quarta-feira, 16 de março de 2011

Honneth no Brasil - Folha de São Paulo de 16 de março de 2011

*MARCOS NOBRE*
*LUIZ REPA*
ESPECIAL PARA A *FOLHA*

Figura mais destacada do que pode ser chamada a "terceira geração" da
Escola de Frankfurt, Axel Honneth chega na segunda a São Paulo para
lançar o livro "Luta por Reconhecimento - A Gramática Moral dos
Conflitos Sociais" (Editora 34). Honneth participa, em seguida, de
debate sobre sua "Teoria do Reconhecimento", no Instituto Goethe.
Honneth dirige o Instituto de Pesquisa Social, instituição fundada por
intelectuais de esquerda nos anos 20 e que daria guarida aos pensadores
frankfurtianos (entre eles Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e
Erich Fromm), que procuraram repensar as contribuições da filosofia
alemã, de Marx e da psicanálise, a fim de estudar e criticar o
capitalismo no século 20.
Foi assistente de Jürgen Habermas, o filósofo frankfurtiano da "segunda
geração", entre 1984 e 1990. Honneth, que nasceu em 1949, hoje dá aulas
de filosofia social na Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt.
Entre seus principais trabalhos, estão "Kritik der Macht.
Reflexionsstufen einer kritischen Gesellschaftstheorie" (Crítica do
poder. Estágios de reflexão de uma teoria social crítica) e "Luta por
Reconhecimento. A Gramática Moral dos Conflitos Sociais" (92). No dia
14, Honneth faz conferência no Ciclo Adorno, também no Goethe, e, no dia
15, fala na Universidade Federal do Rio.
Na entrevista a seguir, Honneth fala sobre a "Teoria do Reconhecimento"
e faz uma crítica aos pensadores de Frankfurt.

*/Folha - No livro "Crítica do Poder" o sr. fala de um "déficit
sociológico" da Teoria Crítica. O que é essa deficiência em Adorno,
Horkheimer, Habermas e Foucault?
Axel Honneth - /*Minha crítica de que os projetos clássicos da Teoria
Crítica, chegando a Foucault, apresentam um déficit sociológico, possui
uma rota de choque diferente em cada caso. Em relação a Adorno e
Horkheimer, continuo convencido de que suas teorias da sociedade
subestimam o sentido próprio do mundo da vida social. Eles não atribuem
às normas morais nem às operações interpretativas dos sujeitos papel
essencial na reprodução da sociedade. Ambos tendem a um funcionalismo
marxista: a socialização, a integração cultural e o controle jurídico
possuem meras funções para a imposição do imperativo capitalista da
valorização.
Em Habermas isso é diferente. Ele parte justamente da racionalidade
comunicativa do mundo da vida social. Por isso eu vejo o seu déficit
sociológico inscrito na tendência a subestimar em todas as ordens
sociais o seu caráter determinado por conflitos e negociações. Foucault,
finalmente, tende a um déficit sociológico porque ele abandona a
intuição central de Durkheim, segundo a qual toda ordem de poder carece
do assentimento normativo dos membros da sociedade na forma de um
consenso. Essas distintas versões de um déficit sociológico na tradição
da Teoria Crítica da sociedade só podem ser superadas quando se coloca
no centro da vida social um conflito insolúvel por reconhecimento.
Assim, o consenso moral e a luta social podem ser considerados estágios
diferentes no processo de reprodução dos mundos da vida sociais.

*/Folha - Para o sr., o teórico crítico tem de possuir um ancoramento na
sociedade, onde se buscam os elementos normativos que dão vida e sentido
crítico à teoria. Esse ancoramento pode dispensar uma análise do
capitalismo, visto que tal análise em sentido estrito não está em "Luta
por Reconhecimento"?
Honneth - /*Não, não creio. Parto do princípio de que a crítica social
só pode se ligar de maneira imanente às exigências morais e às
experiências de injustiça em uma situação dada quando ela é capaz de
analisar a gênese e o lugar delas no quadro de uma análise abrangente da
sociedade. E para tal análise eu não vejo ainda nenhum ponto de partida
melhor do que uma teoria que comece pelo estado social definido por uma
prioridade estrutural dos imperativos capitalistas de valorização.

