domingo, 26 de dezembro de 2010

Uruguai e a anistia

Folha de São Paulo 26 de dezembro de 2010

Família faz Uruguai repensar anistias

Conquista jurídica de parentes de uma militante morta em 1974 abala perdão a crimes de militares na ditadura

Decisão já permitiu que um general da ativa e um coronel da reserva do Exército fossem processados e presos

Gustavo Hennemann/Folhapress

O uruguaio Juan Sabalsagaray com foto da irmã Nibia, morta em 74, em sua casa em Juan Lacaze, a 150 km de Montevidéu

GUSTAVO HENNEMANN
ENVIADO ESPECIAL A JUAN LACAZE (URUGUAI)

A família da uruguaia Nibia Sabalsagaray recorreu à Justiça só para mudar a versão oficial de sua morte. Queria que o Estado anulasse o atestado de suicídio e admitisse que ela foi torturada e assassinada aos 24 anos por agentes da ditadura cívico-militar do país (1973-1985).
No entanto, o caso da professora e militante comunista foi mais longe. Convenceu a Suprema Corte do Uruguai a declarar inconstitucional a Lei de Caducidade, que perdoa militares e policiais dos crimes cometidos na época.
A decisão inédita permitiu que um general da ativa e um coronel da reserva do Exército fossem processados e presos no último mês.
A conquista jurídica da família Sabalsagaray abriu caminho para que a Suprema Corte considerasse a Lei de Caducidade inconstitucional para outros 20 casos e também rendeu força política aos parlamentares que tentam derrubar a norma de forma definitiva no Legislativo.
"É ilógico que exista essa lei. Minha irmã morreu e eu quero saber o que aconteceu. Estamos cansados de ouvir a historinha do suicídio. Não há nada mais antidemocrático do que o Estado proibir a apuração de um crime", diz Juan, 58, irmão de Nibia que hoje vive em Juan Lacaze, a 150 km da capital uruguaia.
Por cinco anos, ele e duas irmãs lutaram contra as intimidações e as travas da legislação. Ligações anônimas mandavam a família "parar de incomodar", conta.
Segundo o Ministério Público e a família, tanto o general Miguel Dalmao, na época segundo-tenente, como o coronel José Chialanza, que comandava o quartel em que Nibia morreu, participaram do interrogatório e da sessão de tortura que provocou a morte da militante.
Em seguida, ambos trataram de forjar documentos e de montar uma cena de suicídio, segundo a Promotoria.
Nibia liderava reuniões políticas e pichava mensagens contra a ditadura. Foi presa e levada a um quartel em junho de 1974. No dia seguinte, militares levaram o corpo à família dizendo que ela havia se enforcado.
Segundo Adolfo Garcé, cientista político da Universidade da República, o caso foi um dos que mais indignou a sociedade uruguaia porque ela nunca pegou em armas.

OUTRO LADO
O advogado Miguel Langon, que defende o general Dalmao, afirma que o processo contra seu cliente não apresenta nenhuma prova. "São simples inferências, narrativas, que contam com a convicção pessoal das testemunhas, mas que não têm sustentação jurídica."
A reportagem não conseguiu falar com o advogado do coronel Chialanza.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Charles Taylor fala dos 80 anos de Habermas

http://blogs.ssrc.org/tif/author/taylor/

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mercadante, tese e Estado

Em discussão, o modelo de desenvolvimento
Sergio Lamucci | De São Paulo
20/12/2010


Regis Filho/Valor

Mercadante: "O social é o grande centro das políticas de desenvolvimento"A defesa da tese de doutorado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) na Unicamp, sexta-feira, tornou-se um debate sobre os oito anos do governo Lula, com a discussão sobre a existência de um novo modelo para o país - o novo desenvolvimentismo - e a respeito de temas como os perigos do câmbio valorizado para a indústria. Na banca, estiveram os ex-ministros Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP.

Mercadante fez da apresentação da tese uma defesa enfática da administração petista. Com tintas políticas, propôs a ideia de que o governo construiu as bases de um novo modelo, em que "o social é o grande centro das políticas de desenvolvimento", com mudança no papel do Estado e uma "articulação do desenvolvimento com o meio ambiente, a educação, a ciência e a tecnologia, os grandes desafios para o futuro". Com ironia, Delfim disse ter gostado do "discurso" de Mercadante, brincando que o petista continuava "afiadíssimo" na defesa do governo.

Luiz Carlos Bresser Pereira: governo falhou no câmbio e na gestão
No novo desenvolvimentismo, "o social é o eixo estruturante do econômico", uma característica que o difere do nacional-desenvolvimentismo do passado e do neoliberalismo do período recente, disse Mercadante, escolhido para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia do novo governo. Segundo ele, o Bolsa Família, os aumentos do salário mínimo, o crédito consignado e a alta dos recursos para a agricultura familiar são algumas das medidas que reduziram a pobreza e diminuíram a desigualdade, além de ajudar a criar um mercado interno de consumo de massas. O crescimento foi mais elevado, com inclusão social.

Um papel mais forte do Estado é outra marca do novo desenvolvimentismo, disse Mercadante, enfatizando a importância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal nessa direção, ao coordenar e planejar investimentos no país. Mercadante também lembrou a reação do governo à crise global, quando a atuação firme dos bancos públicos impediu um tombo mais forte da economia, assim como a aceleração de investimentos pela Petrobras. Houve uma política anticíclica num momento em que boa parte do setor privado colocou o pé no freio, afirmou ele, que voltou à Unicamp para defender a tese, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula" depois de uma ausência de 12 anos.




Delfim Netto: "Inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade"
Pioneiro no uso do termo novo desenvolvimentismo, Bresser discutiu até que ponto o governo Lula seguiu as diretrizes do modelo. Segundo ele, o novo desenvolvimentismo prega responsabilidade fiscal, e "houve responsabilidade fiscal no governo Lula". Juros baixos fazem parte do receituário novo-desenvolvimentista, e a gestão petista, ainda que termine com taxas elevadas, promoveu queda expressiva dos juros reais, de 10% para 5%. "Houve um progresso nessa área. " Segundo Bresser, Lula deu papel mais estratégico ao Estado, além de ter contribuído para neutralizar a tendência de os salários crescerem abaixo da produtividade.

Bresser apontou duas áreas caras ao novo desenvolvimentismo, porém, em que o governo Lula falhou: a gestão pública e o câmbio, que se valorizou excessivamente. "Houve recentemente um esforço para mudar esse quadro. Guido Mantega [ministro da Fazenda] teve enorme coragem quando, há um ano, colocou o IOF sobre as entradas de capital, arriscando o seu cargo."


João Manuel Cardoso de Mello: "Sem indústria, não tem emprego"
Apontando exageros na avaliação de Mercadante sobre o governo Lula, Delfim disse não ver um novo modelo, mas sim o aprofundamento do "que precisava ser aprofundado" e já estava inscrito na Constituição de 1988, que propõe, de acordo com ele, a "construção de uma sociedade democrática, com o objetivo fundamental da construção de igualdade de oportunidades". Apesar da ressalva, afirmou considerar a gestão de Lula um ponto de inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade. "Isso já estava implícito na Constituição. Devia ter começado muito antes, mas só começou com ele."

Cardoso de Mello elogiou Mercadante e disse não ver problemas no fato de a tese ser um "trabalho de combate": "Esta casa tem tradição nisso". Fez, contudo, algumas observações, de um "leitor atento e simpático". "Primeiro, há quantos governos Lula? Um ou dois?", questionou. "É lícito fazer uma análise do conjunto do período ou seria necessário modular e até mostrar por que a inflexão no segundo governo foi possível?"

