Corpos do além
Em "Arte e Beleza na Estética Medieval", Umberto Eco analisa a relação entre o concreto e o transcendental
Os corpos mutilados e torturados dos mártires resplandeciam de beleza interior
HILÁRIO FRANCO JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA de 28 de março de 2010
Para muitos, o nome de Umberto Eco (1932) está associado ao romance policial ambientado na Idade Média "O Nome da Rosa" [ed. Record]. O que pode ter passado desapercebido a vários de seus leitores é a importância que ali ocupa o tema da beleza.
O narrador é um belo monge que se recorda de "belíssimas igrejas"; que de sua abadia admira um nimbo de "tremenda beleza"; que na sua imaginação funde a bela Virgem [Maria] contemplada em estátuas e a bela herege descrita por alguém; que percebe que "a visão do belo comporta a paz" e que "é belo o mundo".
Feio e belo
Diante das inúmeras referências ao belo e ao feio no seu romance, não surpreende que o estudioso italiano tenha recentemente dirigido uma "História da Beleza" e uma "História da Feiura" [ambos publicados pela Record].
O interesse de Eco pelo tema desde o início da carreira o levou, em 1987, a produzir uma síntese, traduzida no Brasil em 1989 e agora reeditada -"Arte e Beleza na Estética Medieval".
Como o título sugere, não se trata de obra sobre fatos artísticos, e sim sobre as ideias estéticas produzidas entre os séculos 6º e 15.
Tais ideias demonstram que a sensibilidade estética da época não era apenas metafísica, como lhe atribuíram os renascentistas, mas também voltada a experiências concretas. Se os moralistas medievais criticavam as belezas materiais, não era por indiferença a elas -era justamente por serem sensíveis a elas e recearem, assim, se afastar das coisas divinas.
Legibilidade e rigor
A fruição estética medieval encontrava seu objeto menos na natureza e na arte (esta entendida como imitação inventiva daquela) do que nas relações entre ambas e o mundo superior. Os corpos mutilados e torturados dos mártires não deleitavam a visão, mas resplandeciam de beleza interior.
O belo daqui reflete, de forma esmaecida, o belo do além. Assunto tão vasto e rico exigiria do leitor certos conhecimentos técnicos sobre a filosofia medieval, não fosse a opção do autor por um texto introdutório. O resultado é, de fato, perfeitamente legível pelo público culto não medievalista, sem deixar de ser útil a ele.
Tal opção cobra, contudo, um preço ao rigor em certas passagens. Para lembrar um único caso, ao explicar a cosmovisão simbólica, Eco aceita a expressão de Mumford sobre a "situação neurótica" da Idade Média e justifica o historiador norte-americano dizendo que a época tinha "visão deformada e confusa da realidade".
Não é preciso insistir que falar assim pressupõe adotar como referencial uma realidade supostamente correta e ordenada, cuja existência estudiosos de diferentes áreas teriam dificuldade em aceitar.
Edição descuidada
Mas o livro é valioso, daí ser pena que esta reedição não tenha merecido mais cuidados. Não foram corrigidas da edição anterior algumas impropriedades de tradução, caso de "idade das trevas" transformada numa expressão sem sentido ("evos escuros").
Tampouco foram consertadas certas grafias como Bakhtin (não Bachin), Scholem (não Schlolem), mosteiro de São Galo (ou Sankt Gallen no original alemão, nunca San Gallo, forma italiana).
Perdeu-se, ainda, a oportunidade de introduzir outras melhorias. Abandonar a mania editorial (não apenas no Brasil) de esconder as notas no fim do texto, como que a pressupor que somente alguns leitores farão uso delas, eliminaria o desconfortável trabalho de ir e vir entre o texto e as páginas finais.
Atualizar algumas indicações bibliográficas teria prestado serviço aos leitores brasileiros.
Eco exalta, com razão, o clássico "Estudos de Estética Medieval", de Edgar de Bruyne, e lamenta que esse livro não seja mais encontrável.
Ora, isso era verdade no momento em que Eco escrevia, porém em 1998 o livro foi reeditado na França, informação útil aos interessados.
Também se poderia ter indicado que há tradução em português de vários títulos citados na bibliografia: Auerbach, Bakhtin, Cohn, Curtius, Duby, Eco, Focillon, Foucault, Gilson, Hauser, Huizinga, Le Goff, Rougemont, Scholem, Todorov, Yates, Zumthor.
domingo, 28 de março de 2010
domingo, 21 de março de 2010
OEA e o sistema penitenciário brasileiro
OEA discute tortura e lotação em prisões do País
20 de março de 2010
Patrícia Campos Mello - O Estadao de S.Paulo
Pela primeira vez, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) realizou, ontem, audiência sobre o
sistema carcerário brasileiro. A entidade estuda enviar uma missão ao País
para investigar o problema.
As denúncias de tortura nas prisões do Espírito Santo, no presídio de Urso
Branco, em Rondônia, e a situação em São Paulo - que abriga um terço da
população prisional do País - precipitaram a convocação da audiência.
"O sistema carcerário no Brasil já é um vexame internacional, condenado por
várias entidades de direitos humanos, mas continua chocando porque a
situação está cada vez mais horrível", disse ao Estado Fernando Delgado,
advogado da Justiça Global, que depôs na audiência. "Um em cada cinco presos
no Brasil está encarcerado indevidamente: ou nunca deveria ter sido preso ou
já cumpriu sua pena."
Há 470 mil presos no Brasil, cuja capacidade é de 300 mil. Em 15 anos, a
população carcerária saltou de 148 mil para 470 mil. Delgado citou casos de
700 presos que viviam sob um calor de 56°C e de uma adolescente que ficou
numa cela com 20 homens por 20 dias. Em 2009, foram feitas 71 denúncias de
tortura.
"O sistema carcerário brasileiro descumpre a Constituição e os tratados
internacionais", disse o deputado Domingos Dutra (PT-MA), relator da CPI do
Sistema Carcerário Brasileiro, em seu depoimento. Dutra pede que a OEA envie
uma missão ao Brasil. Na audiência, ele apresentou o relatório do que foi
apurado pela CPI e as condições dos presídios brasileiros, com fotos de
presos doentes, feridos e mortos.
Ruy Casaes, embaixador do Brasil na OEA, disse que o governo brasileiro vai
enviar ao órgão um relatório sobre o que está sendo feito para resolver o
problema. Ele disse também que se espera uma visita da comissão de direitos
humanos em breve.
20 de março de 2010
Patrícia Campos Mello - O Estadao de S.Paulo
Pela primeira vez, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) realizou, ontem, audiência sobre o
sistema carcerário brasileiro. A entidade estuda enviar uma missão ao País
para investigar o problema.
As denúncias de tortura nas prisões do Espírito Santo, no presídio de Urso
Branco, em Rondônia, e a situação em São Paulo - que abriga um terço da
população prisional do País - precipitaram a convocação da audiência.
"O sistema carcerário no Brasil já é um vexame internacional, condenado por
várias entidades de direitos humanos, mas continua chocando porque a
situação está cada vez mais horrível", disse ao Estado Fernando Delgado,
advogado da Justiça Global, que depôs na audiência. "Um em cada cinco presos
no Brasil está encarcerado indevidamente: ou nunca deveria ter sido preso ou
já cumpriu sua pena."
Há 470 mil presos no Brasil, cuja capacidade é de 300 mil. Em 15 anos, a
população carcerária saltou de 148 mil para 470 mil. Delgado citou casos de
700 presos que viviam sob um calor de 56°C e de uma adolescente que ficou
numa cela com 20 homens por 20 dias. Em 2009, foram feitas 71 denúncias de
tortura.
"O sistema carcerário brasileiro descumpre a Constituição e os tratados
internacionais", disse o deputado Domingos Dutra (PT-MA), relator da CPI do
Sistema Carcerário Brasileiro, em seu depoimento. Dutra pede que a OEA envie
uma missão ao Brasil. Na audiência, ele apresentou o relatório do que foi
apurado pela CPI e as condições dos presídios brasileiros, com fotos de
presos doentes, feridos e mortos.
Ruy Casaes, embaixador do Brasil na OEA, disse que o governo brasileiro vai
enviar ao órgão um relatório sobre o que está sendo feito para resolver o
problema. Ele disse também que se espera uma visita da comissão de direitos
humanos em breve.
sábado, 20 de março de 2010
Código Penal na Espanha
El Pais
Código Penal: ¿dónde están los crímenes más graves?
ITZIAR RUIZ-GIMÉNEZ 20/03/2010
Bajo la premisa de fortalecer la "lucha contra la impunidad", el Gobierno ha presentado en el Parlamento una nueva reforma del Código Penal. Recoge algunos aspectos positivos como la incorporación como crímenes de guerra de algunos delitos contra mujeres, niños y niñas, o la diferenciación entre trata de seres humanos y tráfico de inmigrantes. Sin embargo, su contenido revela una clara falta de voluntad política de abordar los crímenes internacionales más atroces y adecuar nuestra legislación a los estándares internacionales de derechos humanos. Estas cuestiones no pueden obviarse, dado que son una obligación internacional para España.
