Folha de São Paulo 26 de dezembro de 2010
Família faz Uruguai repensar anistias
Conquista jurídica de parentes de uma militante morta em 1974 abala perdão a crimes de militares na ditadura
Decisão já permitiu que um general da ativa e um coronel da reserva do Exército fossem processados e presos
Gustavo Hennemann/Folhapress
O uruguaio Juan Sabalsagaray com foto da irmã Nibia, morta em 74, em sua casa em Juan Lacaze, a 150 km de Montevidéu
GUSTAVO HENNEMANN
ENVIADO ESPECIAL A JUAN LACAZE (URUGUAI)
A família da uruguaia Nibia Sabalsagaray recorreu à Justiça só para mudar a versão oficial de sua morte. Queria que o Estado anulasse o atestado de suicídio e admitisse que ela foi torturada e assassinada aos 24 anos por agentes da ditadura cívico-militar do país (1973-1985).
No entanto, o caso da professora e militante comunista foi mais longe. Convenceu a Suprema Corte do Uruguai a declarar inconstitucional a Lei de Caducidade, que perdoa militares e policiais dos crimes cometidos na época.
A decisão inédita permitiu que um general da ativa e um coronel da reserva do Exército fossem processados e presos no último mês.
A conquista jurídica da família Sabalsagaray abriu caminho para que a Suprema Corte considerasse a Lei de Caducidade inconstitucional para outros 20 casos e também rendeu força política aos parlamentares que tentam derrubar a norma de forma definitiva no Legislativo.
"É ilógico que exista essa lei. Minha irmã morreu e eu quero saber o que aconteceu. Estamos cansados de ouvir a historinha do suicídio. Não há nada mais antidemocrático do que o Estado proibir a apuração de um crime", diz Juan, 58, irmão de Nibia que hoje vive em Juan Lacaze, a 150 km da capital uruguaia.
Por cinco anos, ele e duas irmãs lutaram contra as intimidações e as travas da legislação. Ligações anônimas mandavam a família "parar de incomodar", conta.
Segundo o Ministério Público e a família, tanto o general Miguel Dalmao, na época segundo-tenente, como o coronel José Chialanza, que comandava o quartel em que Nibia morreu, participaram do interrogatório e da sessão de tortura que provocou a morte da militante.
Em seguida, ambos trataram de forjar documentos e de montar uma cena de suicídio, segundo a Promotoria.
Nibia liderava reuniões políticas e pichava mensagens contra a ditadura. Foi presa e levada a um quartel em junho de 1974. No dia seguinte, militares levaram o corpo à família dizendo que ela havia se enforcado.
Segundo Adolfo Garcé, cientista político da Universidade da República, o caso foi um dos que mais indignou a sociedade uruguaia porque ela nunca pegou em armas.
OUTRO LADO
O advogado Miguel Langon, que defende o general Dalmao, afirma que o processo contra seu cliente não apresenta nenhuma prova. "São simples inferências, narrativas, que contam com a convicção pessoal das testemunhas, mas que não têm sustentação jurídica."
A reportagem não conseguiu falar com o advogado do coronel Chialanza.
domingo, 26 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Mercadante, tese e Estado
Em discussão, o modelo de desenvolvimento
Sergio Lamucci | De São Paulo
20/12/2010
Regis Filho/Valor
Mercadante: "O social é o grande centro das políticas de desenvolvimento"A defesa da tese de doutorado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) na Unicamp, sexta-feira, tornou-se um debate sobre os oito anos do governo Lula, com a discussão sobre a existência de um novo modelo para o país - o novo desenvolvimentismo - e a respeito de temas como os perigos do câmbio valorizado para a indústria. Na banca, estiveram os ex-ministros Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP.
Mercadante fez da apresentação da tese uma defesa enfática da administração petista. Com tintas políticas, propôs a ideia de que o governo construiu as bases de um novo modelo, em que "o social é o grande centro das políticas de desenvolvimento", com mudança no papel do Estado e uma "articulação do desenvolvimento com o meio ambiente, a educação, a ciência e a tecnologia, os grandes desafios para o futuro". Com ironia, Delfim disse ter gostado do "discurso" de Mercadante, brincando que o petista continuava "afiadíssimo" na defesa do governo.
Luiz Carlos Bresser Pereira: governo falhou no câmbio e na gestão
No novo desenvolvimentismo, "o social é o eixo estruturante do econômico", uma característica que o difere do nacional-desenvolvimentismo do passado e do neoliberalismo do período recente, disse Mercadante, escolhido para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia do novo governo. Segundo ele, o Bolsa Família, os aumentos do salário mínimo, o crédito consignado e a alta dos recursos para a agricultura familiar são algumas das medidas que reduziram a pobreza e diminuíram a desigualdade, além de ajudar a criar um mercado interno de consumo de massas. O crescimento foi mais elevado, com inclusão social.
Um papel mais forte do Estado é outra marca do novo desenvolvimentismo, disse Mercadante, enfatizando a importância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal nessa direção, ao coordenar e planejar investimentos no país. Mercadante também lembrou a reação do governo à crise global, quando a atuação firme dos bancos públicos impediu um tombo mais forte da economia, assim como a aceleração de investimentos pela Petrobras. Houve uma política anticíclica num momento em que boa parte do setor privado colocou o pé no freio, afirmou ele, que voltou à Unicamp para defender a tese, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula" depois de uma ausência de 12 anos.
Delfim Netto: "Inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade"
Pioneiro no uso do termo novo desenvolvimentismo, Bresser discutiu até que ponto o governo Lula seguiu as diretrizes do modelo. Segundo ele, o novo desenvolvimentismo prega responsabilidade fiscal, e "houve responsabilidade fiscal no governo Lula". Juros baixos fazem parte do receituário novo-desenvolvimentista, e a gestão petista, ainda que termine com taxas elevadas, promoveu queda expressiva dos juros reais, de 10% para 5%. "Houve um progresso nessa área. " Segundo Bresser, Lula deu papel mais estratégico ao Estado, além de ter contribuído para neutralizar a tendência de os salários crescerem abaixo da produtividade.