*/Folha - O sr. distingue três dimensões do reconhecimento: "amor",
"direito" e "solidariedade". Elas possibilitam aos sujeitos,
respectivamente, a autoconfiança, o auto-respeito e a auto-estima. A
relação entre essas dimensões seria de subordinação ou de coordenação?
Poderia haver um conflito entre a esfera do direito e a da
solidariedade, ligada aos valores de uma determinada sociedade?
Honneth - /*A questão aborda dois problemas diferentes, que vou tentar
responder em separado. Primeiro a questão de qual espécie de ordem
genética ou lexical existe entre as distintas esferas de reconhecimento.
Existe, a meu ver, uma primazia genética da primeira forma de relação de
reconhecimento, isto é, da autoconfiança possibilitada pelo amor e pela
assistência. Sem a experiência dessa forma de reconhecimento, nenhum
sujeito poderia constituir uma identidade estável e uma personalidade
intacta. No entanto, outra coisa se passa com a ordem "lexical". Eu
afirmaria, pelo menos para as sociedades modernas, uma primazia da
relação jurídica de reconhecimento. Ela, a princípio, exorta todos os
sujeitos, de maneira igual, ao respeito mútuo e, por isso, possui a
maior força de inclusão.
Sobre o segundo aspecto da questão, pode-se dizer que tanto da
perspectiva do sujeito quanto da perspectiva da sociedade, são possíveis
conflitos entre as exigências morais das diversas relações de
reconhecimento. Eles só podem ser solucionados privilegiando-se as
relações jurídicas.

*/Folha - O sr. teve uma discussão com a filósofa americana Nancy
Fraser. Para ela, é preciso complementar o conceito de reconhecimento
com o de redistribuição, proposta que o sr. rejeitou porque as questões
de justiça distributiva seriam tratadas melhor no quadro da Teoria do
Reconhecimento. Qual é o seu balanço a respeito?
Honneth - /*Nas questões normativas concordamos em mais coisas do que
era claro de início. Nós dois entendemos que o objetivo da justiça
social é possibilitar uma participação de todos os membros da sociedade
no processo comunicativo da vida da sociedade. Contudo cada um de nós
soletra essas condições de maneira diversa. Eu, com os conceitos de uma
teoria do reconhecimento; Nancy Fraser, com uma teoria da participação.
Em relação à questão central, redistribuição ou reconhecimento, a
diferença consiste em que eu vejo somente a possibilidade de justificar
as finalidades da redistribuição com as categorias do reconhecimento social.

*/Folha - Como o sr. avalia o estado atual dos estudos sobre Adorno?
Honneth - /*No começo do Congresso Internacional Adorno deste ano, eu
havia chamado a atenção para aquilo em que residia a diferença essencial
na recepção de Adorno entre 1983 e 2003. A conferência de 20 anos atrás
se apoiava em uma discussão viva sobre Adorno, que no entanto não
recebeu nenhum suporte por parte da elite política. Neste ano aconteceu
o contrário. Quase não existe mais uma discussão viva, fecunda também em
termos acadêmicos, com a obra de Adorno. Por outro lado, sua pessoa foi
eleita praticamente como o superego moral da nação por parte da esfera
pública política e midiática. Nesse sentido eu tive de fazer a difícil
tentativa de realçar, justamente em tempos de indiferença acadêmica, o
potencial teórico da obra de Adorno.

*/Folha - Quais as linhas de pesquisa que estão sendo desenvolvidas no
Instituto de Pesquisa Social?
Honneth - /*Tenho seguido o programa de uma ampliação interdisciplinar
das perspectivas de pesquisa. Investigamos os processos de transformação
que eu gostaria de compreender como "paradoxos da modernização
capitalista", incluindo a psicanálise, a sociologia do direito e a
história econômica.

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*Marcos Nobre*é professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do
Cebrap; entre outros livros, publicou "A Dialética Negativa de Theodor
W. Adorno" (ed. Iluminuras/Fapesp)

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*Luiz Repa*é mestre em filosofia (USP) e doutorando pela mesma universidade

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