La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
La reforma en curso no recoge crímenes internacionales como la desaparición o la ejecución extrajudicial
Este proyecto de reforma es una oportunidad perdida para que el Código Penal incluya los crímenes internacionales más graves contemplados en el Estatuto de Roma, ratificado por España: genocidio, crímenes de lesa humanidad, crímenes de guerra, tortura, desapariciones forzadas, ejecuciones extrajudiciales, esclavitud, etcétera. Aunque algunos se han ido incorporando en sucesivas reformas, otros permanecen ausentes. Resulta especialmente preocupante que el actual proyecto no introduzca el delito de desaparición forzada, a pesar de la reciente ratificación por España de la Convención de la ONU contra las Desapariciones Forzadas. Resulta bochornoso que España siga sin tipificarlo penalmente, de forma que se dificulten los derechos de las víctimas de ese terrible delito a obtener verdad, justicia y reparación.
La actual reforma también olvida el delito de ejecución extrajudicial, que no puede asimilarse, como en alguna ocasión ha hecho la Audiencia Nacional, con el homicidio o el asesinato. Se trata, por contra, de uno de los más graves crímenes internacionales considerado por el derecho internacional como imprescriptible.
Junto a estos "olvidos", la reforma tampoco aprovecha la oportunidad de reajustar las definiciones de otros crímenes al derecho internacional. Así, pasa de puntillas por el delito de tortura, cuya definición sigue sin ajustarse plenamente a la de la Convención contra la Tortura, y al que se sigue considerando un delito común sin establecer, como han exigido reiteradamente diversos Comités de Naciones Unidas, su imprescriptibilidad. Este tratamiento "de bajo perfil" de la tortura concuerda desgraciadamente con la falta de voluntad política que, en muchas ocasiones, han mostrado las autoridades españolas para hacer frente de forma decidida y efectiva a los casos de tortura por parte de las fuerzas de seguridad que siguen ocurriendo, como ha denunciado en diversas ocasiones Amnistía Internacional. Tampoco menciona que la violación sexual bajo custodia debe ser considerada tortura.
Otro elemento que debe mejorar durante la tramitación en el Parlamento es la adecuación de algunos delitos sexuales a su tipificación internacional como la que contiene el Estatuto de Roma. Por ejemplo, la esclavitud sexual sólo se recoge como crimen de guerra y no de lesa humanidad. Se considera la esterilización forzada sólo un delito de lesiones y la tipificación del delito de embarazo forzado es más restrictiva que en el Estatuto de Roma.
Una buena noticia de la reforma es que, por primera vez, incorpora la trata de seres humanos como un delito autónomo, separado del tráfico de inmigrantes. Sin embargo, no debería considerarse como un delito común, sino como un crimen internacional, ya que se trata de una forma contemporánea de esclavitud. Y sería fundamental que la reforma considerase delito la utilización de los servicios de una víctima de explotación sexual cuando se sabe que es una víctima, tal y como establece el Convenio del Consejo de Europa contra la trata de seres humanos. Es necesario dar un vuelco radical al enfoque de la lucha contra la trata en nuestro país. Muchas de sus víctimas, inmigrantes en situación irregular, son objeto de redadas policiales y expulsadas del país, en lugar de obtener la asistencia, protección y reparación que merecen como víctimas de una gravísima violación de los derechos humanos.
Otro motivo de preocupación respecto al Código Penal es la tipificación del terrorismo. El actual artículo 576 criminaliza a toda persona que "lleve a cabo, recabe o facilite, cualquier acto de colaboración con las actividades o las finalidades de una banda armada, organización o grupo terrorista", lo cual puede dar lugar a que se trate como delito la conducta de quien, por medios pacíficos, propugne cambios políticos o sociales. Éste fue el caso de algunos miembros de la Fundación Joxemi Zumalabe, juzgados y condenados en 2007 en el macrosumario 18/98 por colaboración con ETA y finalmente absueltos por el Tribunal Supremo. Es esencial que el Parlamento español se asegure de que se cumple escrupulosamente el principio de legalidad, de forma que todos los delitos estén recogidos de forma precisa y quede claro qué conductas prohibidas confieren a la colaboración con banda armada el carácter de conducta terrorista.
El proyecto sigue su tramitación en el Parlamento, por lo que todavía hay tiempo de mejorarlo y de que se convierta en un instrumento eficaz en la lucha contra la impunidad, y sirva para que España cumpla realmente con sus obligaciones internacionales. No debemos olvidar que el Código Penal es una norma esencial para la defensa y protección de los derechos humanos.
Itziar Ruiz-Giménez Arrieta es presidenta de Amnistía Internacional España.
Código Penal: ¿dónde están los crímenes más graves?
ITZIAR RUIZ-GIMÉNEZ 20/03/2010
Bajo la premisa de fortalecer la "lucha contra la impunidad", el Gobierno ha presentado en el Parlamento una nueva reforma del Código Penal. Recoge algunos aspectos positivos como la incorporación como crímenes de guerra de algunos delitos contra mujeres, niños y niñas, o la diferenciación entre trata de seres humanos y tráfico de inmigrantes. Sin embargo, su contenido revela una clara falta de voluntad política de abordar los crímenes internacionales más atroces y adecuar nuestra legislación a los estándares internacionales de derechos humanos. Estas cuestiones no pueden obviarse, dado que son una obligación internacional para España.
La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
La reforma en curso no recoge crímenes internacionales como la desaparición o la ejecución extrajudicial
Este proyecto de reforma es una oportunidad perdida para que el Código Penal incluya los crímenes internacionales más graves contemplados en el Estatuto de Roma, ratificado por España: genocidio, crímenes de lesa humanidad, crímenes de guerra, tortura, desapariciones forzadas, ejecuciones extrajudiciales, esclavitud, etcétera. Aunque algunos se han ido incorporando en sucesivas reformas, otros permanecen ausentes. Resulta especialmente preocupante que el actual proyecto no introduzca el delito de desaparición forzada, a pesar de la reciente ratificación por España de la Convención de la ONU contra las Desapariciones Forzadas. Resulta bochornoso que España siga sin tipificarlo penalmente, de forma que se dificulten los derechos de las víctimas de ese terrible delito a obtener verdad, justicia y reparación.
La actual reforma también olvida el delito de ejecución extrajudicial, que no puede asimilarse, como en alguna ocasión ha hecho la Audiencia Nacional, con el homicidio o el asesinato. Se trata, por contra, de uno de los más graves crímenes internacionales considerado por el derecho internacional como imprescriptible.
Junto a estos "olvidos", la reforma tampoco aprovecha la oportunidad de reajustar las definiciones de otros crímenes al derecho internacional. Así, pasa de puntillas por el delito de tortura, cuya definición sigue sin ajustarse plenamente a la de la Convención contra la Tortura, y al que se sigue considerando un delito común sin establecer, como han exigido reiteradamente diversos Comités de Naciones Unidas, su imprescriptibilidad. Este tratamiento "de bajo perfil" de la tortura concuerda desgraciadamente con la falta de voluntad política que, en muchas ocasiones, han mostrado las autoridades españolas para hacer frente de forma decidida y efectiva a los casos de tortura por parte de las fuerzas de seguridad que siguen ocurriendo, como ha denunciado en diversas ocasiones Amnistía Internacional. Tampoco menciona que la violación sexual bajo custodia debe ser considerada tortura.
Otro elemento que debe mejorar durante la tramitación en el Parlamento es la adecuación de algunos delitos sexuales a su tipificación internacional como la que contiene el Estatuto de Roma. Por ejemplo, la esclavitud sexual sólo se recoge como crimen de guerra y no de lesa humanidad. Se considera la esterilización forzada sólo un delito de lesiones y la tipificación del delito de embarazo forzado es más restrictiva que en el Estatuto de Roma.
Una buena noticia de la reforma es que, por primera vez, incorpora la trata de seres humanos como un delito autónomo, separado del tráfico de inmigrantes. Sin embargo, no debería considerarse como un delito común, sino como un crimen internacional, ya que se trata de una forma contemporánea de esclavitud. Y sería fundamental que la reforma considerase delito la utilización de los servicios de una víctima de explotación sexual cuando se sabe que es una víctima, tal y como establece el Convenio del Consejo de Europa contra la trata de seres humanos. Es necesario dar un vuelco radical al enfoque de la lucha contra la trata en nuestro país. Muchas de sus víctimas, inmigrantes en situación irregular, son objeto de redadas policiales y expulsadas del país, en lugar de obtener la asistencia, protección y reparación que merecen como víctimas de una gravísima violación de los derechos humanos.
Otro motivo de preocupación respecto al Código Penal es la tipificación del terrorismo. El actual artículo 576 criminaliza a toda persona que "lleve a cabo, recabe o facilite, cualquier acto de colaboración con las actividades o las finalidades de una banda armada, organización o grupo terrorista", lo cual puede dar lugar a que se trate como delito la conducta de quien, por medios pacíficos, propugne cambios políticos o sociales. Éste fue el caso de algunos miembros de la Fundación Joxemi Zumalabe, juzgados y condenados en 2007 en el macrosumario 18/98 por colaboración con ETA y finalmente absueltos por el Tribunal Supremo. Es esencial que el Parlamento español se asegure de que se cumple escrupulosamente el principio de legalidad, de forma que todos los delitos estén recogidos de forma precisa y quede claro qué conductas prohibidas confieren a la colaboración con banda armada el carácter de conducta terrorista.
El proyecto sigue su tramitación en el Parlamento, por lo que todavía hay tiempo de mejorarlo y de que se convierta en un instrumento eficaz en la lucha contra la impunidad, y sirva para que España cumpla realmente con sus obligaciones internacionales. No debemos olvidar que el Código Penal es una norma esencial para la defensa y protección de los derechos humanos.