Bresser apontou duas áreas caras ao novo desenvolvimentismo, porém, em que o governo Lula falhou: a gestão pública e o câmbio, que se valorizou excessivamente. "Houve recentemente um esforço para mudar esse quadro. Guido Mantega [ministro da Fazenda] teve enorme coragem quando, há um ano, colocou o IOF sobre as entradas de capital, arriscando o seu cargo."
João Manuel Cardoso de Mello: "Sem indústria, não tem emprego"
Apontando exageros na avaliação de Mercadante sobre o governo Lula, Delfim disse não ver um novo modelo, mas sim o aprofundamento do "que precisava ser aprofundado" e já estava inscrito na Constituição de 1988, que propõe, de acordo com ele, a "construção de uma sociedade democrática, com o objetivo fundamental da construção de igualdade de oportunidades". Apesar da ressalva, afirmou considerar a gestão de Lula um ponto de inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade. "Isso já estava implícito na Constituição. Devia ter começado muito antes, mas só começou com ele."
Cardoso de Mello elogiou Mercadante e disse não ver problemas no fato de a tese ser um "trabalho de combate": "Esta casa tem tradição nisso". Fez, contudo, algumas observações, de um "leitor atento e simpático". "Primeiro, há quantos governos Lula? Um ou dois?", questionou. "É lícito fazer uma análise do conjunto do período ou seria necessário modular e até mostrar por que a inflexão no segundo governo foi possível?"
Outro ponto importante seria analisar o que "se deveu à 'virtù' e o que se deveu à 'fortuna'" no governo Lula, segundo ele. A ascensão da China, por exemplo, deslocou "a curva de demanda por produtos primários", o que teve repercussão enorme na economia global e tornou o panorama internacional favorável ao Brasil", afirmou Cardoso de Mello. "Lula mesmo diz: 'Eu tive uma sorte danada'. Ele sabe disso, o que não tira os seus méritos, porque soube aproveitar a sorte. "
Cardoso de Mello também disse que valeria a pena Mercadante "olhar para frente". Você, como aluno desta casa, sabe que [Fernand] Braudel diz que existem a longa duração, as conjunturas, que são de 50 anos, e os acontecimentos. Por enquanto, o governo Lula é um acontecimento, embora seja acontecimento importante, porque houve uma ruptura com o governo Fernando Henrique."
Delfim e Cardoso de Mello advertiram para os perigos do câmbio valorizado e de seu impacto sobre a indústria. "Dentro de 20 a 25 anos, teremos 220 milhões a 230 milhões de habitantes e será necessário dar emprego de boa qualidade para 150 milhões de pessoas, e não vamos fazer isso apenas exportando matérias-primas ou produtos agrícolas", disse Delfim.
Cardoso de Mello insistiu no papel-chave da indústria. "Nós vamos jogar o futuro da economia na capacidade que tivermos de renovar a indústria brasileira", afirmou. "Sem indústria, não tem emprego." Segundo ele, a "agricultura não tem emprego e o setor de serviços só tem empregos derivados da indústria, ou são serviços públicos."
Para Cardoso de Mello, é crucial evitar a apreciação exagerada do câmbio. "Não podemos ter um câmbio sobrevalorizado como esse de R$ 1,70, pelo qual uma bola de futebol entra no Brasil a US$ 2,95 - e dessas oficiais, não de borracha, de criança." Ele disse que o país não pode mais cometer "barbeiragens" no manejo dos juros, como a ocorrida em 2004, que abortou o crescimento daquele ano e derrubou o do ano seguinte.
Mercadante reconheceu o problema do câmbio valorizado, para ele o maior desafio de curto prazo do país. Disse, porém, não acreditar que haja um processo de desindustrialização, dada a robustez do mercado interno, embora tenha manifestado preocupação quanto ao "rebaixamento da pauta de exportações".
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Sergio Lamucci | De São Paulo
20/12/2010
Regis Filho/Valor
Mercadante: "O social é o grande centro das políticas de desenvolvimento"A defesa da tese de doutorado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) na Unicamp, sexta-feira, tornou-se um debate sobre os oito anos do governo Lula, com a discussão sobre a existência de um novo modelo para o país - o novo desenvolvimentismo - e a respeito de temas como os perigos do câmbio valorizado para a indústria. Na banca, estiveram os ex-ministros Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP.
Mercadante fez da apresentação da tese uma defesa enfática da administração petista. Com tintas políticas, propôs a ideia de que o governo construiu as bases de um novo modelo, em que "o social é o grande centro das políticas de desenvolvimento", com mudança no papel do Estado e uma "articulação do desenvolvimento com o meio ambiente, a educação, a ciência e a tecnologia, os grandes desafios para o futuro". Com ironia, Delfim disse ter gostado do "discurso" de Mercadante, brincando que o petista continuava "afiadíssimo" na defesa do governo.
Luiz Carlos Bresser Pereira: governo falhou no câmbio e na gestão
No novo desenvolvimentismo, "o social é o eixo estruturante do econômico", uma característica que o difere do nacional-desenvolvimentismo do passado e do neoliberalismo do período recente, disse Mercadante, escolhido para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia do novo governo. Segundo ele, o Bolsa Família, os aumentos do salário mínimo, o crédito consignado e a alta dos recursos para a agricultura familiar são algumas das medidas que reduziram a pobreza e diminuíram a desigualdade, além de ajudar a criar um mercado interno de consumo de massas. O crescimento foi mais elevado, com inclusão social.
Um papel mais forte do Estado é outra marca do novo desenvolvimentismo, disse Mercadante, enfatizando a importância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal nessa direção, ao coordenar e planejar investimentos no país. Mercadante também lembrou a reação do governo à crise global, quando a atuação firme dos bancos públicos impediu um tombo mais forte da economia, assim como a aceleração de investimentos pela Petrobras. Houve uma política anticíclica num momento em que boa parte do setor privado colocou o pé no freio, afirmou ele, que voltou à Unicamp para defender a tese, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula" depois de uma ausência de 12 anos.
