Folha de São Paulo, domingo, 27 de março de 2011
Argentina já tem 486 presos da ditadura
Processos contra pessoas que cometeram crimes no último regime militar argentino geraram 200 condenações
País é um caso raro de julgamento de algozes por tribunais próprios; ações começaram na gestão Néstor Kirchner
LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES
Os julgamentos dos crimes cometidos na última ditadura militar da Argentina (1976-83) já levaram à prisão 486 ex-militares envolvidos nas ações de terrorismo do Estado, que deixaram mais de 30 mil pessoas mortas ou desaparecidas, segundo entidades de direitos humanos.
Até agora, conforme o Ministério Público Federal, são 200 as condenações de ex-integrantes do Exército, Marinha, Aeronáutica, polícias, forças nacionais de segurança e civis envolvidos na repressão -40 casos foram transitados em julgado, sem direito a recursos.
Após 35 anos do início da última ditadura (lembrados no último dia 24, data do golpe em março de 76), os juízos pelos crimes contra a humanidade na Argentina chegaram a um patamar único.
Não há paralelo -na América Latina, no Leste Europeu ou na África- de país que viveu situação de terrorismo estatal e depois conseguiu julgar e prender seus algozes com suas próprias leis e nos tribunais do Estado, sem a necessidade de tribunais especiais ou de exceção.
Um dos casos mais emblemáticos é a prisão de dois dos três presidentes-militares da junta que governou a Argentina durante a ditadura.
Jorge Videla, artífice do golpe, está num cárcere em Buenos Aires. Aos 85 anos, foi condenado à prisão perpétua pelos crimes de sequestro e tortura e ainda está implicado em outros processos, como o sequestro de bebês de militantes de esquerda, que começou há pouco a ser analisado judicialmente.
Outro ex-presidente, Reynaldo Bignone, cumpre uma pena de 25 anos de prisão pelos mesmos crimes.
Após anular as leis de indulto e ponto final, que travavam os julgamentos, o país retomou os juízos em todo o país a partir de 2006.
Até o mês passado, eram 820 pessoas processadas (em mais de mil ações) pelos crimes de tortura, sequestros e homicídios na ditadura.
O responsável por mudar a legislação foi o governo Néstor Kirchner (2003-07), e em datas distintas a decisão foi referendada pelo Congresso e pela Suprema Corte argentina. Os juízos são aprovados pela maioria da sociedade argentina, segundo pesquisas.
JUÍZOS
Quando a ditadura acabou, em 1983, Jorge Auat foi um dos primeiros a apresentar ação contra a Junta Militar. Hoje o promotor coordena, numa sala do Ministério Público Federal no centro de Buenos Aires, todas as ações contra os crimes no período.
"O desafio é juntar os processos, encontrando um nexo entre os crimes, e fazer um julgamento rápido, já que a maioria dos réus é de idade", disse Auat à Folha.
Um dos casos que começará a ser julgado no meio deste ano é o processo sobre a Operação Condor, como é conhecido o esforço integrado entre países latino-americanos para caçar opositores em diferentes territórios da região.
domingo, 27 de março de 2011
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