Outro ponto importante seria analisar o que "se deveu à 'virtù' e o que se deveu à 'fortuna'" no governo Lula, segundo ele. A ascensão da China, por exemplo, deslocou "a curva de demanda por produtos primários", o que teve repercussão enorme na economia global e tornou o panorama internacional favorável ao Brasil", afirmou Cardoso de Mello. "Lula mesmo diz: 'Eu tive uma sorte danada'. Ele sabe disso, o que não tira os seus méritos, porque soube aproveitar a sorte. "

Cardoso de Mello também disse que valeria a pena Mercadante "olhar para frente". Você, como aluno desta casa, sabe que [Fernand] Braudel diz que existem a longa duração, as conjunturas, que são de 50 anos, e os acontecimentos. Por enquanto, o governo Lula é um acontecimento, embora seja acontecimento importante, porque houve uma ruptura com o governo Fernando Henrique."

Delfim e Cardoso de Mello advertiram para os perigos do câmbio valorizado e de seu impacto sobre a indústria. "Dentro de 20 a 25 anos, teremos 220 milhões a 230 milhões de habitantes e será necessário dar emprego de boa qualidade para 150 milhões de pessoas, e não vamos fazer isso apenas exportando matérias-primas ou produtos agrícolas", disse Delfim.

Cardoso de Mello insistiu no papel-chave da indústria. "Nós vamos jogar o futuro da economia na capacidade que tivermos de renovar a indústria brasileira", afirmou. "Sem indústria, não tem emprego." Segundo ele, a "agricultura não tem emprego e o setor de serviços só tem empregos derivados da indústria, ou são serviços públicos."

Para Cardoso de Mello, é crucial evitar a apreciação exagerada do câmbio. "Não podemos ter um câmbio sobrevalorizado como esse de R$ 1,70, pelo qual uma bola de futebol entra no Brasil a US$ 2,95 - e dessas oficiais, não de borracha, de criança." Ele disse que o país não pode mais cometer "barbeiragens" no manejo dos juros, como a ocorrida em 2004, que abortou o crescimento daquele ano e derrubou o do ano seguinte.

Mercadante reconheceu o problema do câmbio valorizado, para ele o maior desafio de curto prazo do país. Disse, porém, não acreditar que haja um processo de desindustrialização, dada a robustez do mercado interno, embora tenha manifestado preocupação quanto ao "rebaixamento da pauta de exportações".

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domingo, 19 de dezembro de 2010

Assange e Wikileaks

Cerco a Assange deixa jornalismo vulnerável, afirma especialista

Escritor americano Glenn Greenwald diz que há risco de mais processos contra jornalistas

Colunista do Salon.com, ele diz que o WikiLeaks não pode ser processado porque não pertence a nenhum país específico

JANAINA LAGE
DO RIO

O escritor e advogado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald afirma que, caso os EUA consigam processar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, jornalistas ficarão mais vulneráveis a ações judiciais.
Colunista da revista digital Salon.com, Greenwald tem sido uma das vozes de defesa do WikiLeaks na imprensa americana.
Para ele, não há base legal para processar o site porque é uma organização dissociada de qualquer Estado e só existe na internet.
Jornais norte-americanos já citaram como possíveis bases legais para um processo contra Assange a lei de espionagem, de 1917, e a lei de fraude e abuso de computadores, de 1986.
O escritor concedeu entrevista à Folha após palestra no Iesp-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos).
Greenwald vive no Rio de Janeiro há quase seis anos. A seguir, trechos da entrevista.




Folha - O que os documentos vazados pelo WikiLeaks revelam sobre a diplomacia americana?
Glenn Greenwald - Não existe uma diplomacia americana à parte dos demais objetivos do governo. Os diplomatas são usados para espionar outros países e para levantar dados de inteligência da mesma forma que a CIA seria usada.
O papel da diplomacia é evitar guerras, mas muitos documentos mostram tudo menos isso. Há diplomatas tentando convencer outros países a deixar que os EUA participem de ações militares em seus territórios.

Na semana passada, a Força Aérea dos EUA bloqueou o acesso às páginas de veículos que publicam vazamentos. A polêmica em torno do WikiLeaks pode trazer de volta a discussão sobre censura na internet?
Isso vai justificar na cabeça de muita gente que seja criado algum tipo de repressão ou censura na internet, o que é um retrocesso. As pesquisas com o público americano mostram que a maioria acredita que o WikiLeaks causou mais danos do que benefícios e que Assange deve ser encarcerado.
Os governos sempre querem controlar a internet. A razão pela qual não podem fazer isso é a oposição pública. O compromisso do WikiLeaks com a transparência pode aumentar o apoio público ao controle da internet.

Como o sr. compara os governos de Barack Obama e George W. Bush em relação à liberdade de imprensa?
Quando Obama concorreu à Presidência, criticava Bush por sua guerra contra a transparência. A realidade é que não só ele continuou a maioria destas políticas como, em alguns casos, elas até pioraram.
O governo Bush ameaçou mover ações contra jornalistas que publicaram informações secretas e processar pessoas do governo responsáveis pelos vazamentos, mas quase nunca fez isso. O governo Obama já trouxe cinco diferentes ações contra pessoas do governo que vazaram informações.

O sr. citou um artigo do professor Jay Rosen, da New York University, que afirma que parte da repercussão do WikiLeaks é resultado da morte do jornalismo americano...
Depois do 11 de Setembro, a grande imprensa se tornou completamente identificada com o governo.
Eles cobriram a Guerra do Iraque embarcados com o Exército e começaram a ver o mundo pela perspectiva do governo.
A maior desgraça é que nosso governo levou o país a uma das mais terríveis guerras dos últimos cem anos baseado integralmente em mentiras, e a classe jornalística não se deu ao trabalho de submeter as informações a qualquer escrutínio.


Quais as consequências de um eventual processo dos EUA contra Assange?
Isso vai tornar os processos contra jornalistas muito mais prováveis. Se você criar uma teoria legal que permita um processo contra o WikiLeaks, isso dará poder ao governo de processar jornalistas por revelar seus segredos.
Revelar segredos de governo representa o corpo e também a alma do jornalismo investigativo.

Por que o sr. afirma que o WikiLeaks não está sujeito às leis americanas?
O WikiLeaks não é brasileiro ou americano. É uma organização sem Estado, não pertence a nenhum país e não existe fisicamente em lugar algum, apenas na internet. Não há mecanismo para definir qual lei se aplica a ele. Não se pode levá-lo à Justiça e obrigá-lo a revelar suas fontes. A maioria das pessoas não consegue pensar dissociada do Estado.
Parte do caráter único do WikiLeaks vem do fato de Assange ter sido criado de forma transnacional.
Ele se mudou centenas de vezes e foi criado de forma a não confiar ou seguir nenhuma autoridade.

Por que a "Time" elegeu Mark Zuckerberg personalidade do ano quando os leitores escolheram Assange?
Muitas pessoas usam o Facebook e Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com isso, mas se ele não existisse, nada iria mudar. A "Time" já elegeu Adolf Hitler e Joseph Stalin como personalidades.
Quando as pessoas perguntam zangadas: "Mas como vocês fizeram isso"? Eles sempre dizem que não é a opção de que gostamos, mas a que teve maior impacto.
Em 2001 a pessoa de maior impacto foi Osama bin Laden, mas eles tiveram muito medo e escolheram Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York]. Agora, é claro que Assange tem mais impacto do que Zuckerberg.