Delfim Netto: "Inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade"
Pioneiro no uso do termo novo desenvolvimentismo, Bresser discutiu até que ponto o governo Lula seguiu as diretrizes do modelo. Segundo ele, o novo desenvolvimentismo prega responsabilidade fiscal, e "houve responsabilidade fiscal no governo Lula". Juros baixos fazem parte do receituário novo-desenvolvimentista, e a gestão petista, ainda que termine com taxas elevadas, promoveu queda expressiva dos juros reais, de 10% para 5%. "Houve um progresso nessa área. " Segundo Bresser, Lula deu papel mais estratégico ao Estado, além de ter contribuído para neutralizar a tendência de os salários crescerem abaixo da produtividade.
Bresser apontou duas áreas caras ao novo desenvolvimentismo, porém, em que o governo Lula falhou: a gestão pública e o câmbio, que se valorizou excessivamente. "Houve recentemente um esforço para mudar esse quadro. Guido Mantega [ministro da Fazenda] teve enorme coragem quando, há um ano, colocou o IOF sobre as entradas de capital, arriscando o seu cargo."
João Manuel Cardoso de Mello: "Sem indústria, não tem emprego"
Apontando exageros na avaliação de Mercadante sobre o governo Lula, Delfim disse não ver um novo modelo, mas sim o aprofundamento do "que precisava ser aprofundado" e já estava inscrito na Constituição de 1988, que propõe, de acordo com ele, a "construção de uma sociedade democrática, com o objetivo fundamental da construção de igualdade de oportunidades". Apesar da ressalva, afirmou considerar a gestão de Lula um ponto de inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade. "Isso já estava implícito na Constituição. Devia ter começado muito antes, mas só começou com ele."
Cardoso de Mello elogiou Mercadante e disse não ver problemas no fato de a tese ser um "trabalho de combate": "Esta casa tem tradição nisso". Fez, contudo, algumas observações, de um "leitor atento e simpático". "Primeiro, há quantos governos Lula? Um ou dois?", questionou. "É lícito fazer uma análise do conjunto do período ou seria necessário modular e até mostrar por que a inflexão no segundo governo foi possível?"
Outro ponto importante seria analisar o que "se deveu à 'virtù' e o que se deveu à 'fortuna'" no governo Lula, segundo ele. A ascensão da China, por exemplo, deslocou "a curva de demanda por produtos primários", o que teve repercussão enorme na economia global e tornou o panorama internacional favorável ao Brasil", afirmou Cardoso de Mello. "Lula mesmo diz: 'Eu tive uma sorte danada'. Ele sabe disso, o que não tira os seus méritos, porque soube aproveitar a sorte. "
Cardoso de Mello também disse que valeria a pena Mercadante "olhar para frente". Você, como aluno desta casa, sabe que [Fernand] Braudel diz que existem a longa duração, as conjunturas, que são de 50 anos, e os acontecimentos. Por enquanto, o governo Lula é um acontecimento, embora seja acontecimento importante, porque houve uma ruptura com o governo Fernando Henrique."
Delfim e Cardoso de Mello advertiram para os perigos do câmbio valorizado e de seu impacto sobre a indústria. "Dentro de 20 a 25 anos, teremos 220 milhões a 230 milhões de habitantes e será necessário dar emprego de boa qualidade para 150 milhões de pessoas, e não vamos fazer isso apenas exportando matérias-primas ou produtos agrícolas", disse Delfim.
Cardoso de Mello insistiu no papel-chave da indústria. "Nós vamos jogar o futuro da economia na capacidade que tivermos de renovar a indústria brasileira", afirmou. "Sem indústria, não tem emprego." Segundo ele, a "agricultura não tem emprego e o setor de serviços só tem empregos derivados da indústria, ou são serviços públicos."
Para Cardoso de Mello, é crucial evitar a apreciação exagerada do câmbio. "Não podemos ter um câmbio sobrevalorizado como esse de R$ 1,70, pelo qual uma bola de futebol entra no Brasil a US$ 2,95 - e dessas oficiais, não de borracha, de criança." Ele disse que o país não pode mais cometer "barbeiragens" no manejo dos juros, como a ocorrida em 2004, que abortou o crescimento daquele ano e derrubou o do ano seguinte.
Mercadante reconheceu o problema do câmbio valorizado, para ele o maior desafio de curto prazo do país. Disse, porém, não acreditar que haja um processo de desindustrialização, dada a robustez do mercado interno, embora tenha manifestado preocupação quanto ao "rebaixamento da pauta de exportações".
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domingo, 19 de dezembro de 2010
Assange e Wikileaks
Cerco a Assange deixa jornalismo vulnerável, afirma especialista
Escritor americano Glenn Greenwald diz que há risco de mais processos contra jornalistas
Colunista do Salon.com, ele diz que o WikiLeaks não pode ser processado porque não pertence a nenhum país específico
JANAINA LAGE
DO RIO
O escritor e advogado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald afirma que, caso os EUA consigam processar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, jornalistas ficarão mais vulneráveis a ações judiciais.
Colunista da revista digital Salon.com, Greenwald tem sido uma das vozes de defesa do WikiLeaks na imprensa americana.
Para ele, não há base legal para processar o site porque é uma organização dissociada de qualquer Estado e só existe na internet.
Jornais norte-americanos já citaram como possíveis bases legais para um processo contra Assange a lei de espionagem, de 1917, e a lei de fraude e abuso de computadores, de 1986.
O escritor concedeu entrevista à Folha após palestra no Iesp-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos).
Greenwald vive no Rio de Janeiro há quase seis anos. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O que os documentos vazados pelo WikiLeaks revelam sobre a diplomacia americana?
Glenn Greenwald - Não existe uma diplomacia americana à parte dos demais objetivos do governo. Os diplomatas são usados para espionar outros países e para levantar dados de inteligência da mesma forma que a CIA seria usada.
O papel da diplomacia é evitar guerras, mas muitos documentos mostram tudo menos isso. Há diplomatas tentando convencer outros países a deixar que os EUA participem de ações militares em seus territórios.
Na semana passada, a Força Aérea dos EUA bloqueou o acesso às páginas de veículos que publicam vazamentos. A polêmica em torno do WikiLeaks pode trazer de volta a discussão sobre censura na internet?
Isso vai justificar na cabeça de muita gente que seja criado algum tipo de repressão ou censura na internet, o que é um retrocesso. As pesquisas com o público americano mostram que a maioria acredita que o WikiLeaks causou mais danos do que benefícios e que Assange deve ser encarcerado.