Itziar Ruiz-Giménez Arrieta es presidenta de Amnistía Internacional España.
sexta-feira, 19 de março de 2010
Situação prisional no Brasil por Tamara Melo mestranda em direito da Puc-rio
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4322896-EI6578,00-Advogada+da+Justica+Global+Presidios+nascerao+superlotad
segunda-feira, 15 de março de 2010
Uso da Tortura como prova
Revista 06 - FEVEREIRO de 2010 a MAIO de 2010*
http://iedc.org.br/REID/?CONT=00000141
http://iedc.org.br/REID/?CONT=00000141
Compra de armas na América do Sul
Folha de São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010
América do Sul dá salto em compra de armas
Levantamento mostra que aquisições de países da região aumentaram 150% nos últimos cinco anos; no mundo, aumento foi de 22%
Brasil é o 3º comprador sul-americano, atrás de Chile e Venezuela, alavancado por ideia de país como potência global, avalia especialista
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
As compras de armas pela América do Sul cresceram 150% nos últimos cinco anos na comparação com o período entre 2000 e 2004, enquanto no mundo o aumento foi de 22%, mostram dados apresentados hoje pelo Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri).
O salto é maior do que o de qualquer outra parte do planeta. Ainda que as aquisições sul-americanas continuem sendo uma parcela menor do total global, o instituto mostra preocupação com o rápido crescimento e com o que que vê como "indícios claros de comportamento competitivo" -um país reagindo à compra por outro.
Tensões fronteiriças históricas ou recentes não são o único fator a pesar para essa aceleração. "O Brasil em particular tem ligado desenvolvimento com a ideia de que é preciso adquirir uma força militar mais moderna para se tornar uma potência global, como o presidente Lula tem enfatizado nos últimos anos", disse por telefone Mark Bromley, especialista do Sipri na região.
Os dados, detalhados à Folha antecipadamente, tomam como base as encomendas de armas convencionais pesadas que foram entregues (e não apenas solicitadas) para cada país, o que cria expectativa de que o avanço persista.
O Brasil foi o terceiro comprador de armas da região e o 30º do planeta no período em foco, atrás do Chile (rival histórico do Peru e 13º comprador global) e da Venezuela (o 17º, constantemente em tensão com a Colômbia desde que Hugo Chávez e Álvaro Uribe chegaram ao poder em Caracas e Bogotá). Em seguida vêm exatamente Peru e Colômbia.
No quinquênio anterior, o país era o maior comprador da América do Sul e o 24º do mundo. Mas isso não significa que se gastou menos. Apenas que outros governos transformaram palavras em atos, e que tensões domésticas no sudeste da Ásia, em países como Malásia e Indonésia, catapultaram essa parte do mundo para um lugar mais alto da lista.
"As importações [de armas] pelo Brasil se mantiveram estáveis nos últimos dez anos, mas o volume global subiu", afirmou Bromley. Apesar do avanço dos vizinhos, nenhum deles manteve trajetória tão perene quanto a brasileira.
"Com as encomendas que o Brasil tem feito mais recentemente [como os caças do projeto FX-2, que renovará a frota da FAB], é provável que o país suba no próximo ranking", afirma o especialista.
Falta de confiança
O pesquisador aponta ainda para a necessidade de maior transparência nas transações de Defesa no subcontinente ("o histórico da América Latina aí ainda é volúvel") e de medidas que reforcem a tíbia confiança entre governos.
Ele ressalta, no entanto, que parte desse salto se deve ao fato de as compras terem ficado praticamente congeladas na região nos anos 80 e 90.
No bolo global, a fatia sul-americana ainda é pequena -a América, EUA inclusos, adquiriu só 11% dos novos armamentos nesse intervalo. A Ásia e a Oceania, líderes, compraram 41% (a entidade não dividiu a tabela por sub-região, nem forneceu dados suficientes para o cálculo).
A lista é encabeçada pela China, que tem gradualmente renovado seu arsenal para se equiparar a outras potências e recebeu 9% das armas do planeta. Em seguida vêm países com questões de fronteira como Índia, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos e Grécia. Israel é o sexto, e os EUA, com o poder bélico há muito consolidado, são os oitavos. O Irã é o 29º, e a Rússia, a 80ª.
De todas as entregas no período, 27% foram de aeronaves militares. Os americanos continuam sendo os principais vendedores de armas, com 30% da oferta mundial, seguidos pela Rússia (23%). A China é apenas o nono, mas os pesquisadores chamam atenção para seu papel ascendente.
América do Sul dá salto em compra de armas
Levantamento mostra que aquisições de países da região aumentaram 150% nos últimos cinco anos; no mundo, aumento foi de 22%
Brasil é o 3º comprador sul-americano, atrás de Chile e Venezuela, alavancado por ideia de país como potência global, avalia especialista
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
As compras de armas pela América do Sul cresceram 150% nos últimos cinco anos na comparação com o período entre 2000 e 2004, enquanto no mundo o aumento foi de 22%, mostram dados apresentados hoje pelo Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri).
O salto é maior do que o de qualquer outra parte do planeta. Ainda que as aquisições sul-americanas continuem sendo uma parcela menor do total global, o instituto mostra preocupação com o rápido crescimento e com o que que vê como "indícios claros de comportamento competitivo" -um país reagindo à compra por outro.
Tensões fronteiriças históricas ou recentes não são o único fator a pesar para essa aceleração. "O Brasil em particular tem ligado desenvolvimento com a ideia de que é preciso adquirir uma força militar mais moderna para se tornar uma potência global, como o presidente Lula tem enfatizado nos últimos anos", disse por telefone Mark Bromley, especialista do Sipri na região.
Os dados, detalhados à Folha antecipadamente, tomam como base as encomendas de armas convencionais pesadas que foram entregues (e não apenas solicitadas) para cada país, o que cria expectativa de que o avanço persista.
O Brasil foi o terceiro comprador de armas da região e o 30º do planeta no período em foco, atrás do Chile (rival histórico do Peru e 13º comprador global) e da Venezuela (o 17º, constantemente em tensão com a Colômbia desde que Hugo Chávez e Álvaro Uribe chegaram ao poder em Caracas e Bogotá). Em seguida vêm exatamente Peru e Colômbia.
No quinquênio anterior, o país era o maior comprador da América do Sul e o 24º do mundo. Mas isso não significa que se gastou menos. Apenas que outros governos transformaram palavras em atos, e que tensões domésticas no sudeste da Ásia, em países como Malásia e Indonésia, catapultaram essa parte do mundo para um lugar mais alto da lista.
"As importações [de armas] pelo Brasil se mantiveram estáveis nos últimos dez anos, mas o volume global subiu", afirmou Bromley. Apesar do avanço dos vizinhos, nenhum deles manteve trajetória tão perene quanto a brasileira.
"Com as encomendas que o Brasil tem feito mais recentemente [como os caças do projeto FX-2, que renovará a frota da FAB], é provável que o país suba no próximo ranking", afirma o especialista.
Falta de confiança
O pesquisador aponta ainda para a necessidade de maior transparência nas transações de Defesa no subcontinente ("o histórico da América Latina aí ainda é volúvel") e de medidas que reforcem a tíbia confiança entre governos.
Ele ressalta, no entanto, que parte desse salto se deve ao fato de as compras terem ficado praticamente congeladas na região nos anos 80 e 90.
No bolo global, a fatia sul-americana ainda é pequena -a América, EUA inclusos, adquiriu só 11% dos novos armamentos nesse intervalo. A Ásia e a Oceania, líderes, compraram 41% (a entidade não dividiu a tabela por sub-região, nem forneceu dados suficientes para o cálculo).
A lista é encabeçada pela China, que tem gradualmente renovado seu arsenal para se equiparar a outras potências e recebeu 9% das armas do planeta. Em seguida vêm países com questões de fronteira como Índia, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos e Grécia. Israel é o sexto, e os EUA, com o poder bélico há muito consolidado, são os oitavos. O Irã é o 29º, e a Rússia, a 80ª.
De todas as entregas no período, 27% foram de aeronaves militares. Os americanos continuam sendo os principais vendedores de armas, com 30% da oferta mundial, seguidos pela Rússia (23%). A China é apenas o nono, mas os pesquisadores chamam atenção para seu papel ascendente.
quinta-feira, 11 de março de 2010
A questão do Estado no Brasil
Folha de São Paulo 11 de março de 2010
Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo
Ex-presidente acerta ao apontar riscos do corporativismo sob Lula, mas omite seu governo, avalia Francisco de Oliveira
Para o economista Carlos Lessa, diferentemente do apontado por FHC, problema não é o tamanho do Estado, mas pouca transparência
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acerta ao afirmar que o "capitalismo corporativo" traz riscos aos direitos individuais, mas omite a atuação de seu governo em favor de empresas e erra ao concluir que o debate é entre esse modelo ou o "capitalismo de competição", disseram dois sociólogos de esquerda, sem vínculos atuais com o PT.
"Ele fala mais como político do que como sociólogo, porque sabe que a figura do capitalismo competitivo é de museu, se é que já existiu algum dia", disse Francisco de Oliveira, ao comentar a palestra feita pelo tucano no Rio, na segunda, noticiada ontem pela Folha.
Ex-colega de FHC no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Oliveira diz que o capitalismo nasceu "sob forte intervenção estatal" em países hoje desenvolvidos que tiveram industrialização tardia, como Alemanha e Japão.