Atendimento à Corte Interamericana de Direitos Humanos

domingo, 19 de dezembro de 2010
Atendimento à Corte Interamericana de Direitos Humanos

Atendimento à corte da OEA requer revogação da Anistia
Presidente do tribunal diz que juízes brasileiros têm de acatar condenação ao País por violações de direitos humanos
19 de dezembro de 2010 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo
Os juízes brasileiros têm obrigação de acatar e cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que nesta semana condenou o Brasil por violações de direitos humanos no episódio da guerrilha do Araguaia, 40 anos atrás. Essa é a opinião do chileno Felipe González, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - a instituição que inicialmente recebeu a denúncia dos familiares dos mortos e desaparecidos na guerrilha e depois a encaminhou à corte.


Em entrevista ao Estado, González, que é professor de direito constitucional, observou que a principal tarefa do Brasil no momento é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos. O passo inicial, acredita o professor, seria a revogação da Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos.

Pela interpretação jurídica em vigor no País, esses agentes teriam sido beneficiados pela lei, originalmente destinada apenas aos opositores do regime que viviam no exílio, estavam presos ou impedidos de exercer seus direitos políticos. Mas, segundo González, a lei não tem nenhuma validade porque viola princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

"Quando uma lei de anistia beneficia autores de crimes contra a humanidade, como a tortura e o desaparecimento forçado, entra em confronto com a Convenção Americana", diz ele. "O Brasil sabe disso, porque há uma jurisprudência bem fundamentada no sistema interamericano em relação a crimes contra a humanidade. As leis de anistia na Argentina e no Uruguai foram suspensas pela Corte Interamericana porque contrariavam o pacto internacional de San José, na Costa Rica."

Soberania. Em relação ao argumento apresentado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a sentença viola o sistema jurídico e a soberania do País, González observa: "Não é invasão de soberania porque foi o Brasil que, voluntariamente, assumiu obrigações em nível internacional ao ratificar a Convenção Americana e ao reconhecer a jurisdição da corte em matéria contenciosa. Foi o Brasil que entregou essa faculdade à Corte Interamericana."

O presidente da Comissão de Direitos Humanos também observa que as reações iniciais às decisões da corte são frequentemente de recusa e contestação. Em quase todos os casos, porém, as resistências acabam vencidas.

"O sistema internacional não emprega elementos de coação, mas vai manter o caso aberto até que o Brasil cumpra a sentença", explica. "Periodicamente serão solicitados informes e relatórios e o processo pode demorar anos. Por outro lado, a assembleia da OEA também recebe comunicados anuais sobre os países que não cumprem as sentenças. Com o correr do tempo, as decisões acabam sendo cumpridas. As Cortes Supremas da Argentina, do Chile e da Colômbia mudaram suas jurisprudências."

Para González, a reação do Brasil é observada com atenção, em decorrência de sua crescente projeção internacional.

"O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse as determinações", diz ele. "Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos." / R.A.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O Brasil no ranking da democracia

17/12/2010 -
Brasil é 47º em ranking mundial de democracia
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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO

O Brasil pode até avançar para o quinto lugar no campeonato da economia mundial no governo Dilma Rousseff, como prevê Luiz Inácio Lula da Silva, mas não chegará a uma posição similar ou próxima a ela no ranking planetário da democracia.

O país está em uma posição muito inferior, e, pior, retrocedendo, ao menos no Índice da Democracia 2010, que acaba de ser divulgado pela Economist Intelligence Unit, o braço de pesquisas da respeitada revista britânica "The Economist".

O Brasil recuou do 41º lugar em 2008 para o 47º agora (o levantamento é feito a cada dois anos). Caiu de 7,38 pontos para 7,12, em 10 possíveis. Nem aparece como "democracia plena", o belo rótulo reservado para apenas 26 dos 167 países ranqueados.

O Brasil é rotulado como "democracia imperfeita" ao lado de 52 outros países, entre eles França e Itália, o que mostra o rigor da avaliação.

O item que derruba o Brasil, entre os cinco que o índice leva em conta, é "cultura política". A nota do país nesse quesito é 4,38.

Um segundo critério ajuda a empurrar o país para baixo: chama-se "participação política", em que o Brasil leva 5.

Essas duas notas representam brutal contraste com os 9,58 recebidos em "processo eleitoral e pluralismo" e com os 9,12 de "liberdades civis", os dois quesitos que mais usualmente aparecem na discussão sobre democracia.

Significa, portanto, que o Brasil seria facilmente catalogado como "democracia plena" se o ranking considerasse apenas os aspectos mais convencionais.

Tanto é assim que a primeira do ranking, a Noruega, tem nota geral 9,8, não muito acima do que o Brasil obtém nos quesitos convencionais.

Mas, quando o ranking se sofistica um pouco, verifica-se que a nota norueguesa em "cultura política" é 9,38, quase o dobro da brasileira.

O Brasil perde pontos também em "funcionamento do governo". Tira 7,5, abaixo dos 8,21 da África do Sul, mas mais que os 7,14 da França e quase empatado com os 7,86 dos Estados Unidos --que, aliás, fica apenas na 16ª posição no ranking geral.

A América Latina só tem dois países entre as "democracias plenas" (Uruguai, 21º, com 8,10, e Costa Rica, 24ª, com 8,04). Dois países latino-americanos estão à frente do Brasil na lista de "democracias imperfeitas": Chile (34º) e Panamá (46º).

O relatório lamenta que "as liberdades políticas sofreram erosão em muitos países desde a publicação do índice anterior", em 2008, e culpa, principalmente a crise financeira global, "[por ter] minado a confiança pública no governo e tentado políticos a incomodar a oposição".

domingo, 12 de dezembro de 2010

Rodotá - Italia - laboratório do totalitarismo moderno

'Italia es el laboratorio del totalitarismo moderno'
MIGUEL MORA 12/12/2010

Puntal del laicismo, la democracia y el sentido común, Stefano Rodotá es un hombre exquisitamente amable. Sabio del derecho, comprometido a la antigua y heredero del activismo de Pasolini, es acaso el penúltimo humanista europeo y uno de los pocos intelectuales de referencia que quedan en esta Italia "triste y deshilachada, que solo se mira el ombligo y parece cada vez más un apéndice del Vaticano cuando se acercan los 150 años de la unidad del país".


"Italia, triste y deshilachada, solo se mira el ombligo y parece cada vez más un apéndice del Vaticano"

"Los obispos italianos no admiten el testamento biológico; los alemanes propusieron un texto más avanzado que el de la izquierda italiana"

"Necesitamos un derecho amable, no un derecho que niegue los derechos. La religión no puede domar la libertad"

"En Europa crecen la xenofobia y el racismo, y la debilidad cultural de Italia se expande por el Continente"
Profesor emérito de Derecho Civil en la Universidad de La Sapienza de Roma, Rodotà, nacido en Cosenza hace 73 años, escribe libros y artículos, asiste a congresos, dirige el Festival de Derecho de Piacenza, promueve manifiestos y da la batalla civil por un sinfín de causas, de la libertad de prensa a la ética pública y la eutanasia.

Elegido diputado por el Partido Comunista Italiano en 1979, vivió la convulsa década final de la Primera República en el Parlamento y luego fue el primer presidente del Partido Democrático della Sinistra (PDS), fundado en 1991 por Achille Occhetto a partir de las cenizas del PCI. Solo un año después, quizá profetizando la que se avecinaba, abandonó la política.

Hoy enseña en universidades de todo el mundo, y como especialista en filosofía del derecho y coautor de la Carta Fundamental de Derechos de la UE, es la "tabla" de medir libertades individuales, nuevos derechos, calidad democrática y abuso de poder. Sus textos sobre la relación entre derecho e intimidad, tecnología, trabajo, información y religión se consideran clásicos.

