Folha
Índio resiste a obras na América do Sul
Peru vira epicentro de movimento ambientalista cujo objetivo é barrar exploração de minérios, gás e petróleo
Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais relata 122 focos de protesto só no setor de mineração
Enrique Castro-Mendivil - 24.nov.2011/Reuters
Andinos na lagoa Cortada, em Cajamarca, protestam em novembro contra a exploração de ouro em Conga; extração foi suspensa no início do mês
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
FLÁVIA MARREIRO
DE SÃO PAULO
Anunciado em novembro, um memorando entre a Petroperu e a Braskem para a implantação de um complexo petroquímico em Las Malvinas, sul do Peru, deverá colocar empresas brasileiras à frente do maior empreendimento no país andino.
O polo será abastecido por um gasoduto construído pela Odebrecht, sócia da Braskem. A Petrobras, a outra sócia, explora parte do gás que abastecerá a indústria.
Se não houver imprevisto, as três empresas investirão no polo cerca de US$ 9 bilhões, calcula Jorge Barata, diretor em Lima da Odebrecht e do Grupo Brasil, que reúne 42 empresas.
O valor é quase o dobro dos US$ 4,8 bilhões que as mineradoras Newmont (americana) e Buenaventura (peruana) preveem aplicar no que é hoje o maior projeto no Peru, o Conga, em Cajamarca.
Problema: a extração de ouro em Conga foi suspensa no início do mês, depois de uma greve geral que denunciava a poluição de fontes de água e levou o presidente Ollanta Humala a decretar emergência na região.
Enquanto Humala entra em conflito com a base que o elegeu, o Peru vira o epicentro de um movimento indígena, social e ambientalista cujo alvo são obras de infraestrutura e exploração de minérios, gás e petróleo, setores que alavancaram a América do Sul nos últimos anos.
O Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais acompanha os confrontos, auxiliando as comunidades afetadas. Segundo a entidade, há 122 focos de protesto na América do Sul só na área de mineração -em especial no Peru (26), Chile (25), Argentina (24) e Brasil (21).
RESISTÊNCIA
"A região está em ebulição, em resistência", diz Andressa Caldas, da ONG brasileira Justiça Global, que integra a campanha contra Belo Monte e a Plataforma BNDES, criada para monitorar o banco.
Ainda em desenvolvimento, o projeto Las Malvinas não foi contestado por ativistas. Mas Gregor MacLennan, da americana Amazon Watch, se diz atento, lembrando a mobilização contra o início da produção de gás em Camisea.
A Amazon Watch divulgou o processo no qual a Chevron foi condenada em fevereiro, no Equador, a pagar indenização de US$ 18 bilhões, por poluir a floresta -a empresa está recorrendo). Em novembro, a ONG levou líderes peruanos da etnia shuar ao Canadá, para testemunhar contra a mineradora Talisman.
No Peru, as operações suspensas por protestos neste ano incluem mais duas minas (canadense e americana) e quatro de cinco hidrelétricas previstas em acordo com o governo Lula. No resto da vizinhança, três projetos de empresas brasileiras já sofreram paralisação temporária.
Mesmo no Chile, que a brasileira EBX diz preferir, junto à Colômbia, por oferecerem maior "segurança jurídica", há um clamor nacional contra hidrelétricas da espanhola Endesa na Patagônia.
As reivindicações começam pela consulta prévia a indígenas afetados, prevista em convenção da Organização Internacional do Trabalho, mas não param aí. Outro tema é a exigência de contratação de mão de obra local.
Na Argentina, a Vale, alvo de uma frente global de "atingidos" por suas atividades, fez acordo para contratar 75% dos funcionários na província onde explora potássio.
As empresas argumentam que dão contrapartidas sociais e respeitam as leis nacionais. O embaixador brasileiro no Peru, Carlos Alfredo Teixeira, afirma que a cadeia do plástico deverá gerar 60 mil empregos no sul. "Posso garantir que tudo está sendo feito com o máximo de cuidado social e ambiental."
Parte dos ativistas, porém, vê nos programas de "responsabilidade social" tentativas de "comprar" comunidades.
O movimento não é homogêneo. Uma parte propõe mudança radical no modelo de exportação de commodities; outra apoia a redução de danos pela "economia verde", que busca no mercado solução para o nó ambiental.
A Conservação Internacional assessora o governo do Equador no programa Sócio Bosque, que remunera comunidades que preservam a floresta. "Fazemos tudo com base em ciência. Procuramos replicar bons exemplos", diz Fabio Scarano, diretor executivo da ONG no Brasil.
Governantes de esquerda do Equador e da Bolívia acusam o movimento de ser manipulado por interesses contrários ao desenvolvimento. Andressa Caldas refuta a tese. "O revival do discurso nacionalista-ufanista de segurança nacional, de proteção da Amazônia, me parece paupérrimo", afirma.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Europa e a crise
Folha de São Paulo de 5 de dezembro de 2011
Entrevista da 2ª Timothy Garton Ash, 56
Europa ainda está se saindo bem demais
Para historiador britânico, principal problema do continente é achar que seu sucesso vem de forma automática
Professor de Oxford diz que não há dedicação da atual geração de líderes ao projeto de unificação europeia
CHRISTOPH SCHWENNICKE
GERHARD SPÖRL
DA “DER SPIEGEL”
Um dos mais proeminentes historiadores europeus da atualidade, o britânico Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford, aponta falta de paixão pelo projeto europeu de dirigentes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Ele também explica por que acredita que os jovens europeus começarão a se mobilizar caso sintam que as liberdades de sua "Europa easyJet" -referência a uma companhia aérea de baixo custo que facilitou as viagens pelo continente- estão sob ameaça.
"Der Spiegel" - Vamos supor que o sr. seja um médico e a Europa, sua paciente. Qual é o diagnóstico?
Timothy Garton Ash - A Europa é uma mulher que chegou à meia-idade, já teve diversos ataques cardíacos e no momento está passando pela maior crise de saúde de sua vida, mas que não precisa se provar fatal.
Qual a causa da enfermidade?
Os grandes propulsores do projeto europeu deixaram de funcionar. Estou falando sobre políticos apaixonadamente envolvidos, com lembranças pessoais sobre a guerra, a ocupação, a ditadura, o Holocausto e a ameaça soviética.
Obama é bem-intencionado, mas não tem o mesmo interesse ou compromisso de líderes passados com a Europa. A Alemanha foi um dos principais propulsores do processo de unificação da Europa por 40 anos, mas deixou de sê-lo. E a isso devemos acrescentar a crise de uma união monetária mal concebida.
Mas não seria justo reprovar a geração de Obama, Merkel e Sarkozy por eles não terem a mesma formação de pessoas como [o ex-chanceler alemão] Helmut Kohl ou [o ex-presidente francês] François Mitterrand...
Não se pode culpá-los, mas o fato permanece. Sempre esperei que 1989 [queda do muro de Berlim] viesse a gerar um novo ímpeto histórico. De lá para cá, uma geração de milhões de pessoas que experimentaram a vida sob a ditadura em primeira mão chegaram ao poder. Angela Merkel é parte dessa geração, mas isso parece ter tido poucas consequências para ela.
Que consequências ela deveria extrair dessa experiência?
O poder da convicção. Caso Merkel tivesse apelado aos alemães no início da crise e lhes dito que salvar a zona do euro serve aos interesses do país, as coisas seriam diferentes na Alemanha e na Europa, hoje.
O clima seria diferente. E os resgates aos países em risco na zona do euro provavelmente teriam custado bilhões a menos.
Democracia e capitalismo vêm sendo gêmeos no Ocidente desde a Segunda Guerra. O capitalismo está consumindo a democracia, na atual crise?
O capitalismo financeiro, que se desenvolveu de modo tão falso nos últimos 20 anos, de fato representa uma ameaça existencial -não apenas às democracias europeias, mas a todo o Ocidente. Não devemos nos iludir: estamos falando de uma grave crise econômica e financeira para o Ocidente. Não para o mundo todo, não para a Ásia, mas para o Ocidente.
Mas não apenas para o Ocidente, dado que a China, com suas imensas reservas cambiais em dólares e euros, dificilmente poderá ignorar a situação passivamente caso a Europa e os EUA não sejam capazes de se recuperar.
A crise é do Ocidente. Começou no Ocidente e afetou a nós de modo mais severo. Também está servindo para alterar a mudança no equilíbrio do poder, em benefício do Oriente. A mudança fica ainda clara pelo fato de que o Ocidente agora se vê forçado a pedir que a China invista e adquira seus títulos de dívida.
Essa dependência é um reflexo da ironia da crise.
Sim, e que imensa ironia! Diante dessa virada no equilíbrio de poder, o islamismo violento pode continuar a ser uma ameaça verdadeira, mas não dará forma à história do mundo. Muita gente subestimou esse fator na década passada, a começar por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].
O impacto mundial da crise pode certamente motivar a geração de Merkel a se comprometer com mais dedicação à união da Europa.
Em termos intelectuais, é um argumento 100% verdadeiro. Mas duvido que a questão tenha um apelo emocional semelhante ao da presença do Exército Vermelho [da ex-URSS] do lado oposto da fronteira, estacionado bem no meio da Europa. Os chineses não estão chegando com tanques de guerra, mas com investimentos.
Há preocupações circulando em Berlim de que a China possa investir pesadamente na Grécia, por exemplo, caso a Grécia deixe a zona do euro, o que poderia fazer de Atenas uma espécie de satrapia chinesa na Europa.
É uma visão um pouco exagerada, mas já se tornou claro que 40% dos investimentos chineses direcionados à Europa estão concentrados no sul e leste do continente.
Como resultado, um lobby chinês está sendo formado gradualmente no seio da União Europeia. E porque estamos lidando com países economicamente fracos do sul e leste da Europa, os investimentos chineses desempenham papel importante e também têm consequências políticas.
E quais seriam elas?
Por exemplo, quando se trata do status da economia de mercado ou do embargo de armas da União Europeia contra a China. A crise no projeto europeu ainda não se tornou aguda para a maioria dos europeus. E o perigo, claro, é que quando a crise vier a afetar suas vidas, talvez seja tarde demais.
O senhor é britânico e favorece a integração com a Europa, uma combinação rara. O seu país não está enfrentando a questão de se integrar completamente à Europa ou abandoná-la de vez?
Sim, chegou a hora da verdade para o Reino Unido, porque, se a zona do euro for salva, haverá uma união fiscal, o que significa uma união política entre os países do euro -suspeito que sem a Grécia, mas com alguns novos candidatos.
Ao mesmo tempo, o governo britânico está tentando recuperar certos poderes cedidos a Bruxelas, por exemplo sobre questões de política social. Isso tem parcas chances de sucesso. O que significa que, nos próximos dois ou três anos, nós britânicos teremos de enfrentar a questão decisiva: entrar ou sair.
E qual será a resposta?
Por mais que o surpreenda, pode ser que continue a ser: entrar.
Se o euro fracassar, a integração europeia fracassará?
Não, mas acredito que nós, a maioria dos europeus, ainda estamos nos saindo bem demais ou, para ser brutalmente franco, não mal o suficiente. O principal problema da Europa é o seu sucesso, que é considerado como automático até pelos jovens dos países bálticos, que nem mesmo constavam do mapa da Europa 21 anos atrás. Viajo muito à Polônia -e lá as coisas são exatamente assim. Mas se essa "Europa easyJet", se essa liberdade, for ameaçada, veremos uma mobilização dos jovens europeus. Tenho certeza disso.
Folha de São Paulo de 5 de dezembro de 2011
Entrevista da 2ª Timothy Garton Ash, 56
Europa ainda está se saindo bem demais
Para historiador britânico, principal problema do continente é achar que seu sucesso vem de forma automática
Professor de Oxford diz que não há dedicação da atual geração de líderes ao projeto de unificação europeia
CHRISTOPH SCHWENNICKE
GERHARD SPÖRL
DA “DER SPIEGEL”
Um dos mais proeminentes historiadores europeus da atualidade, o britânico Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford, aponta falta de paixão pelo projeto europeu de dirigentes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Ele também explica por que acredita que os jovens europeus começarão a se mobilizar caso sintam que as liberdades de sua "Europa easyJet" -referência a uma companhia aérea de baixo custo que facilitou as viagens pelo continente- estão sob ameaça.
"Der Spiegel" - Vamos supor que o sr. seja um médico e a Europa, sua paciente. Qual é o diagnóstico?
Timothy Garton Ash - A Europa é uma mulher que chegou à meia-idade, já teve diversos ataques cardíacos e no momento está passando pela maior crise de saúde de sua vida, mas que não precisa se provar fatal.
Qual a causa da enfermidade?
Os grandes propulsores do projeto europeu deixaram de funcionar. Estou falando sobre políticos apaixonadamente envolvidos, com lembranças pessoais sobre a guerra, a ocupação, a ditadura, o Holocausto e a ameaça soviética.
Obama é bem-intencionado, mas não tem o mesmo interesse ou compromisso de líderes passados com a Europa. A Alemanha foi um dos principais propulsores do processo de unificação da Europa por 40 anos, mas deixou de sê-lo. E a isso devemos acrescentar a crise de uma união monetária mal concebida.
Mas não seria justo reprovar a geração de Obama, Merkel e Sarkozy por eles não terem a mesma formação de pessoas como [o ex-chanceler alemão] Helmut Kohl ou [o ex-presidente francês] François Mitterrand...
Não se pode culpá-los, mas o fato permanece. Sempre esperei que 1989 [queda do muro de Berlim] viesse a gerar um novo ímpeto histórico. De lá para cá, uma geração de milhões de pessoas que experimentaram a vida sob a ditadura em primeira mão chegaram ao poder. Angela Merkel é parte dessa geração, mas isso parece ter tido poucas consequências para ela.
Que consequências ela deveria extrair dessa experiência?