Sobre a tese de FHC de que é preciso resgatar o liberalismo para que o Estado forte não "mate o indivíduo", o professor aposentado da USP diz que essa é uma "competição" perdida no mundo: "Fazer a equivalência entre Estado e nação, e colocar seus interesses, embora difusos, acima dos interesses individuais, é a regra geral".
Já em 2003, no ensaio "O Ornitorrinco", Oliveira falava de uma "nova classe social" formada pela elite sindical atrelada ao Estado -exemplo de corporativismo citado por FHC. Mas o sociólogo avalia que tanto o tucano quanto o presidente Lula optaram por "apostar mais no capitalismo do que em medidas de socialização".
Enquanto o primeiro usou os fundos de pensão das estatais para influir no resultado das privatizações, o segundo, ao favorecer a fusão de empresas, promove uma "centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu".
"Isso retira qualquer possibilidade de poder real dos trabalhadores", disse.
Luiz Werneck Vianna, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio) que há tempos alerta para a atuação das corporações sindicais e empresariais no governo Lula, diz que compartilha das "preocupações" expressas por FHC, mas que a "disjuntiva" não é entre capitalismo corporativo ou de competição.
"Essa contraposição é velha. O horizonte é outro, é como democratizar a relação entre Estado e sociedade."
Segundo ele, ao capturar sindicatos e movimentos sociais para a "malha estatal", o governo Lula tira sua autonomia e os separa de suas bases. Ao mesmo tempo, altos interesses empresariais "estão instalados no Estado, influenciam suas políticas e delas se beneficiam".
"O que sobra para os partidos e para a política se tudo é feito dentro de câmaras corporativas? O Legislativo e as instituições se deprimem. O que sobra é a política dos grandes negócios e o assistencialismo."
O economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), diz que, ao contrário do apontado por FHC, o problema não é o tamanho do Estado, mas sua pouca transparência -mantida pelo tucano e por Lula.
Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo
Ex-presidente acerta ao apontar riscos do corporativismo sob Lula, mas omite seu governo, avalia Francisco de Oliveira
Para o economista Carlos Lessa, diferentemente do apontado por FHC, problema não é o tamanho do Estado, mas pouca transparência
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acerta ao afirmar que o "capitalismo corporativo" traz riscos aos direitos individuais, mas omite a atuação de seu governo em favor de empresas e erra ao concluir que o debate é entre esse modelo ou o "capitalismo de competição", disseram dois sociólogos de esquerda, sem vínculos atuais com o PT.
"Ele fala mais como político do que como sociólogo, porque sabe que a figura do capitalismo competitivo é de museu, se é que já existiu algum dia", disse Francisco de Oliveira, ao comentar a palestra feita pelo tucano no Rio, na segunda, noticiada ontem pela Folha.
Ex-colega de FHC no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Oliveira diz que o capitalismo nasceu "sob forte intervenção estatal" em países hoje desenvolvidos que tiveram industrialização tardia, como Alemanha e Japão.
Sobre a tese de FHC de que é preciso resgatar o liberalismo para que o Estado forte não "mate o indivíduo", o professor aposentado da USP diz que essa é uma "competição" perdida no mundo: "Fazer a equivalência entre Estado e nação, e colocar seus interesses, embora difusos, acima dos interesses individuais, é a regra geral".
Já em 2003, no ensaio "O Ornitorrinco", Oliveira falava de uma "nova classe social" formada pela elite sindical atrelada ao Estado -exemplo de corporativismo citado por FHC. Mas o sociólogo avalia que tanto o tucano quanto o presidente Lula optaram por "apostar mais no capitalismo do que em medidas de socialização".
Enquanto o primeiro usou os fundos de pensão das estatais para influir no resultado das privatizações, o segundo, ao favorecer a fusão de empresas, promove uma "centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu".
"Isso retira qualquer possibilidade de poder real dos trabalhadores", disse.
Luiz Werneck Vianna, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio) que há tempos alerta para a atuação das corporações sindicais e empresariais no governo Lula, diz que compartilha das "preocupações" expressas por FHC, mas que a "disjuntiva" não é entre capitalismo corporativo ou de competição.
"Essa contraposição é velha. O horizonte é outro, é como democratizar a relação entre Estado e sociedade."
Segundo ele, ao capturar sindicatos e movimentos sociais para a "malha estatal", o governo Lula tira sua autonomia e os separa de suas bases. Ao mesmo tempo, altos interesses empresariais "estão instalados no Estado, influenciam suas políticas e delas se beneficiam".
"O que sobra para os partidos e para a política se tudo é feito dentro de câmaras corporativas? O Legislativo e as instituições se deprimem. O que sobra é a política dos grandes negócios e o assistencialismo."
O economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), diz que, ao contrário do apontado por FHC, o problema não é o tamanho do Estado, mas sua pouca transparência -mantida pelo tucano e por Lula.
Debate sobre as cotas
Debate sobre cotas na globonews:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1226185-7823-DEBATE+SOBRE+AS+COTAS+PARA+ESTUDANTES+NEGROS+E+O+TEMA+DESTE+ENTRE+ASPAS,00.html
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domingo, 7 de março de 2010
Cotas e a história
Folha de São Paulo, domingo, 07 de março de 2010
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Racismo e cotas
Pacto entre proprietários de escravos constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica do Brasil
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Em 2010, os negros brasileiros passam a formar a maioria da população do país. A mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado e desafios para o nosso futuro.
No século 19, o Império do Brasil aparece como a única nação que praticava o tráfico negreiro em larga escala.
Alvo da pressão britânica, o comércio de africanos passou a ser proscrito por uma rede de tratados que a Inglaterra teceu no Atlântico. Na sequência do tratado de 1826, a lei de 7 de novembro de 1831 proibiu o comércio de africanos no Brasil.
Entretanto, 760 mil indivíduos vindos da África foram trazidos entre 1831 e 1856, num circuito de tráfico clandestino.
Ora, a lei de 1831 assegurava a liberdade imediata aos africanos introduzidos no país após a proibição.
A partir daí, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do Código Criminal de 1830.
Porém, o governo imperial anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de sequestro, deixando livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres.
Imoral e ilegal
Os 760 mil africanos desembarcados até 1856 -e a totalidade de seus descendentes- continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do Império era ainda -primeiro e sobretudo- ilegal.
Tenho para mim que esse pacto dos sequestradores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira. Firmava-se o princípio da impunidade e do casuísmo da lei. Consequentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.
Outra deformidade gerada pelo sistema refere-se à violência policial.
Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos EUA, o escravismo passou a ser consubstancial à organização das instituições nacionais.
Entre as múltiplas contradições engendradas por essa situação, uma relevava do Código Penal: como punir o escravo delinquente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que cumpria pena de prisão? O quadro legal definiu-se em dois tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, no artigo 179, a extinção das punições físicas. "Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis."
Conforme os princípios do iluminismo, ficavam preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres. Num segundo momento, o artigo 60 do Código Criminal reatualiza a pena de tortura: "Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites...".
Com o açoite, com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema. Oficializada até o final do Império, essa prática punitiva atingiu as camadas desfavorecidas, travando o advento de uma política fundada na liberdade individual e nos direitos humanos. Uma terceira deformidade gerada pelo escravismo afeta o estatuto da cidadania.
É sabido que até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros alforriados, podiam ser eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores de segundo grau, os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de eleitores. Em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado.
Decidida no contexto pré-abolicionista, a proibição buscava barrar o acesso do corpo eleitoral aos libertos. Gerou-se uma infracidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do analfabeto. Mas a exclusão foi mais impactante na população negra, em que o analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas proporcionalmente mais altas do que entre os brancos.
Nascidas no século 19, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro. Por essa razão, ao agir em sentido contrário, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os negros consolidará nossa democracia.
Democracia
Não se trata aqui de uma lógica indenizatória, destinada a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica -como foi o caso, em boa medida, nos julgamentos sobre as terras indígenas. Trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre as cotas no aperfeiçoamento da democracia.
Nesse sentido, a arguição de inconstitucionalidade impetrada no Supremo Tribunal Federal [que analisa a constitucionalidade do sistema de cotas da Universidade de Brasília] revela-se obsoleta. Na verdade, as cotas raciais beneficiaram e beneficiam dezenas de milhares de estudantes nas universidades privadas no quadro do ProUni e 52 mil estudantes nas universidades públicas, funcionando há vários anos, com grande proveito para a comunidade acadêmica e para o país.
Os incidentes suscitados pelas cotas raciais são mínimos e muitíssimo menos graves do que as truculências perpetradas nos trotes universitários. Como no caso do plebiscito sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, o debate sobre as cotas raciais atravessa as linhas partidárias. Aliás, as primeiras medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido, pelo governo FHC.
A existência de alianças transversais deve nos conduzir, mesmo em ano de eleição, a um debate onde os argumentos possam ser analisados a fim de contribuir para a superação da desigualdade racial que pesa sobre a democracia brasileira.
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO é historiador e professor na Universidade de Paris 4. Este artigo é um resumo da fala apresentada no STF, como representante da Fundação Palmares.
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Racismo e cotas
Pacto entre proprietários de escravos constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica do Brasil
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Em 2010, os negros brasileiros passam a formar a maioria da população do país. A mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado e desafios para o nosso futuro.