Ahora, Trotta acaba de traducir su libro La vida y las reglas. Entre el derecho y el no derecho, un ensayo de 2006 ampliado en 2009 en el que Rodotá replantea los límites del derecho y reivindica uno nuevo, "más sobrio y respetuoso con las múltiples y nuevas formas que ha adquirido la vida humana".

El profesor denuncia la tiranía que los nuevos popes de la ley tratan de imponer a los ciudadanos: la "casta de notables" que forman juristas y abogados, los grandes despachos internacionales que "crean las reglas del derecho global por encargo de las multinacionales", los "invisibles legisladores que secuestran el instrumento jurídico, transformando una mediación técnica en una actitud sacerdotal".

El libro traza una crítica posmarxista de la jungla de las ataduras legales que frenan las libertades que traen las innovaciones técnicas y científicas. Partiendo de Montaigne ("la vida es un movimiento desigual, irregular y multiforme"), Rodotá explica cómo el "evangelio del mercado", el poder político y la religión han coproducido "una mercantilización del derecho que abre la vía a mercadear incluso con los derechos fundamentales", según se ve en asuntos tan dispares como la inmigración, las técnicas de fertilización o los avances de la biología.

Según Rodotá, esa lógica mercantilista e invasiva es "radicalmente contradictoria con la centralidad de la libertad y la dignidad", y la privatización de la legalidad en un mundo global crea enormes desigualdades, paraísos e infiernos, "lugares donde se crean nuevos derechos y libertades y otros donde el legislador pretende adueñarse de la vida de las personas".

"La paradoja es que esa disparidad, que en teoría ayuda a extender la conciencia de la igualdad por el mundo, puede consagrar una nueva ciudadanía censitaria", explica. "Si se legisla sobre los genes, el cuerpo, el dolor, la vida, los regalos o el trabajo aplicando la represión, la arrogancia y la técnica empresarial de la deslocalización, las libertades se convierten en mercancías y solo aquellos que pueden permitirse pagar pueden acceder a ellas".

Rodotà cita por ejemplo las leyes sobre los matrimonios homosexuales o la reproducción asistida, "que en Italia han creado un flujo de turistas del derecho hacia países como España y otros menos seguros como Eslovenia o Albania". Y en el lado opuesto, "los paraísos fiscales y los países que respetan menos los derechos laborales o la legislación ambiental, y así captan empresas y millonarios".

El gran reto, afirma en esta entrevista, es "salir del derecho y regresar a la vida". O, como afirma en el prólogo del libro el profesor José Luis Piñar Mañas, "vincular vida y derecho, derecho y persona, persona y libertad y dignidad; poner el derecho al servicio del ser humano, y no del poder".

Pregunta. ¿No es paradójico que un jurista alerte contra los excesos del derecho?

Respuesta. Bueno, la mayor paradoja es que el derecho, que debe solo ser una mediación sobria y sensata, se convierta en un arma prepotente y pretenda apropiarse de la vida de la gente. Esta nueva tendencia está muy ligada a las innovaciones científicas y tecnológicas. Antes nacíamos de un solo modo; desde que Robert Edwards, el flamante premio Nobel, inventó el bebé probeta, han cambiado las reglas del juego y la ley natural no se gobierna solo por la procreación natural. Hay otras oportunidades de elegir y surge el problema: ¿debe actuar el derecho? ¿Hasta dónde? A veces, su pretensión es meter en una jaula a la ciencia, oponer derecho a derechos, usar el derecho para negar libertades. ¿Es eso lícito? A veces puede parecer que lo es, por ejemplo en la clonación.

P. ¿Y otras veces?

R. A mi juicio, el derecho debe intervenir, pero sin arrogancia, sin prepotencia, sin abusar, dejando a las personas decidir de forma libre y consciente. El caso de Eluana Englaro es un ejemplo palmario del uso prepotente de la ley y, de paso, del retraso cultural y político italiano. El poder y la Iglesia decidieron, contra lo que afirma la Constitución sobre el inalienable derecho de las personas a su dignidad y a su salud, que era preciso actuar para limitar la dignidad de esa mujer sin vida cerebral y el derecho de su padre a decidir por ella. El problema no es solo el empellón autoritario del poder político, sino el insensato desafío a la norma soberana, la Constitución, y la colaboración de la Iglesia en ese ataque.

P. La Iglesia odia también las células madre. Pero la fecundación asistida fue prohibida en Italia en un referéndum popular.

R. Algunas innovaciones científicas ponen en tela de juicio la antropología profunda del ser humano. El uso y descarte de distintos embriones en las técnicas de fertilidad es una de ellas. El derecho debe acompañar esos cambios, pero no bloquearlos. Los científicos piden reglas para saber si sus avances son moral y socialmente aceptables. Un uso prepotente de la ley limita sus investigaciones, niega el avance mismo, y al hacerlo se apodera de nuestras vidas porque nos niega todo derecho, o peor todavía, se lo niega solo a algunos. Los ricos italianos pueden ir a fertilizarse a España, los pobres no. Eso produce una ciudadanía censitaria y destruye el estado social. La vida está antes que la política y el derecho.

P. ¿La Italia actual está sometida al fundamentalismo católico?

R. Italia es un laboratorio del totalitarismo moderno. El poder, al abusar del derecho, privatizarlo y tratarlo como una mercancía, da alas al fundamentalismo político y religioso, y eso mina la democracia. Los obispos italianos no admiten el testamento biológico; los alemanes propusieron un texto más avanzado que el de la izquierda italiana. Al cumplirse un año de la muerte de Eluana, Berlusconi escribió una carta a las monjitas que la cuidaron diciendo que estaba muy triste por no haber podido salvarle la vida. Admitió públicamente que el poder había tratado de adueñarse de su vida. Ahora acaba de ofrecer un Plan por la Vida a la Iglesia. Con tal de tener su apoyo para seguir gobernando, Berlusconi ha malvendido el Estado de derecho al Vaticano por cuatro perras.

P. Y los homosexuales siguen sin derechos. Y los laicos cada vez pintan menos.

R. El Tribunal Constitucional ya ha dicho al Parlamento que debe reconocer las bodas gais. La Carta de Derechos de la UE es también muy clara. Necesitamos un derecho amable, no un derecho que niegue los derechos. La religión no puede domar la libertad. La Constitución de 1948, artículo 32, dice que la ley no podrá en ningún caso violar los límites impuestos por el respeto de la vida humana. Ese artículo se hizo pensando en los experimentos nazis, con la emotividad de los procesos a los médicos en Nuremberg. ¡Y lo hizo Aldo Moro, un político católico!

P. ¿Pensó alguna vez que llegaría a añorar a la Democracia Cristiana?

R. Aquellos políticos tenían otra talla cultural. Las discusiones parlamentarias entre la DC y el PCI eran de un nivel impresionante. Gobernando la DC se hicieron las leyes del aborto y del divorcio. Sabían que la sociedad y el feminismo las exigían y entendieron que no admitirlo dañaría su credibilidad política. Muchos eran verdaderamente laicos. Tenían más sentido de la medida y más respeto. Hoy estamos en el turismo para poder nacer y para poder morir, la gente reserva sitio en los hospitales suizos para poder morir con dignidad. ¿Es posible que un Estado democrático obligue a sus ciudadanos a pedir asilo político para morir? El derecho debe gobernar esos conflictos, no alentarlos.