Os governos sempre querem controlar a internet. A razão pela qual não podem fazer isso é a oposição pública. O compromisso do WikiLeaks com a transparência pode aumentar o apoio público ao controle da internet.
Como o sr. compara os governos de Barack Obama e George W. Bush em relação à liberdade de imprensa?
Quando Obama concorreu à Presidência, criticava Bush por sua guerra contra a transparência. A realidade é que não só ele continuou a maioria destas políticas como, em alguns casos, elas até pioraram.
O governo Bush ameaçou mover ações contra jornalistas que publicaram informações secretas e processar pessoas do governo responsáveis pelos vazamentos, mas quase nunca fez isso. O governo Obama já trouxe cinco diferentes ações contra pessoas do governo que vazaram informações.
O sr. citou um artigo do professor Jay Rosen, da New York University, que afirma que parte da repercussão do WikiLeaks é resultado da morte do jornalismo americano...
Depois do 11 de Setembro, a grande imprensa se tornou completamente identificada com o governo.
Eles cobriram a Guerra do Iraque embarcados com o Exército e começaram a ver o mundo pela perspectiva do governo.
A maior desgraça é que nosso governo levou o país a uma das mais terríveis guerras dos últimos cem anos baseado integralmente em mentiras, e a classe jornalística não se deu ao trabalho de submeter as informações a qualquer escrutínio.
Quais as consequências de um eventual processo dos EUA contra Assange?
Isso vai tornar os processos contra jornalistas muito mais prováveis. Se você criar uma teoria legal que permita um processo contra o WikiLeaks, isso dará poder ao governo de processar jornalistas por revelar seus segredos.
Revelar segredos de governo representa o corpo e também a alma do jornalismo investigativo.
Por que o sr. afirma que o WikiLeaks não está sujeito às leis americanas?
O WikiLeaks não é brasileiro ou americano. É uma organização sem Estado, não pertence a nenhum país e não existe fisicamente em lugar algum, apenas na internet. Não há mecanismo para definir qual lei se aplica a ele. Não se pode levá-lo à Justiça e obrigá-lo a revelar suas fontes. A maioria das pessoas não consegue pensar dissociada do Estado.
Parte do caráter único do WikiLeaks vem do fato de Assange ter sido criado de forma transnacional.
Ele se mudou centenas de vezes e foi criado de forma a não confiar ou seguir nenhuma autoridade.
Por que a "Time" elegeu Mark Zuckerberg personalidade do ano quando os leitores escolheram Assange?
Muitas pessoas usam o Facebook e Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com isso, mas se ele não existisse, nada iria mudar. A "Time" já elegeu Adolf Hitler e Joseph Stalin como personalidades.
Quando as pessoas perguntam zangadas: "Mas como vocês fizeram isso"? Eles sempre dizem que não é a opção de que gostamos, mas a que teve maior impacto.
Em 2001 a pessoa de maior impacto foi Osama bin Laden, mas eles tiveram muito medo e escolheram Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York]. Agora, é claro que Assange tem mais impacto do que Zuckerberg.
Escritor americano Glenn Greenwald diz que há risco de mais processos contra jornalistas
Colunista do Salon.com, ele diz que o WikiLeaks não pode ser processado porque não pertence a nenhum país específico
JANAINA LAGE
DO RIO
O escritor e advogado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald afirma que, caso os EUA consigam processar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, jornalistas ficarão mais vulneráveis a ações judiciais.
Colunista da revista digital Salon.com, Greenwald tem sido uma das vozes de defesa do WikiLeaks na imprensa americana.
Para ele, não há base legal para processar o site porque é uma organização dissociada de qualquer Estado e só existe na internet.
Jornais norte-americanos já citaram como possíveis bases legais para um processo contra Assange a lei de espionagem, de 1917, e a lei de fraude e abuso de computadores, de 1986.
O escritor concedeu entrevista à Folha após palestra no Iesp-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos).
Greenwald vive no Rio de Janeiro há quase seis anos. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O que os documentos vazados pelo WikiLeaks revelam sobre a diplomacia americana?
Glenn Greenwald - Não existe uma diplomacia americana à parte dos demais objetivos do governo. Os diplomatas são usados para espionar outros países e para levantar dados de inteligência da mesma forma que a CIA seria usada.
O papel da diplomacia é evitar guerras, mas muitos documentos mostram tudo menos isso. Há diplomatas tentando convencer outros países a deixar que os EUA participem de ações militares em seus territórios.
Na semana passada, a Força Aérea dos EUA bloqueou o acesso às páginas de veículos que publicam vazamentos. A polêmica em torno do WikiLeaks pode trazer de volta a discussão sobre censura na internet?
Isso vai justificar na cabeça de muita gente que seja criado algum tipo de repressão ou censura na internet, o que é um retrocesso. As pesquisas com o público americano mostram que a maioria acredita que o WikiLeaks causou mais danos do que benefícios e que Assange deve ser encarcerado.
Os governos sempre querem controlar a internet. A razão pela qual não podem fazer isso é a oposição pública. O compromisso do WikiLeaks com a transparência pode aumentar o apoio público ao controle da internet.
Como o sr. compara os governos de Barack Obama e George W. Bush em relação à liberdade de imprensa?
Quando Obama concorreu à Presidência, criticava Bush por sua guerra contra a transparência. A realidade é que não só ele continuou a maioria destas políticas como, em alguns casos, elas até pioraram.
O governo Bush ameaçou mover ações contra jornalistas que publicaram informações secretas e processar pessoas do governo responsáveis pelos vazamentos, mas quase nunca fez isso. O governo Obama já trouxe cinco diferentes ações contra pessoas do governo que vazaram informações.
O sr. citou um artigo do professor Jay Rosen, da New York University, que afirma que parte da repercussão do WikiLeaks é resultado da morte do jornalismo americano...
Depois do 11 de Setembro, a grande imprensa se tornou completamente identificada com o governo.
Eles cobriram a Guerra do Iraque embarcados com o Exército e começaram a ver o mundo pela perspectiva do governo.
