Folha de São Paulo 14 de outubro de 2010
* "Para virar a página, é preciso lê-la", afirma juiz sobre anistia *
*Baltasar Garzón diz que criar Comissão da Verdade é questão de tempo no
Brasil *
*"Há sempre resistência [à revisão da lei], mas os acontecimentos e as
cortes internacionais dão o impulso", avalia*
* ELIANE CANTANHÊDE*
COLUNISTA DA *FOLHA*
Famoso internacionalmente depois de pedir a prisão do ditador chileno
Augusto Pinochet por violação de direitos humanos, o juiz Baltasar Garzón
diz que a revisão da Lei da Anistia, a criação da "Comissão da Verdade" para
investigar crimes da ditadura militar e a abertura dos arquivos de torturas
e desaparecimentos são uma questão de tempo no Brasil.
"A discussão sobre a Lei da Anistia é algo que está vivo na sociedade
brasileira", disse Garzón, que completa 56 anos no dia 26. "Para virar a
página, é preciso lê-la antes."
*Folha - Após 16 anos de FHC e Lula, o Brasil não avançou no debate sobre a
revisão da Lei da Anistia. Por quê?
Baltasar Garzón -* As leis de anistia não têm mais sentido hoje em dia. Há
um consenso de juristas e democratas de que não se pode aceitar anistia para
crimes contra a humanidade ou de tortura. Isso é polêmico aqui, até porque
houve decisão do Supremo Tribunal Federal, mas a Corte Interamericana de
Direitos Humanos nos ajudará a compreender em novembro onde estão os limites
e que interpretação se dá hoje à anistia.
*Como isso acontecerá no fim do governo, Lula estará mais livre para liderar
a revisão da Lei da Anistia?*
Lula tem sido muito atuante na defesa dos direitos humanos, o que é um
grande ativo do Brasil no âmbito internacional. Nisso se inclui toda a rede
de proteção social para que a pobreza mingue e haja mais igualdade social.
Quanto à Lei de Anistia, imagino que vai depender da interpretação da lei,
interna e internacionalmente.
*O futuro presidente poderá avançar na questão da anistia, já que os dois
candidatos combateram a ditadura?*
A sociedade e o Judiciário é que têm de dar impulso maior para que o
Legislativo crie a Comissão da Verdade para pôr a primeira pedra numa
reconciliação nacional verdadeira. Alguns vão tentar dizer que a discussão
está fechada e não interessa reabri-la. Não é verdade, tanto que se continua
cobrando, discutindo. A discussão sobre a Lei da Anistia é algo vivo na
sociedade.
*Por que o Brasil foi a única democracia da região que não reviu a Lei da
Anistia?*
Como na Espanha... Mas devemos lembrar que todos os países optaram
originalmente também por não reformar nem anular essas leis.
*Mas no Brasil essa resistência não está durando demais?*
Poderia ir mais rápido, sim, mas, se analisamos a média dos países, estamos
falando de 15, 20 anos para mudar. Como a lei do Brasil é de 1979, é agora
que está se produzindo essa reflexão.
*Como sr. vê o argumento de setores de que a Lei da Anistia já é uma
reconciliação e que se deve virar a página?*
Para virar a página, é preciso lê-la antes. Para encerrar um capítulo e
passar a outro, é preciso tê-lo lido. Se não for assim, sentiremos a falta
de não ter lido a história direito e não compreenderemos os capítulos
seguintes. A verdade não dói e, se dói, nunca deve ser ocultada. Será sempre
melhor conhecê-la.
*frases
*
*"No Chile, na Argentina, no Uruguai, no Peru, também demoraram [a rever as
leis de anistia]. Há sempre uma resistência no início, mas a força dos
acontecimentos, a energia das vítimas e famílias, as cortes internacionais
dão o impulso e a situação acaba mudando"
"Quando os países fazem o que devem contra a violação dos direitos
fundamentais, não há problema. Quando não fazem, têm de saber que hoje nós
temos mecanismos de justiça internacional atentos e prontos a interceder em
favor da própria justiça"*
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
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