P. Rosa Luxemburgo decía que detrás de cada dogma había un negocio que cuidar.

R. Desde luego, imagino que la sanidad privada influye en las posiciones del Vaticano. Desde el Concilio todo ha ido a peor, y hoy Italia está gobernada por movimientos como Comunión y Liberación, que hacen negocios fabulosos con la ayuda y la anuencia del Gobierno. La mala política siempre es hija de la mala cultura. La degradación cultural es la clave del problema. Espero que el régimen político de Berlusconi acabe lo antes posible, pero recuperarnos de este desierto cultural llevará décadas. El uso de la televisión, no solo partidista, sino sobre todo embrutecedor; la degeneración del lenguaje... Todo ha ido a menos. La degradación ha ido mucho más allá del perímetro del centro derecha, y vemos en todas partes actitudes especulares a la de Berlusconi.

P. Algunos están poniendo en discusión incluso los derechos sindicales.

R. El pensamiento jurídico se ha empobrecido mucho. En los años setenta hicimos una reforma radical del derecho de familia porque la cultura de los juristas y su sentido democrático lo permitieron. Se cerraron los manicomios, se hizo el Estatuto de los Trabajadores... Hoy todo eso sería impensable.

P. La izquierda permanece impasible... ¿Por qué?

R. La recuperación de la cultura es la primera premisa para recuperar la política de izquierda. Todos dicen que debe mirar al centro, yo creo que se debe empezar por recuperar la izquierda. Craxi destruyó la socialdemocracia, el PCI se suicidó, y ese cataclismo dura todavía. Hemos perdido la primacía de la libertad, y hoy manda el uso personalista y autoritario de las instituciones. La sociedad se ha descompuesto, el país se está deshaciendo. La política hace ostentación de fuerza, y el derecho se hace migajas.

P. ¿Europa nos salvará?

R. No parece que Europa viva un momento espléndido. Crecen la xenofobia y el racismo, y la debilidad cultural de Italia se expande por el continente. Trono y altar se han aliado otra vez, ahora de manera distinta. Hoy asistimos a la fusión entre el mercado, la fe y la política, que tratan de organizarnos la vida manipulando el derecho. En Italia, la corrupción no es que no sea perseguida, es que está protegida por la ley, como en el escándalo de la Protección Civil: se derogaron la transparencia y los controles ordinarios para poder robar mejor. En los años setenta las comisiones eran de risa, y en todo caso había una compostura, un respeto por la colectividad. Craxi fue devastador, un cambio de época. Ahora, la máxima es: "Si lo hace Berlusconi, ¿por qué no voy a hacerlo yo?".

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Rosário e os Direitos Humanos

Rosário promete buscar consenso no PNDH 3
Sérgio Bueno | De Porto Alegre
10/12/2010

Júlio Cordeiro Valor Econômico

Combate à homofobia e reforma no sistema prisional são temas emergenciais, diz a deputada Maria do Rosário, futura secretária de Direitos HumanosConfirmada no comando da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) no governo Dilma Rousseff, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) pretende buscar "consensos" para avançar na aplicação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Ao mesmo tempo em que considera o combate à homofobia e a reforma do sistema prisional como temas emergenciais, Rosário promete "abrir diálogo sem posições coercitivas" com os meios de comunicação sobre formas de enfrentar a incitação à violência no país.

O PNDH 3 foi uma das principais vidraças do PT durante a campanha presidencial. A descriminalização do aborto, um dos pontos mais atacados na versão original, foi retirada do programa no início deste ano por pressão de segmentos religiosos, mas ainda rendeu dores de cabeça para a então candidata Dilma, que teve de se comprometer a não apresentar propostas neste sentido caso fosse eleita.

Também no início do ano o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto em que retirou a expressão "repressão política", na definição em que a chamada Comissão da Verdade poderia apurar a violação de direitos humanos no país. A partir daí não ficou claro se o grupo poderia investigar agentes do Estado que torturaram presos políticos durante a ditadura militar.

Militante de longa data no campo dos direitos humanos, especialmente em questões relacionadas a crianças e adolescentes, Rosário disse que pretende discutir com "tranquilidade", sem excluir nenhum "segmento social", a implantação da Comissão da Verdade. Segundo ela, o direito à verdade e à memória não é "incompatível" com nenhuma parcela do Estado. Quanto à descriminalização do aborto, afirmou que não tem a intenção de ficar paralisada em "um ou outro tema", mas disse que o assunto deve continuar em debate.

Para o ex-deputado estadual e federal Marcos Rolim (PT-RS), especialista no assunto, mesmo com o recuo do governo em relação a pontos polêmicos, o PNDH 3 representa uma revolução para o país. O programa prevê, por exemplo, a união civil homossexual, a liberdade religiosa e o monitoramento das emissoras de rádio e televisão para coibir a transmissão de programas que promovam preconceito, como racismo ou homofobia.

Na opinião do ex-deputado, o desafio da futura secretária - que o sucedeu na presidência da comissão de direitos humanos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na legislatura 1999-2002 - será enfrentar temas que provocam "desgaste" para dar "efetividade" ao programa. Para ele, a presidente Dilma já sinaliza ter mais identidade com o tema do que Lula, até pelo fato de ter sido vítima de torturas durante a ditadura, mas os avanços dependem de reformas legais que precisam ser amplamente negociadas com a base do governo.

Segundo Rosário, a posição da presidente eleita será "essencial" para definir as diretrizes da atuação da secretaria. Por enquanto, ela teve apenas uma conversa preliminar com o atual titular da Pasta, Paulo Vannuchi, com quem vai se reunir na segunda-feira para tomar conhecimento em detalhes do estágio de implantação do programa e também para começar a estabelecer um plano de trabalho

"Não queremos alimentar apenas o caminho da polêmica", reforçou a deputada, que também pretende dar atenção à situação das crianças e adolescentes em situação de risco. Segundo ela, outros temas que a preocupam são os idosos, as comunidades indígenas, as populações migrantes e os usuários de drogas e álcool.

Professora por formação, Rosário elegeu-se vereadora em Porto Alegre pelo PCdoB em 1992 e reelegeu-se em 1996 já pelo PT. Em 1998 conquistou vaga na Assembleia Legislativa e desde 2003 ocupa uma cadeira na Câmara dos Deputados. Neste ano, chegou a ter a candidatura indeferida devido a dívidas da campanha de 2008 à prefeitura, mas foi novamente reeleita e teve o mandato confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em 2003, a futura secretária foi relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a exploração sexual infantil. Com 44 anos, ela é casada com o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Eliezer Pacheco, e tem uma filha, Maria Laura, de dez anos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Militar relata mortes na ditadura

Folha de São Paulo 8 de dezembro de 2010

Militar relata mortes em ação na ditadura

Dois militantes que atuavam na luta armada foram assassinados em operação na zona leste de SP, em 1970

Em depoimento inédito, ex-oficial do Exército diz à Folha que chefiou busca; segundo ele, agentes só reagiram