O poder da convicção. Caso Merkel tivesse apelado aos alemães no início da crise e lhes dito que salvar a zona do euro serve aos interesses do país, as coisas seriam diferentes na Alemanha e na Europa, hoje.
O clima seria diferente. E os resgates aos países em risco na zona do euro provavelmente teriam custado bilhões a menos.
Democracia e capitalismo vêm sendo gêmeos no Ocidente desde a Segunda Guerra. O capitalismo está consumindo a democracia, na atual crise?
O capitalismo financeiro, que se desenvolveu de modo tão falso nos últimos 20 anos, de fato representa uma ameaça existencial -não apenas às democracias europeias, mas a todo o Ocidente. Não devemos nos iludir: estamos falando de uma grave crise econômica e financeira para o Ocidente. Não para o mundo todo, não para a Ásia, mas para o Ocidente.
Mas não apenas para o Ocidente, dado que a China, com suas imensas reservas cambiais em dólares e euros, dificilmente poderá ignorar a situação passivamente caso a Europa e os EUA não sejam capazes de se recuperar.
A crise é do Ocidente. Começou no Ocidente e afetou a nós de modo mais severo. Também está servindo para alterar a mudança no equilíbrio do poder, em benefício do Oriente. A mudança fica ainda clara pelo fato de que o Ocidente agora se vê forçado a pedir que a China invista e adquira seus títulos de dívida.
Essa dependência é um reflexo da ironia da crise.
Sim, e que imensa ironia! Diante dessa virada no equilíbrio de poder, o islamismo violento pode continuar a ser uma ameaça verdadeira, mas não dará forma à história do mundo. Muita gente subestimou esse fator na década passada, a começar por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].
O impacto mundial da crise pode certamente motivar a geração de Merkel a se comprometer com mais dedicação à união da Europa.
Em termos intelectuais, é um argumento 100% verdadeiro. Mas duvido que a questão tenha um apelo emocional semelhante ao da presença do Exército Vermelho [da ex-URSS] do lado oposto da fronteira, estacionado bem no meio da Europa. Os chineses não estão chegando com tanques de guerra, mas com investimentos.
Há preocupações circulando em Berlim de que a China possa investir pesadamente na Grécia, por exemplo, caso a Grécia deixe a zona do euro, o que poderia fazer de Atenas uma espécie de satrapia chinesa na Europa.
É uma visão um pouco exagerada, mas já se tornou claro que 40% dos investimentos chineses direcionados à Europa estão concentrados no sul e leste do continente.
Como resultado, um lobby chinês está sendo formado gradualmente no seio da União Europeia. E porque estamos lidando com países economicamente fracos do sul e leste da Europa, os investimentos chineses desempenham papel importante e também têm consequências políticas.
E quais seriam elas?
Por exemplo, quando se trata do status da economia de mercado ou do embargo de armas da União Europeia contra a China. A crise no projeto europeu ainda não se tornou aguda para a maioria dos europeus. E o perigo, claro, é que quando a crise vier a afetar suas vidas, talvez seja tarde demais.
O senhor é britânico e favorece a integração com a Europa, uma combinação rara. O seu país não está enfrentando a questão de se integrar completamente à Europa ou abandoná-la de vez?
Sim, chegou a hora da verdade para o Reino Unido, porque, se a zona do euro for salva, haverá uma união fiscal, o que significa uma união política entre os países do euro -suspeito que sem a Grécia, mas com alguns novos candidatos.
Ao mesmo tempo, o governo britânico está tentando recuperar certos poderes cedidos a Bruxelas, por exemplo sobre questões de política social. Isso tem parcas chances de sucesso. O que significa que, nos próximos dois ou três anos, nós britânicos teremos de enfrentar a questão decisiva: entrar ou sair.
E qual será a resposta?
Por mais que o surpreenda, pode ser que continue a ser: entrar.
Se o euro fracassar, a integração europeia fracassará?
Não, mas acredito que nós, a maioria dos europeus, ainda estamos nos saindo bem demais ou, para ser brutalmente franco, não mal o suficiente. O principal problema da Europa é o seu sucesso, que é considerado como automático até pelos jovens dos países bálticos, que nem mesmo constavam do mapa da Europa 21 anos atrás. Viajo muito à Polônia -e lá as coisas são exatamente assim. Mas se essa "Europa easyJet", se essa liberdade, for ameaçada, veremos uma mobilização dos jovens europeus. Tenho certeza disso.
Entrevista da 2ª Timothy Garton Ash, 56
Europa ainda está se saindo bem demais
Para historiador britânico, principal problema do continente é achar que seu sucesso vem de forma automática
Professor de Oxford diz que não há dedicação da atual geração de líderes ao projeto de unificação europeia
CHRISTOPH SCHWENNICKE
GERHARD SPÖRL
DA “DER SPIEGEL”
Um dos mais proeminentes historiadores europeus da atualidade, o britânico Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford, aponta falta de paixão pelo projeto europeu de dirigentes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Ele também explica por que acredita que os jovens europeus começarão a se mobilizar caso sintam que as liberdades de sua "Europa easyJet" -referência a uma companhia aérea de baixo custo que facilitou as viagens pelo continente- estão sob ameaça.
"Der Spiegel" - Vamos supor que o sr. seja um médico e a Europa, sua paciente. Qual é o diagnóstico?
Timothy Garton Ash - A Europa é uma mulher que chegou à meia-idade, já teve diversos ataques cardíacos e no momento está passando pela maior crise de saúde de sua vida, mas que não precisa se provar fatal.
Qual a causa da enfermidade?
Os grandes propulsores do projeto europeu deixaram de funcionar. Estou falando sobre políticos apaixonadamente envolvidos, com lembranças pessoais sobre a guerra, a ocupação, a ditadura, o Holocausto e a ameaça soviética.
Obama é bem-intencionado, mas não tem o mesmo interesse ou compromisso de líderes passados com a Europa. A Alemanha foi um dos principais propulsores do processo de unificação da Europa por 40 anos, mas deixou de sê-lo. E a isso devemos acrescentar a crise de uma união monetária mal concebida.
Mas não seria justo reprovar a geração de Obama, Merkel e Sarkozy por eles não terem a mesma formação de pessoas como [o ex-chanceler alemão] Helmut Kohl ou [o ex-presidente francês] François Mitterrand...
Não se pode culpá-los, mas o fato permanece. Sempre esperei que 1989 [queda do muro de Berlim] viesse a gerar um novo ímpeto histórico. De lá para cá, uma geração de milhões de pessoas que experimentaram a vida sob a ditadura em primeira mão chegaram ao poder. Angela Merkel é parte dessa geração, mas isso parece ter tido poucas consequências para ela.
Que consequências ela deveria extrair dessa experiência?
O poder da convicção. Caso Merkel tivesse apelado aos alemães no início da crise e lhes dito que salvar a zona do euro serve aos interesses do país, as coisas seriam diferentes na Alemanha e na Europa, hoje.
O clima seria diferente. E os resgates aos países em risco na zona do euro provavelmente teriam custado bilhões a menos.
Democracia e capitalismo vêm sendo gêmeos no Ocidente desde a Segunda Guerra. O capitalismo está consumindo a democracia, na atual crise?
O capitalismo financeiro, que se desenvolveu de modo tão falso nos últimos 20 anos, de fato representa uma ameaça existencial -não apenas às democracias europeias, mas a todo o Ocidente. Não devemos nos iludir: estamos falando de uma grave crise econômica e financeira para o Ocidente. Não para o mundo todo, não para a Ásia, mas para o Ocidente.
Mas não apenas para o Ocidente, dado que a China, com suas imensas reservas cambiais em dólares e euros, dificilmente poderá ignorar a situação passivamente caso a Europa e os EUA não sejam capazes de se recuperar.
A crise é do Ocidente. Começou no Ocidente e afetou a nós de modo mais severo. Também está servindo para alterar a mudança no equilíbrio do poder, em benefício do Oriente. A mudança fica ainda clara pelo fato de que o Ocidente agora se vê forçado a pedir que a China invista e adquira seus títulos de dívida.
Essa dependência é um reflexo da ironia da crise.
Sim, e que imensa ironia! Diante dessa virada no equilíbrio de poder, o islamismo violento pode continuar a ser uma ameaça verdadeira, mas não dará forma à história do mundo. Muita gente subestimou esse fator na década passada, a começar por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].
O impacto mundial da crise pode certamente motivar a geração de Merkel a se comprometer com mais dedicação à união da Europa.
Em termos intelectuais, é um argumento 100% verdadeiro. Mas duvido que a questão tenha um apelo emocional semelhante ao da presença do Exército Vermelho [da ex-URSS] do lado oposto da fronteira, estacionado bem no meio da Europa. Os chineses não estão chegando com tanques de guerra, mas com investimentos.
Há preocupações circulando em Berlim de que a China possa investir pesadamente na Grécia, por exemplo, caso a Grécia deixe a zona do euro, o que poderia fazer de Atenas uma espécie de satrapia chinesa na Europa.
É uma visão um pouco exagerada, mas já se tornou claro que 40% dos investimentos chineses direcionados à Europa estão concentrados no sul e leste do continente.
Como resultado, um lobby chinês está sendo formado gradualmente no seio da União Europeia. E porque estamos lidando com países economicamente fracos do sul e leste da Europa, os investimentos chineses desempenham papel importante e também têm consequências políticas.
E quais seriam elas?
Por exemplo, quando se trata do status da economia de mercado ou do embargo de armas da União Europeia contra a China. A crise no projeto europeu ainda não se tornou aguda para a maioria dos europeus. E o perigo, claro, é que quando a crise vier a afetar suas vidas, talvez seja tarde demais.
O senhor é britânico e favorece a integração com a Europa, uma combinação rara. O seu país não está enfrentando a questão de se integrar completamente à Europa ou abandoná-la de vez?
Sim, chegou a hora da verdade para o Reino Unido, porque, se a zona do euro for salva, haverá uma união fiscal, o que significa uma união política entre os países do euro -suspeito que sem a Grécia, mas com alguns novos candidatos.
Ao mesmo tempo, o governo britânico está tentando recuperar certos poderes cedidos a Bruxelas, por exemplo sobre questões de política social. Isso tem parcas chances de sucesso. O que significa que, nos próximos dois ou três anos, nós britânicos teremos de enfrentar a questão decisiva: entrar ou sair.
E qual será a resposta?
Por mais que o surpreenda, pode ser que continue a ser: entrar.
Se o euro fracassar, a integração europeia fracassará?
Não, mas acredito que nós, a maioria dos europeus, ainda estamos nos saindo bem demais ou, para ser brutalmente franco, não mal o suficiente. O principal problema da Europa é o seu sucesso, que é considerado como automático até pelos jovens dos países bálticos, que nem mesmo constavam do mapa da Europa 21 anos atrás. Viajo muito à Polônia -e lá as coisas são exatamente assim. Mas se essa "Europa easyJet", se essa liberdade, for ameaçada, veremos uma mobilização dos jovens europeus. Tenho certeza disso.
Folha de São Paulo de 5 de dezembro de 2011
Entrevista da 2ª Timothy Garton Ash, 56
Europa ainda está se saindo bem demais
Para historiador britânico, principal problema do continente é achar que seu sucesso vem de forma automática
Professor de Oxford diz que não há dedicação da atual geração de líderes ao projeto de unificação europeia
CHRISTOPH SCHWENNICKE
GERHARD SPÖRL
DA “DER SPIEGEL”
Um dos mais proeminentes historiadores europeus da atualidade, o britânico Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford, aponta falta de paixão pelo projeto europeu de dirigentes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Ele também explica por que acredita que os jovens europeus começarão a se mobilizar caso sintam que as liberdades de sua "Europa easyJet" -referência a uma companhia aérea de baixo custo que facilitou as viagens pelo continente- estão sob ameaça.
"Der Spiegel" - Vamos supor que o sr. seja um médico e a Europa, sua paciente. Qual é o diagnóstico?
Timothy Garton Ash - A Europa é uma mulher que chegou à meia-idade, já teve diversos ataques cardíacos e no momento está passando pela maior crise de saúde de sua vida, mas que não precisa se provar fatal.
Qual a causa da enfermidade?
Os grandes propulsores do projeto europeu deixaram de funcionar. Estou falando sobre políticos apaixonadamente envolvidos, com lembranças pessoais sobre a guerra, a ocupação, a ditadura, o Holocausto e a ameaça soviética.
Obama é bem-intencionado, mas não tem o mesmo interesse ou compromisso de líderes passados com a Europa. A Alemanha foi um dos principais propulsores do processo de unificação da Europa por 40 anos, mas deixou de sê-lo. E a isso devemos acrescentar a crise de uma união monetária mal concebida.
Mas não seria justo reprovar a geração de Obama, Merkel e Sarkozy por eles não terem a mesma formação de pessoas como [o ex-chanceler alemão] Helmut Kohl ou [o ex-presidente francês] François Mitterrand...
Não se pode culpá-los, mas o fato permanece. Sempre esperei que 1989 [queda do muro de Berlim] viesse a gerar um novo ímpeto histórico. De lá para cá, uma geração de milhões de pessoas que experimentaram a vida sob a ditadura em primeira mão chegaram ao poder. Angela Merkel é parte dessa geração, mas isso parece ter tido poucas consequências para ela.
Que consequências ela deveria extrair dessa experiência?
O poder da convicção. Caso Merkel tivesse apelado aos alemães no início da crise e lhes dito que salvar a zona do euro serve aos interesses do país, as coisas seriam diferentes na Alemanha e na Europa, hoje.
O clima seria diferente. E os resgates aos países em risco na zona do euro provavelmente teriam custado bilhões a menos.
Democracia e capitalismo vêm sendo gêmeos no Ocidente desde a Segunda Guerra. O capitalismo está consumindo a democracia, na atual crise?
