Conjur de 19 de novembro de 2009
Balança do JudiciárioJustiça favorece agentes
públicos, diz pesquisaHá uma efetiva dissonância entre a criminalização da
tortura no ordenamento jurídico e político e a punição desses crimes
quando são cometidos por agentes públicos. A tese é sustentada pela
pesquisadora Maria Gorete Marques de Jesus, do Núcleo de Estudos da
Violência da USP, no trabalho “O crime de tortura e a Justiça criminal: um
estudo dos processos de tortura na cidade de São Paulo”.
De acordo com a pesquisadora, a balança da Justiça perde o equilíbrio
quando quem está no banco dos réus é um agente do Estado. Para ela, nesses
casos, o Judiciário parte de fatores extra-legais em detrimento de fatores
legais. A tese de Maria Gorete se apoia na análise de 50 processos
judiciais, no período de cinco anos (2000-2004), que envolviam crimes de
tortura.
Nos casos de acusações apresentadas contra agente do Estado, 18% dos réus
foram condenados por crime de tortura, de acordo com a pesquisa. A
situação não foi a mesma quando quem estava no banco dos réus era uma
pessoa comum. Nesse último caso, o percentual de condenação saltou para
50%.
Em 2005, a Justiça paulista absolveu 23 funcionários também da antiga
Febem acusados pelo Ministério Público de crime de tortura. A decisão foi
do juiz Djalma Rubens Lofrano Filho, da 30ª Vara Criminal Central. Ele
concluiu que não havia provas seguras da ocorrência do crime nem da
autoria dos delitos apontados pela Promotoria.
Os fatos descritos na denúncia aconteceram na noite de 16 de junho de
2000, na Unidade Educacional UAP – Pinheiros, localizada no Cadeião de
Pinheiros, na capital paulista. Depois de uma rebelião na Febem Tatuapé,
os adolescentes foram transferidos para Pinheiros. No local, eles passaram
por “uma revista” onde teriam sido submetidos à sessão de tortura.
Segundo a denúncia, os funcionários acusados agrediram 29 internos daquela
unidade com tacos de beisebol e pedaços de paus. Após o espancamento, os
acusados teriam deixado os adolescentes seminus durante toda a noite e
madrugada.
“Em face do quadro, à mingua de maiores esclarecimentos sobre a autoria
das agressões que vitimaram os adolescentes, acolhe-se inteiramente o
pedido de absolvição de todos os réus formulado pela defesa, lembrando-se
que, para que se imponha uma decisão condenatória, é imprescindível a
produção de prova segura da ocorrência do fato e induvidosa da autoria, o
que não ocorreu no caso ora em julgamento”, sentenciou o juiz.
Nesse caso, o juiz entendeu que as provas colhidas foram “contraditórias”
e não confirmaram que ocorreram “atos de tortura ou agressões” praticados
contra os internos, depois que chegaram no Cadeião de Pinheiros. “O quadro
probatório descrito é extremamente frágil e insuficiente para amparar a
procedência da ação penal”, afirmou.
Em outubro deste ano, a juíza Luciani Retto da Silva, do 1º Tribunal do
Júri da Capital, absolveu o ex-monitor da extinta Febem, atual Fundação
Casa, Arnaldo Penha dos Santos. Ele era acusado pela morte de um interno e
da prática de lesão corporal e tortura contra outros adolescentes.
O julgamento presidido pela juíza envolveu o ex-coordenador da unidade da
extinta Febem do chamado complexo do Tatuapé. Ele foi acusado de torturar
28 internos, depois de uma tentativa de rebelião. O caso também foi
emblemático porque foi a primeira vez que um funcionário daquela
instituição foi a Júri popular pela morte de um interno.
O fundamento da juíza para absolver o réu foi o da falta de provas. Ela
entendeu que o conjunto de elementos trazidos ao processo contra o
ex-servidor não era suficiente para impor a condenação. “Não há qualquer
elemento trazido aos autos que descreva a individualização da conduta do
réu em cada um dos crimes a ele imputados, fato que como sabido deve ser
comprovado pela acusação”, afirmou.
“Inúmeros são os crimes imputados ao réu, mas em relação a nenhum deles
houve apuração certeira sobre a participação, razão pela qual absolvo o
acusado dos delitos”, completou a juíza. No mesmo caso, outros 11
funcionários da extinta Febem também foram denunciados.
Para a pesquisadora da USP, se a punição por crimes de tortura é tão
irrelevante se comparada às denúncias desse tipo de crime, isso pode
indicar que no momento do julgamento não se problematiza o ato criminoso
contra um ser humano. Segundo ela, no Brasil, a prática da tortura está
diretamente ligada aos castigos corporais como forma de correção e
disciplina. E essa mentalidade ainda está presente, não apenas na
sociedade, mas também no sistema de Justiça, diz.
Maria Gorete diz que quando o réu é agente público a vítima é colocada em
descrédito. A situação se inverteria, quando o acusado é uma pessoa comum.
Nesse caso, é a versão do réu que é colocada em descrédito. Com
informações da Agência USP
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
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