São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2011
Folha de São Paulo
Sociólogo critica "nova esquerda" europeia
Para o português Boaventura de Sousa Santos, partidos sofreram derrota eleitoral por não se diferenciarem da direita
Professor de Coimbra defende reavaliação da dívida portuguesa e diz que o euro, como está, não é mais sustentável
VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos acredita que os partidos de centro-esquerda estão sendo derrotados pelas urnas na Europa por não conseguirem se diferenciar da direita.
No domingo, o Partido Socialista português teve a pior votação em 20 anos, e o PSD, de direita, fez o novo premiê. Duas semanas antes, o espanhol sofreu derrota histórica.
Professor catedrático da Universidade de Coimbra, Sousa Santos, 70, lançou o livro "Portugal. Ensaio Contra a Autoflagelação", em que diz que seus conterrâneos tendem a se culpar por tudo. Leia os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - A eleição foi marcada por vitória da direita, encolhimento da esquerda e alta abstenção. O português está entre a apatia e a revolta contra o último governo?
Boaventura de Sousa Santos - Não me teria surpreendido uma abstenção ainda mais alta. Nenhum dos partidos disse na campanha como governaria se ganhasse. Se o fizesse, não seria eleito. O acordo com FMI, Banco Central Europeu e União Europeia não deixa dúvidas sobre o tipo de medidas impopulares que terão de ser tomadas e que vão afetar muito o bem-estar das pessoas. Os portugueses não estão apáticos. Estão expectantes. Leem os jornais e sabem o que está a passar na Grécia, um país um ano mais avançado que nós na desgraça.
A maioria parlamentar da direita mudará algo?
Sem dúvida. E temo que não seja para melhor. Portugal vai continuar o seu caminho europeu em contraciclo. Adotou o modelo do Estado social depois da revolução de 1974, quando estava já a entrar em crise na Europa. Agora, vai adotar o fundamentalismo neoliberal quando ele está em crise mundial e países ditos emergentes, entre os quais o Brasil, são festejados por ter desobedecido às receitas neoliberais.
Com a derrota do PS português, só 5 dos 27 países da EU estão sob governos de centro-esquerda. Por que o eleitor está rejeitando a esquerda?
As políticas liberais foram fielmente postas em prática pelos próprios partidos de centro-esquerda a partir do momento em que chamada Terceira Via dominou a social-democracia europeia.
A crise foi global, mas alguns países (os chamados periféricos) estão sofrendo mais para sair dela. Qual a explicação?
Os países periféricos adotaram moeda forte ao mesmo tempo em que o bloco econômico em que se integravam, a União Europeia, se abria ao mercado internacional. Quem produz turismo, calçado e têxteis não está em tão boas condições para competir com a China quanto um país que produz aviões ou trens de alta velocidade.
E a crítica dos alemães de que gregos e portugueses, por exemplo, trabalham menos e descuidaram das finanças?
O preconceito do Norte contra o Sul vem de muito longe. Os frades alemães que visitavam a península Ibérica no século 17 já diziam isso e muito mais. Diziam que os latinos são preguiçosos, lascivos e pouco higiênicos. Em 1953, no pós-guerra, a Alemanha estava na bancarrota. Credores juntaram-se, perdoaram mais de metade da dívida e aceitaram receber juros compatíveis. É curta a memória dos alemães.
O sr. fala em reavaliar a dívida portuguesa. Isso não seria visto como calote disfarçado?
Portugal tem de honrar os seus compromissos, ou seja, pagar a dívida que legitimamente deve, mas só essa. Parte da dívida decorre da manipulação especulativa de juros, resultante de promiscuidades de interesses entre especuladores e agências de rating, o que configura a suspeita de crimes financeiros. A divida que decorre dessa manipulação é ilegítima e não deve ser paga. Portugal deve sair da zona do euro? Foi um erro ter adotado a moeda comum? Só haverá saída sem tumulto da zona do euro se ela abranger mais de um país e for negociada. O euro como está é insustentável.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
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