O capitalismo financeiro, que se desenvolveu de modo tão falso nos últimos 20 anos, de fato representa uma ameaça existencial -não apenas às democracias europeias, mas a todo o Ocidente. Não devemos nos iludir: estamos falando de uma grave crise econômica e financeira para o Ocidente. Não para o mundo todo, não para a Ásia, mas para o Ocidente.
Mas não apenas para o Ocidente, dado que a China, com suas imensas reservas cambiais em dólares e euros, dificilmente poderá ignorar a situação passivamente caso a Europa e os EUA não sejam capazes de se recuperar.
A crise é do Ocidente. Começou no Ocidente e afetou a nós de modo mais severo. Também está servindo para alterar a mudança no equilíbrio do poder, em benefício do Oriente. A mudança fica ainda clara pelo fato de que o Ocidente agora se vê forçado a pedir que a China invista e adquira seus títulos de dívida.
Essa dependência é um reflexo da ironia da crise.
Sim, e que imensa ironia! Diante dessa virada no equilíbrio de poder, o islamismo violento pode continuar a ser uma ameaça verdadeira, mas não dará forma à história do mundo. Muita gente subestimou esse fator na década passada, a começar por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].
O impacto mundial da crise pode certamente motivar a geração de Merkel a se comprometer com mais dedicação à união da Europa.
Em termos intelectuais, é um argumento 100% verdadeiro. Mas duvido que a questão tenha um apelo emocional semelhante ao da presença do Exército Vermelho [da ex-URSS] do lado oposto da fronteira, estacionado bem no meio da Europa. Os chineses não estão chegando com tanques de guerra, mas com investimentos.
Há preocupações circulando em Berlim de que a China possa investir pesadamente na Grécia, por exemplo, caso a Grécia deixe a zona do euro, o que poderia fazer de Atenas uma espécie de satrapia chinesa na Europa.
É uma visão um pouco exagerada, mas já se tornou claro que 40% dos investimentos chineses direcionados à Europa estão concentrados no sul e leste do continente.
Como resultado, um lobby chinês está sendo formado gradualmente no seio da União Europeia. E porque estamos lidando com países economicamente fracos do sul e leste da Europa, os investimentos chineses desempenham papel importante e também têm consequências políticas.
E quais seriam elas?
Por exemplo, quando se trata do status da economia de mercado ou do embargo de armas da União Europeia contra a China. A crise no projeto europeu ainda não se tornou aguda para a maioria dos europeus. E o perigo, claro, é que quando a crise vier a afetar suas vidas, talvez seja tarde demais.
O senhor é britânico e favorece a integração com a Europa, uma combinação rara. O seu país não está enfrentando a questão de se integrar completamente à Europa ou abandoná-la de vez?
Sim, chegou a hora da verdade para o Reino Unido, porque, se a zona do euro for salva, haverá uma união fiscal, o que significa uma união política entre os países do euro -suspeito que sem a Grécia, mas com alguns novos candidatos.
Ao mesmo tempo, o governo britânico está tentando recuperar certos poderes cedidos a Bruxelas, por exemplo sobre questões de política social. Isso tem parcas chances de sucesso. O que significa que, nos próximos dois ou três anos, nós britânicos teremos de enfrentar a questão decisiva: entrar ou sair.
E qual será a resposta?
Por mais que o surpreenda, pode ser que continue a ser: entrar.
Se o euro fracassar, a integração europeia fracassará?
Não, mas acredito que nós, a maioria dos europeus, ainda estamos nos saindo bem demais ou, para ser brutalmente franco, não mal o suficiente. O principal problema da Europa é o seu sucesso, que é considerado como automático até pelos jovens dos países bálticos, que nem mesmo constavam do mapa da Europa 21 anos atrás. Viajo muito à Polônia -e lá as coisas são exatamente assim. Mas se essa "Europa easyJet", se essa liberdade, for ameaçada, veremos uma mobilização dos jovens europeus. Tenho certeza disso.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
tortura
TRF livra militares de ação por tortura Folha
Tribunal diz que crimes da ditadura prescreveram; um dos réus foi apontado por Dilma como autor de maus-tratos
Procuradoria pedia que ex-agentes da Operação Bandeirante fossem obrigados a devolver patente e aposentadoria
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidiu que os militares acusados de torturar presos políticos na Oban (Operação Bandeirante) durante a ditadura não podem mais ser condenados porque seus supostos crimes já prescreveram.
A decisão beneficia quatro ex-agentes do regime. Entre eles está o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, que foi apontado como torturador pela presidente Dilma Rousseff em depoimento à Justiça Militar, em 1970.
A Procuradoria Regional da República recorreu ontem ao TRF contra a decisão. No processo, os réus negaram a participação em maus-tratos.
O Ministério Público Federal pedia que os militares fossem responsabilizados na esfera cível, já que a Lei de Anistia livra os ex-torturadores de qualquer condenação penal.
A ação pedia que eles fossem declarados responsáveis por maus-tratos a 20 presos políticos, incluindo Dilma, e obrigados a devolver a aposentadoria e a restituir os cofres públicos por indenizações a vítimas do regime.
Para a Procuradoria, os militares ainda poderiam ser condenados com base no tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, assinado pelo Brasil. O documento considera imprescritíveis os crimes contra os direitos humanos, como a tortura.
Ao julgar o caso, a 6ª Turma do TRF se amparou na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de manter a validade da Lei de Anistia, em abril do ano passado.
"Não reconhecendo o STF a aplicação do referido tratado sobre os crimes de tortura (...), não existem fundamentos para afirmar que os seus efeitos civis possam ter repercussão", escreveu o relator do processo, o juiz federal convocado Santoro Facchini.
De acordo com o magistrado, a ação não apontava a tortura como "fato ocasional ou delimitado", e sim como "prática sistematizada e institucionalizada" da ditadura.
O voto foi aprovado por unanimidade na sessão de 27 de outubro, e a decisão foi publicada no último dia 10.
Segundo o Código Civil, os crimes descritos em ações civis públicas como esta prescrevem em até dez anos.
O Exército instalou a Oban em julho de 1969 na rua Tutoia, no Paraíso (zona sul).
Quando os nomes dos réus apareceram na lista de torturadores divulgada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em 1975, o órgão já não operava mais.
MODELO
No livro "A Ditadura Escancarada", o jornalista Elio Gaspari descreve a Oban como "instituição modelar de repressão" do regime.
Por isso, esta ação era considerada uma das mais importantes do grupo de trabalho Memória e Verdade do Ministério Público Federal, que investiga crimes da ditadura.
Atuaram na Oban alguns dos principais acusados de torturas no período, como os majores Waldyr Coelho e Bernoni Albernaz e o delegado Sérgio Paranhos Fleury.
A Procuradoria processou quatro remanescentes do órgão: os militares reformados Homero César Machado, Innocêncio Beltrão e Maurício Lopes Lima e o ex-capitão da PM João Thomaz.
A ação se baseou em documentos dos órgãos de espionagem e no livro "Brasil Nunca Mais", organizado pela Arquidiocese de São Paulo.
A obra cita o depoimento em que Dilma aponta Lima como torturador. Em 2009, ela disse à Folha que o militar não a torturou, mas "entrava na sala e via tortura".
Tribunal diz que crimes da ditadura prescreveram; um dos réus foi apontado por Dilma como autor de maus-tratos
Procuradoria pedia que ex-agentes da Operação Bandeirante fossem obrigados a devolver patente e aposentadoria
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidiu que os militares acusados de torturar presos políticos na Oban (Operação Bandeirante) durante a ditadura não podem mais ser condenados porque seus supostos crimes já prescreveram.
A decisão beneficia quatro ex-agentes do regime. Entre eles está o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, que foi apontado como torturador pela presidente Dilma Rousseff em depoimento à Justiça Militar, em 1970.
A Procuradoria Regional da República recorreu ontem ao TRF contra a decisão. No processo, os réus negaram a participação em maus-tratos.
O Ministério Público Federal pedia que os militares fossem responsabilizados na esfera cível, já que a Lei de Anistia livra os ex-torturadores de qualquer condenação penal.
A ação pedia que eles fossem declarados responsáveis por maus-tratos a 20 presos políticos, incluindo Dilma, e obrigados a devolver a aposentadoria e a restituir os cofres públicos por indenizações a vítimas do regime.
Para a Procuradoria, os militares ainda poderiam ser condenados com base no tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, assinado pelo Brasil. O documento considera imprescritíveis os crimes contra os direitos humanos, como a tortura.
Ao julgar o caso, a 6ª Turma do TRF se amparou na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de manter a validade da Lei de Anistia, em abril do ano passado.
"Não reconhecendo o STF a aplicação do referido tratado sobre os crimes de tortura (...), não existem fundamentos para afirmar que os seus efeitos civis possam ter repercussão", escreveu o relator do processo, o juiz federal convocado Santoro Facchini.
De acordo com o magistrado, a ação não apontava a tortura como "fato ocasional ou delimitado", e sim como "prática sistematizada e institucionalizada" da ditadura.
O voto foi aprovado por unanimidade na sessão de 27 de outubro, e a decisão foi publicada no último dia 10.
Segundo o Código Civil, os crimes descritos em ações civis públicas como esta prescrevem em até dez anos.
O Exército instalou a Oban em julho de 1969 na rua Tutoia, no Paraíso (zona sul).
Quando os nomes dos réus apareceram na lista de torturadores divulgada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em 1975, o órgão já não operava mais.
MODELO
No livro "A Ditadura Escancarada", o jornalista Elio Gaspari descreve a Oban como "instituição modelar de repressão" do regime.
Por isso, esta ação era considerada uma das mais importantes do grupo de trabalho Memória e Verdade do Ministério Público Federal, que investiga crimes da ditadura.
Atuaram na Oban alguns dos principais acusados de torturas no período, como os majores Waldyr Coelho e Bernoni Albernaz e o delegado Sérgio Paranhos Fleury.
A Procuradoria processou quatro remanescentes do órgão: os militares reformados Homero César Machado, Innocêncio Beltrão e Maurício Lopes Lima e o ex-capitão da PM João Thomaz.
A ação se baseou em documentos dos órgãos de espionagem e no livro "Brasil Nunca Mais", organizado pela Arquidiocese de São Paulo.
A obra cita o depoimento em que Dilma aponta Lima como torturador. Em 2009, ela disse à Folha que o militar não a torturou, mas "entrava na sala e via tortura".
sábado, 26 de novembro de 2011
Estado de exceção economica permanente
Estado de excepción económica permanente
¿Expertos o políticos? - No solo alarma que se impongan Gobiernos técnócratas, sino que todos los Ejecutivos actúen como tales
JOSÉ MARÍA RIDAO 26/11/2011
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En Los orígenes del totalitarismo, Hannah Arendt consideró como "desesperados intentos de escapar a la responsabilidad" las múltiples ideologías que, desde mediados del siglo XIX, pretendieron encarnar "las claves de la Historia". El fantasma del comunismo recorriendo Europa, como después lo harían los del fascismo y el nazismo, eran la referencia implícita en la expresión "múltiples ideologías" que utiliza Arendt. Desmoronado el comunismo y derrotados militarmente el fascismo y el nazismo, se podría pensar que Europa estaba, por fin, libre de fantasmas. Y, sin embargo, durante las últimas semanas uno nuevo habría empezado a recorrerla a consecuencia de la crisis del euro y de la deuda soberana. Primero en Grecia y después en Italia, el fantasma de la tecnocracia ha hecho su aparición. El Gobierno de ambos países, cuya gestión económica ha fracasado, se ha visto desplazado por equipos de especialistas que han contado con el voto mayoritario de los respectivos parlamentos.
Los primeros
La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
En regímenes democráticos, la legitimidad se obtiene con eficacia
No parece que esta política esté conduciendo a la salida de la crisis
La tecnocracia se entendía en Roma como una medida de excepción
La dictadura clásica se justificaba en la guerra o en cualquier amenaza
¿Hay que renunciar a la legitimidad democrática por el pragmatismo?
La responsabilidad no es de los sabios, sino del saber, de la ciencia que aplican
La fórmula, de apariencia novedosa, evoca a través de inquietantes semejanzas una constelación de respuestas a las situaciones de crisis conocidas y experimentadas desde los tiempos más remotos. En la Roma clásica, el Senado contaba entre sus atribuciones la de nombrar a un dictador para hacer frente a dificultades extraordinarias, como era el caso de la guerra. Se entendía como una medida de excepción vinculada a la situación que debía resolver la dictadura, tras la que el propio sistema político preveía el regreso a la normalidad. Los puntos débiles de este mecanismo tenían que ver no solo con la naturaleza del poder, que entonces y ahora tiende a perpetuarse, sino con la determinación del momento en el que debían considerarse superadas las dificultades extraordinarias y en el que, por tanto, debía cesar la dictadura. En teoría, la determinación de ese momento correspondía al Senado. En la práctica, el dictador disponía de no pocos recursos para hacer que las dificultades extraordinarias se prolongasen y para que, ateniéndose a la lógica estricta del mecanismo, también se prolongase su mandato.
Carl Schmitt tuvo presente el ejemplo de la dictadura romana para elaborar una de sus más controvertidas tesis jurídicas, con la que el ascenso de Hitler se justificaba como estricta aplicación de la Constitución de Weimar. El dictador clásico, lo mismo que el moderno, tenía en su mano prolongar las dificultades extraordinarias por el simple procedimiento de crear otras nuevas, que presentaba como inevitable solución de las que habían aconsejado su nombramiento. Para poner fin a una guerra, el dictador sostenía que era necesario emprender una segunda que acabase de una vez por todas con la amenaza, lo que obligaba a mantener la dictadura. Y, puesto que acabar con esta segunda guerra podía exigir emprender una tercera, y así indefinidamente, el resultado es que el que destila una experiencia larga de siglos: guerra y dictadura son dos caras de la misma moneda. Hacia el interior la dictadura se justifica por la guerra y, hacia el exterior, la guerra se emprende para justificar la dictadura. Sobre este bucle, que puede establecerse partiendo de la guerra pero también de cualquier otra amenaza, sea el terrorismo o una profunda crisis económica, Carl Schmitt construyó la doctrina del estado de excepción permanente, un sumidero por el que la democracia se precipita voluntariamente en la dictadura.
