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O barão da república
Nos cem anos da morte de Rio Branco, o legado do chanceler à diplomacia e sua atualidade são tema de discussões e exposição
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
Na Catedral Nacional de Washington, três vitrais de 1949 simbolizam a América do Sul. Neles figuram dois líderes militares da independência da América espanhola, Simón Bolívar e José de San Martín, e o brasileiro José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, chanceler de 1902 a 1912.
Citados no livro "O Dia em que Adiaram o Carnaval" (Unesp), em que Luís Cláudio Villafañe analisa a influência da diplomacia na formação da identidade nacional, os vitrais não evocam apenas a singularidade de o Brasil ter se tornado República décadas depois dos vizinhos.
Ao retratar um diplomata junto a próceres com espadas, o tríptico alimenta dois eixos persistentes na construção da imagem internacional do país: a preferência pela resolução pacífica de disputas e a habilidade negociadora.
TRATADOS
Rio Branco, só superado em tempo no cargo pelo ex-chanceler Celso Amorim, foi reconhecido em sua época pelos tratados que consolidaram o mapa nacional -rara razão de orgulho na turbulência inicial da República, como observa o embaixador Rubens Ricupero, estudioso do barão.
No fim do Estado Novo, ele foi institucionalizado como patrono do Itamaraty, onde hoje, dia do centenário de sua morte, uma exposição abre os eventos comemorativos.
Além dos acertos fronteiriços, Rio Branco deixou três marcas até hoje evocadas, às vezes fora do contexto.
1) Uma "aliança não escrita" com os EUA, que sistematizou o programa da República de trocar a relação preferencial com Londres pela América, quando Washington já comprava metade do café brasileiro. Rio Branco quis usar o peso da então potência ascendente para contrabalançar pretensões imperialistas da Europa e pressões da vizinhança.
2) A pregação da não ingerência em assuntos internos dos vizinhos, um afastamento das ações intervencionistas do Império e uma forma de defesa contra alianças regionais opostas ao Brasil.
3) A busca de prestígio e reconhecimento global, simbolizada pela participação na 2ª Conferência de Haia (1907).
Hoje estudiosos de Rio Branco preferem defini-lo como "pragmático", termo guarda-chuva. "Tentar usar um evangelho do barão é bobagem. Sua atualidade é ter sabido ler o seu tempo e buscar caminhos para o Brasil ter a maior autonomia possível", diz Villafañe, diplomata e curador da exposição.
A ênfase no pragmatismo não impede que o barão seja usado para comentar a atualidade. Clodoaldo Bueno, historiador da República Velha, cita um lema dele - "seja suave nos modos e forte no conteúdo". "Ele nunca alardeou liderança."
Maria Regina Soares de Lima, da Universidade do Estado do RJ, lembra que a não intervenção foi relativizada quando o país aceitou comandar a força de paz no Haiti.
Para Ricupero, a soberania, de fato, não pode ser estrita, "o que não significa ajudar governos com que temos simpatias ideológicas, como na era Lula com Bolívia e Venezuela".
Soares define esses movimentos como uma tentativa de "liderar pela inclusão", Diz que eles esbarraram numa posição defensiva sedimentada pelo barão, que faz com que a integração sul-americana não seja consenso entre as elites.
Já Ricupero e Villafañe dizem que Rio Branco foi precursor da coordenação regional, mas esbarrou na rivalidade real entre Brasília e Buenos Aires, só superada ao fim do regime militar.
No imaginário nacional, o americanismo e seu oposto também foram simplificados. Na Guerra Fria, o chanceler San Tiago Dantas teve que evocar o barão em cadeia nacional para explicar a abstenção no voto que expulsou Cuba da OEA, em 1962.
Agora, Ricupero dá o tema por superado. "À medida que EUA passaram a ter interesses globais não coincidentes com os do Brasil, como na invasão do Iraque, os caminhos de ambos se separaram."
Há ainda na trajetória de Rio Branco uma característica que reforça a aversão a rupturas da história oficial. "Ele apresenta sua política como de continuidade. É símbolo dessa transição curiosa, um monarquista que faz fama na República e fica conhecido como barão, título extinto", diz Villafañe.
Cristina Patriota de Moura, sobrinha do chanceler Antonio Patriota, destaca em seus estudos antropológicos como o barão "faz a mediação" entre Império e República. Ele e o pai, o visconde do Rio Branco, são citados como uma dinastia, embora seus títulos não fossem hereditários. Para a professora da UnB, o barão é um mito eficaz porque "polissêmico". "Ele pode ser o boêmio, o asseta, o nobre. Todo mundo pode se identificar. Já vi diplomata dizendo que tem a ver com o barão porque sua mulher é atriz, como a dele."
O crescimento dos quadros tirou do Itamaraty parte da formalidade, mas a leitura da biografia "oficial" do barão, de Álvaro Lins, continua obrigatória. Segundo um diplomata jovem, fala-se mal de políticas, mas não de Rio Branco, o que seria atacar o "espírito" da instituição.