A maior desgraça é que nosso governo levou o país a uma das mais terríveis guerras dos últimos cem anos baseado integralmente em mentiras, e a classe jornalística não se deu ao trabalho de submeter as informações a qualquer escrutínio.
Quais as consequências de um eventual processo dos EUA contra Assange?
Isso vai tornar os processos contra jornalistas muito mais prováveis. Se você criar uma teoria legal que permita um processo contra o WikiLeaks, isso dará poder ao governo de processar jornalistas por revelar seus segredos.
Revelar segredos de governo representa o corpo e também a alma do jornalismo investigativo.
Por que o sr. afirma que o WikiLeaks não está sujeito às leis americanas?
O WikiLeaks não é brasileiro ou americano. É uma organização sem Estado, não pertence a nenhum país e não existe fisicamente em lugar algum, apenas na internet. Não há mecanismo para definir qual lei se aplica a ele. Não se pode levá-lo à Justiça e obrigá-lo a revelar suas fontes. A maioria das pessoas não consegue pensar dissociada do Estado.
Parte do caráter único do WikiLeaks vem do fato de Assange ter sido criado de forma transnacional.
Ele se mudou centenas de vezes e foi criado de forma a não confiar ou seguir nenhuma autoridade.
Por que a "Time" elegeu Mark Zuckerberg personalidade do ano quando os leitores escolheram Assange?
Muitas pessoas usam o Facebook e Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com isso, mas se ele não existisse, nada iria mudar. A "Time" já elegeu Adolf Hitler e Joseph Stalin como personalidades.
Quando as pessoas perguntam zangadas: "Mas como vocês fizeram isso"? Eles sempre dizem que não é a opção de que gostamos, mas a que teve maior impacto.
Em 2001 a pessoa de maior impacto foi Osama bin Laden, mas eles tiveram muito medo e escolheram Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York]. Agora, é claro que Assange tem mais impacto do que Zuckerberg.
Atendimento à Corte Interamericana de Direitos Humanos
domingo, 19 de dezembro de 2010
Atendimento à Corte Interamericana de Direitos Humanos
Atendimento à corte da OEA requer revogação da Anistia
Presidente do tribunal diz que juízes brasileiros têm de acatar condenação ao País por violações de direitos humanos
19 de dezembro de 2010 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Os juízes brasileiros têm obrigação de acatar e cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que nesta semana condenou o Brasil por violações de direitos humanos no episódio da guerrilha do Araguaia, 40 anos atrás. Essa é a opinião do chileno Felipe González, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - a instituição que inicialmente recebeu a denúncia dos familiares dos mortos e desaparecidos na guerrilha e depois a encaminhou à corte.
Em entrevista ao Estado, González, que é professor de direito constitucional, observou que a principal tarefa do Brasil no momento é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos. O passo inicial, acredita o professor, seria a revogação da Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos.
Pela interpretação jurídica em vigor no País, esses agentes teriam sido beneficiados pela lei, originalmente destinada apenas aos opositores do regime que viviam no exílio, estavam presos ou impedidos de exercer seus direitos políticos. Mas, segundo González, a lei não tem nenhuma validade porque viola princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
"Quando uma lei de anistia beneficia autores de crimes contra a humanidade, como a tortura e o desaparecimento forçado, entra em confronto com a Convenção Americana", diz ele. "O Brasil sabe disso, porque há uma jurisprudência bem fundamentada no sistema interamericano em relação a crimes contra a humanidade. As leis de anistia na Argentina e no Uruguai foram suspensas pela Corte Interamericana porque contrariavam o pacto internacional de San José, na Costa Rica."
Soberania. Em relação ao argumento apresentado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a sentença viola o sistema jurídico e a soberania do País, González observa: "Não é invasão de soberania porque foi o Brasil que, voluntariamente, assumiu obrigações em nível internacional ao ratificar a Convenção Americana e ao reconhecer a jurisdição da corte em matéria contenciosa. Foi o Brasil que entregou essa faculdade à Corte Interamericana."
O presidente da Comissão de Direitos Humanos também observa que as reações iniciais às decisões da corte são frequentemente de recusa e contestação. Em quase todos os casos, porém, as resistências acabam vencidas.
"O sistema internacional não emprega elementos de coação, mas vai manter o caso aberto até que o Brasil cumpra a sentença", explica. "Periodicamente serão solicitados informes e relatórios e o processo pode demorar anos. Por outro lado, a assembleia da OEA também recebe comunicados anuais sobre os países que não cumprem as sentenças. Com o correr do tempo, as decisões acabam sendo cumpridas. As Cortes Supremas da Argentina, do Chile e da Colômbia mudaram suas jurisprudências."
Para González, a reação do Brasil é observada com atenção, em decorrência de sua crescente projeção internacional.
"O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse as determinações", diz ele. "Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos." / R.A.
Atendimento à Corte Interamericana de Direitos Humanos
Atendimento à corte da OEA requer revogação da Anistia
Presidente do tribunal diz que juízes brasileiros têm de acatar condenação ao País por violações de direitos humanos
19 de dezembro de 2010 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Os juízes brasileiros têm obrigação de acatar e cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que nesta semana condenou o Brasil por violações de direitos humanos no episódio da guerrilha do Araguaia, 40 anos atrás. Essa é a opinião do chileno Felipe González, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - a instituição que inicialmente recebeu a denúncia dos familiares dos mortos e desaparecidos na guerrilha e depois a encaminhou à corte.
Em entrevista ao Estado, González, que é professor de direito constitucional, observou que a principal tarefa do Brasil no momento é remover todos os obstáculos que impeçam o cumprimento da sentença, com a determinação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis pelos crimes, punidos. O passo inicial, acredita o professor, seria a revogação da Lei da Anistia, de 1979, que impede o julgamento de agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos.
Pela interpretação jurídica em vigor no País, esses agentes teriam sido beneficiados pela lei, originalmente destinada apenas aos opositores do regime que viviam no exílio, estavam presos ou impedidos de exercer seus direitos políticos. Mas, segundo González, a lei não tem nenhuma validade porque viola princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
"Quando uma lei de anistia beneficia autores de crimes contra a humanidade, como a tortura e o desaparecimento forçado, entra em confronto com a Convenção Americana", diz ele. "O Brasil sabe disso, porque há uma jurisprudência bem fundamentada no sistema interamericano em relação a crimes contra a humanidade. As leis de anistia na Argentina e no Uruguai foram suspensas pela Corte Interamericana porque contrariavam o pacto internacional de San José, na Costa Rica."