La razón de fondo que explica este mecanismo, esta voluntaria transformación de la democracia en dictadura, guarda una estrecha relación con la legitimidad que funda en última instancia el poder político. El Senado de Roma que daba la orden de instaurar una dictadura, al igual que el parlamento que declara un estado de excepción como los que teorizó Carl Schmitt, parten del sobrentendido de que su legitimidad y la del Gobierno al que confieren el poder es una y la misma. En realidad, a la legitimidad inicial se añade subrepticiamente otra que es la que acaba fagocitando a la primera. En el caso de los regímenes democráticos que otorgan el poder a un Gobierno de excepción para hacer frente a dificultades extraordinarias, esa otra legitimidad es la eficacia en la consecución del objetivo para el que ha sido nombrado. Si las dificultades a las que tiene que hacer frente el Gobierno de excepción es, por ejemplo, una guerra, el general que lo dirija como especialista en el arte militar obtiene su legitimidad inicial del respaldo que ha recibido del parlamento. Pero a esa legitimidad inicial va añadiendo otra que deriva del hecho de que sea capaz de conducir el país a la victoria, y ahí es donde el régimen democrático se adentra en una zona de riesgo. Si el general es derrotado, su Gobierno cae con él y también el régimen democrático que le concedió el poder. Pero en el supuesto de que consiga la victoria, la legitimidad democrática corre el peligro de quedar devaluada frente a la legitimidad de haber ganado la guerra, frente a la legitimidad del vencedor, del hombre providencial.
Aunque cargado de menos dramatismo, el argumento sigue siendo válido si, en lugar de una guerra, las dificultades extraordinarias que toma en consideración un parlamento para conceder el poder a un Gobierno de excepción son económicas. Si el Gobierno de excepción fracasa contra la crisis, es el régimen democrático el que fracasa. Pero si logra resolverla, la legitimidad democrática puede convertirse a partir de ese momento en un prejuicio de puristas, en un ensueño benéfico que no resiste el contraste con la realidad y al que conviene renunciar en nombre del pragmatismo o del sentido común. Es precisamente eso, el pragmatismo, el sentido común, o por mejor decir, el espejismo del pragmatismo, del sentido común, lo que ha hecho de la República gobernada por los filósofos, por la aristocracia de los sabios, una tentación irresistible desde los tiempos de Platón, a la que en España sucumbió Ortega lo mismo que, en Italia, Mosca y Pareto. Como también han sucumbido, en fechas más recientes, quienes trataron de justificar algunas dictaduras latinoamericanas, como la de Augusto Pinochet en Chile, por los éxitos económicos alcanzados bajo la influencia de los académicos de la Escuela de Chicago.
Sabios de la guerra en el pasado o sabios de la economía en el presente, sabios, en fin, de cualquier sabiduría, cuyas decisiones no están inspiradas por el objetivo de arbitrar intereses diferentes y legítimos, que es el sentido último de la política democrática, sino por un saber, por una ciencia que solo obedece a sus propias leyes y para la que la realidad, incluida la realidad social, compuesta por individuos libres, no pasa de ser un simple campo de experimentación. Si el saber, si la ciencia que aplican los Gobiernos de excepción, los sabios de cualquier sabiduría que gobiernan la República de Platón, exige esfuerzos sobrehumanos, si justifica un sufrimiento que haría retroceder de espanto a cualquier dirigente democrático, la responsabilidad no es de esos Gobiernos, no es de esos sabios, sino del saber, de la ciencia que aplican. Cuando, en Los orígenes del totalitarismo, Hannah Arendt considera como "desesperados intentos de escapar a la responsabilidad" las múltiples ideologías que, desde mediados del siglo XIX, pretendieron encarnar "las claves de la Historia", ¿a qué se estaba refiriendo sino a esos Gobiernos cuyas decisiones no están inspiradas por el objetivo de arbitrar intereses sociales diferentes y legítimos, sino por un saber, por una ciencia que solo obedece a sus propias leyes?
Lucas Papademus en Grecia, y Mario Monti en Italia, pueden tener, como sin duda tienen, intachables credenciales democráticas. Pero no es seguro que ni siquiera dos dirigentes con esas credenciales estén en condiciones de garantizar que el procedimiento que les ha aupado al Gobierno no acabe desencadenando el bucle que conduce al estado de excepción permanente que teorizó Carl Schmitt; en este caso, a un estado de excepción económica permanente. Porque, si se demoran los resultados de las medidas contra la crisis inspiradas por su saber, por su ciencia, las dificultades extraordinarias por las que ahora los han investido los respectivos parlamentos serán aún más extraordinarias después, y la prolongación del mandato de sus Gobiernos tecnocráticos sería una respuesta consecuente. La prolongación del mandato con ellos al frente o sustituyéndolos por otros tecnócratas, por otros sabios, pero, en cualquier caso, convalidando un estado de excepción en el que podría resultar más fácil instalarse de modo permanente, al menos mientras dure la crisis, que emprender la marcha atrás, reconociendo el fracaso del sistema democrático para combatirla y abriendo la caja de Pandora de arbitrismos y populismos.
Las recientes elecciones en España han concedido una amplia mayoría al Partido Popular, que controla, además, la práctica totalidad de las Autonomías y de los Ayuntamientos de las grandes ciudades. La legitimidad democrática que le otorgan estos resultados es más que suficiente para enfrentarse a la crisis económica, y así lo ha reconocido su propio líder, Mariano Rajoy, ya presidente electo, al declararse abiertamente en contra de la formación de un Gobierno tecnocrático. Pero el peligro en estos momentos no es solo que se imponga esa fórmula como en Grecia e Italia, sino también que los Gobiernos democráticos actúen o se vean obligados a actuar como si fueran tecnocráticos. Lo harían si olvidasen que su acción debe estar inspirada, ahora más que nunca, ahora más, mucho más que en los tiempos de prosperidad, por el objetivo de arbitrar intereses sociales diferentes y legítimos, no por un saber, por una ciencia que solo obedece a sus propias leyes y que exige esfuerzos sobrehumanos y justifica todos los sacrificios.
La política económica de cortos vuelos impuesta por la Unión Europea a los países más expuestos a la crisis del euro y la deuda soberana está obligando, en último extremo, a que los Gobiernos democráticos actúen como si fueran tecnocráticos y, en definitiva, a que en Europa se establezca, con o sin declaración expresa, un estado de excepción económica permanente. A juzgar por los resultados obtenidos hasta el momento, no parece que esa política esté conduciendo a la salida de la crisis del euro y de la deuda soberana. Más parece estar degradando las instituciones democráticas de los países más expuestos, humillando a los diversos Gobiernos nacionales salidos de las urnas y haciendo de la Unión un monstruo político que genera sufrimiento y desafección, no prosperidad y libertades. De persistir en la misma dirección, el fantasma de la tecnocracia que ha empezado a recorrer Europa podría tener efectos tan amargos, tan devastadores como los demás fantasmas que le precedieron.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Morin e Bauman
Zygmunt Bauman olham para o futuro
Rumo ao abismo! Ensaio sobre o destino da humanidade, de Edgar Morin. Tradução Edgar de assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. Bertrand Brasil, 192 pgs. R$ 29.
44 cartas do mundo líquido moderno, Zygmunt Bauman. Tradução Vera Pereira. Zahar, 228 pgs. R$ 36.
Por Clarisse Fukelman*
Cartomantes à parte, o futuro é imprevisível e em muitos sentidos ameaçador. Quando se constata que memória e passado perdem espaço para o mito do presente e o descartável; que, sob o nome “rede social”, cultiva-se o contato – mas à distância; que a capacidade inventiva do progresso científico tem a contrapartida da manipulação e destruição, com armas de morte em massa; e que o mercado farmacêutico não promove remédios para curar, mas doenças para medicamentos: face a essa realidade perversa é premente identificar os eixos do desequilíbrio. Há quem veja com bons olhos a comunicação planetária – afinal, a informação circula e quem não se anima ao saber que a biblioteca britânica disponibilizará on line 250 mil livros ou que a internet facilita movimentos populares e organizações como a Anistia Internacional? Por outro lado, qual o impacto real na formação de novos leitores (e não só comunicadores telegráficos) e o que dizer do controle embutido nas tecnologias e da subserviência da vida conectada, que afeta inclusive trabalhadores?
Os temas são objeto de reflexão dos antenados Edgar Morin e Zygmun Bauman, cada um com seus postulados e recortes analíticos. Sociólogos transdisciplinares, demonstram capacidade, sensibilidade e disposição para compreender as novas subjetividades. Embora longe de um passadismo reativo a novos modos de (con)viver, evitam a euforia histérica com o consumo e as “máquinas inteligentes” que têm ensejado em alguns êxtase similar ao culto do belo pelo belo.
Rumo ao abismo?, de Morin, reúne textos sobre Iluminismo, globalização, conflito árabe-israelense etc. publicados na imprensa e em revistas culturais de 2002/07. Com sistema de pensamento construído ao longo de décadas, sonda o futuro: os antagonismos da modernidade atingiram seu apogeu, mas não perde a esperança. Afirma, com dados históricos, que o provável não é o inevitável e que a porta para o improvável está aberta. A sociedade civil planetária não emergiu e a globalização tecno-econômica, embora criando antídotos para a barbárie que ela mesma engendra, se faz acompanhar de crimes. A soberania das nações e a governança imperial norte-americana frustram a criação da sociedade-mundo cidadã. Ele admite muita coisa boa em nosso tempo: obras fortes, criativas; ondas transculturais e sentimentos comunitários transnacionais (cultura adolescente, ação feminista). Mas a mundialização do mercado econômico, sem regulação externa nem auto-regulação, cria ilhas de riqueza e zonas crescentes de pobreza.
O cenário pede não um programa, mas princípios: uma política de civilização que resgate o que foi desprezado pela bandeira de progresso e desenvolvimento (coisas não mensuráveis como vida, dor, alegria, amor) e que engaje uma educação humanista. A criatividade, inibida pela especialização, não pode ficar restrita ao artista e inventor. A educação, como para Paulo Freire, deve ter base ética, com o conhecimento do mundo no centro do aprendizado. Diz Morin: que se restaure a racionalidade – em diálogo com o real desconhecido - e se combata a racionalização.
Bauman, professor emérito na Universidade de Leeds, Inglaterra, é mais conhecido por associar o termo líquido à modernidade e depois ao amor, medo, tempo. Compara a fragilidade atual dos laços sociais a partículas que nunca mantêm a forma. O controle social, antes sólido, localizado, se valendo de instituições como prisões e escolas e sob a tutela do Estado, agora se dá pelo consumo fluido, que submete de forma virtual e anônima. O capital dá as fichas.
As 44 cartas do mundo líquido moderno foram escritas para a revista La Repubblica delle donne entre 2008/9. O título homenageia o poeta polonês Adam Mickiewicz, criador do personagem 44, símbolo de liberdade. Entenda-se também, na referência à carta, um alerta quanto à destruição das solidariedades tradicionais. À moda de Roland Barthes no seu Mitologias, ele analisa a sociedade através de filmes, anúncios e recorre a estatísticas. Numa crônica, Machado de Assis aposta nos algarismos pois dizem as coisas por seu nome, às vezes “nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem.” Bauman usa os números como provocação: menos de 20% das crianças londrinas brinca ao ar livre e 26% são obcecadas com o peso corporal; o adolescente mediano gasta ao ano quase 3 mil reais com celulares, MP3 e downloads. Tudo para ser aceito pela galera. Ou: o vício de estudantes por Facebook, consultado logo ao acordar, indica um “modo consumidor” de estabelecer relações.
O círculo é grande. Todas as gerações são vítimas da perda da privacidade e do segredo. Retomando Simmel, um dos fundadores da sociologia, e afinado com o psicanalista Jurandir Freire, Bauman defende que o sigilo (não eterno, como andam querendo homens da vida pública) é uma relação social, que tem sido corroída pela engrenagem da economia global, sem raízes culturais, orientada pelo consumismo (não o consumo). Dinamita-se o sentimento de integração com “mais fortes laços inter-humanos”. Há uma bomba-relógio em rede: ecológica, demográfica, material, existencial e econômica (em desigualdade, Nova Iorque fica em nono lugar no mundo), levando à falta de expectativa de vida para despossuídos, refugo humano. A liberdade restringe-se a poder comprar. O desejo de consumo ronda dramaticamente o não consumidor.
Bauman acerta em quase tudo; às vezes, sente-se falta de maior distinção nos conceitos cultura de massa e popular. E Morin merecia tradução mais cuidadosa. Mas o mais relevante é a forma holística com que ambos pensam a modernidade. Seria limitador enquadrá-los numa das categorias usadas para particularizar o impacto social da globalização. Com conotação de excesso (pós, super ou hiper) ou deslocamento (reflexiva, tardia ou avançada ), há os que apontam a ruptura com a modernidade, pois instaurou-se uma vivência pautada pelo passageiro, e há os que defendem o oposto, já que a modernidade é mesmo uma permanente mudança. Morin e Bauman, com aspectos biográficos semelhantes (experiência do antissemitismo, militância, mudança de país) são humanistas que excedem esse tipo de classificação. Octogenários preocupados com o futuro, apostam na esperança. Através da solidariedade e da revolução pelo conhecimento. Pensamentos em nada twitáveis.
Rumo ao abismo! Ensaio sobre o destino da humanidade, de Edgar Morin. Tradução Edgar de assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. Bertrand Brasil, 192 pgs. R$ 29.