No século 19, o Império do Brasil aparece como a única nação que praticava o tráfico negreiro em larga escala.
Alvo da pressão britânica, o comércio de africanos passou a ser proscrito por uma rede de tratados que a Inglaterra teceu no Atlântico. Na sequência do tratado de 1826, a lei de 7 de novembro de 1831 proibiu o comércio de africanos no Brasil.
Entretanto, 760 mil indivíduos vindos da África foram trazidos entre 1831 e 1856, num circuito de tráfico clandestino.
Ora, a lei de 1831 assegurava a liberdade imediata aos africanos introduzidos no país após a proibição.
A partir daí, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do Código Criminal de 1830.
Porém, o governo imperial anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de sequestro, deixando livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres.
Imoral e ilegal
Os 760 mil africanos desembarcados até 1856 -e a totalidade de seus descendentes- continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do Império era ainda -primeiro e sobretudo- ilegal.
Tenho para mim que esse pacto dos sequestradores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira. Firmava-se o princípio da impunidade e do casuísmo da lei. Consequentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.
Outra deformidade gerada pelo sistema refere-se à violência policial.
Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos EUA, o escravismo passou a ser consubstancial à organização das instituições nacionais.
Entre as múltiplas contradições engendradas por essa situação, uma relevava do Código Penal: como punir o escravo delinquente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que cumpria pena de prisão? O quadro legal definiu-se em dois tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, no artigo 179, a extinção das punições físicas. "Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis."
Conforme os princípios do iluminismo, ficavam preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres. Num segundo momento, o artigo 60 do Código Criminal reatualiza a pena de tortura: "Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites...".
Com o açoite, com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema. Oficializada até o final do Império, essa prática punitiva atingiu as camadas desfavorecidas, travando o advento de uma política fundada na liberdade individual e nos direitos humanos. Uma terceira deformidade gerada pelo escravismo afeta o estatuto da cidadania.
É sabido que até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros alforriados, podiam ser eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores de segundo grau, os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de eleitores. Em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado.
Decidida no contexto pré-abolicionista, a proibição buscava barrar o acesso do corpo eleitoral aos libertos. Gerou-se uma infracidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do analfabeto. Mas a exclusão foi mais impactante na população negra, em que o analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas proporcionalmente mais altas do que entre os brancos.
Nascidas no século 19, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro. Por essa razão, ao agir em sentido contrário, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os negros consolidará nossa democracia.
Democracia
Não se trata aqui de uma lógica indenizatória, destinada a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica -como foi o caso, em boa medida, nos julgamentos sobre as terras indígenas. Trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre as cotas no aperfeiçoamento da democracia.
Nesse sentido, a arguição de inconstitucionalidade impetrada no Supremo Tribunal Federal [que analisa a constitucionalidade do sistema de cotas da Universidade de Brasília] revela-se obsoleta. Na verdade, as cotas raciais beneficiaram e beneficiam dezenas de milhares de estudantes nas universidades privadas no quadro do ProUni e 52 mil estudantes nas universidades públicas, funcionando há vários anos, com grande proveito para a comunidade acadêmica e para o país.
Os incidentes suscitados pelas cotas raciais são mínimos e muitíssimo menos graves do que as truculências perpetradas nos trotes universitários. Como no caso do plebiscito sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, o debate sobre as cotas raciais atravessa as linhas partidárias. Aliás, as primeiras medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido, pelo governo FHC.
A existência de alianças transversais deve nos conduzir, mesmo em ano de eleição, a um debate onde os argumentos possam ser analisados a fim de contribuir para a superação da desigualdade racial que pesa sobre a democracia brasileira.
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO é historiador e professor na Universidade de Paris 4. Este artigo é um resumo da fala apresentada no STF, como representante da Fundação Palmares.
Integração arabe na França
Folha de São Paulo, domingo, 07 de março de 2010
Conto das arábias
Bairro na periferia de Paris, Belleville revela que a imagem da Europa dominada por muçulmanos é um grande mito
SIMON KUPER
Qualquer pessoa interessada em entender a situação dos muçulmanos na Europa deveria fazer uma visita a Belleville. Esse bairro parisiense decadente a leste do centro da cidade é repleto de restaurantes que servem cuscuz, livrarias islâmicas e cidadãos franceses de origem árabe.
Cerca de 1,5 milhão de muçulmanos nominais [identificados com o grupo étnico, não necessariamente com a religião] vivem na região de Paris -mais do que em qualquer outra cidade da Europa. Mas as ruas estreitas de Belleville também são repletas de pessoas de origem chinesa, judaica, africana subsaariana e francesa de classe média. Uma classe de crianças sai de um jardim de infância; criancinhas de quatro cores de pele diferentes se dão as mãos, enquanto suas professoras dão ordens em francês.
É claro que nem toda a vida muçulmana na França ou na Europa se assemelha a Belleville. Nos guetos étnicos da periferia de Paris, muçulmanos nominais podem chegar à idade adulta sem nunca entrar na casa de um francês branco. Mas Belleville é importante. Um cenário comumente traçado para o futuro da Europa é o da "Eurábia", no qual uma maioria religiosa muçulmana comandaria o continente.
Mas a maioria dos cientistas políticos e demógrafos franceses acha mais provável um cenário de "mistura", à moda de Belleville.
Tá dominado?
O cenário da "Eurábia" vem tendo mais publicidade, em especial nos EUA. Bernard Lewis, célebre estudioso do islã, citou o número de imigrantes de países muçulmanos e seus índices de natalidade relativamente altos para concluir: "A julgar pelas tendências atuais, a Europa terá maiorias muçulmanas na população no mais tardar até o final do século 21".
O livro "Reflections on the Revolution in Europe - Immigration, Islam and the West" [Reflexões Sobre a Revolução na Europa - Imigração, Islã e o Ocidente], do comentarista político do "Financial Times" Christopher Caldwell, é a apresentação mais nuançada e sofisticada feita até agora da tese da "Eurábia".
Os muçulmanos chegaram à França em grande número na década de 1960, vindos principalmente do norte da África. O país tem hoje 5 milhões de habitantes de origem muçulmana -ou 8% da população.
Contudo há duas razões principais pelas quais o cenário de Belleville parece ser mais provável que o da "Eurábia". A primeira é de natureza populacional: nenhum demógrafo sério prevê que os muçulmanos virem maioria em qualquer país da Europa ocidental. A segunda diz respeito a atitudes: apenas uma minoria minúscula de muçulmanos parece desejar estabelecer um califado medieval na Europa.
Ouvidos em pesquisas, a maioria dos muçulmanos da França diz que se sente francesa. Muitos deles já não observam a religião islâmica. Embora aqui e ali tenham tornado a França um pouco mais norte-africana ou islâmica, a influência parece ser em sentido inverso: os imigrantes muçulmanos estão sendo contagiados pelo espírito francês. Para começar, a demografia.
A ideia de que os muçulmanos estariam produzindo bebês em escala industrial para tomar conta da Europa é um clichê desatualizado.
Os autores que defendem a tese da "Eurábia" se preocupam com o declínio da fertilidade europeia, mas o fato é que o declínio da fertilidade muçulmana é muito mais acentuado. Em 1970, as mulheres na Tunísia e na Argélia [no norte da África] tinham a média de sete filhos cada. Hoje, segundo o "World Factbook" da CIA, elas têm, em média, menos de 1,8 filho. O índice de natalidade francês é quase dois.
Os demógrafos parisienses Youssef Courbage e Emmanuel Todd mostraram em seu livro de 2007 "Le Rendez-Vous des Civilisations" [O Encontro das Civilizações] que, depois que a maioria dos homens em um país é alfabetizada, a maioria das mulheres também se alfabetiza, e, em seguida, a fertilidade diminui.
Essa transição demográfica já aconteceu na maioria dos países muçulmanos. Pela última contagem, as argelinas residentes na França tinham 2,57 filhos, ou seja, apenas um pouco acima do índice francês. Além disso, a taxa de fertilidade das mulheres norte-africanas na França vem caindo desde 1981.
Poucos minaretes
Uma imagem constantemente usada na literatura sobre a "Eurábia" é a do chamado do muezim para as orações ecoando de telhados europeus. Não se ouve muito isso em Belleville. Como em outras partes do país, parece que faltam mesquitas para os muçulmanos do bairro. Menos de 5% dos muçulmanos franceses frequentam a mesquita todas as sextas-feiras, escrevem Jonathan Laurence e Justin Vaisse em seu estudo sobre a integração muçulmana na França, "Integrating Islam" [Integrando o Islã].
Farhad Khosrokhavar, diretor de estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, estima que entre 15% e 20% dos muçulmanos franceses nem sequer praticam o islã. Jejuar durante o Ramadã é considerado um dever básico da religião, mas apenas cerca de 70% dos muçulmanos franceses afirmam fazê-lo. Em suma, o islã europeu tem muitos dos mesmos problemas que o cristianismo europeu.
É verdade que a mistura que se vê em Belleville não conta toda a história do islã na França. Pegue o trem para a cidade pobre de Dreux, a uma hora a oeste de Paris, e você verá algo que, à primeira vista, se assemelha mais à "Eurábia".
Em alguns lugares, Dreux lembra uma cidade árabe na chuva. Cerca de metade de seus 32 mil habitantes é de origem estrangeira.
