em Oklahoma, nos Estados Unidos.
O ultradireitista Anders Behring Breivik, que afirma ter cometido sozinho o massacre de centenas de jovens reunidos numa reunião festiva do Partido Trabalhista, na Ilha de Utoya, e a explosão de um carro-bomba em Oslo, que atingiu vários edifícios, matando dezenas de pessoas, já havia postado na internet manifesto de 1.500 páginas pregando a violência contra o multiculturalismo e a imigração de muçulmanos, além de ensinar como se preparam bombas caseiras. Impressionante como conseguiu adquirir grande quantidade de fertilizantes que, combinados com combustíveis, são suficientes para a armação de poderosos explosivos. O terrorista era filiado a um clube de tiro e possuía, com registro, três armas automáticas, de elevada potência.
Bastaria às autoridades policiais controlar a aquisição de armas e monitorar a internet, vigiando de perto as atividades dos panfletários extremistas, para evitar aquela ação. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos, em relação à destruição do edifício governamental pelo também direitista Timothy Mc Veigh, em abril de 1995, na cidade de Oklahoma, com 168 mortos.
De certa maneira, pode-se dizer o mesmo quanto às atividades dos integrantes da Al-Qaeda que frequentavam cursos de pilotagem, na Flórida, e se correspondiam pelo correio eletrônico livremente, na preparação dos atentados às torres gêmeas (World Trade Center) de Nova York e à sede do Pentágono, em Washington.
Mais grave ainda é a recente decisão da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos de cortar 14% das verbas para o programa de prevenção de terrorismo nuclear. O monitoramento de instalações nucleares em solo americano e em outros países permite um nível mínimo de controle do material radioativo que pode servir à ação de grupos políticos para a destruição em massa de populações.
Não são apenas as usinas nucleares e suas aquisições e descargas de material radioativo que se prestam à invasão de organizações terroristas. Hospitais, clínicas e outros estabelecimentos que utilizam o Césio 137 e mais de mil fontes radioativas podem gerar artefatos com imenso poder de destruição.
Basta lembrar o acidente ocorrido em Goiânia, em 1987, quando catadores de ferro velho em lixo deixado com imprudência por um hospital, retiraram e desmontaram aparelho de radioterapia, cujas peças, passando por várias mãos, causaram a morte de dezenas de pessoas.
A democracia não pode prescindir de instrumentos de proteção dos povos. É indispensável que se organize um efetivo policial treinado, especializado na prevenção de ataques terroristas ou de ações políticas violentas em geral, e que sejam aparelhados os sistemas legislativo e judicial de modo a reprimir com eficácia os autores de atentados.
No caso da Noruega, por exemplo, além da falta de medidas preventivas em relação aos extremistas de direita e ao anúncio de atos violentos pela internet, observa-se a irrelevância da punição máxima prevista em lei para a prática do ato de terror: apenas 21 anos de prisão. Se conseguir liberdade condicional com o cumprimento da metade da pena, o terrorista Behring Breivik pode estar solto em 10 anos e meio para matar outras centenas de noruegueses.
Nem se diga que o Brasil está livre de facções políticas neonazistas ou da ultradireita feroz. Lembrem-se os recentes episódios de assassinato ou agressões físicas graves a mendigos, a minorias étnicas ou a homossexuais, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em várias outras cidades. Grupos extremistas funcionam abertamente, pregam e praticam a violência, escudados pela timidez policial, pretensamente democrática.
Noruega: Maioria aprova leis mais rigorosas
Correio Braziliense
02/08/2011
Passados 10 dias do massacre de Oslo, onde o suposto extremista de direita Anders Behring Breivik matou 77 pessoas, praticamente dois terços dos noruegueses se mostram favoráveis à adoção de penas mais duras para crimes graves. Em pesquisa publicada ontem pelo jornal Verdens Gang, 65,5% dos 1.283 entrevistados classificaram como “muito brandas” as sentenças, e apenas 23,8% se as consideraram “adequadas”. Pelo assassinato múltiplo, Breivik pode pegar até 21 anos de prisão. Se for condenado por crimes contra a humanidade, a pena pode chegar a 30 anos.Brasil ''repudia'' conflito, mas é contra punição
O Estado de São Paulo
02/08/2011
Vannildo Mendes / BRASÍLIA
O governo brasileiro manifestou ontem "indignação" contra o assassinato de mais de cem civis na Síria e "repúdio" à retomada do uso da força pelo regime de Damasco neste fim de semana. Em nota divulgada ontem, o Itamaraty usou palavras fortes de condenação ao regime sírio e à repressão política desencadeada desde março. Apesar do tom incisivo, o Itamaraty informou que o Brasil não apoia uma intervenção militar e segue sem apoiar uma resolução com sanções contra o governo sírio antes que se esgotem todos os canais de negociação. "Uma solução eficaz e duradoura tem que passar necessariamente pelo campo da política e do diálogo", disse o porta-voz Tovar Nunes. O país tem sido pressionado a apoiar ao menos uma declaração que condene o regime de Assad, uma medida mais amena que uma resolução do Conselho de Segurança.Assinada pelo chanceler Antônio Patriota, a nota do Itamaraty manifestou preocupação com o não cumprimento de compromissos do governo sírio como direito de manifestação e expressão e instou o país "a dar seguimento ao processo de diálogo nacional". O Itamaraty cobrou também "reforma política com sentido de urgência". O Itamaraty informou que o governo Dilma Rousseff sempre deixou claro para a Síria e outras nações conflagradas do oriente médio que o respeito aos direitos humanos é inegociável. Em abril, o Itamaraty emitiu a primeira nota criticando a repressão e a escalada da violência. Em maio, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), o Brasil condenou as ações de violência contra civis. Apoiou também o envio de um relator especial para investigar as denúncias de violações no país. Há duas semanas, em encontro com o vice-chanceler sírio Fayssal Mekdad, Patriota havia deixado claro que o Brasil não toleraria violações de direitos humanos. Recomendou que o governo de Damasco adotasse com urgência soluções que preservem o direito das minorias. Entre essas minorias está a de brasileiros, na maioria cristãos. O Itamaraty insiste numa saída política para o impasse por meio do diálogo e se articulou com os governos da Índia e da África do Sul para mandar uma missão a Damasco nesta semana ou na próxima. A ideia, segundo o Itamaraty, é cobrar concessões prometidas pelo governo sírio à oposição, respeito aos direitos humanos e democracia representativa.