44 cartas do mundo líquido moderno, Zygmunt Bauman. Tradução Vera Pereira. Zahar, 228 pgs. R$ 36.
Por Clarisse Fukelman*
Cartomantes à parte, o futuro é imprevisível e em muitos sentidos ameaçador. Quando se constata que memória e passado perdem espaço para o mito do presente e o descartável; que, sob o nome “rede social”, cultiva-se o contato – mas à distância; que a capacidade inventiva do progresso científico tem a contrapartida da manipulação e destruição, com armas de morte em massa; e que o mercado farmacêutico não promove remédios para curar, mas doenças para medicamentos: face a essa realidade perversa é premente identificar os eixos do desequilíbrio. Há quem veja com bons olhos a comunicação planetária – afinal, a informação circula e quem não se anima ao saber que a biblioteca britânica disponibilizará on line 250 mil livros ou que a internet facilita movimentos populares e organizações como a Anistia Internacional? Por outro lado, qual o impacto real na formação de novos leitores (e não só comunicadores telegráficos) e o que dizer do controle embutido nas tecnologias e da subserviência da vida conectada, que afeta inclusive trabalhadores?
Os temas são objeto de reflexão dos antenados Edgar Morin e Zygmun Bauman, cada um com seus postulados e recortes analíticos. Sociólogos transdisciplinares, demonstram capacidade, sensibilidade e disposição para compreender as novas subjetividades. Embora longe de um passadismo reativo a novos modos de (con)viver, evitam a euforia histérica com o consumo e as “máquinas inteligentes” que têm ensejado em alguns êxtase similar ao culto do belo pelo belo.
Rumo ao abismo?, de Morin, reúne textos sobre Iluminismo, globalização, conflito árabe-israelense etc. publicados na imprensa e em revistas culturais de 2002/07. Com sistema de pensamento construído ao longo de décadas, sonda o futuro: os antagonismos da modernidade atingiram seu apogeu, mas não perde a esperança. Afirma, com dados históricos, que o provável não é o inevitável e que a porta para o improvável está aberta. A sociedade civil planetária não emergiu e a globalização tecno-econômica, embora criando antídotos para a barbárie que ela mesma engendra, se faz acompanhar de crimes. A soberania das nações e a governança imperial norte-americana frustram a criação da sociedade-mundo cidadã. Ele admite muita coisa boa em nosso tempo: obras fortes, criativas; ondas transculturais e sentimentos comunitários transnacionais (cultura adolescente, ação feminista). Mas a mundialização do mercado econômico, sem regulação externa nem auto-regulação, cria ilhas de riqueza e zonas crescentes de pobreza.
O cenário pede não um programa, mas princípios: uma política de civilização que resgate o que foi desprezado pela bandeira de progresso e desenvolvimento (coisas não mensuráveis como vida, dor, alegria, amor) e que engaje uma educação humanista. A criatividade, inibida pela especialização, não pode ficar restrita ao artista e inventor. A educação, como para Paulo Freire, deve ter base ética, com o conhecimento do mundo no centro do aprendizado. Diz Morin: que se restaure a racionalidade – em diálogo com o real desconhecido - e se combata a racionalização.
Bauman, professor emérito na Universidade de Leeds, Inglaterra, é mais conhecido por associar o termo líquido à modernidade e depois ao amor, medo, tempo. Compara a fragilidade atual dos laços sociais a partículas que nunca mantêm a forma. O controle social, antes sólido, localizado, se valendo de instituições como prisões e escolas e sob a tutela do Estado, agora se dá pelo consumo fluido, que submete de forma virtual e anônima. O capital dá as fichas.
As 44 cartas do mundo líquido moderno foram escritas para a revista La Repubblica delle donne entre 2008/9. O título homenageia o poeta polonês Adam Mickiewicz, criador do personagem 44, símbolo de liberdade. Entenda-se também, na referência à carta, um alerta quanto à destruição das solidariedades tradicionais. À moda de Roland Barthes no seu Mitologias, ele analisa a sociedade através de filmes, anúncios e recorre a estatísticas. Numa crônica, Machado de Assis aposta nos algarismos pois dizem as coisas por seu nome, às vezes “nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem.” Bauman usa os números como provocação: menos de 20% das crianças londrinas brinca ao ar livre e 26% são obcecadas com o peso corporal; o adolescente mediano gasta ao ano quase 3 mil reais com celulares, MP3 e downloads. Tudo para ser aceito pela galera. Ou: o vício de estudantes por Facebook, consultado logo ao acordar, indica um “modo consumidor” de estabelecer relações.
O círculo é grande. Todas as gerações são vítimas da perda da privacidade e do segredo. Retomando Simmel, um dos fundadores da sociologia, e afinado com o psicanalista Jurandir Freire, Bauman defende que o sigilo (não eterno, como andam querendo homens da vida pública) é uma relação social, que tem sido corroída pela engrenagem da economia global, sem raízes culturais, orientada pelo consumismo (não o consumo). Dinamita-se o sentimento de integração com “mais fortes laços inter-humanos”. Há uma bomba-relógio em rede: ecológica, demográfica, material, existencial e econômica (em desigualdade, Nova Iorque fica em nono lugar no mundo), levando à falta de expectativa de vida para despossuídos, refugo humano. A liberdade restringe-se a poder comprar. O desejo de consumo ronda dramaticamente o não consumidor.
Bauman acerta em quase tudo; às vezes, sente-se falta de maior distinção nos conceitos cultura de massa e popular. E Morin merecia tradução mais cuidadosa. Mas o mais relevante é a forma holística com que ambos pensam a modernidade. Seria limitador enquadrá-los numa das categorias usadas para particularizar o impacto social da globalização. Com conotação de excesso (pós, super ou hiper) ou deslocamento (reflexiva, tardia ou avançada ), há os que apontam a ruptura com a modernidade, pois instaurou-se uma vivência pautada pelo passageiro, e há os que defendem o oposto, já que a modernidade é mesmo uma permanente mudança. Morin e Bauman, com aspectos biográficos semelhantes (experiência do antissemitismo, militância, mudança de país) são humanistas que excedem esse tipo de classificação. Octogenários preocupados com o futuro, apostam na esperança. Através da solidariedade e da revolução pelo conhecimento. Pensamentos em nada twitáveis.
domingo, 6 de novembro de 2011
Domingo, 6/11/2011 El Pais:
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ELPAIS.com> Edición impresa> España ENTREVISTA: ELECCIONES 2011 - Miradas desde el exterior / 2 ULRICH BECK Sociólogo alemán, profesor de la Universidad de Múnich
"La Unión Europea se puede convertir en un monstruo político"
JOSÉ MARÍA RIDAO - Múnich - 06/11/2011
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Firme partidario de la Unión Europea, este experto en análisis de la llamada "sociedad del riesgo" opina que los Gobiernos dedican ingentes recursos a salvar bancos, mientras el paro y la pobreza no tienen el mismo tratamiento
"España es un importante actor europeo porque se trata de uno de los pocos países miembro que ha experimentado lo que significa la libertad como base de la Europa unida", asegura el sociólogo Ulrich Beck (Alemania, 1944). A él se deben algunas de las principales aportaciones recientes al análisis de la sociedad del riesgo y las consecuencias políticas y sociales de la globalización. Firme partidario de profundizar en la Unión Europea, que considera como una concreción del cosmopolitismo, contempla con preocupación los efectos de la actual situación económica y política sobre las instituciones comunes.
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"La crisis ha modificado por completo el paisaje de los problemas"
"Movimientos como los indignados los protagoniza la clase media frustrada"
"El paralelismo con Estados Unidos no vale. No hay una nación europea"
"Merkel cambia de opinión según las necesidades, para mantener el poder"
Pregunta. Debates políticos que parecían cruciales, como la inmigración o el multiculturalismo, han desaparecido de escena.
Respuesta. La crisis ha modificado por completo el paisaje de los problemas. Hace poco tiempo en Alemania se debatía, en una comisión oficial de la que formo parte, sobre la energía nuclear y el futuro de las renovables. Nadie vuelve a hablar del asunto, y esto es algo que tiene que ver con la percepción de los riesgos.
P. Los riesgos, sin embargo, no parecen nuevos, sino los de siempre: paro, recesión, pobreza.
R. Existe una conexión entre esos riesgos y los nuevos; una conexión que han percibido las generaciones más jóvenes en España y otros países europeos. Incluso, en Estados Unidos. Por un lado, los Gobiernos están empleando ingentes recursos para salvar a los bancos y las instituciones financieras; por otro, el paro o la pobreza, por no hablar de la educación o de la inversión en ciencia, no han recibido un tratamiento equivalente en la agenda política. Esta alteración de las prioridades está provocando una pérdida de legitimidad de las instituciones.
P. ¿A eso responderían movimientos como los indignados?
R. No son movimientos protagonizados por los más pobres ni por los excluidos, sino por una clase media frustrada. Constituyen un fenómeno atípico: no parten de un grupo específico ni tampoco responden a una reivindicación concreta; son transnacionales pero, a la vez, no están organizados. Podrían representar un paso importante en la redefinición de la política en un nivel superior al del Estado nación.
P. Es decir, superar lo que usted llama el "nacionalismo metodológico".
R. La democracia parlamentaria es una democracia nacional, por lo menos hasta ahora. En Alemania, por ejemplo, los jueces del Tribunal Constitucional están actuando como euroescépticos al pronunciarse contra algunas decisiones económicas con las que se ha comprometido el Gobierno con el resto de los miembros de la Unión. Creen estar defendiendo la democracia contra Europa, cuando el proyecto europeo está más allá de los planteamientos nacionales.
P. Pero el proyecto europeo no parece tener hoy otro objetivo que salir de la crisis.
R. Dejemos de lado la cuestión de si la gestión de la crisis será o no exitosa. O mejor, pensemos de manera optimista y digamos que sí, que será exitosa. A lo que nos estamos enfrentando, en cualquier caso, es a un cambio absoluto en la manera de entender Europa. La Unión era un espacio donde las decisiones se adoptaban de forma multilateral; ahora, sin embargo, tienden a ser unilaterales, y todas confluyendo en Berlín. La visión alemana de cómo resolver la crisis se está aplicando en un nivel europeo, lo que cuestiona el consenso que alcanzamos hace años. Como alemanes, no queríamos una Europa alemana sino una Alemania europea.
P. ¿En qué se traduce este cambio?
R. Por un lado, genera quejas de España, Portugal, Italia o Grecia, que perciben que su soberanía, o incluso su dignidad, están siendo dañadas. Por otro, molesta a los alemanes, que se dicen que, al final, tienen que pagar por todos.
P. Se afirma, sin embargo, que solo hay una política para salir de la crisis, sea o no la que defiende el Gobierno alemán.
R. Es cierto que la crisis obliga a la austeridad, en España y en el resto de los países. Pero están surgiendo nuevos conflictos en la eurozona que sobrepasan el que existía entre donantes y receptores de recursos. Estos últimos están perdiendo su voz a la hora de tomar decisiones dentro de la UE. Al mismo tiempo, se ha empezado a transmitir la impresión de que no se forma verdaderamente parte de la Unión si no se está en el euro y, como en el caso de los receptores de recursos, se está apartando del proceso de toma de decisiones a los países en esta situación. Si se mantiene semejante rumbo, y aun en el supuesto de que, como decía, la gestión de la crisis fuera exitosa, la UE se puede convertir en un monstruo político.
P. ¿Está en riesgo el proyecto de la Europa unida?
R. Desde hace unos meses, en Alemania existe un consenso, no sólido, pero al fin y al cabo un consenso, acerca de que la salida de la crisis no exige menos Europa, sino más. Creo que este consenso responde a lo que llamo el "imperativo cosmopolita", esto es, la conciencia de que no existe otra alternativa que cooperar o fracasar. Cuando se percibe que el proyecto europeo está en peligro, la inmediata reacción de los partidos políticos es reclamar más Europa. Lo sorprendente, sin embargo, es que nadie sabe exactamente qué significa eso.
P. Y, ¿qué significa?
R. Se tiene una idea confusa acerca de Europa. En ocasiones se habla de los Estados Unidos de Europa como una utopía que debería colocarse en el horizonte, y que tomaría como modelo los Estados Unidos de América. El paralelismo no vale: no es lo mismo una sociedad de inmigrantes, organizada como un único Estado y orientada hacia la idea de nación, que la situación de la que parte Europa. No hay una nación europea ni debería haberla, porque eso sería tanto como entregarse a un nacionalismo de mayor dimensión que en absoluto encaja con las diferencias que existen por historia y por cultura. A menudo, los alemanes pensamos Europa como un Estado federal. Joschka Fisher, un político al que aprecio y del que soy amigo personal, tiene esta visión. Pero existen otras.
P. Tratándose de construir Europa, da la impresión de que no hay diferencias entre derecha e izquierda.
R. En Alemania, no. Adenauer, Kohl eran firmes europeístas. Pero ahora los problemas para cada una de ambas opciones son otros. Los programas de austeridad que todos se ven obligados a aplicar se han convertido en un suicidio político para los Gobiernos, sin importar si son de derecha o de izquierda. Los socialdemócratas en Alemania están a la búsqueda de un programa, mientras que Merkel va cambiando de opinión según las necesidades para mantener el poder.
P. Y, sin embargo, sólo se habla de crisis de la izquierda. Se suele citar el caso de España.
R. Seguramente el Gobierno español ha cometido errores específicos, pero no es sólo la izquierda la que está en crisis. Son también los partidos políticos. Ni la derecha ni la izquierda parecen haber adquirido conciencia de hasta qué punto la seguridad es lo que más importa a la gente de la calle.