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Nos cem anos da morte de Rio Branco, o legado do chanceler à diplomacia e sua atualidade são tema de discussões e exposição
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
Na Catedral Nacional de Washington, três vitrais de 1949 simbolizam a América do Sul. Neles figuram dois líderes militares da independência da América espanhola, Simón Bolívar e José de San Martín, e o brasileiro José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, chanceler de 1902 a 1912.
Citados no livro "O Dia em que Adiaram o Carnaval" (Unesp), em que Luís Cláudio Villafañe analisa a influência da diplomacia na formação da identidade nacional, os vitrais não evocam apenas a singularidade de o Brasil ter se tornado República décadas depois dos vizinhos.
Ao retratar um diplomata junto a próceres com espadas, o tríptico alimenta dois eixos persistentes na construção da imagem internacional do país: a preferência pela resolução pacífica de disputas e a habilidade negociadora.
TRATADOS
Rio Branco, só superado em tempo no cargo pelo ex-chanceler Celso Amorim, foi reconhecido em sua época pelos tratados que consolidaram o mapa nacional -rara razão de orgulho na turbulência inicial da República, como observa o embaixador Rubens Ricupero, estudioso do barão.
No fim do Estado Novo, ele foi institucionalizado como patrono do Itamaraty, onde hoje, dia do centenário de sua morte, uma exposição abre os eventos comemorativos.
Além dos acertos fronteiriços, Rio Branco deixou três marcas até hoje evocadas, às vezes fora do contexto.
1) Uma "aliança não escrita" com os EUA, que sistematizou o programa da República de trocar a relação preferencial com Londres pela América, quando Washington já comprava metade do café brasileiro. Rio Branco quis usar o peso da então potência ascendente para contrabalançar pretensões imperialistas da Europa e pressões da vizinhança.
2) A pregação da não ingerência em assuntos internos dos vizinhos, um afastamento das ações intervencionistas do Império e uma forma de defesa contra alianças regionais opostas ao Brasil.
3) A busca de prestígio e reconhecimento global, simbolizada pela participação na 2ª Conferência de Haia (1907).
Hoje estudiosos de Rio Branco preferem defini-lo como "pragmático", termo guarda-chuva. "Tentar usar um evangelho do barão é bobagem. Sua atualidade é ter sabido ler o seu tempo e buscar caminhos para o Brasil ter a maior autonomia possível", diz Villafañe, diplomata e curador da exposição.
A ênfase no pragmatismo não impede que o barão seja usado para comentar a atualidade. Clodoaldo Bueno, historiador da República Velha, cita um lema dele - "seja suave nos modos e forte no conteúdo". "Ele nunca alardeou liderança."
Maria Regina Soares de Lima, da Universidade do Estado do RJ, lembra que a não intervenção foi relativizada quando o país aceitou comandar a força de paz no Haiti.
Para Ricupero, a soberania, de fato, não pode ser estrita, "o que não significa ajudar governos com que temos simpatias ideológicas, como na era Lula com Bolívia e Venezuela".
Soares define esses movimentos como uma tentativa de "liderar pela inclusão", Diz que eles esbarraram numa posição defensiva sedimentada pelo barão, que faz com que a integração sul-americana não seja consenso entre as elites.
Já Ricupero e Villafañe dizem que Rio Branco foi precursor da coordenação regional, mas esbarrou na rivalidade real entre Brasília e Buenos Aires, só superada ao fim do regime militar.
No imaginário nacional, o americanismo e seu oposto também foram simplificados. Na Guerra Fria, o chanceler San Tiago Dantas teve que evocar o barão em cadeia nacional para explicar a abstenção no voto que expulsou Cuba da OEA, em 1962.
Agora, Ricupero dá o tema por superado. "À medida que EUA passaram a ter interesses globais não coincidentes com os do Brasil, como na invasão do Iraque, os caminhos de ambos se separaram."
Há ainda na trajetória de Rio Branco uma característica que reforça a aversão a rupturas da história oficial. "Ele apresenta sua política como de continuidade. É símbolo dessa transição curiosa, um monarquista que faz fama na República e fica conhecido como barão, título extinto", diz Villafañe.
Cristina Patriota de Moura, sobrinha do chanceler Antonio Patriota, destaca em seus estudos antropológicos como o barão "faz a mediação" entre Império e República. Ele e o pai, o visconde do Rio Branco, são citados como uma dinastia, embora seus títulos não fossem hereditários. Para a professora da UnB, o barão é um mito eficaz porque "polissêmico". "Ele pode ser o boêmio, o asseta, o nobre. Todo mundo pode se identificar. Já vi diplomata dizendo que tem a ver com o barão porque sua mulher é atriz, como a dele."
O crescimento dos quadros tirou do Itamaraty parte da formalidade, mas a leitura da biografia "oficial" do barão, de Álvaro Lins, continua obrigatória. Segundo um diplomata jovem, fala-se mal de políticas, mas não de Rio Branco, o que seria atacar o "espírito" da instituição.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
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