terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sociedade de risco

Incertezas fabricadas" movem o mundo, para o bem ou para o mal, diz Ulrich Beck.
O medo pode ser uma força transformadora
Por Alexandre Werneck, para o Valor, de Paris
28/09/2010Text Resize
Texto:-A +A .CompartilharImprimirEnviar por e-mail .."Sociedade de Risco - Rumo a Uma Outra Modernidade"
Ulrich Beck. Trad. de Sebastião Nascimento. Editora 34. 370 págs., R$ 49,00

Tornou-se comum atribuir a crise econômica a uma suposta irresponsabilidade do sistema financeiro, que teria ignorado os riscos que fazia o mundo correr ao apostar altíssimo nas hipotecas subprime. Tornou-se comum, também, comparar os efeitos da ação dos grandes bancos de investimento a tsunamis e aos males do aquecimento global. Talvez não sejam simples metáforas. Talvez possam acontecer de novo. O medo de que, a qualquer momento, venha outra onda de falências e demissões em massa pode ser de fato um fenômeno do mesmo tipo que uma grande catástrofe natural - caso se generalize o receio de algo que ainda não aconteceu, como um espectro que ronda o mundo.

A ideia provém da tese de uma das obras sociológicas mais importantes do final do século XX, "Sociedade de Risco", um clássico desde o primeiro momento após sua publicação, na Alemanha de 1986, e que agora está sendo publicado no Brasil. No livro, o sociólogo alemão Ulrich Beck sugere que nosso tempo - para ele e outros autores, como Anthony Giddens, uma era chamada de "modernidade tardia" - representou uma virada no estatuto da própria modernidade, criando um mundo que, em vez de ser guiado pela produção e distribuição de riquezas, é guiado pela produção e distribuição de riscos. E assim é de maneira generalizada, para todos as pessoas, obrigando-nos a viver pensando no que virá, e desse modo modificando nossas relações com tudo e com todos.

Mas o objeto do sociólogo não é apenas uma palavrinha para universalizar o medo. "Risco não é sinônimo de catástrofe. Risco significa antecipação de catástrofe, diz respeito a encenar o futuro no presente", explica Beck, por e-mail, a partir de seu escritório na Ludwig-Maximilians Universität, de Munique, onde passa a metade do ano letivo em que não está na London School of Economics. Ele fala pensando na leitura atual de sua obra de já quase 25 anos (e que ganhou, nesse tempo, elementos como as novas tecnologias de comunicação e a digitalização de todas as dimensões da vida humana). "A construção social de uma antecipação de catástrofes futuras no presente, catástrofes como o aquecimento global ou essa crise financeira mundial, pode se tornar uma força política primordial, capaz de mudar o mundo, para melhor ou para pior."

Entretanto, o que Beck chama de "sociedade industrial de risco" não foi uma revolução. Foi mais uma continuidade em um processo de consolidação da modernidade, que havia nascido na passagem do mundo feudal e agrário para uma sociedade capitalista e industrial. Essa mesma sociedade, com o desenvolvimento da indústria e da tecnologia, induziu uma ampliação da racionalização, o que levou Beck, Giddens e o colega americano Scott Lash a chamar essa "segunda modernidade" de "reflexiva". Com essa consciência veio a incerteza e, com ela, o risco. Um risco que equaliza (embora não gere igualdade) todos os homens, em todo o mundo, já que se trata de um fenômeno globalizado (Beck é autor de outro clássico, "O que É Globalização" (Polity Press, 1997; Paz e Terra, 1999).

Beck sugere que não é qualquer ameaça que está em pauta, mas as "incertezas fabricadas", aquelas que são produzidas pelo próprio desenvolvimento da sociedade e da tecnologia, diferentemente das incertezas da natureza. "Elas estão no centro da sociedade de risco. São distinguidas pelo fato de que dependem de nossas decisões e, assim, são coletivamente impostas e individualmente inevitáveis." O centro da questão, então, é a existência de um componente decisório: risco é algo que se decide correr, é o componente de ameaça contido nas coisas que fazemos para sobreviver. Assim, Beck exemplifica, "se o clima tivesse mudado irreversivelmente, se o desenvolvimento da engenharia genética já tornasse possíveis intervenções irreversíveis na natureza humana, ou se grupos terroristas tivessem armas de destruição em massa nas mãos, seria tarde demais. Dada a nova natureza dessas ameaças, a lógica preventiva se instaurou em todas as dimensões da vida moderna".

Seria uma versão cientificamente elegante da tese de que precaução e canja de galinha não fazem mal a ninguém? De fato, Beck enxerga a modernidade reflexiva como um espaço também de possibilidades, não apenas de probabilidades. "A consciência de um risco global cria espaços para futuros alternativos, de modernidades alternativas (o subtítulo do livro é 'rumo a uma outra modernidade'). A sociedade global de risco nos obriga a reconhecer a pluralidade do mundo que o olhar nacional [típico da primeira modernidade] ignorava. Os riscos globais criam um espaço político e moral que pode produzir uma cultura da responsabilidade e transcender fronteiras e conflitos locais."

O problema é que, quando se cria um mundo no qual alguém precisa decidir sobre o momento de correr ou não um risco, e quando esse risco afeta todo mundo, o lugar de quem decide se torna uma questão política central. "Isso produz uma radical assimetria entre aqueles que assumem, definem e lucram com o risco e aqueles que são seus alvos, que experimentarão diretamente os efeitos colaterais das decisões de outros sem tomar parte no processo decisório."

Pois em um mundo pós-crise econômica, e sempre correndo o risco de uma nova crise, o capitalismo é, claro, visado como essa instância decisória. "A estratégia do capital, em termos simples, é se fundir com o Estado, a fim de obter novas formas de legitimidade. Seu argumento é o de que justamente ele, o capital, é o único poder capaz de reescrever as regras do poder global, enquanto outros atores, como os Estados nacionais e os movimentos sociais, permanecem atados às formas de ação e poder característicos de uma ordem mundial ainda não globalizada." Contudo, argumenta Beck, "essa coalizão entre capital e Estado nacional não apenas é incapaz de responder adequadamente aos desafios da sociedade mundial de risco, como também está perdendo qualquer credibilidade no espaço dos riscos globais".

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