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

Pela primeira vez, um agente da ditadura militar admite ter participado da operação que levou à morte de Antônio dos Três Reis de Oliveira e Alceri Maria Gomes da Silva, que atuaram na luta armada contra o regime.
O relato foi feito à Folha por Maurício Lopes Lima, 75, tenente-coronel reformado e ex-chefe de buscas da Oban (Operação Bandeirante).
Em novembro, o oficial foi acusado pelo Ministério Público Federal de participar de atos de violência contra a presidente eleita, Dilma Rousseff, e outros 19 presos políticos. Foi denunciado por vários, mas nega tudo.
Antônio, estudante de economia, tinha 21 anos e militava na ALN (Ação Libertadora Nacional). O Exército nunca admitiu sua morte. Alceri, 26, era operária e pertencia aos quadros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Os dois foram metralhados em 17 de maio de 1970 num aparelho (esconderijo) na rua Caraguataí, no Tatuapé, zona leste de São Paulo.
No depoimento inédito, o militar confirmou ter comandado a operação, alegou que Antônio teria atirado contra ele e classificou as duas mortes como "inevitáveis".
"Todas as equipes já tinham saído quando lá chegou não sei quem. E disse "Olha, o pessoal tá no aparelho, no Tatuapé... e no meio do corredor tem um alçapão'", relatou ele.
"Fui procurar o alçapão, encontrei (...) Peguei um canivete, enfiei, tirei e saiu um cara que me deu seis tiros. Saltei para trás [fazendo barulho de tiros], e ele atirava. Eu acho que esse era o Antonio Três Rios [sic]", disse.
Segundo Lima, Alceri chegou a ser retirada do local com vida. "Embaixo tinha uma menina, que também foi atingida e saiu com vida." "O Antônio morreu na ação. A mulher saiu viva e morreu a caminho do hospital. Baleada. Era a Alcira [sic]."
Apesar de admitir a presença na ação, ele disse não ter atirado. Responsabilizou agentes chefiados pelo capitão Francisco Antônio Coutinho e Silva, já falecido. "Não era minha equipe", disse.
O militar não esclareceu, no entanto, por que estaria acompanhado de agentes subordinados a um colega.
Ao justificar a morte de Antônio, Lima culpou a vítima: "Eu contei duas violências tremendas. Muitas vezes, inevitáveis. Como é que eu posso abrir um alçapão e me sai um cara e me dá um tiro na cara? Um não, seis."
O primeiro documento oficial sobre a morte do estudante, um laudo do IML localizado em 1991, diz que ele foi abatido com um tiro no olho direito. O laudo de Alceri contabiliza quatro tiros, sendo dois pelas costas.
O livro "Direito à Memória e à Verdade", publicado pela Presidência da República em 2007, afirma que, segundo ex-presos políticos, eles foram baleados "por agentes da Oban chefiados pelo capitão Maurício Lopes Lima".

DILMA
O militar recebe aposentadoria de R$ 11 mil brutos e vive a duas quadras da praia, no Guarujá, litoral paulista.
A ação da Procuradoria cita depoimento em que Dilma o apontou como "um dos torturadores da Oban". Em 2009, a presidente disse que ele não a agrediu, mas "entrava na sala e via tortura".
"Não assisti à tortura dela, não sei quem torturou. Eu chegava com o terrorista e entregava para o interrogador. Depois acontecia o que acontecia. Eu não sei, não queria saber", disse ele.
O oficial afirmou não ter arrependimentos. "Não tenho nenhum remorso", disse. "Eu estava numa guerra

domingo, 5 de dezembro de 2010

Marxismo e Gramsci

"¿Me pedirás tú, muerto descarnado El Pais 5 de dezembro de 2010


La desaparición del Partido Comunista Italiano se ha tragado su obra

"Testimonian una resistencia que hizo mejores a muchos", dice su editor
Abandonar esta desesperada Pasión de estar en el mundo?"

(Las cenizas de Gramsci, Pier Paolo Passolini)

Hoy en día se lee poco a Gramsci (1891-1937). La destrucción del socialismo real y la desaparición del Partido Comunista Italiano (PCI), el más importante e influyente de Occidente, se ha tragado la obra de quien ha sido uno de los más originales pensadores marxistas de la historia. Filólogo, periodista (cofundador de la revista L?Ordine Nuovo), dirigente antifascista, teórico del marxismo, hombre de acción como líder del comunismo italiano, conviene recordar a los más jóvenes la figura de Antonio Gramsci, el hombre eternamente enfermo -sufrió una deformación de la columna vertebral que empezó a ser visible desde los siete años, y murió de un derrame cerebral- y condenado por Mussolini a más de 20 años de prisión.

Durante los 10 años que duró la dejación de libertad, pese a sus limitaciones físicas, elaboró una obra teórica que redujo el dogmatismo e introdujo frescura en el marxismo más mecanicista y ortodoxo, dada a conocer a través de 32 cuadernos que ocuparon casi 3.000 páginas. Los Cuadernos de la cárcel fueron publicados en castellano, en seis tomos, en una mítica edición de Ediciones Era, preparada por el Instituto Gramsci, con prólogo de Valentino Gerratana. Durante muchos años esos seis tomos fueron de obligada lectura para todos aquellos que se interesaban por la renovación del marxismo y su adecuación a las condiciones de la segunda parte del siglo XX.

Uno de los intelectuales españoles que más tiempo y esfuerzo dedicó al estudio de la obra de Gramsci fue, no por casualidad, Manuel Sacristán, que editó una indispensable Antología (Siglo XXI, 1974) con la que muchos ciudadanos de este país nos aproximamos a Gramsci. El historiador marxista Perry Anderson dijo hace mucho tiempo que Sacristán había sido el teórico marxista español más importante, y en esta apreciación han coincidido su selecto grupo de discípulos (reunidos en la revistas Materiales y su sucesora Mientras tanto), y muchos que, sin serlo, han resaltado su papel como científico social de primer orden. Redescubrir a Gramsci tiene la ventaja de volver a poner en circulación, más allá de esos círculos, a un autor de culto como Manuel Sacristán.

Años antes de la publicación de la Antología sacristaniana de Gramsci, en 1965 apareció en España la primera edición del otro bloque de sus escritos desde las prisiones fascistas (1926-1937): las Cartas desde la cárcel, editadas por Cuadernos para el Diálogo y traducidas por la inolvidable Esther Benítez. Estas lettere dal carcere habían sido publicadas por primera vez en 1947 y constaban de dos centenares de misivas dirigidas a su familia y amigos. En la edición de Cuadernos ya habían aumentado a 418. Ahora, se edita en España (Veintisiete Letras) una versión cuasi definitiva (su editor no descarta que aparezca alguna más), con 478 cartas del epistolario de Antonio Gramsci por las sucesivas cárceles italianas (Milán, Bari y Formia) en las que Mussolini lo tuvo encerrado, y por una clínica a la que fue trasladado al final de su vida, tras la condena por conspiración de 20 años, cuatro meses y cinco días. El fiscal que le acusó declaró: "Tenemos que impedir que este cerebro funcione durante 20 años".

Francisco Fernández Buey, uno de los discípulos predilectos de Sacristán y otro de los intelectuales marxistas españoles que mejor conocen a Gramsci, es el encargado de la edición y de la elaboración de un sugerente prólogo de esta nueva versión de las Cartas desde la cárcel. En él relata las condiciones en las que escribió el turinés y cómo era consciente de que las misivas -en las que se manifiestan sus inquietudes literarias, la preocupación por la historia y la política y también el conmovedor desvelo de Gramsci por su familia, por su mujer Yulca y por sus hijos- no eran estrictamente privadas, sino que estaba escribiendo para que fuesen leídas por el censor de la cárcel, las autoridades fascistas y por la dirección del PCI.

Decíamos antes que esta edición de las Cartas... era una buena ocasión para subrayar el papel y la obra de su introductor en España, Manuel Sacristán. También es una oportunidad para resucitar la figura del íntimo amigo de Gramsci, el economista Piero Sraffa, a quien dirige algunas de las misivas, sepultado por los partidarios del pensamiento único. Sraffa, también turinés y nacido poco después de Gramsci, es el eslabón perdido entre un economista conservador como lord Keynes (a quien las paradojas de la historia ha conducido a ser reivindicado por los progresistas) y un comunista como Antonio Gramsci.