A maioria não escolheu viver num gueto étnico. Mas, quando as fábricas locais começaram a fechar, os franceses brancos foram os que tiveram mais facilidade em encontrar empregos em outros lugares.
Franceses de origem árabe com frequência sofrem com o desemprego, em parte porque têm pouca instrução, em parte pela discriminação.
Em 2004, o sociólogo Jean-François Amadieu, da Sorbonne, enviou 500 currículos respondendo a anúncios buscando profissionais de vendas na região de Paris. Os currículos eram idênticos, exceto por uma coisa: alguns dos candidatos tinham nomes norte-africanos e outros tinham nomes franceses tradicionais. Os nomes masculinos franceses brancos receberam cinco vezes mais ofertas de emprego do que os norte-africanos.
Quando Amadieu repetiu o experimento em 2006, a razão foi de 20 para um. Mas mesmo Dreux não é a "Eurábia". A pobreza, e não a religião, é a preocupação principal dos muçulmanos nominais franceses, como as pesquisas mostram, de modo consistente.
Mais dinheiro que fé
O que os diferencia da população francesa em geral não é tanto sua religião quanto suas circunstâncias sociais e econômicas: vivem em conjuntos habitacionais isolados e pobres, com altos índices de criminalidade. Estudiosos concordam que os tumultos na periferia étnica de Paris em 2005 não foram uma "intifada europeia" de muçulmanos fundamentalistas atacando o Ocidente.
Foram, sobretudo, uma espécie de levante marxista de franceses pobres que, dentro da tradição revolucionária anárquica do país, exigiam o status socioeconômico que pensavam que deveria acompanhar sua condição de franceses.
A mulher
Se traçássemos um perfil da mulher muçulmana francesa média de hoje, o resultado seria algo mais ou menos assim: ela tem dois ou três filhos, que frequentam escolas não religiosas. Ela é relativamente pobre, mas, de modo geral, está satisfeita, embora se sinta indignada com a discriminação. Sente-se mais religiosa do que há uma década, porém não usa lenço na cabeça -mas tem amigas que o fazem. Opõe-se ao terrorismo, embora provavelmente conheça simpatizantes. Vota nos socialistas e se preocupa mais com problemas econômicos do que com qualquer coisa que acontece no Oriente Médio.
Desde 2007, os muçulmanos franceses têm estado longe dos noticiários. Isso ajudou a inaugurar uma nova fase: uma religião, no caso o islã, é formatada para adequar-se às normas sociais dominantes. Exemplo disso foi a proibição do uso do véu nas escolas francesas.
Outro, escreve o principal estudioso do islã no país e morador de Dreux, Olivier Roy, é a evolução de um novo tipo de casamento muçulmano francês: é realizado na mesquita, mas com o casal de mãos dadas, com a noiva vestida de branco e segurando um buquê de flores -exatamente como num casamento cristão.
Durante a "formatação" -como Roy descreve esse processo-, a sociedade descarta aspectos da religião que considera "bárbaros" (como a amputação das mãos de criminosos) ou simplesmente "esdrúxulos" (como o véu).
A formatação pode ser feita de baixo para cima ou pode ser imposta de cima para baixo. Alguns opõem resistência a ela: muitos muçulmanos franceses se opuseram à proibição do véu nas escolas, embora o Ministério do Interior tivesse estimado que menos de 1% das garotas muçulmanas usasse lenço na cabeça na escola.
Mas a maioria das pessoas aceita a nova formatação. Se não o fizesse, não haveria adesão a ela. Em junho passado, o presidente Nicolas Sarkozy lançou uma nova etapa na formatação do islã. Ele criticou um item de vestimenta que poucos franceses chegam a ver: a burca. Em Paris, uma piscina pública na periferia proibiu uma mulher de nadar de "burquini", uma roupa de banho que a cobria dos pés à cabeça. Quando a República começa a voltar sua atenção a fenômenos tão periféricos, é provável que já estejamos numa etapa posterior da formatação.
É possível passar horas no bulevar de Belleville e nunca ver uma burca. O Ministério do Interior estimou o número de francesas que trajam burcas em exatamente 367.
Cerca de um quarto delas são mulheres que se converteram ao islã; foi o caso da mulher proibida de frequentar a piscina por usar o "burquini", que é ainda mais raro.
O que ocorre agora é que a República está traçando as fronteiras do islã francês. Os muçulmanos podem continuar a ser muçulmanos se quiserem, mas também devem ser transformados em "pequenos franceses", como aquelas criancinhas de Belleville de mãos dadas com seus coleguinhas brancos e franceses de origem chinesa.
É o mesmo caminho trilhado pelos italianos, judeus e poloneses que vieram para o país em diferentes momentos nos últimos 150 anos. Todos foram considerados estrangeiros em algum momento. De lá para cá, todos foram assimilados.
Essa perspectiva agrada a muitos muçulmanos franceses. Como disse o escritor Abdellah Taïa em seu apartamento em Belleville: "Se sinto angústia à noite, não é por ser árabe ou muçulmano".
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.
Conto das arábias
Bairro na periferia de Paris, Belleville revela que a imagem da Europa dominada por muçulmanos é um grande mito
SIMON KUPER
Qualquer pessoa interessada em entender a situação dos muçulmanos na Europa deveria fazer uma visita a Belleville. Esse bairro parisiense decadente a leste do centro da cidade é repleto de restaurantes que servem cuscuz, livrarias islâmicas e cidadãos franceses de origem árabe.
Cerca de 1,5 milhão de muçulmanos nominais [identificados com o grupo étnico, não necessariamente com a religião] vivem na região de Paris -mais do que em qualquer outra cidade da Europa. Mas as ruas estreitas de Belleville também são repletas de pessoas de origem chinesa, judaica, africana subsaariana e francesa de classe média. Uma classe de crianças sai de um jardim de infância; criancinhas de quatro cores de pele diferentes se dão as mãos, enquanto suas professoras dão ordens em francês.
É claro que nem toda a vida muçulmana na França ou na Europa se assemelha a Belleville. Nos guetos étnicos da periferia de Paris, muçulmanos nominais podem chegar à idade adulta sem nunca entrar na casa de um francês branco. Mas Belleville é importante. Um cenário comumente traçado para o futuro da Europa é o da "Eurábia", no qual uma maioria religiosa muçulmana comandaria o continente.
Mas a maioria dos cientistas políticos e demógrafos franceses acha mais provável um cenário de "mistura", à moda de Belleville.
Tá dominado?
O cenário da "Eurábia" vem tendo mais publicidade, em especial nos EUA. Bernard Lewis, célebre estudioso do islã, citou o número de imigrantes de países muçulmanos e seus índices de natalidade relativamente altos para concluir: "A julgar pelas tendências atuais, a Europa terá maiorias muçulmanas na população no mais tardar até o final do século 21".
O livro "Reflections on the Revolution in Europe - Immigration, Islam and the West" [Reflexões Sobre a Revolução na Europa - Imigração, Islã e o Ocidente], do comentarista político do "Financial Times" Christopher Caldwell, é a apresentação mais nuançada e sofisticada feita até agora da tese da "Eurábia".
Os muçulmanos chegaram à França em grande número na década de 1960, vindos principalmente do norte da África. O país tem hoje 5 milhões de habitantes de origem muçulmana -ou 8% da população.
Contudo há duas razões principais pelas quais o cenário de Belleville parece ser mais provável que o da "Eurábia". A primeira é de natureza populacional: nenhum demógrafo sério prevê que os muçulmanos virem maioria em qualquer país da Europa ocidental. A segunda diz respeito a atitudes: apenas uma minoria minúscula de muçulmanos parece desejar estabelecer um califado medieval na Europa.
Ouvidos em pesquisas, a maioria dos muçulmanos da França diz que se sente francesa. Muitos deles já não observam a religião islâmica. Embora aqui e ali tenham tornado a França um pouco mais norte-africana ou islâmica, a influência parece ser em sentido inverso: os imigrantes muçulmanos estão sendo contagiados pelo espírito francês. Para começar, a demografia.
A ideia de que os muçulmanos estariam produzindo bebês em escala industrial para tomar conta da Europa é um clichê desatualizado.
Os autores que defendem a tese da "Eurábia" se preocupam com o declínio da fertilidade europeia, mas o fato é que o declínio da fertilidade muçulmana é muito mais acentuado. Em 1970, as mulheres na Tunísia e na Argélia [no norte da África] tinham a média de sete filhos cada. Hoje, segundo o "World Factbook" da CIA, elas têm, em média, menos de 1,8 filho. O índice de natalidade francês é quase dois.
Os demógrafos parisienses Youssef Courbage e Emmanuel Todd mostraram em seu livro de 2007 "Le Rendez-Vous des Civilisations" [O Encontro das Civilizações] que, depois que a maioria dos homens em um país é alfabetizada, a maioria das mulheres também se alfabetiza, e, em seguida, a fertilidade diminui.
Essa transição demográfica já aconteceu na maioria dos países muçulmanos. Pela última contagem, as argelinas residentes na França tinham 2,57 filhos, ou seja, apenas um pouco acima do índice francês. Além disso, a taxa de fertilidade das mulheres norte-africanas na França vem caindo desde 1981.