P. Tal vez porque no pueden ofrecerla.
R. Se ha manifestado una curiosa paradoja durante estos últimos años, y es que, cuando las instituciones financieras entraron en crisis, su poder no disminuyó sino que se ha acrecentado. Todo el mundo está obligado a hablar el lenguaje económico y a entender lo que ocurre, incluidos los expertos que no supieron prever los acontecimientos. Es imposible escapar a la economía, y de ahí el incremento del poder de las instituciones financieras.
P. Que, además, es un poder transnacional.
R. La democracia está atrapada en una contradicción: permite votar y elegir Gobiernos en un sistema nacional que cada vez pierde más poder en el nivel transnacional. La política es nacional y está nacionalmente organizada, pero los problemas no son nacionales. A mi juicio, ese es el mayor problema político en estos momentos, cómo reinventar el sistema político en el nivel transnacional.
P. Reinventarlo, ¿en qué sentido?
R. Los padres fundadores de Europa fueron extremadamente inteligentes. Dijeron que Europa es, en realidad, una larga crisis, y convinieron en que construirla consistía en identificar siempre el siguiente paso político. En un momento, ese paso fue el euro, por más que ahora no tengamos ni recursos ni ideas para seguir adelante. Pero existe un profundo desfase entre la realidad de Europa que ya estamos viviendo y las instituciones, una realidad más compleja de la que se capta en los debates públicos
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ELPAIS.com> Edición impresa> España ENTREVISTA: ELECCIONES 2011 - Miradas desde el exterior / 2 ULRICH BECK Sociólogo alemán, profesor de la Universidad de Múnich
"La Unión Europea se puede convertir en un monstruo político"
JOSÉ MARÍA RIDAO - Múnich - 06/11/2011
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Firme partidario de la Unión Europea, este experto en análisis de la llamada "sociedad del riesgo" opina que los Gobiernos dedican ingentes recursos a salvar bancos, mientras el paro y la pobreza no tienen el mismo tratamiento
"España es un importante actor europeo porque se trata de uno de los pocos países miembro que ha experimentado lo que significa la libertad como base de la Europa unida", asegura el sociólogo Ulrich Beck (Alemania, 1944). A él se deben algunas de las principales aportaciones recientes al análisis de la sociedad del riesgo y las consecuencias políticas y sociales de la globalización. Firme partidario de profundizar en la Unión Europea, que considera como una concreción del cosmopolitismo, contempla con preocupación los efectos de la actual situación económica y política sobre las instituciones comunes.
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"La crisis ha modificado por completo el paisaje de los problemas"
"Movimientos como los indignados los protagoniza la clase media frustrada"
"El paralelismo con Estados Unidos no vale. No hay una nación europea"
"Merkel cambia de opinión según las necesidades, para mantener el poder"
Pregunta. Debates políticos que parecían cruciales, como la inmigración o el multiculturalismo, han desaparecido de escena.
Respuesta. La crisis ha modificado por completo el paisaje de los problemas. Hace poco tiempo en Alemania se debatía, en una comisión oficial de la que formo parte, sobre la energía nuclear y el futuro de las renovables. Nadie vuelve a hablar del asunto, y esto es algo que tiene que ver con la percepción de los riesgos.
P. Los riesgos, sin embargo, no parecen nuevos, sino los de siempre: paro, recesión, pobreza.
R. Existe una conexión entre esos riesgos y los nuevos; una conexión que han percibido las generaciones más jóvenes en España y otros países europeos. Incluso, en Estados Unidos. Por un lado, los Gobiernos están empleando ingentes recursos para salvar a los bancos y las instituciones financieras; por otro, el paro o la pobreza, por no hablar de la educación o de la inversión en ciencia, no han recibido un tratamiento equivalente en la agenda política. Esta alteración de las prioridades está provocando una pérdida de legitimidad de las instituciones.
P. ¿A eso responderían movimientos como los indignados?
R. No son movimientos protagonizados por los más pobres ni por los excluidos, sino por una clase media frustrada. Constituyen un fenómeno atípico: no parten de un grupo específico ni tampoco responden a una reivindicación concreta; son transnacionales pero, a la vez, no están organizados. Podrían representar un paso importante en la redefinición de la política en un nivel superior al del Estado nación.
P. Es decir, superar lo que usted llama el "nacionalismo metodológico".
R. La democracia parlamentaria es una democracia nacional, por lo menos hasta ahora. En Alemania, por ejemplo, los jueces del Tribunal Constitucional están actuando como euroescépticos al pronunciarse contra algunas decisiones económicas con las que se ha comprometido el Gobierno con el resto de los miembros de la Unión. Creen estar defendiendo la democracia contra Europa, cuando el proyecto europeo está más allá de los planteamientos nacionales.
P. Pero el proyecto europeo no parece tener hoy otro objetivo que salir de la crisis.
R. Dejemos de lado la cuestión de si la gestión de la crisis será o no exitosa. O mejor, pensemos de manera optimista y digamos que sí, que será exitosa. A lo que nos estamos enfrentando, en cualquier caso, es a un cambio absoluto en la manera de entender Europa. La Unión era un espacio donde las decisiones se adoptaban de forma multilateral; ahora, sin embargo, tienden a ser unilaterales, y todas confluyendo en Berlín. La visión alemana de cómo resolver la crisis se está aplicando en un nivel europeo, lo que cuestiona el consenso que alcanzamos hace años. Como alemanes, no queríamos una Europa alemana sino una Alemania europea.
P. ¿En qué se traduce este cambio?
R. Por un lado, genera quejas de España, Portugal, Italia o Grecia, que perciben que su soberanía, o incluso su dignidad, están siendo dañadas. Por otro, molesta a los alemanes, que se dicen que, al final, tienen que pagar por todos.
P. Se afirma, sin embargo, que solo hay una política para salir de la crisis, sea o no la que defiende el Gobierno alemán.
R. Es cierto que la crisis obliga a la austeridad, en España y en el resto de los países. Pero están surgiendo nuevos conflictos en la eurozona que sobrepasan el que existía entre donantes y receptores de recursos. Estos últimos están perdiendo su voz a la hora de tomar decisiones dentro de la UE. Al mismo tiempo, se ha empezado a transmitir la impresión de que no se forma verdaderamente parte de la Unión si no se está en el euro y, como en el caso de los receptores de recursos, se está apartando del proceso de toma de decisiones a los países en esta situación. Si se mantiene semejante rumbo, y aun en el supuesto de que, como decía, la gestión de la crisis fuera exitosa, la UE se puede convertir en un monstruo político.
P. ¿Está en riesgo el proyecto de la Europa unida?
R. Desde hace unos meses, en Alemania existe un consenso, no sólido, pero al fin y al cabo un consenso, acerca de que la salida de la crisis no exige menos Europa, sino más. Creo que este consenso responde a lo que llamo el "imperativo cosmopolita", esto es, la conciencia de que no existe otra alternativa que cooperar o fracasar. Cuando se percibe que el proyecto europeo está en peligro, la inmediata reacción de los partidos políticos es reclamar más Europa. Lo sorprendente, sin embargo, es que nadie sabe exactamente qué significa eso.
P. Y, ¿qué significa?
R. Se tiene una idea confusa acerca de Europa. En ocasiones se habla de los Estados Unidos de Europa como una utopía que debería colocarse en el horizonte, y que tomaría como modelo los Estados Unidos de América. El paralelismo no vale: no es lo mismo una sociedad de inmigrantes, organizada como un único Estado y orientada hacia la idea de nación, que la situación de la que parte Europa. No hay una nación europea ni debería haberla, porque eso sería tanto como entregarse a un nacionalismo de mayor dimensión que en absoluto encaja con las diferencias que existen por historia y por cultura. A menudo, los alemanes pensamos Europa como un Estado federal. Joschka Fisher, un político al que aprecio y del que soy amigo personal, tiene esta visión. Pero existen otras.
P. Tratándose de construir Europa, da la impresión de que no hay diferencias entre derecha e izquierda.
R. En Alemania, no. Adenauer, Kohl eran firmes europeístas. Pero ahora los problemas para cada una de ambas opciones son otros. Los programas de austeridad que todos se ven obligados a aplicar se han convertido en un suicidio político para los Gobiernos, sin importar si son de derecha o de izquierda. Los socialdemócratas en Alemania están a la búsqueda de un programa, mientras que Merkel va cambiando de opinión según las necesidades para mantener el poder.
P. Y, sin embargo, sólo se habla de crisis de la izquierda. Se suele citar el caso de España.
R. Seguramente el Gobierno español ha cometido errores específicos, pero no es sólo la izquierda la que está en crisis. Son también los partidos políticos. Ni la derecha ni la izquierda parecen haber adquirido conciencia de hasta qué punto la seguridad es lo que más importa a la gente de la calle.
P. Tal vez porque no pueden ofrecerla.
R. Se ha manifestado una curiosa paradoja durante estos últimos años, y es que, cuando las instituciones financieras entraron en crisis, su poder no disminuyó sino que se ha acrecentado. Todo el mundo está obligado a hablar el lenguaje económico y a entender lo que ocurre, incluidos los expertos que no supieron prever los acontecimientos. Es imposible escapar a la economía, y de ahí el incremento del poder de las instituciones financieras.
P. Que, además, es un poder transnacional.
R. La democracia está atrapada en una contradicción: permite votar y elegir Gobiernos en un sistema nacional que cada vez pierde más poder en el nivel transnacional. La política es nacional y está nacionalmente organizada, pero los problemas no son nacionales. A mi juicio, ese es el mayor problema político en estos momentos, cómo reinventar el sistema político en el nivel transnacional.
P. Reinventarlo, ¿en qué sentido?
R. Los padres fundadores de Europa fueron extremadamente inteligentes. Dijeron que Europa es, en realidad, una larga crisis, y convinieron en que construirla consistía en identificar siempre el siguiente paso político. En un momento, ese paso fue el euro, por más que ahora no tengamos ni recursos ni ideas para seguir adelante. Pero existe un profundo desfase entre la realidad de Europa que ya estamos viviendo y las instituciones, una realidad más compleja de la que se capta en los debates públicos
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
sábado, 22 de outubro de 2011
III Forum de grupos de pesquisa de Direito Constitutcional e Teoria do estado
CARTA DO III FORUM DE GRUPOS ESTUDO DE DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DO ESTADO
Aos 22 dias de outubro de 2011, reunidos na Universidade Cândido Mendes, o III Forum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional e Teoria do Estado, após a exposição dos participantes, sintetizam as referidas apresentações nas seguintes assertivas:
Sob o prisma da representatividade, essa terceira edição do Forum evidencia uma ampliação expressiva no universo de participantes, com a presença de vários grupos de originários de outros Estados, e com uma significativa diversidade institucional - são 15 IES presentes - o que demonstra a necessidade de incremento dos espaços de relato e debate das pesquisas em Direito Constitucional e Teoria do Estado. Mais ainda, a existência de eixos temáticos comuns ou complementares revela a necessidade da construção dessa rede de discussão.
Cumpre avançar mais em mecanismos de adensamento dessa rede de intercâmbio entre os pesquisadores - o blog, já em funcionamento; a futura construção de bases de dados empíricas e de referencias bibliográficas, e outros instrumentos que se possa manejar. O aporte, para fins de realização deste III Forum, bem como de divulgação da produção dos grupos participantes, de recursos originários da FAPERJ demonstra a existência de espaço para a busca de financiamento nas agencias de fomento, seja para as próximas edições do Forum, seja para os mecanismos de facilitação das pesquisas e integração dos grupos acima referidos.
No campo do conteúdo em si das apresentações, e possivel apontar os seguintes elementos mais relevantes:
1) Aproximação com o marco teórico norte-americano, exigindo uma cautelosa modulação desse marco teórico quando da aplicação na realidade brasileira. Também na dimensão comparativa, tem-se a presença do direito norte-americano, com a Supreme Court aparecendo como paradigma de comparação.
2) Destaca-se o avanço da metodologia de compreensão do universo do STF, notadamente no campo da busca parâmetros para compreender suas decisões - seja no que toca a seu conteúdo, seja no que diz respeito aos mecanismos de instrução e construção argumentativa de suas conclusões;
3) Importante - nesse mesmo movimento - a presença da discussão pelo viés do institucionalismo do STF enquanto instituição e de seu respectivo desenho institucional.
4) E dada atenção a temática da abertura democrática em relação ao STF com destaque aos institutos do amicus curiae e audiência publica. Nesse tema, constata-se a necessidade de avaliar a real aptidão de tais institutos como instrumentos para participação política.
5) Revela-se a valorização da pesquisa empírica, com o surgimento de temas novos como o do direito a moradia e a questão do gênero - observe-se que mesmo nos grupos cujo tema principal envolvia criminalizacao e normas penais, a pesquisa se da predominantemente sob o viés do gênero.
6) Ainda no campo do traço de empirismo nas pesquisas relatadas, vale destacar o estudo do conjunto de decisões do STF em sede de ADI, privilegiando uma visão integral da pratica decisória daquela Corte nesta especial via de ação;
Em conclusão, o acervo de pesquisas relatadas evidencia que a política de fomento a pesquisa no âmbito dos programas de pôs graduação estrito senso materializando avanços significativos; avanços esses que evidenciam uma amadurecimento da atividade de pesquisa no âmbito do direito, sem prejuízo da necessária interdisciplinariedade.
Afigura-se como proposta de continuidade desse processo de maturação, o incremento da incorporação de alunos da graduação nas atividades de pesquisa desenvolvidas pelos programas de pôs graduação em direito.
Com essas observações, tem-se por encerrados os trabalhos do III Forum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional de Teoria do Estado, convidando-se de já os participantes para o IV Forum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional e Teoria do Estado.
Comitê Cientifico do
III Forum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional e
Teoria do Estado
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Ackerman critica wall street
http://www.huffingtonpost.com/bruce-ackerman/democratizing-wall-street_b_1006776.html
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
A melhor universidade do mundo
Folha 10 de outubro
A MELHOR DO MUNDO
Pequeno e com foco em pesquisa científica, Caltech desbanca Harvard do topo do ranking mundial de universidades
LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON
O orgulho de ter batido a indefectível Harvard como primeira do ranking da THE (Times Higher Education) era indisfarçável no pequeno Caltech na última quinta, quando a lista mundial saiu. Após o anúncio, até o logo no site institucional foi adaptado para alardear o feito.