A través de Sraffa, Keynes se interesará por la enfermedad fascista del sur de Europa y, sobre todo, por la tragedia personal de Gramsci. Este, por la mediación de Sraffa, supo del debate económico que se estaba produciendo entre las dos guerras mundiales y, sobre todo, el que se estaba originando en Cambridge con una generación incomparable de economistas como Joan Robinson, Nicholas Kaldor, Maurice Dobb, Hicks, Robertson, además de Keynes y del propio Sraffa, que dedicó su tiempo en Gran Bretaña a combatir al Duce y luchar por la libertad de Gramsci y de otros profesores universitarios encarcelados. Mussolini envió un telegrama al padre de Sraffa calificando sus artículos como "un acto de derrotismo bancario puro y duro, y un acto de sabotaje a las finanzas italianas". Por cierto que la única obra de este economista, Producción de mercancías por medio de mercancías, fue traducida en España por un jovencísimo profesor de Teoría Económica llamado Luis Ángel Rojo, que años después sería gobernador del Banco de España.

Gramsci dio a la ética de la resistencia el sentido de su vida. La estancia en las prisiones explica su aserto del pesimismo de la inteligencia y el optimismo de la voluntad. Escribíamos que ahora se le lee poco. Desgraciadamente. En el prólogo de las Cartas desde la cárcel, Fernández Buey remata: "Pero se le puede leer como a un clásico. Y las cartas que escribió desde la cárcel, como un documento histórico de la tragedia del comunismo del siglo XX, como el testimonio de una resistencia que durante décadas hizo a muchos mejores. Como una página del libro blanco de un ideal".

ONU e Direitos Humanos

Direitos humanos veem disputa na ONU Folha de São Paulo de 5 de dezembro de 2010

Conflito envolve hierarquia entre Conselho, baseado em Genebra, e 3ª Comissão da Assembleia Geral, em NY

Comissão tem aprovado mais condenações a países específicos, mesmo com menos resultados práticos

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Sem resultados práticos e em geral ignoradas, as votações na 3ª Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas são uma das faces da disputa sobre qual órgão do "sistema ONU" deve ter a primazia no tratamento dos direitos humanos.
A comissão cuida de temas sociais, culturais e humanitários e fez uma incursão no noticiário depois que a diplomacia brasileira se absteve, em novembro, de condenar o Irã -também optou pela abstenção no caso de Mianmar e votou "sim" só contra a Coreia do Norte.
Desde que o Conselho de Direitos Humanos foi criado em 2006, o Brasil é um dos países que argumentam que o exame de casos específicos cabe ao novo organismo.
Substituto da Comissão de Direitos Humanos, acusada de seletividade, o conselho adotou o Mecanismo de Revisão Universal, ao qual todos os membros da ONU são submetidos a cada quatro anos.
Além disso, pode se pronunciar sobre casos flagrantes -encomendou o polêmico relatório Goldstone, sobre a ofensiva israelense contra Gaza em 2009.
Sediado em Genebra, o conselho tem 47 integrantes com mandatos de três anos. Como cada região tem representação fixa, a maioria é de países em desenvolvimento -o Brasil conclui o segundo mandato seguido em 2011.
Já da 3ª Comissão, em Nova York, todos os 192 países participam, e em geral são analisadas resoluções que não amealhariam apoio suficiente no conselho.
No próximo ano, uma revisão fixará a hierarquia entre os dois organismos. Hoje, o conselho está subordinado à Assembleia Geral, da qual a comissão é "órgão subsidiário" -há polêmica sobre qual deles é "superior".
Como a maioria dos órgãos da ONU, vivem queda de braço entre as potências ocidentais e os países em desenvolvimento, com interseções eventuais entre os grupos.
No conselho, um terço das condenações são contra Israel, por violações dos direitos dos palestinos. Na comissão, as potências propõem textos contra países com os quais têm conflitos em áreas além dos direitos humanos.
Enquanto as decisões do conselho podem ter alguma consequência -como a nomeação de relatores especiais-, as da comissão destinam-se ao que as ONGs chamam de "name and shame", envergonhar o violador.
Coerência é artigo raro nos órgãos, sobretudo entre as democracias. A China e outras ditaduras seguem ortodoxamente a linha de jamais se pronunciar sobre temas internos de outros países.
Na 3ª Comissão, os EUA votaram "não" neste ano à moção contra o racismo e a xenofobia, além de se oporem, como é praxe, à que pediu moratória na aplicação da pena de morte. Os europeus se abstiveram no caso do racismo e se uniram aos EUA no "não" à resolução contra uso de mercenários.
África do Sul e Índia se abstiveram no caso do Irã. Os indianos, com interesses em Mianmar, disseram "não" à condenação da ditadura birmanesa -única que os sul-africanos condenaram.
Na América do Sul, três países -Argentina, Chile e Peru- votaram "sim" nos três casos. Uruguai e Paraguai se abstiveram no caso iraniano, enquanto a Colômbia se absteve em todos eles.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A internet e Worton

O Titanic da cibercultura
Por Diego Viana | Para o Valor, de São Paulo
03/12/2010Text
Regis Filho/Valor

Wolton: "Nunca é dito nada de negativo sobre a internet; quando alguém ousa lançar ressalva, é logo tachado de reacionário"O sociólogo francês Dominique Wolton tem o hábito de nadar contra a corrente. Quando a regra entre teóricos da comunicação, inspirados sobretudo pela célebre Escola de Frankfurt, eram os ataques generalizados à indústria cultural, televisão em particular, Wolton buscou demonstrar que justamente esses veículos de comunicação que marcaram o século XX proporcionavam um meio de interação para as sociedades nacionais. Hoje, porém, a internet e as redes sociais parecem, aos olhos da maioria dos analistas, oferecer o caminho para aperfeiçoar a comunicação tanto ao redor do mundo quanto em pequenas comunidades localizadas. Mas o sociólogo discorda profundamente, enxergando nas tecnologias contemporâneas de comunicação uma ilusão de contato que, na verdade, fecha cada um sobre si mesmo. Para Wolton, em resumo, a internet é "o Titanic da cibercultura".

Especialista em comunicação e fundador do primeiro laboratório dedicado ao tema no Centro Nacional de Pesquisa Científica francês (CNRS) - o Instituto de Ciências da Comunicação -, o sociólogo rejeita a associação imediata das noções de comunicação e informação. A comunicação, para ele, envolve relações entre pessoas, e por isso tem implicações políticas, sociais e culturais que vão muito além da informação.

Seu livro mais recente, "Informar não É Comunicar" (Sulina), trata dessas questões centrais da "era da informação". O problema da internet, na concepção de Wolton, é que se trata de uma ferramenta alvo de uma idolatria até então não verificada em relação a nenhuma tecnologia de comunicação. Enquanto a televisão e o rádio foram sempre encarados como instrumentos nas mãos de grupos poderosos, sejam Estados ou corporações multinacionais, ninguém é capaz de enxergar por trás da internet a atuação dessas mesmas entidades.

"Fizeram da internet uma panaceia. Criou-se essa ilusão de que ela seria portadora de liberdade, criatividade, proximidade para todos. Nunca é dito nada de negativo sobre a internet. Quando alguém ousa lançar uma ressalva, é logo tachado de reacionário, antiquado e assim por diante", afirma Dominique Wolton, durante entrevista concedida em São Paulo.

O que cega as pessoas ao redor do mundo para o aspecto não tão revolucionário da internet - aquilo que Wolton denomina a "não revolução da cibercultura" - é uma "ideologia técnica" que vem ganhando terreno sobretudo nos últimos 30 anos. Por meio dessa ideologia, aflora uma convicção de que a evolução do desempenho dos chips e aparelhos associados, como telefones, celulares, computadores, cartões e quetais, é fonte de ganhos na vida social e na capacidade comunicativa de todos.