Soberania. Em relação ao argumento apresentado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a sentença viola o sistema jurídico e a soberania do País, González observa: "Não é invasão de soberania porque foi o Brasil que, voluntariamente, assumiu obrigações em nível internacional ao ratificar a Convenção Americana e ao reconhecer a jurisdição da corte em matéria contenciosa. Foi o Brasil que entregou essa faculdade à Corte Interamericana."
O presidente da Comissão de Direitos Humanos também observa que as reações iniciais às decisões da corte são frequentemente de recusa e contestação. Em quase todos os casos, porém, as resistências acabam vencidas.
"O sistema internacional não emprega elementos de coação, mas vai manter o caso aberto até que o Brasil cumpra a sentença", explica. "Periodicamente serão solicitados informes e relatórios e o processo pode demorar anos. Por outro lado, a assembleia da OEA também recebe comunicados anuais sobre os países que não cumprem as sentenças. Com o correr do tempo, as decisões acabam sendo cumpridas. As Cortes Supremas da Argentina, do Chile e da Colômbia mudaram suas jurisprudências."
Para González, a reação do Brasil é observada com atenção, em decorrência de sua crescente projeção internacional.
"O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse as determinações", diz ele. "Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos." / R.A.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
O Brasil no ranking da democracia
17/12/2010 -
Brasil é 47º em ranking mundial de democracia
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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
O Brasil pode até avançar para o quinto lugar no campeonato da economia mundial no governo Dilma Rousseff, como prevê Luiz Inácio Lula da Silva, mas não chegará a uma posição similar ou próxima a ela no ranking planetário da democracia.
O país está em uma posição muito inferior, e, pior, retrocedendo, ao menos no Índice da Democracia 2010, que acaba de ser divulgado pela Economist Intelligence Unit, o braço de pesquisas da respeitada revista britânica "The Economist".
O Brasil recuou do 41º lugar em 2008 para o 47º agora (o levantamento é feito a cada dois anos). Caiu de 7,38 pontos para 7,12, em 10 possíveis. Nem aparece como "democracia plena", o belo rótulo reservado para apenas 26 dos 167 países ranqueados.
O Brasil é rotulado como "democracia imperfeita" ao lado de 52 outros países, entre eles França e Itália, o que mostra o rigor da avaliação.
O item que derruba o Brasil, entre os cinco que o índice leva em conta, é "cultura política". A nota do país nesse quesito é 4,38.
Um segundo critério ajuda a empurrar o país para baixo: chama-se "participação política", em que o Brasil leva 5.
Essas duas notas representam brutal contraste com os 9,58 recebidos em "processo eleitoral e pluralismo" e com os 9,12 de "liberdades civis", os dois quesitos que mais usualmente aparecem na discussão sobre democracia.
Significa, portanto, que o Brasil seria facilmente catalogado como "democracia plena" se o ranking considerasse apenas os aspectos mais convencionais.
Tanto é assim que a primeira do ranking, a Noruega, tem nota geral 9,8, não muito acima do que o Brasil obtém nos quesitos convencionais.
Mas, quando o ranking se sofistica um pouco, verifica-se que a nota norueguesa em "cultura política" é 9,38, quase o dobro da brasileira.
O Brasil perde pontos também em "funcionamento do governo". Tira 7,5, abaixo dos 8,21 da África do Sul, mas mais que os 7,14 da França e quase empatado com os 7,86 dos Estados Unidos --que, aliás, fica apenas na 16ª posição no ranking geral.
A América Latina só tem dois países entre as "democracias plenas" (Uruguai, 21º, com 8,10, e Costa Rica, 24ª, com 8,04). Dois países latino-americanos estão à frente do Brasil na lista de "democracias imperfeitas": Chile (34º) e Panamá (46º).
O relatório lamenta que "as liberdades políticas sofreram erosão em muitos países desde a publicação do índice anterior", em 2008, e culpa, principalmente a crise financeira global, "[por ter] minado a confiança pública no governo e tentado políticos a incomodar a oposição".
Brasil é 47º em ranking mundial de democracia
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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
O Brasil pode até avançar para o quinto lugar no campeonato da economia mundial no governo Dilma Rousseff, como prevê Luiz Inácio Lula da Silva, mas não chegará a uma posição similar ou próxima a ela no ranking planetário da democracia.
O país está em uma posição muito inferior, e, pior, retrocedendo, ao menos no Índice da Democracia 2010, que acaba de ser divulgado pela Economist Intelligence Unit, o braço de pesquisas da respeitada revista britânica "The Economist".
O Brasil recuou do 41º lugar em 2008 para o 47º agora (o levantamento é feito a cada dois anos). Caiu de 7,38 pontos para 7,12, em 10 possíveis. Nem aparece como "democracia plena", o belo rótulo reservado para apenas 26 dos 167 países ranqueados.
O Brasil é rotulado como "democracia imperfeita" ao lado de 52 outros países, entre eles França e Itália, o que mostra o rigor da avaliação.
O item que derruba o Brasil, entre os cinco que o índice leva em conta, é "cultura política". A nota do país nesse quesito é 4,38.
Um segundo critério ajuda a empurrar o país para baixo: chama-se "participação política", em que o Brasil leva 5.
Essas duas notas representam brutal contraste com os 9,58 recebidos em "processo eleitoral e pluralismo" e com os 9,12 de "liberdades civis", os dois quesitos que mais usualmente aparecem na discussão sobre democracia.
Significa, portanto, que o Brasil seria facilmente catalogado como "democracia plena" se o ranking considerasse apenas os aspectos mais convencionais.
Tanto é assim que a primeira do ranking, a Noruega, tem nota geral 9,8, não muito acima do que o Brasil obtém nos quesitos convencionais.
Mas, quando o ranking se sofistica um pouco, verifica-se que a nota norueguesa em "cultura política" é 9,38, quase o dobro da brasileira.