O Instituto de Tecnologia da Califórnia -ou Caltech- é, afinal, a menor das principais universidades americanas, com apenas 2.175 alunos entre graduação e pós (1/10 de Harvard, e menos que 1/3 da segunda menor nesse escalão, Princeton).
É também, ao lado da vizinha californiana Stanford, uma das mais "jovens" nesse restrito clube americano de instituições centenárias: em 2011 completou 120 anos.
"O Caltech não ganhou nenhum Nobel hoje, mas fomos listados como a universidade n.º 1 do mundo pelo ranking da THE! Superamos Harvard pela primeira vez em oito anos!", diz o comunicado enviado pelo instituto, exclamações inclusas.
Não ganharam Nobel neste ano, mas colecionam 32 ao longo de sua história.
Parte do sucesso tem a ver com o tamanho conciso e o foco restrito em ciências exatas. São 525 professores (em média, 1 para 4 alunos), além de 208 professores-visitantes.
"Como há poucos alunos, conhecemos todo mundo; é muito fácil se adaptar aqui", disse à Folha o brasileiro Alex Takeda, 20, desde 2009 no Caltech. Takeda, de Londrina (PR), chegou a entrar no ITA, mas preferiu estudar nos EUA, onde pensa em ficar para a pós-graduação.
Seu único compatriota na graduação é Ariel Setton, 18, que chegou ao instituto há três semanas, vindo de São Paulo. "O ambiente aqui é altamente cooperativo, algo um pouco incomum nas faculdades dos EUA ".
O Caltech tem um departamento de humanidades, e os alunos são obrigados a cursar suas disciplinas. Mas quem entra no instituto em Pasadena, a 10 km de Los Angeles, quer mesmo é estudar física, matemática e química.
A carga de estudos é puxada: a instituição sugere nove horas semanais de dedicação a cada matéria, e os alunos costumam cursar cinco ou seis por trimestre.
"O melhor que podemos fazer é continuar atraindo e apoiando pessoas excepcionais, dando a elas a liberdade para se dedicar a questões globais", afirmou o presidente da instituição, Jean-Lou Chameau, em comunicado.
VANGUARDISMO
O Caltech prima pela pesquisa científica. É ali que está o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL), o mais avançado em tecnologia espacial, responsável pelos projetos de sondas-robô para exploração interplanetária.
Também é ele que administra o imenso telescópio Keck, um dos mais importantes do mundo, fincado no Havaí. "[A diferença do] Caltech é que ele é mais focado na pesquisa científica e tecnológica", diz Ariel. Em 2009 (último dado disponível), o instituto gastou 47% de seu orçamento em pesquisa.
Mas a excelência também atrai fundos: 87% do orçamento veio de aportes dos governos federal e estadual. Outros 33% vieram de empresas e indivíduos. O total da verba supera 100% porque, com a crise, o instituto perdeu parte do dinheiro de sua reserva.
"É um ambiente difícil", admite Chameau. "Mas o Caltech tem sorte de ter doadores leais e parceiros cujo apoio nos permite investir em novas ideias muito antes que elas se tornem elegíveis ao financiamento público."
O financiamento à pesquisa ali subiu 16% em 2011. "É esse modelo de parceria público-privada que permite que nossos fundos cresçam." (COLABOROU IZABELA
domingo, 9 de outubro de 2011
Folha 8 de outubro de 2011
Sociólogo vê reflexo de "era da exclusão" em movimentos
Michael Burawoy afirma que atos como Ocupe Wall Street são promovidos "mais pelos excluídos que os explorados"
Professor em Berkeley, ele avalia que "canais políticos normais não conseguem lidar" com esse tipo de fenômeno
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Movimentos que aparecem e desaparecem, fluidos e persistentes. Fragmentados, gravitam em torno dos excluídos do capitalismo. Assim Michael Burawoy, presidente da Associação Internacional de Sociologia, explica os movimentos sociais que pipocam no mundo e o recente Ocupe Wall Street.
Para o professor de sociologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, que já trabalhou como operário para fazer suas pesquisas, a atual crise econômica vai ajudar o capitalismo a se reestruturar. E prevê que a catástrofe ambiental "vai forçar uma resposta em nível global".
Folha - Como descreve o capitalismo hoje?
Michael Burawoy - É a terceira onda de mercadilização. A primeira foi no século 19, a segunda em meados do século 20, e agora a terceira onda. A mudança começou nos anos 1970. Chamam de neoliberalismo.
Há hoje uma crise de fundo?
Não chamaria assim. Crises permitem o capitalismo reestruturar a si mesmo.
O capitalismo financeiro ficou ainda mais forte, fora do controle dos Estados. A grande crise do capitalismo virá com a catástrofe ambiental.
Como?
Haverá desastres cada vez mais frequentes e profundos, um momento de virada, uma espécie de barbárie ou alguma forma de regulação global dos mercados. Regulação de mercados pode ter um caráter fascista ou comunista ou socialdemocrata.
Outra questão é se teremos recursos para conter o capitalismo. Não sei quando isso acontecerá, mas essa será a crise de fundo do capitalismo: destruir as condições de sua própria existência, destruindo o ambiente.
Como o sr. avalia os movimentos sociais em várias partes do mundo e o Ocupe Wall Street?
São similares. Estive em Barcelona e vi os indignados. Resistem a se engajar no sistema político. Canais políticos normais não conseguem lidar com isso. Esses movimentos refletem uma era de exclusão. Seus participantes são mais os excluídos que os explorados. O centro de gravidade desses movimentos são desempregados, estudantes semi-empregados, juventude desempregada, membros precários da classe média.
É um conglomerado de grupos diferentes vivendo um estado de precariedade porque foram excluídos da chance de ter uma posição estável de exploração. Hoje a exploração, o dinheiro seguro é privilégio para poucos.
Qual o futuro dos movimentos se sua organização é confusa?
Não são movimentos fortes, mas são persistentes. São oposições radicais. É uma das reações à terceira onda capitalista. Há muitas outras, diferentes. Há o Tea Party, que é outra forma de reação.
Na Europa há um avanço da direita. Na América Latina há interessantes experiências de participação em democracias locais. Há a resposta islâmica. Nenhuma tem coerência para se espalhar pelo mundo. São fragmentadas.
Vão continuar, algumas de forma regressiva, ou progressista, ou democrática. A crise ambiental vai forçar uma resposta em nível global.
Qual a importância dos movimentos?
O significativo é o caráter simbólico de crítica ao capitalismo. São poucos milhares pelo país, mas têm a capacidade de atrair atenção usando técnicas inovadoras.
Recusam fazer compromissos e concessões. A pergunta é se eles conseguiram transformar essa política simbólica em um movimento mais profundo. Vivemos num período do capitalismo em que o bem-estar está fora de controle e o Estado frustra.
O movimento sindical está numa posição mais defensiva, pois quer defender empregos, e não atacar o capitalismo de fato.
Ocupe Wall Street pode exercer influência no partido democrata, assim como o Tea Party no partido republicano?
Os democratas devem ser revitalizados, mas isso não está na pauta do movimento. É uma política formal com a qual não vão se engajar.
O movimento pode ter importância nas próximas eleições?
Sim. Podem usar o ano eleitoral para disseminar suas ideias. Mas não imagino candidaturas. Não é um movimento de política eleitoral.
Como movimentos desligados das principais instituições da sociedade podem sobreviver?
Eles aparecem, se sustentam por semanas ou meses. Depois perdem a atenção da mídia, perdem apoio, desaparecem. E depois reaparecem em algum outro lugar.
Há um senso de continuidade, mas não num mesmo lugar. É um movimento transespacial fundamentado por razões locais. É preciso ver isso no contexto do capitalismo. É um movimento muito fluido e flexível.
Fui a Wall Street. Estava lá e nem sabia que haveria uma marcha. Há espontaneidade. Aparecer, desaparecer. É parte de sua força e de sua fraqueza.
domingo, 2 de outubro de 2011
Onde anda esquerda americana
Onde anda a esquerda americana?
Para vencer os conservadores em 2012, será vital restabelecer o contato com o americano médio e mostrar como os EUA serão um país melhor
02 de outubro de 2011 | 3h 05
Notícia
A+ A- Assine a Newsletter É PROFESSOR DE HISTÓRIA EM GEORGETOWN, COEDITOR DA REVISTA DISSENT, MICHAEL, KAZIN, THE NEW YORK TIMES, É PROFESSOR DE HISTÓRIA EM GEORGETOWN, COEDITOR DA REVISTA DISSENT, MICHAEL, KAZIN, THE NEW YORK TIMES - O Estado de S.Paulo
Às vezes, deveríamos nos preocupar com a ausência de novidades. As desgraças econômicas dos Estados Unidos não pararam, o desemprego continua elevado e as vendas internas estão estagnadas ou despencando.
O abismo entre os americanos mais ricos e seus compatriotas é maior do que o que era desde os anos 20.
Mas, salvo pelas manifestações e pelas enérgicas campanhas para a realização de plebiscitos revogatórios que tumultuaram o Estado de Wisconsin este ano, sindicalistas e outros violentos críticos do poder das grandes corporações e dos cortes do governo não conseguiram organizar um movimento sério contra as pessoas e as políticas que empurraram os EUA para a recessão.
Em vez disso, a rebelião do Tea Party - liderada por veteranos ativistas conservadores e financiada por bilionários - levou os políticos de ambos os partidos a reduzir drasticamente os gastos federais e a derrotar as propostas para taxar os ricos e fazer com que os financistas se responsabilizem por seus crimes.
Em parte como consequência deste cenário, o mandato de Barack Obama começa a se parecer menos como o segundo mandato de Franklin Delano Roosevelt e mais como uma reedição de Jimmy Carter - embora na semana passada o presidente tenha lembrado um pouco seu ex-colega rooseveltiano ao propor que os milionários "paguem sua justa parcela de impostos, ou teremos de pedir aos cidadãos mais velhos que aumentem sua contribuição ao Medicare".
Como explicar o relativo silêncio da esquerda? Talvez o que é realmente fundamental no vigor de um movimento sejam seus anos de gestação. Na década de 30, o crescimento dos sindicatos e a popularidade das reivindicações pela redistribuição da riqueza e o estabelecimento da "democracia industrial" não constituíram simplesmente a resposta ao colapso econômico. Na realidade, os sindicatos só floresceram na metade da década, quando já ocorria modesta recuperação. O triunfo liberal dos anos 30 estava arraigado em décadas de eloquente oratória e organização de uma variedade de reformadores e radicais contra os males do "monopólio" e dos "grandes investidores".
Do mesmo modo, a atual direita populista originou-se entre os eloquentes porta-vozes e as instituições amplamente financiadas que surgiram nos anos 70, muito antes do início da crise atual. Os dois movimentos discordavam praticamente a respeito de tudo, mas cada um tinha promotores agressivos que, respaldados por poderosas forças sociais, estabeleceram seus pontos de vista como a sabedoria convencional de uma era.
As sementes da esquerda dos anos 30 foram plantadas na Idade do Ouro por figuras como o jornalista Henry George. Em 1886, George, autor de um best-seller que condenava a especulação fundiária, concorreu ao cargo de prefeito de Nova York como candidato do novo Union Labour Party. Ele atraiu inúmeros seguidores com discursos que acusavam as autoridades da máquina da Tammany Hall (sociedade democrata que manipulava a política municipal) de se empanturrarem com o dinheiro dos subornos e com os privilégios especiais enquanto "há hordas de cidadãos que vivem na miséria e no vício causado pela miséria, em condições que deixariam um bárbaro assombrado".
George levou uma mensagem de esperança a seus ouvintes: "Estamos construindo um movimento pela abolição da escravidão industrial, e o que fazemos deste lado do oceano enviará seus impulsos por terra e por mar, e fará com que todos os homens tenham a coragem de pensar e de agir". Concorrendo contra candidatos dos dois principais partidos e com a oposição de quase todos os empregadores locais e da Igreja, George provavelmente teria sido eleito, se Theodore Roosevelt, então com 28 anos, o republicano que foi o terceiro mais votado, não tivesse dividido o voto anti-Tammany.
Apesar da derrota de George, o movimento em favor dos trabalhadores, contra as grandes corporações que se uniu ao seu redor e outros continuaram crescendo. Com o aproximar-se da virada do século, os assalariados organizaram enormes greves para o reconhecimento dos sindicatos nas ferrovias da nação, nas minas de carvão e nas usinas têxteis.
Rebelião. Nos anos 1890, uma rebelião nascida principalmente nas áreas rurais produziu o People's Party, também conhecido como Populista, que rapidamente conseguiu o controle de vários Estados e elegeu 22 congressistas. O partido logo acabou, mas não antes de os democratas, liderados por William Jennings Bryan, adotarem partes do seu programa - o imposto de renda progressivo, uma moeda flexível e o financiamento para a organização dos trabalhadores.
No início do século 20, uma coalizão progressista mais ampla, incluindo trabalhadores imigrantes, reformistas da classe média urbana, jornalistas de tabloides e os Social Gospelers (membros do movimento religioso pela reforma social) estabeleceram um novo senso comum sobre a necessidade de um governo que freasse o poder das grandes empresas e estabelecesse um estado previdenciário limitado. O livre mercado ilimitado e a ética do individualismo, argumentavam eles haviam deixado muitos americanos à mercê do que Theodore Roosevelt chamava de "malfeitores com grandes riquezas". Como Jane Adams disse: "O bem que garantimos para nós é precário e incerto, flutua no ar, até que seja garantido a todos e incorporado na nossa vida comum".