Mas essa convicção, argumenta Wolton, é ingênua e equivocada. A potência técnica traz mais dados, mais acessos, mais contatos. Mas os dados não são conhecimentos, os acessos não são entradas e os contatos não são comunicação. Para demonstrar sua tese, o sociólogo propõe uma grande greve tecnológica: abdicar temporariamente dos e-mails, dos telefones celulares e, "sobretudo", das fotografias com aparelhos digitais. Uma volta aos filmes fotográficos, exemplifica Wolton, obrigaria o fotógrafo - principalmente o amador - a enxergar o valor de cada imagem que faça, porque ela tem um preço e a quantidade é bastante limitada. Seria necessário olhar antes de apertar o botão do obturador: o olhar é comunicação, o botão não é.

Nesse sentido, o sociólogo descreve o universo da internet no livro "Internet, e Depois" (Sulina) como ao mesmo tempo o auge e a sepultura dessa ideologia técnica. Por que sepultura? Porque "essa onipotência que se tem enxergado na internet, a partir de um certo ponto, terá de refluir necessariamente. Jamais voltaremos a ter uma ideia tão poderosa da ideologia técnica, ao menos não no campo da tecnologia de comunicação. São os excessos da ideologia tecnológica que a tornam insustentável em seu estado atual de euforia".

A briga de Wolton não é com a internet em si, naturalmente, mas com a concepção de globalização que ela carrega consigo. Em um artigo, ele escreve que "mesmo se a informação dá a volta ao mundo, é em menos de 100 quilômetros que a realidade muda". Com isso, a circulação descontrolada de informações por meio dos cabos e satélites da rede mundial acaba enfraquecendo a possibilidade real que as pessoas têm de agir. E essa possibilidade é a ação local, por meio da comunicação entre gente que se conhece e tem uma base comum de cultura histórica, linguística e social. Confrontado com o mantra da modernidade cibernética, o "pense global, aja local", Wolton deixa abertas as possibilidades. "O que temo é que a visão menos otimista, em que se perde com a globalização a própria ideia de globalizar, impeça que acreditemos na possibilidade de agir localmente."

Trata-se de verificar se a velocidade da globalização, que se manifesta numa enxurrada de dados e informações capaz de soterrar uma pessoa, permite às populações desenvolver uma compreensão própria do mundo ou não. Essa é a vantagem da televisão, aos olhos de Wolton.

No tempo em que as sociedades dependiam dela para se informar, por mais que as notícias fossem manipuladas e influenciadas por interesses econômicos e políticos, havia uma base comum a partir da qual cada um poderia tirar suas conclusões para, em seguida, discutir com os vizinhos. Havia espaço para a unidade cultural, mas também para o dissenso. Na cultura técnica, cujo apogeu é a internet, segundo Wolton, as sociedades abdicaram dessa base comum e cada um guarda suas convicções em isolamento, porque recebe apenas as informações que deseja, quando e como deseja.

Mesmo assim, não se pode dizer que a internet esteja mais livre das influências políticas e econômicas que eram tão claras nos grandes meios de comunicação de massa - jornais, internet, rádio. "A circulação da informação na internet já é também manipulada, como sempre foi, por interesses poderosos, econômicos e políticos. As questões com que vai se confrontar são as mesmas que já enfrentaram a televisão e o rádio."

Wolton ressalta que os lados político e econômico do poder são indissociáveis - "quando agem forças econômicas também agem forças políticas, e quando agem forças políticas também são forças econômicas". Mas observa que um poder econômico absoluto, ou seja, a dominação de um mercado, é concebível, mas um poder político absoluto sobre a comunicação fica, se tanto, no campo do potencial. "Os monopólios não podem fazer tudo o que querem. Eles frequentemente creem que podem controlar o país porque puxam as cordinhas, mas isso não é verdade. As pessoas são cada vez mais independentes do que dizemos a elas. Não basta ter duas rádios, três canais de televisão e uma infinidade de jornais para controlar o público."

Se a cultura da internet é uma das faces da globalização, aponta Wolton, então ela deve estar também sujeita às mesmas forças e aos mesmos problemas da globalização como um todo. O Brasil é um grande exemplo dos conflitos que podem surgir de determinadas tendências da globalização - aquelas que isolam, em vez de aproximar. No mundo todo, é possível observar uma expansão das iniciativas que erguem muros entre a identidade (o "nós") e a diferença ("os outros"). Na própria França de Wolton, o governo Sarkozy endureceu progressivamente a política de imigração, até o ápice que foi a recente expulsão de ciganos do país.

Dois outros exemplos são os muros erguidos nas fronteiras dos Estados Unidos com o México e de Israel com a Palestina, que revelam fisicamente a vontade de marcar um território e um universo de exclusão da alteridade. Finalmente, o ataque de militantes terroristas no Iraque a igrejas cristãs coptas do país revela o nível de violência a que pode chegar uma globalização que sublinha as identidades e, com elas, as diferenças.

O que tem o caso brasileiro de especial? Para Wolton, o país tem a tradição de ser a terra onde pode haver comunicação entre diferentes etnias, diferentes religiões, diferentes classes sociais. Essa comunicação não exclui, naturalmente, a existência dolorosa da dominação, da violência, da segregação e da injustiça. Mas os espaços de encontro, de contato e de confronto sempre existiram e obrigaram a que se estabelecessem formas de comunicação. Por mais desigual que fosse essa comunicação, ela sempre pareceu, aos olhos de Wolton, mais democrática do que a existente na Europa e em quase qualquer outro lugar do mundo.

Mesmo assim, o Brasil não escapa "a essa tendência à segmentação e ao comunitarismo através da segurança, de tal maneira que os ricos fiquem juntos, os pobres também, cada um em seu canto". Essa tendência se manifesta nas grandes cidades do país por meio de carros blindados, cercas elétricas e seguranças armados. O perigo é a formação de uma sociedade "em dois tempos", com duas velocidades. Um país dividido não geograficamente, como se chegou a cogitar depois das últimas eleições, mas socialmente e comunicativamente. Em outras palavras, "o multiculturalismo brasileiro talvez esteja diante de uma 'escola de realidade'. Ou bem o país resiste a essa luta ferrenha pela segurança ou entra numa estrutura de uns contra os outros, e nesse caso é toda a unidade nacional que é posta em risco. Essa unidade é vital, mas muito frágil", adverte o sociólogo.

É preciso achar uma saída para essa globalização que desumaniza e bloqueia toda possibilidade de comunicação verdadeira. Wolton estima, em "É Preciso Salvar a Comunicação" (Paulus, 2006), que os conceitos de informação e comunicação só poderão se reconciliar numa outra onda de globalização, em que as populações se darão conta da necessidade de voltar a comunicar. Há duas maneiras de isso acontecer. A otimista seria uma ação política de regulamentação e, em particular, de desconcentração do poder econômico e político das mídias.

Mas se essa ação política não ocorrer - e Wolton não a vê ocorrendo -, será preciso encontrar uma saída pela arte. "Não dá para aniquilar completamente a criatividade e a comunicação do homem. Um dia, haverá um poeta, um cantor, um filósofo, alguém que diga: 'Chega, basta!' Enfim, qualquer coisa, um homem ou uma mulher perfeitamente comum." Porém, se o grande sofrimento de todos os poetas raramente reverbera, o que se vê atualmente não permite imaginar um tal engajamento. "Por enquanto, as pessoas parecem estar mesmo é fascinadas. Elas não se dão conta de que os simulacros de comunicação não servem para nada."