Poucos minaretes
Uma imagem constantemente usada na literatura sobre a "Eurábia" é a do chamado do muezim para as orações ecoando de telhados europeus. Não se ouve muito isso em Belleville. Como em outras partes do país, parece que faltam mesquitas para os muçulmanos do bairro. Menos de 5% dos muçulmanos franceses frequentam a mesquita todas as sextas-feiras, escrevem Jonathan Laurence e Justin Vaisse em seu estudo sobre a integração muçulmana na França, "Integrating Islam" [Integrando o Islã].
Farhad Khosrokhavar, diretor de estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, estima que entre 15% e 20% dos muçulmanos franceses nem sequer praticam o islã. Jejuar durante o Ramadã é considerado um dever básico da religião, mas apenas cerca de 70% dos muçulmanos franceses afirmam fazê-lo. Em suma, o islã europeu tem muitos dos mesmos problemas que o cristianismo europeu.
É verdade que a mistura que se vê em Belleville não conta toda a história do islã na França. Pegue o trem para a cidade pobre de Dreux, a uma hora a oeste de Paris, e você verá algo que, à primeira vista, se assemelha mais à "Eurábia".
Em alguns lugares, Dreux lembra uma cidade árabe na chuva. Cerca de metade de seus 32 mil habitantes é de origem estrangeira.
A maioria não escolheu viver num gueto étnico. Mas, quando as fábricas locais começaram a fechar, os franceses brancos foram os que tiveram mais facilidade em encontrar empregos em outros lugares.
Franceses de origem árabe com frequência sofrem com o desemprego, em parte porque têm pouca instrução, em parte pela discriminação.
Em 2004, o sociólogo Jean-François Amadieu, da Sorbonne, enviou 500 currículos respondendo a anúncios buscando profissionais de vendas na região de Paris. Os currículos eram idênticos, exceto por uma coisa: alguns dos candidatos tinham nomes norte-africanos e outros tinham nomes franceses tradicionais. Os nomes masculinos franceses brancos receberam cinco vezes mais ofertas de emprego do que os norte-africanos.
Quando Amadieu repetiu o experimento em 2006, a razão foi de 20 para um. Mas mesmo Dreux não é a "Eurábia". A pobreza, e não a religião, é a preocupação principal dos muçulmanos nominais franceses, como as pesquisas mostram, de modo consistente.
Mais dinheiro que fé
O que os diferencia da população francesa em geral não é tanto sua religião quanto suas circunstâncias sociais e econômicas: vivem em conjuntos habitacionais isolados e pobres, com altos índices de criminalidade. Estudiosos concordam que os tumultos na periferia étnica de Paris em 2005 não foram uma "intifada europeia" de muçulmanos fundamentalistas atacando o Ocidente.
Foram, sobretudo, uma espécie de levante marxista de franceses pobres que, dentro da tradição revolucionária anárquica do país, exigiam o status socioeconômico que pensavam que deveria acompanhar sua condição de franceses.
A mulher
Se traçássemos um perfil da mulher muçulmana francesa média de hoje, o resultado seria algo mais ou menos assim: ela tem dois ou três filhos, que frequentam escolas não religiosas. Ela é relativamente pobre, mas, de modo geral, está satisfeita, embora se sinta indignada com a discriminação. Sente-se mais religiosa do que há uma década, porém não usa lenço na cabeça -mas tem amigas que o fazem. Opõe-se ao terrorismo, embora provavelmente conheça simpatizantes. Vota nos socialistas e se preocupa mais com problemas econômicos do que com qualquer coisa que acontece no Oriente Médio.
Desde 2007, os muçulmanos franceses têm estado longe dos noticiários. Isso ajudou a inaugurar uma nova fase: uma religião, no caso o islã, é formatada para adequar-se às normas sociais dominantes. Exemplo disso foi a proibição do uso do véu nas escolas francesas.
Outro, escreve o principal estudioso do islã no país e morador de Dreux, Olivier Roy, é a evolução de um novo tipo de casamento muçulmano francês: é realizado na mesquita, mas com o casal de mãos dadas, com a noiva vestida de branco e segurando um buquê de flores -exatamente como num casamento cristão.
Durante a "formatação" -como Roy descreve esse processo-, a sociedade descarta aspectos da religião que considera "bárbaros" (como a amputação das mãos de criminosos) ou simplesmente "esdrúxulos" (como o véu).
A formatação pode ser feita de baixo para cima ou pode ser imposta de cima para baixo. Alguns opõem resistência a ela: muitos muçulmanos franceses se opuseram à proibição do véu nas escolas, embora o Ministério do Interior tivesse estimado que menos de 1% das garotas muçulmanas usasse lenço na cabeça na escola.
Mas a maioria das pessoas aceita a nova formatação. Se não o fizesse, não haveria adesão a ela. Em junho passado, o presidente Nicolas Sarkozy lançou uma nova etapa na formatação do islã. Ele criticou um item de vestimenta que poucos franceses chegam a ver: a burca. Em Paris, uma piscina pública na periferia proibiu uma mulher de nadar de "burquini", uma roupa de banho que a cobria dos pés à cabeça. Quando a República começa a voltar sua atenção a fenômenos tão periféricos, é provável que já estejamos numa etapa posterior da formatação.
É possível passar horas no bulevar de Belleville e nunca ver uma burca. O Ministério do Interior estimou o número de francesas que trajam burcas em exatamente 367.
Cerca de um quarto delas são mulheres que se converteram ao islã; foi o caso da mulher proibida de frequentar a piscina por usar o "burquini", que é ainda mais raro.
O que ocorre agora é que a República está traçando as fronteiras do islã francês. Os muçulmanos podem continuar a ser muçulmanos se quiserem, mas também devem ser transformados em "pequenos franceses", como aquelas criancinhas de Belleville de mãos dadas com seus coleguinhas brancos e franceses de origem chinesa.
É o mesmo caminho trilhado pelos italianos, judeus e poloneses que vieram para o país em diferentes momentos nos últimos 150 anos. Todos foram considerados estrangeiros em algum momento. De lá para cá, todos foram assimilados.
Essa perspectiva agrada a muitos muçulmanos franceses. Como disse o escritor Abdellah Taïa em seu apartamento em Belleville: "Se sinto angústia à noite, não é por ser árabe ou muçulmano".
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.
sexta-feira, 5 de março de 2010
Ação afirmativa e o STF
Folha de São Paulo de 05 de março de 2010
Debate sobre cotas no Supremo opõe intelectuais no 2º dia
Opositores dizem que política cria semente de ódio na população; para os defensores, benefício a negros corrige desigualdades
Audiências convocadas pelo STF vão nortear decisão a respeito da continuidade da reserva de vagas no país segundo critério racial
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Duas formas de encarar os direitos enfrentaram-se ontem no Supremo em Brasília, a propósito da discussão sobre a reserva de vagas para negros nas universidades, as "cotas raciais".
De um lado, os intelectuais que defendem a universalidade das leis e o princípio de que o tratamento deve ser igual a todos. De outro, os que querem que a lei contemple as diferenças e acham que só distribuindo tratamento desigual se tratará com justiça os desiguais. À briga:
1. "Raça" é um termo desprovido de sentido científico; não pode servir de parâmetro para a construção de políticas sociais. 2. Introduzir a variável "raça" em políticas sociais só serve para incentivar o pensamento de que as pessoas não são iguais e nem são universais os direitos. 3. A identificação por "raça" para a atribuição de direitos cria uma semente de ódio e divisão.
Gravitou em torno desses três eixos o discurso dos anticotas no segundo dia da audiência. O STF decide neste ano se a reserva de vagas por critério racial fere ou não preceito fundamental.
Segundo a antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ, a partir dos anos 1990, ONGs e setores do governo propuseram a criação de políticas afirmativas com base no critério racial. "O argumento era de que o racismo é um dos fatores principais da produção das desigualdades."
Só que em um país miscigenado como é o Brasil, as fronteiras raciais não seriam tão evidentes quanto as que se verificam em países desde há muito fortemente segregados. Como definir quem teria direito a ser tratado como "negro"?
Para ela, menos do que estar interessado em reduzir as desigualdades, o principal propósito do movimento pró-cotas seria o de tentar produzir identidades raciais bem delimitadas. Seria uma tentativa de impor políticas já experimentadas em outras países "que trouxeram mais dor do que alívio".
Já o tratamento desigual como forma de o Estado prover igualdade de oportunidades é o centro da argumentação dos defensores das cotas. Segundo Oscar Vilhena, docente da PUC e da FGV-SP, as ações afirmativas baseadas nos critérios de raça, pobreza, origem escolar e outros "não são incompatíveis com a Constituição, quando afirma a igualdade de todos; ao contrário, são exigência dela".
Para ele, as ações afirmativas servem para "corrigir" processos seletivos excludentes. "Ajustam aquelas condições que não foram dadas a determinados setores, para que todos possam concorrer em igualdade de condições. O acesso deve ser segundo a capacidade. Mas o nosso vestibular não mede a capacidade, mede investimento."
Africano, fundador do Centro de Estudos Africanos da USP, Kabengele Munanga procurou desfazer o argumento de que as cotas favoreceriam o surgimento de ódios raciais inéditos. "Já há cotas há quase uma década em dezenas de universidades. E não se viram distúrbios."
Debate sobre cotas no Supremo opõe intelectuais no 2º dia
Opositores dizem que política cria semente de ódio na população; para os defensores, benefício a negros corrige desigualdades
Audiências convocadas pelo STF vão nortear decisão a respeito da continuidade da reserva de vagas no país segundo critério racial
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Duas formas de encarar os direitos enfrentaram-se ontem no Supremo em Brasília, a propósito da discussão sobre a reserva de vagas para negros nas universidades, as "cotas raciais".