Durante os anos do boom da década de 20, os conservadores criticaram violentamente esta máxima e conquistaram o controle do governo federal.
"O negócio fundamental do povo americano são os negócios", afirmou o presidente Calvin Coolidge. Mas seu triunfo foi de curta duração, tanto em termos ideológicos quanto eleitorais. Quando Franklin D. Roosevelt foi eleito com uma votação esmagadora em 1932, a maioria dos americanos já se preparava para aceitar a justificativa econômica e moral que os progressistas defendiam desde a época de Henry George.
Will Rogers, humorista e leal democrata, expressou isso em termos rurais: "Toda a forragem está indo para um coxo só e o gado do outro lado do estábulo não recebe nada. Nós conseguimos, mas não sabemos dividi-la". Os sindicalistas do Congresso das Organizações da Indústria insistiram no seu argumento, bem como os demagogos que defendiam a ideia de espremer o dinheiro dos ricos, como Huey Long e o reverendo Charles Coughlin. Os arquitetos da seguridade social, do salário mínimo e de outras medidas que foram marcos históricos do New Deal fizeram o mesmo.
Depois de anos de preparação, o liberalismo do Estado do bem-estar finalmente se tornava um credo de todo o país. Em 1939, John L. Lewis, o combativo líder trabalhista, declarou: "Os milhões de trabalhadores organizados reunidos na CIO são a principal força do movimento progressista de operários, camponeses, e pequenos proprietários de empresas e de todos os outros elementos liberais da comunidade". Com estas forças ao seu lado, Franklin D. Roosevelt, munido de sólida formação política, tornou-se um grande presidente.
Mas o significado de liberalismo foi se modificando gradativamente. Os 25 anos de expansão e de baixo desemprego que se seguiram à 2.ª Guerra calaram compreensivelmente as reivindicações de justiça social da esquerda. Os liberais estavam preocupados com os direitos das minorias e das mulheres mais do que com a persistente desigualdade da distribuição da riqueza. Ao mesmo tempo, os conservadores começaram a moldar seu movimento com base no repúdio do "socialismo sub-reptício" e na sua crescente convicção de que o governo federal estava esquecido ou se mostrava hostil aos interesses e os valores dos brancos de classe média.
No final dos anos 70, a base da direita foi representada por um indivíduo agressivo, um empresário ativista sempre com um charuto entre os dentes, chamado Howard Jarvis. Ele, que lutara pelas causas conservadores desde a campanha de Herbert Hoover em 1932, candidatara-se ao cargo em várias ocasiões, mas, como Henry George, nunca tinha sido eleito. Impedido pelas urnas, ele se tornou um organizador do movimento contra os impostos e tornou extremamente difícil a aprovação de qualquer medida para elevá-los. Naquele ano, a Proposta 13 recebeu quase dois terços dos votos, e desde então os conservadores insistem em sua argumentação contra a adoção de impostos.
Assim como a esquerda outrora podia atribuir os problemas da nação a grandes empresários insensíveis, a direita aperfeiçoava uma crítica direta à ingerência do governo que pegava o dinheiro dos americano em troca de pouco ou nada de útil.
Um dos motivos da expansão da direita foi o fato de que, em sua maioria, os que ocuparam a presidência, de meados de 1960 a 2008 - democratas ou republicanos - não cumpriram suas principais promessas. Lyndon Johnson não derrotou os vietcongues, nem aboliu a pobreza; Jimmy Carter não conteve a inflação, nem libertou os reféns no Irã; George W. Bush não cumpriu sua missão no Iraque, nem controlou o déficit.
Do mesmo modo que a esquerda no início do século 20, os conservadores criaram um conjunto impressionante de instituições para desenvolver e disseminar suas ideias. Suas comissões de especialistas, ordens de advogados, lobistas, conversas ao pé do rádio e os manifestos que se tornaram best-sellers prepararam, formaram e financiaram duas gerações de escritores e organizadores. As universidades cristãs conservadoras, protestantes e católicas, incutem nos estudantes uma visão de mundo mais coerente do que escolas mais prestigiosas dirigidas por liberais.
Mobilização. Mais recentemente, os conservadores mobilizaram veículos de comunicação como a Fox News e as páginas editoriais do Wall Street Journal para a sua causa.
O Tea Party é apenas a versão mais recente de um movimento que vem evoluindo há mais de meio século, mais tempo do que qualquer iniciativa da esquerda liberal ou radical que lhe sirva de comparação.
Os conservadores raramente comemoraram uma vitória esmagadora do gênero da Proposição 13, mas seu argumento sobre os males da ingerência do Estado em geral predomina. A incapacidade de Obama de resolver os problemas econômico da nação só fortaleceu a vantagem ideológica da direita.
Se os ativistas da esquerda pretenderem modificar a realidade, terão de cogitar uma maneira de redefinir o antigo ideal da justiça econômica para a era da internet e para a constante mobilidade geográfica.
Durante as últimas eleições, muito esperavam que a organização que favoreceu a campanha presidencial de Obama fizesse exatamente isso. Mas, desde que assumiu a presidência, Obama muito raramente fez um esforço para conduzir a conversação pública nesta direção.
Ao contrário, a esquerda precisa entender que quando os progressistas tiveram sucesso no passado, quer organizando sindicatos quer lutando pela igualdade de direitos, raramente apostaram nos políticos. Eles criaram suas próprias instituições - sindicatos, grupos de mulheres, centros comunitários e de imigrantes e uma imprensa inteligente contrária ao autoritarismo - nas quais eles falavam em seu nome e pelos interesses dos assalariados americanos.
Hoje, estas instituições estão ausentes ou enfraquecidas. Com os sindicatos em dificuldades ou em declínio, os trabalhadores de todas as raças carecem de um veículo forte para se articular e lutar pela visão de uma sociedade mais igualitária.
Universidades, sites e ONGs liberais atendem na maior parte a uma classe média profissional e são mais eficientes na promoção de causas sociais como a legalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a proteção do meio ambiente do que em exigir milhões de novos empregos que paguem um salário que permita viver.
Será vital restabelecer o contato com os americanos médios não apenas para derrotar os conservadores em 2012 e em eleições futuras. Se isso não acontecer, a esquerda continuará incapaz de afirmar clara e apaixonadamente como poderá ser um país melhor e o que será preciso para chegar lá. Parafraseando o mártir trabalhista Joe Hill, a esquerda deve parar de lamentar seu passado recente e começar a se organizar para mudar o futuro. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Bolivia
São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2011
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ANÁLISE
Ação do governo da Bolívia coloca em jogo a sua ambiguidade
SALVADOR SCHAVELZON
ESPECIAL PARA A FOLHA
O conflito em curso na Bolívia em razão da resistência à construção da rodovia que cortaria o Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure) é um confronto entre duas forças que, até recentemente, conviviam como parte do projeto político que elegeu Evo Morales e resultou na proposta constitucional de 2009.
De um lado a proposta indígena do "Viver Bem" e da construção de um Estado plurinacional comunitário, com base no direito à diferença e reconhecimento de autonomia e território dos indígenas.
De outro, a busca de integração nacional, a luta contra a pobreza pelo desenvolvimento capitalista, a industrialização e o discurso estatal nacionalista, que prioriza o que seria o interesse das maiorias, apesar de custos ambientais e da violação de direitos. A tensão na Bolívia expõe a possibilidade de que a solução não seja a habitual, do etnocídio, tendo em conta a capacidade de mobilização tantas vezes demonstrada.
A recente operação policial para dispersar a marcha de protesto deve ser compreendida como sinal de um novo cenário, no qual o governo se afasta de seus velhos aliados.
As duas tendências agora antagônicas resultam na separação entre os povos indígenas da selva -e seus aliados nas cidades e nas comunidades andinas que buscam a reconstituição de seus territórios ancestrais- e o governo e suas bases camponesas e cocaleiras, que vêm ocupando o território e aprovam a construção da estrada.
É por isso que se escuta hoje que "Evo Morales nunca foi indígena" e antigos adversários se unem em defesa dos povos das terras baixas.
Com o desenlace desse conflito, poderemos determinar se surgirá um novo quadro político, com novos agentes que arrebatem ao governo as bandeiras da descolonização, da Pachamama e do território; ou se o governo Morales reagirá e recuperará sua capacidade de avançar costurando projetos diferentes das maiorias e também das minorias indígenas, que pela primeira vez detêm poder, para levar adiante a construção de um Estado plurinacional na Bolívia.
SALVADOR SCHAVELZON é antropólogo e professor da PUC-Campinas, com doutorado sobre o processo constituinte boliviano (Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
domingo, 25 de setembro de 2011
Comissão da Verdade
A verdade que se espera
Os 7 membros da CV, designados pela Presidência, precisarão de apoio externo na apuração dos fatos
25 de setembro de 2011 | 3h 06
Notícia
A+ A- Assine a Newsletter Glenda Mezarobba - O Estado de S.Paulo
Desde seu início, o processo de acerto de contas do Estado brasileiro com as vítimas da ditadura, seus familiares e a própria sociedade não destinou espaço relevante à verdade. O conteúdo dos arquivos das Forças Armadas permanece desconhecido e o destino de muitas vítimas fatais segue ignorado.
O ajuste de contas, iniciado com a Lei da Anistia, em 1979, foi constituído de forma a escamotear a verdade, quando não a negou. Instrumento político há muito adotado, uma anistia é reconhecidamente uma forma de assegurar impunidade. Se em seu sentido amplo remete ao esquecimento, na versão nacional a anistia também foi pensada para evitar accountability. E foi concedida antes que se conhecesse a verdade, com a qual não tinha nenhum compromisso.
Para que não restem dúvidas, a verdade não só estava ausente da anistia como a lei foi elaborada de maneira a ocultar a realidade. Prova disso é o texto legal, redigido de maneira elíptica, sem menção à tortura, por exemplo, mas interpretado, desde então, de forma a incluir agentes do Estado que violaram direitos humanos. Compreensível naquele contexto, a lógica de impunidade que a interpretação dada à anistia pelos militares insistia em impor poderia fazer algum sentido até o término da ditadura. Jamais em um regime democrático. Por outro lado, já está bem estabelecido na normativa internacional que o legado de graves e sistemáticas violações em massa de direitos humanos, como o deixado pela ditadura brasileira, gera obrigações para os Estados. Um desses deveres é exatamente o de revelar a verdade, implícito em distintos documentos da legislação humanitária. Recentemente, e partindo de princípio estabelecido na Declaração Universal, que identifica no desconhecimento e menosprezo aos direitos humanos a origem de atos de barbárie que ofendem a consciência da humanidade, normativa da ONU assinalou que os Estados têm o dever de recordar e reconheceu que os povos têm o "direito inalienável" de conhecer a verdade a respeito de crimes do passado. Isso inclui as circunstâncias e os motivos envolvendo tais atos de violência.
De acordo com o documento da ONU, tornado público em 2005, o conhecimento, por parte da sociedade, da história de determinado período de opressão constitui patrimônio público, cabendo ao Estado preservar a memória coletiva e evitar que surjam teses revisionistas ou de negação dos fatos. Além disso, o exercício pleno e efetivo do direito à verdade proporcionaria salvaguarda fundamental contra a repetição de tais violências.
A criação de uma comissão da verdade representa, portanto, oportunidade única para o Estado brasileiro avançar no cumprimento de seu dever de revelar a realidade dos fatos ocorridos, sobretudo se, ao ser instalada, tal comissão puder contar com recursos humanos e materiais que garantam sua efetividade. O fato de serem "apenas" sete os membros a integrá-la, por designação da Presidência da República, não deve ser entendido como fator limitante de sua atuação, mas como indicativo da necessidade de o trabalho da comissão ser desenvolvido com apoio externo. Dos seus integrantes, não se espera que representem nenhum dos lados envolvidos no conflito, mas que sejam cidadãos de reconhecida autoridade moral e independência, comprometidos com o respeito e a promoção dos direitos humanos.
Naturalmente, também não se deve presumir que uma comissão desse tipo processe, julgue, absolva ou condene envolvidos em atrocidades do período, uma vez que suas atividades não se confundem com as de um tribunal. Deve-se esperar, entretanto, que com a divulgação de seu relatório final, a comissão contribua para reduzir a permanência e disseminação de inverdades históricas, para deslegitimar a ditadura e confirmar a legitimidade da democracia. Além de recordar o preceito da ética militar, inscrito no Estatuto dos Militares, no capítulo que trata de suas obrigações: "Amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal".
Se bem conduzida, dado o tempo histórico de sua realização e devido às especificidades do processo nacional, uma comissão da verdade poderá ter efeitos não observados em iniciativas similares. Poderá lançar luz sobre a insistência nacional em manter tal processo atrelado à noção de impunidade e esquecimento, decorrentes da permanência da ideia de anistia, sobre quanto sofrimento isso tem causado à grande maioria das vítimas e sobre o desserviço que a manutenção da lógica do arbítrio presta à prática democrática e ao desenvolvimento de importantes instituições como o Judiciário (vide decisão recente do STF, em relação à ação de descumprimento de preceito fundamental, ADPF, proposta pela OAB, envolvendo a Lei da Anistia) e as forças de segurança. Até aqui incapaz de cumprir com seu dever de justiça e bastante hesitante em sua obrigação de renovar determinadas instituições, o Estado brasileiro, com a criação de uma comissão da verdade, terá, além de resgatar a dignidade das vítimas, a oportunidade de rever mensagens equivocadas que seu esforço reparatório tem enviado à sociedade, sobretudo em relação à igualdade de direitos e deveres de seus cidadãos e à primazia do direito à vida.
GLENDA MEZAROBBA É CIENTISTA POLÍTICA , E PESQUISADORA DA UNICAMP. ASSESSOROU , A ELABORAÇÃO DO ANTEPROJETO DE LEI , QUE CRIA A COMISSÃO DA VERDADE
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