O Brasil perde pontos também em "funcionamento do governo". Tira 7,5, abaixo dos 8,21 da África do Sul, mas mais que os 7,14 da França e quase empatado com os 7,86 dos Estados Unidos --que, aliás, fica apenas na 16ª posição no ranking geral.
A América Latina só tem dois países entre as "democracias plenas" (Uruguai, 21º, com 8,10, e Costa Rica, 24ª, com 8,04). Dois países latino-americanos estão à frente do Brasil na lista de "democracias imperfeitas": Chile (34º) e Panamá (46º).
O relatório lamenta que "as liberdades políticas sofreram erosão em muitos países desde a publicação do índice anterior", em 2008, e culpa, principalmente a crise financeira global, "[por ter] minado a confiança pública no governo e tentado políticos a incomodar a oposição".
domingo, 12 de dezembro de 2010
Rodotá - Italia - laboratório do totalitarismo moderno
'Italia es el laboratorio del totalitarismo moderno'
MIGUEL MORA 12/12/2010
Puntal del laicismo, la democracia y el sentido común, Stefano Rodotá es un hombre exquisitamente amable. Sabio del derecho, comprometido a la antigua y heredero del activismo de Pasolini, es acaso el penúltimo humanista europeo y uno de los pocos intelectuales de referencia que quedan en esta Italia "triste y deshilachada, que solo se mira el ombligo y parece cada vez más un apéndice del Vaticano cuando se acercan los 150 años de la unidad del país".
"Italia, triste y deshilachada, solo se mira el ombligo y parece cada vez más un apéndice del Vaticano"
"Los obispos italianos no admiten el testamento biológico; los alemanes propusieron un texto más avanzado que el de la izquierda italiana"
"Necesitamos un derecho amable, no un derecho que niegue los derechos. La religión no puede domar la libertad"
"En Europa crecen la xenofobia y el racismo, y la debilidad cultural de Italia se expande por el Continente"
Profesor emérito de Derecho Civil en la Universidad de La Sapienza de Roma, Rodotà, nacido en Cosenza hace 73 años, escribe libros y artículos, asiste a congresos, dirige el Festival de Derecho de Piacenza, promueve manifiestos y da la batalla civil por un sinfín de causas, de la libertad de prensa a la ética pública y la eutanasia.
Elegido diputado por el Partido Comunista Italiano en 1979, vivió la convulsa década final de la Primera República en el Parlamento y luego fue el primer presidente del Partido Democrático della Sinistra (PDS), fundado en 1991 por Achille Occhetto a partir de las cenizas del PCI. Solo un año después, quizá profetizando la que se avecinaba, abandonó la política.
Hoy enseña en universidades de todo el mundo, y como especialista en filosofía del derecho y coautor de la Carta Fundamental de Derechos de la UE, es la "tabla" de medir libertades individuales, nuevos derechos, calidad democrática y abuso de poder. Sus textos sobre la relación entre derecho e intimidad, tecnología, trabajo, información y religión se consideran clásicos.
Ahora, Trotta acaba de traducir su libro La vida y las reglas. Entre el derecho y el no derecho, un ensayo de 2006 ampliado en 2009 en el que Rodotá replantea los límites del derecho y reivindica uno nuevo, "más sobrio y respetuoso con las múltiples y nuevas formas que ha adquirido la vida humana".
El profesor denuncia la tiranía que los nuevos popes de la ley tratan de imponer a los ciudadanos: la "casta de notables" que forman juristas y abogados, los grandes despachos internacionales que "crean las reglas del derecho global por encargo de las multinacionales", los "invisibles legisladores que secuestran el instrumento jurídico, transformando una mediación técnica en una actitud sacerdotal".
El libro traza una crítica posmarxista de la jungla de las ataduras legales que frenan las libertades que traen las innovaciones técnicas y científicas. Partiendo de Montaigne ("la vida es un movimiento desigual, irregular y multiforme"), Rodotá explica cómo el "evangelio del mercado", el poder político y la religión han coproducido "una mercantilización del derecho que abre la vía a mercadear incluso con los derechos fundamentales", según se ve en asuntos tan dispares como la inmigración, las técnicas de fertilización o los avances de la biología.
Según Rodotá, esa lógica mercantilista e invasiva es "radicalmente contradictoria con la centralidad de la libertad y la dignidad", y la privatización de la legalidad en un mundo global crea enormes desigualdades, paraísos e infiernos, "lugares donde se crean nuevos derechos y libertades y otros donde el legislador pretende adueñarse de la vida de las personas".
"La paradoja es que esa disparidad, que en teoría ayuda a extender la conciencia de la igualdad por el mundo, puede consagrar una nueva ciudadanía censitaria", explica. "Si se legisla sobre los genes, el cuerpo, el dolor, la vida, los regalos o el trabajo aplicando la represión, la arrogancia y la técnica empresarial de la deslocalización, las libertades se convierten en mercancías y solo aquellos que pueden permitirse pagar pueden acceder a ellas".
Rodotà cita por ejemplo las leyes sobre los matrimonios homosexuales o la reproducción asistida, "que en Italia han creado un flujo de turistas del derecho hacia países como España y otros menos seguros como Eslovenia o Albania". Y en el lado opuesto, "los paraísos fiscales y los países que respetan menos los derechos laborales o la legislación ambiental, y así captan empresas y millonarios".
El gran reto, afirma en esta entrevista, es "salir del derecho y regresar a la vida". O, como afirma en el prólogo del libro el profesor José Luis Piñar Mañas, "vincular vida y derecho, derecho y persona, persona y libertad y dignidad; poner el derecho al servicio del ser humano, y no del poder".
Pregunta. ¿No es paradójico que un jurista alerte contra los excesos del derecho?
Respuesta. Bueno, la mayor paradoja es que el derecho, que debe solo ser una mediación sobria y sensata, se convierta en un arma prepotente y pretenda apropiarse de la vida de la gente. Esta nueva tendencia está muy ligada a las innovaciones científicas y tecnológicas. Antes nacíamos de un solo modo; desde que Robert Edwards, el flamante premio Nobel, inventó el bebé probeta, han cambiado las reglas del juego y la ley natural no se gobierna solo por la procreación natural. Hay otras oportunidades de elegir y surge el problema: ¿debe actuar el derecho? ¿Hasta dónde? A veces, su pretensión es meter en una jaula a la ciencia, oponer derecho a derechos, usar el derecho para negar libertades. ¿Es eso lícito? A veces puede parecer que lo es, por ejemplo en la clonación.