De um lado, os intelectuais que defendem a universalidade das leis e o princípio de que o tratamento deve ser igual a todos. De outro, os que querem que a lei contemple as diferenças e acham que só distribuindo tratamento desigual se tratará com justiça os desiguais. À briga:
1. "Raça" é um termo desprovido de sentido científico; não pode servir de parâmetro para a construção de políticas sociais. 2. Introduzir a variável "raça" em políticas sociais só serve para incentivar o pensamento de que as pessoas não são iguais e nem são universais os direitos. 3. A identificação por "raça" para a atribuição de direitos cria uma semente de ódio e divisão.
Gravitou em torno desses três eixos o discurso dos anticotas no segundo dia da audiência. O STF decide neste ano se a reserva de vagas por critério racial fere ou não preceito fundamental.
Segundo a antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ, a partir dos anos 1990, ONGs e setores do governo propuseram a criação de políticas afirmativas com base no critério racial. "O argumento era de que o racismo é um dos fatores principais da produção das desigualdades."
Só que em um país miscigenado como é o Brasil, as fronteiras raciais não seriam tão evidentes quanto as que se verificam em países desde há muito fortemente segregados. Como definir quem teria direito a ser tratado como "negro"?
Para ela, menos do que estar interessado em reduzir as desigualdades, o principal propósito do movimento pró-cotas seria o de tentar produzir identidades raciais bem delimitadas. Seria uma tentativa de impor políticas já experimentadas em outras países "que trouxeram mais dor do que alívio".
Já o tratamento desigual como forma de o Estado prover igualdade de oportunidades é o centro da argumentação dos defensores das cotas. Segundo Oscar Vilhena, docente da PUC e da FGV-SP, as ações afirmativas baseadas nos critérios de raça, pobreza, origem escolar e outros "não são incompatíveis com a Constituição, quando afirma a igualdade de todos; ao contrário, são exigência dela".
Para ele, as ações afirmativas servem para "corrigir" processos seletivos excludentes. "Ajustam aquelas condições que não foram dadas a determinados setores, para que todos possam concorrer em igualdade de condições. O acesso deve ser segundo a capacidade. Mas o nosso vestibular não mede a capacidade, mede investimento."
Africano, fundador do Centro de Estudos Africanos da USP, Kabengele Munanga procurou desfazer o argumento de que as cotas favoreceriam o surgimento de ódios raciais inéditos. "Já há cotas há quase uma década em dezenas de universidades. E não se viram distúrbios."
Portal puc e ação afirmativa
http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=6148&sid=41
terça-feira, 2 de março de 2010
Não existe direita no Brasil?
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16414
Vejam essa matéria da Carta Maior.Merval Pereira tem mania de afirmar nos artigos que falta uma direita no Brasil.
Vejam essa matéria da Carta Maior.Merval Pereira tem mania de afirmar nos artigos que falta uma direita no Brasil.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Acesso a dados
Folha de São Paulo 1 de março de 2010
Acesso a dados deve ser lei, diz especialista
Moacyr Lopes Junior - 24.fev.10/Folha Imagem
Documentos do Deops do período da ditadura militar que estavam abandonados em sala no Palácio da Polícia Civil em Santos
Responsável por divulgação de informações públicas nos EUA afirma que medida serviria para população cobrar governo
Para Melanie Ann Pustay, a possibilidade de sigilo por prazo indefinido prevista em projeto de lei enviado ao Congresso não é prejudicial
O Brasil precisa de uma lei de acesso à informação. A afirmação é de Melanie Ann Pustay, a responsável pela implementação da lei que rege o setor no Departamento de Justiça do governo Obama.
Os Estados Unidos têm desde 1966 uma lei que dá a todos os cidadãos o direito de ter acesso a informações do governo. No Brasil, embora essa prerrogativa esteja prevista na Constituição, só no ano passado o governo enviou ao Congresso um projeto de lei com esse teor. O texto obriga todos os órgãos públicos a fornecerem informações a qualquer cidadão em no máximo 20 dias.
Para Pustay, que chefia o Escritório de Políticas de Informação do Departamento de Justiça americano, uma lei como essa é fundamental para que a população cobre o governo e também participe da vida pública do país. E, segundo ela, é essencial também para que não se repitam casos como o de Santos, em que arquivos relativos à ditadura militar permaneceram secretos até a sua divulgação, na última semana.
Pustay, que esteve na semana passada no Brasil, defende o governo brasileiro da principal crítica que foi feita ao projeto enviado pelo Executivo ao Congresso: o fato de o texto permitir que documentos permaneçam em sigilo por prazo indefinido, como já ocorre hoje.
Isso porque informações classificadas como "ultrassecretas" terão prazo de sigilo de 25 anos, que poderá ser renovado indefinidamente por uma comissão da Presidência. Esse seria o caso, por exemplo, das informações relativas à segurança nacional.
Para Pustay, o público também tem interesse na preservação de informações. "Não é um problema, porque isso [a prorrogação indefinida do sigilo] é aplicado a uma categoria muito pequena de registros", afirma.
Ela defende também que, mesmo nesses documentos, seja feita divulgação dos trechos que não trazem problemas à segurança nacional.
Privacidade reduzida
Por outro lado, se relações internacionais e segurança são áreas sensíveis, isso não se aplica à divulgação de dados sobre funcionários do Estado, assunto que, no Brasil, é alvo de discussões. No ano passado, por exemplo, causou polêmica a decisão da Prefeitura de São Paulo de divulgar uma lista com os salários de todos os seus servidores.
Para Pustay, a privacidade é muito "reduzida" no caso de informações relativas ao funcionalismo, como salário e gastos em viagens oficiais. "As coisas que funcionários públicos fazem são abertas porque há grande interesse público em conhecê-las", diz.
Para ela, o principal desafio do Brasil, se e quando o projeto for aprovado, será fazer com que as pessoas se habituem à lei e façam uso dela. Nos Estados Unidos, o desafio é o oposto: como diminuir as filas por informações em um país em que são feitos 600 mil pedidos por ano, com autores que vão de pesquisadores a cidadãos que simplesmente querem saber o que há sobre eles nos arquivos do governo.
Acesso a dados deve ser lei, diz especialista
Moacyr Lopes Junior - 24.fev.10/Folha Imagem
Documentos do Deops do período da ditadura militar que estavam abandonados em sala no Palácio da Polícia Civil em Santos
Responsável por divulgação de informações públicas nos EUA afirma que medida serviria para população cobrar governo
Para Melanie Ann Pustay, a possibilidade de sigilo por prazo indefinido prevista em projeto de lei enviado ao Congresso não é prejudicial
O Brasil precisa de uma lei de acesso à informação. A afirmação é de Melanie Ann Pustay, a responsável pela implementação da lei que rege o setor no Departamento de Justiça do governo Obama.
Os Estados Unidos têm desde 1966 uma lei que dá a todos os cidadãos o direito de ter acesso a informações do governo. No Brasil, embora essa prerrogativa esteja prevista na Constituição, só no ano passado o governo enviou ao Congresso um projeto de lei com esse teor. O texto obriga todos os órgãos públicos a fornecerem informações a qualquer cidadão em no máximo 20 dias.
Para Pustay, que chefia o Escritório de Políticas de Informação do Departamento de Justiça americano, uma lei como essa é fundamental para que a população cobre o governo e também participe da vida pública do país. E, segundo ela, é essencial também para que não se repitam casos como o de Santos, em que arquivos relativos à ditadura militar permaneceram secretos até a sua divulgação, na última semana.
Pustay, que esteve na semana passada no Brasil, defende o governo brasileiro da principal crítica que foi feita ao projeto enviado pelo Executivo ao Congresso: o fato de o texto permitir que documentos permaneçam em sigilo por prazo indefinido, como já ocorre hoje.
Isso porque informações classificadas como "ultrassecretas" terão prazo de sigilo de 25 anos, que poderá ser renovado indefinidamente por uma comissão da Presidência. Esse seria o caso, por exemplo, das informações relativas à segurança nacional.
Para Pustay, o público também tem interesse na preservação de informações. "Não é um problema, porque isso [a prorrogação indefinida do sigilo] é aplicado a uma categoria muito pequena de registros", afirma.
Ela defende também que, mesmo nesses documentos, seja feita divulgação dos trechos que não trazem problemas à segurança nacional.
Privacidade reduzida
Por outro lado, se relações internacionais e segurança são áreas sensíveis, isso não se aplica à divulgação de dados sobre funcionários do Estado, assunto que, no Brasil, é alvo de discussões. No ano passado, por exemplo, causou polêmica a decisão da Prefeitura de São Paulo de divulgar uma lista com os salários de todos os seus servidores.
Para Pustay, a privacidade é muito "reduzida" no caso de informações relativas ao funcionalismo, como salário e gastos em viagens oficiais. "As coisas que funcionários públicos fazem são abertas porque há grande interesse público em conhecê-las", diz.
Para ela, o principal desafio do Brasil, se e quando o projeto for aprovado, será fazer com que as pessoas se habituem à lei e façam uso dela. Nos Estados Unidos, o desafio é o oposto: como diminuir as filas por informações em um país em que são feitos 600 mil pedidos por ano, com autores que vão de pesquisadores a cidadãos que simplesmente querem saber o que há sobre eles nos arquivos do governo.
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