segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Países sul-americanos

Sul-americanos apresentam reivindicações a Dilma
Marcos de Moura e Souza e Daniel Rittner | De São Paulo e Buenos Aires
03/01/2011 Valor Economico.Os governos sul-americanos estão otimistas sobre as relações que seus países terão com o Brasil no governo Dilma Rousseff. A impressão positiva que parece ter se difundido pela região, antes até da posse, se deve ao fato de ela ser herdeira de Lula, um presidente visto por sul-americanos como alguém que fez concessões às economias menores, que estimulou empresas brasileiras a investirem com empenho nos vizinhos e que trabalhou pela integração regional. A crença generalizada é que essa linha se manterá, embora haja um grau de incerteza sobre quão fácil será negociar com Dilma.

O Valorouviu nos últimos dias de embaixadores, diplomatas e analistas de alguns dos países sul-americanos as expectativas que os governos acalentam em relação à nova gestão. Ouviu também quais deverão ser algumas demandas que os presidentes encaminharão à colega e à sua equipe logo nesse início de mandato.

A Venezuela de Hugo Chávez espera manter a rotina inaugurada por ele e Lula de encontros a cada três meses mais ou menos para tratar de questões bilaterais e regionais. A diplomacia venezuelana fala em aprofundamento das relações e da cooperação entre os dois países.

"Dilma e Chávez se conhecem bem", diz o embaixador venezuelano em Brasília, Maximilien Arvelaiz. "Quando ela foi ministra de Minas e Energia e, depois, da Casa Civil, teve muitos contatos com o presidente. Esperamos poder acelerar a cooperação bilateral."

Mas o analista político venezuelano Jesus Mazzei, conhecedor das relações Venezuela-Brasil, diz que além dessas ambições gerais, Caracas deve apresentar ao novo governo ao menos um tema. "Acredito que o governo Chávez tentará discutir o destino da refinaria Abreu e Lima e qual será o papel da PDVSA no empreendimento", disse, mencionando a usina projetada para ser construída em Pernambuco em parceria com Caracas. "É possível que o governo peça a Brasília um alargamento dos prazos para a PDVSA investir na refinaria."

Se a relação entre Dilma e Chávez será tão fluida quanto a que há entre Lula e o venezuelano, Mazzei reluta. "Não sei se a relação será a mesma. Lula e Chávez têm uma grande identificação. Acho que os primeiros contatos com Dilma serão chave para dizer como será a dinâmica entre os dois governos".

Na Argentina, a chegada de Dilma ao Palácio do Planalto desperta a expectativa de "maior institucionalização" e "menos discurso" no Mercosul, segundo um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores. O governo de Cristina Kirchner (que não veio à posse para ficar com a família) reconhece a paciência de Lula com as medidas protecionistas do país, mas acha que não houve avanços significativos nas instituições do bloco, apesar do crescimento dos fluxos de comércio. A tendência é que Dilma cobre mais pragmatismo do Itamaraty, creem os vizinhos.

No Palácio San Martín, sede da chancelaria argentina, a visão é de que Dilma terá um papel menos ativo do que Lula nos fóruns internacionais, em um primeiro momento, com uma guinada na "diplomacia presidencial" exercida por Lula e Fernando Henrique Cardoso. O Itamaraty e, no caso da América do Sul, o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia, deverão conduzir a política externa. Mas a impressão em Buenos Aires é de que isso vá mudando gradualmente, à medida que Dilma estabeleça uma relação mais próxima com os demais chefes de Estado.

Houve alívio com os sinais dados pela presidente eleita de que poderá distanciar-se do Irã. Os argentinos nunca reclamaram publicamente, mas a defesa que Lula faz do regime dos aiatolás provoca incômodo em Buenos Aires, que responsabiliza o Hezbollah e funcionários do governo iraniano pelo atentado terrorista à associação judaica Amia, em 1994, que deixou 85 mortos. "Já cansamos de explicar ao governo brasileiro que eles são culpados, mas nos dizem que não há provas", diz uma fonte da chancelaria argentina.

No Peru, o governo de Alan García espera de Dilma "vontade política" para levar adiante os trabalhos iniciados pelo governo Lula de integração energética e estudos para a construção de seis hidrelétricas em solo peruano. Parte da energia abasteceria o Brasil. "Esperamos uma decisão política para fazer avançar esse projeto o quanto antes", disse o embaixador peruano no Brasil Ricardo Ghibellini.

Bolívia e Paraguai, as duas menores economias da América do Sul, pensam ter motivos para acreditar que com o novo governo seus interesses com o Brasil continuarão a ser atendidos.

No Paraguai, a equipe do presidente Fernando Lugo deposita seu otimismo e esperanças em relação à Dilma na aprovação pelo Congresso de uma revisão do acordo de Itaipu. A mudança, costurada e assinada por Lula após forte pressão de Lugo, prevê uma aumento de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões por ano que o Paraguai passará a receber a título de remuneração pela cessão de energia gerada pela hidrelétrica. "Como Dilma terá uma maioria no Congresso mais significativa, a expectativa do governo Lugo é que essa mudança seja aprovada sem problemas", disse um diplomata brasileiro.

Morales e seus auxiliares mais próximos têm acesso direto a Marco Aurélio Garcia, o assessor de Lula para a região, mantido por Dilma. E isso é visto como uma facilidade pelos bolivianos. Mas se acredita que com Dilma, Brasília continuará estimulando e viabilizando, via financiamentos do BNDES, a presença de empresas brasileiras na Bolívia e - talvez novos investimentos da Petrobras - o governo Morales sabe que há pressões para que a maior fiscalização para deter o narcotráfico ganhe uma abordagem mais rigorosa por parte do novo governo.

"Nós queremos impulsionar o tema do narcrotráfico, mas Evo Morales não quer ser cobrado por isso", diz uma autoridade brasileira que acompanha as relações com La Paz. É da Bolívia que vem a maior parte da pasta base, derivado da folha de coca e ingrediente-chave para a produção de cocaína e crack. Críticos e autoridades do próprio governo dizem que o tema ocupou um espaço perigosamente reduzido na agenda de discussões que Brasília estabeleceu com a Bolívia nos últimos anos.

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