Revisão da Anistia volta ao debate
Cristiane Agostine | De São Paulo
28/07/2011Texto valor
Ativistas em frente ao Fórum João Mendes, em SP: protesto contra coronel Ustra mobiliza manifestantes pela condenação do coronel Brilhante UstraO debate sobre a revisão da Lei da Anistia foi retomado ontem com o depoimento de testemunhas de acusação contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ex-comandante da sede paulista do DOI-Codi, o militar é acusado de envolvimento na morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, em ação movida pela família de Merlino. Seis testemunhas de acusação foram ouvidas em São Paulo e reforçaram a tese de que o coronel teria participado das torturas que resultaram na morte do jornalista. Ustra não foi à audiência.
O ex-ministro Paulo Vanucchi, testemunha no caso, encampou a bandeira pela mudança na Lei da Anistia e disse que a impunidade é "inegociável". No entanto, para mudar a lei é preciso que o Supremo Tribunal Federal reveja a decisão tomada em 2010, quando sete magistrados votaram contra a revisão e dois, a favor. "A condenação [de Ustra] quebrará a impunidade e obrigará o país a refletir. O Supremo terá que refletir se deve manter essa decisão ou se deve reformar [a lei], como é de praxe", disse Vanucchi, ao sair da 20ª Vara Cível da Justiça de São Paulo, no Fórum João Mendes, na capital.
Ao prestar depoimento, Vanucchi afirmou ter sido torturado pessoalmente pelo coronel Ustra e que, da cela do DOI-Codi, viu Merlino enfraquecido, com as duas pernas quase gangrenadas. "Ele recebia a massagem de um enfermeiro e isso era algo raríssimo. Durante o tempo em que fiquei, nunca vi aquilo", disse.
Também ouvida como testemunha, Leane Ferreira de Almeida relatou ter visto de sua cela militares "jogando" Merlino, "desacordado e quase inerte", no porta-mala de um veículo. Leane foi presa no mesmo dia que o jornalista e disse que só saiu do pau-de-arara porque Ustra "queria torturar Merlino". "Ustra estava sempre presente nas sessões de tortura. Ele me torturou pessoalmente e não ia deixar de torturar Merlino, que era dirigente do Partido Operário Comunista", afirmou.
Luiz Eduardo Merlino foi torturado no DOI-CODI por cerca de 24 horas ininterruptas e abandonado em uma solitária. As sequelas da tortura teriam levado o jornalista à morte. O atestado de óbito dos militares diz que Merlino foi atropelado ao fugir.
Na ação cível, a família do jornalista acusa Ustra de causar danos morais e pede o reconhecimento do militar como responsável por torturas. Está previsto também o pagamento de indenização, cujo valor será definido pelo Judiciário.
Joel Rufino dos Santos, testemunha e amigo de Merlino, disse ter ouvido de militares que o jornalista foi "barbarizado" e que a única maneira de salvá-lo era amputando as pernas. "Eles fizeram uma votação e não autorizaram a amputação", disse. Santos foi para o DOI-Codi depois da morte de Merlino.
Segundo o advogado de acusação, Fabio Konder Comparato, as seis testemunhas prestaram depoimentos semelhantes: relataram a participação de Ustra nas torturas e afirmaram ter ouvido de militares que o jornalista morreu em decorrência das agressões no Exército.
Os depoimentos foram fechados à imprensa e a uma dezena de pessoas que tentava assistir a audiência. Em frente ao fórum, grupos de Direitos Humanos protestaram contra Ustra durante toda a tarde.
Tatiana Merlino, sobrinha do jornalista, disse que a ação é simbólica e "representa todas as vítimas".
Maria Amélia Teles, autora da primeira ação contra Ustra, a ação da família Merlino pode reforçar a pressão pela abertura dos arquivos militares, pela criação da Comissão da Verdade e para rever a Lei de Anistia. "A decisão do Supremo foi vergonhosa. O Judiciário mostrou-se conivente com a tortura", disse.
O advogado de Ustra, Paulo Esteves, disse que "não havia motivos" para o coronel ter ido à audiência. Para o advogado, o argumento jurídico da ação é frágil e o prazo para o ressarcimentos aos danos gerados na ditadura foi superado. "Já se passaram mais de 40 anos", disse. A defesa deve se basear na Lei da Anistia e em documentos da Justiça Militar. Na análise de Esteves, o julgamento em primeira instância poderá ser feito até 2012, mas a tramitação no Judiciário poderá se estender por mais quatro anos, no mínimo, contando o prazo para recursos.
Ainda não há data para o depoimento das testemunhas indicadas por Ustra. Entre elas estão o senador José Sarney (PMDB-AP), o ex-ministro Jarbas Passarinho, o coronel Gélio Barbosa Fragapani e os generais Paulo Chagas, Valter Bischoff e Raymundo Torres
quinta-feira, 28 de julho de 2011
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