terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sarkozy e a liberdade de expressão

Folha 5 de outubro de 2010

"Sarkozy quer intimidar fontes da mídia"
Disputa judicial com o "Le Monde" é parte dessa estratégia, afirma Patrick Eveno, "biógrafo" do jornal francês

Jornal acusa presidente de usar serviço secreto para espionar fonte de textos sobre doações de campanha irregulares

LUÍS EBLAK
DE SÃO PAULO

A disputa do governo francês com o jornal "Le Monde" tem como pano de fundo uma estratégia do presidente Nicolas Sarkozy de desencorajar funcionários públicos de falar com a imprensa.
A declaração é de Patrick Eveno, professor da Universidade Paris 1 e "biógrafo" do diário -é autor do livro "Histoire du journal Le Monde", de 2004 (história do jornal "Le Monde").
Há um mês, o jornal acusou o serviço de inteligência francês de ter espionado e punido a fonte de uma série de reportagens sobre corrupção.
"Já que não se pode atacar os jornalistas, é preciso dissuadir os funcionários de falar com os repórteres, mostrando que se pode puni-los. O intuito é pressionar fontes potenciais", disse. A seguir, leia os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por e-mail.




Folha - O "Monde" acusa o governo de violar a lei sobre sigilo de fontes. Como o sr. avalia esse episódio?
Patrick Eveno - A lei indica claramente: "Não se pode atentar direta ou indiretamente contra o sigilo de fontes sem que um imperativo preponderante do interesse público (terrorismo ou espionagem) justifique". Além disso, esse procedimento deve ser feito sob direção de um juiz, o que não ocorreu.

Como está a relação imprensa e democracia na França?
Para a Corte Europeia dos Direitos Humanos, a imprensa é "o cão de guarda da democracia". A corte considerou a proteção de sigilo de fontes como uma "pedra fundamental" do jornalismo, já que "a ausência desta proteção dissuade um grande número de fontes com informações de interesse geral [de falar com jornalistas]. Está claro o que foi pensado pela operação da polícia e do governo: já que não se pode atacar os jornalistas, é preciso dissuadir os funcionários de falar com eles, mostrando que se pode persegui-los e puni-los. O intuito é pressionar fontes potenciais.

O objetivo do governo é enfraquecer o jornalismo?
Não conheço os objetivos do governo, mas é evidente que ele procura controlar a comunicação sobre seus atos e palavras [na mídia], para limitar os efeitos sobre a opinião dos cidadãos.

Como é a relação Sarkozy-imprensa em relação aos governos anteriores?
É consideravelmente deteriorada. Após ter tentado, no começo de seu governo, seduzir jornalistas, dominar a agenda midiática e controlar a imprensa com seus "amigos" dirigentes, a realidade política e a incapacidade de Sarkozy de resolver os problemas dos franceses conduziram a situação a uma fase de tensão. Ela é, sem dúvida alguma, mais violenta do que foi com os antecessores, porque Sarkozy concentrou todos os poderes e se expôs demasiadamente à mídia. Mas a relação imprensa-presidente sempre foi tensa na França, uma vez superado o curto período de "estado de graça" pós-eleição. Os franceses esperam muito de seu "monarca" republicano, que acreditam poder satisfazê-los. Na verdade, não pode. A imprensa faz eco às decepções com o presidente e, assim, este culpa a imprensa por sua imagem ruim na opinião pública... Quando não se gosta da mensagem, acusa-se o mensageiro.

É o caso mais grave da história da imprensa francesa?
É, sim, um caso grave, mas já houve outros: o poder procura sempre controlar a imprensa e os informadores da mídia. Em 1973, o ministro do Interior fez escutas ao "Canard Enchaîné" [jornal semanal]. Em 1985-86, a célula antiterrorista da polícia pôs escutas telefônicas contra Edwy Plenel [na época, no "Monde"]. Nestes casos, eles agiram sobretudo para intimidar as fontes potenciais [dos jornalistas].

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