sexta-feira, 5 de março de 2010

Ação afirmativa e o STF

Folha de São Paulo de 05 de março de 2010

Debate sobre cotas no Supremo opõe intelectuais no 2º dia
Opositores dizem que política cria semente de ódio na população; para os defensores, benefício a negros corrige desigualdades

Audiências convocadas pelo STF vão nortear decisão a respeito da continuidade da reserva de vagas no país segundo critério racial

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Duas formas de encarar os direitos enfrentaram-se ontem no Supremo em Brasília, a propósito da discussão sobre a reserva de vagas para negros nas universidades, as "cotas raciais".
De um lado, os intelectuais que defendem a universalidade das leis e o princípio de que o tratamento deve ser igual a todos. De outro, os que querem que a lei contemple as diferenças e acham que só distribuindo tratamento desigual se tratará com justiça os desiguais. À briga:
1. "Raça" é um termo desprovido de sentido científico; não pode servir de parâmetro para a construção de políticas sociais. 2. Introduzir a variável "raça" em políticas sociais só serve para incentivar o pensamento de que as pessoas não são iguais e nem são universais os direitos. 3. A identificação por "raça" para a atribuição de direitos cria uma semente de ódio e divisão.
Gravitou em torno desses três eixos o discurso dos anticotas no segundo dia da audiência. O STF decide neste ano se a reserva de vagas por critério racial fere ou não preceito fundamental.
Segundo a antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ, a partir dos anos 1990, ONGs e setores do governo propuseram a criação de políticas afirmativas com base no critério racial. "O argumento era de que o racismo é um dos fatores principais da produção das desigualdades."
Só que em um país miscigenado como é o Brasil, as fronteiras raciais não seriam tão evidentes quanto as que se verificam em países desde há muito fortemente segregados. Como definir quem teria direito a ser tratado como "negro"?
Para ela, menos do que estar interessado em reduzir as desigualdades, o principal propósito do movimento pró-cotas seria o de tentar produzir identidades raciais bem delimitadas. Seria uma tentativa de impor políticas já experimentadas em outras países "que trouxeram mais dor do que alívio".
Já o tratamento desigual como forma de o Estado prover igualdade de oportunidades é o centro da argumentação dos defensores das cotas. Segundo Oscar Vilhena, docente da PUC e da FGV-SP, as ações afirmativas baseadas nos critérios de raça, pobreza, origem escolar e outros "não são incompatíveis com a Constituição, quando afirma a igualdade de todos; ao contrário, são exigência dela".
Para ele, as ações afirmativas servem para "corrigir" processos seletivos excludentes. "Ajustam aquelas condições que não foram dadas a determinados setores, para que todos possam concorrer em igualdade de condições. O acesso deve ser segundo a capacidade. Mas o nosso vestibular não mede a capacidade, mede investimento."
Africano, fundador do Centro de Estudos Africanos da USP, Kabengele Munanga procurou desfazer o argumento de que as cotas favoreceriam o surgimento de ódios raciais inéditos. "Já há cotas há quase uma década em dezenas de universidades. E não se viram distúrbios."

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