P. ¿Y otras veces?
R. A mi juicio, el derecho debe intervenir, pero sin arrogancia, sin prepotencia, sin abusar, dejando a las personas decidir de forma libre y consciente. El caso de Eluana Englaro es un ejemplo palmario del uso prepotente de la ley y, de paso, del retraso cultural y político italiano. El poder y la Iglesia decidieron, contra lo que afirma la Constitución sobre el inalienable derecho de las personas a su dignidad y a su salud, que era preciso actuar para limitar la dignidad de esa mujer sin vida cerebral y el derecho de su padre a decidir por ella. El problema no es solo el empellón autoritario del poder político, sino el insensato desafío a la norma soberana, la Constitución, y la colaboración de la Iglesia en ese ataque.
P. La Iglesia odia también las células madre. Pero la fecundación asistida fue prohibida en Italia en un referéndum popular.
R. Algunas innovaciones científicas ponen en tela de juicio la antropología profunda del ser humano. El uso y descarte de distintos embriones en las técnicas de fertilidad es una de ellas. El derecho debe acompañar esos cambios, pero no bloquearlos. Los científicos piden reglas para saber si sus avances son moral y socialmente aceptables. Un uso prepotente de la ley limita sus investigaciones, niega el avance mismo, y al hacerlo se apodera de nuestras vidas porque nos niega todo derecho, o peor todavía, se lo niega solo a algunos. Los ricos italianos pueden ir a fertilizarse a España, los pobres no. Eso produce una ciudadanía censitaria y destruye el estado social. La vida está antes que la política y el derecho.
P. ¿La Italia actual está sometida al fundamentalismo católico?
R. Italia es un laboratorio del totalitarismo moderno. El poder, al abusar del derecho, privatizarlo y tratarlo como una mercancía, da alas al fundamentalismo político y religioso, y eso mina la democracia. Los obispos italianos no admiten el testamento biológico; los alemanes propusieron un texto más avanzado que el de la izquierda italiana. Al cumplirse un año de la muerte de Eluana, Berlusconi escribió una carta a las monjitas que la cuidaron diciendo que estaba muy triste por no haber podido salvarle la vida. Admitió públicamente que el poder había tratado de adueñarse de su vida. Ahora acaba de ofrecer un Plan por la Vida a la Iglesia. Con tal de tener su apoyo para seguir gobernando, Berlusconi ha malvendido el Estado de derecho al Vaticano por cuatro perras.
P. Y los homosexuales siguen sin derechos. Y los laicos cada vez pintan menos.
R. El Tribunal Constitucional ya ha dicho al Parlamento que debe reconocer las bodas gais. La Carta de Derechos de la UE es también muy clara. Necesitamos un derecho amable, no un derecho que niegue los derechos. La religión no puede domar la libertad. La Constitución de 1948, artículo 32, dice que la ley no podrá en ningún caso violar los límites impuestos por el respeto de la vida humana. Ese artículo se hizo pensando en los experimentos nazis, con la emotividad de los procesos a los médicos en Nuremberg. ¡Y lo hizo Aldo Moro, un político católico!
P. ¿Pensó alguna vez que llegaría a añorar a la Democracia Cristiana?
R. Aquellos políticos tenían otra talla cultural. Las discusiones parlamentarias entre la DC y el PCI eran de un nivel impresionante. Gobernando la DC se hicieron las leyes del aborto y del divorcio. Sabían que la sociedad y el feminismo las exigían y entendieron que no admitirlo dañaría su credibilidad política. Muchos eran verdaderamente laicos. Tenían más sentido de la medida y más respeto. Hoy estamos en el turismo para poder nacer y para poder morir, la gente reserva sitio en los hospitales suizos para poder morir con dignidad. ¿Es posible que un Estado democrático obligue a sus ciudadanos a pedir asilo político para morir? El derecho debe gobernar esos conflictos, no alentarlos.
P. Rosa Luxemburgo decía que detrás de cada dogma había un negocio que cuidar.
R. Desde luego, imagino que la sanidad privada influye en las posiciones del Vaticano. Desde el Concilio todo ha ido a peor, y hoy Italia está gobernada por movimientos como Comunión y Liberación, que hacen negocios fabulosos con la ayuda y la anuencia del Gobierno. La mala política siempre es hija de la mala cultura. La degradación cultural es la clave del problema. Espero que el régimen político de Berlusconi acabe lo antes posible, pero recuperarnos de este desierto cultural llevará décadas. El uso de la televisión, no solo partidista, sino sobre todo embrutecedor; la degeneración del lenguaje... Todo ha ido a menos. La degradación ha ido mucho más allá del perímetro del centro derecha, y vemos en todas partes actitudes especulares a la de Berlusconi.
P. Algunos están poniendo en discusión incluso los derechos sindicales.
R. El pensamiento jurídico se ha empobrecido mucho. En los años setenta hicimos una reforma radical del derecho de familia porque la cultura de los juristas y su sentido democrático lo permitieron. Se cerraron los manicomios, se hizo el Estatuto de los Trabajadores... Hoy todo eso sería impensable.
P. La izquierda permanece impasible... ¿Por qué?
R. La recuperación de la cultura es la primera premisa para recuperar la política de izquierda. Todos dicen que debe mirar al centro, yo creo que se debe empezar por recuperar la izquierda. Craxi destruyó la socialdemocracia, el PCI se suicidó, y ese cataclismo dura todavía. Hemos perdido la primacía de la libertad, y hoy manda el uso personalista y autoritario de las instituciones. La sociedad se ha descompuesto, el país se está deshaciendo. La política hace ostentación de fuerza, y el derecho se hace migajas.
P. ¿Europa nos salvará?
R. No parece que Europa viva un momento espléndido. Crecen la xenofobia y el racismo, y la debilidad cultural de Italia se expande por el continente. Trono y altar se han aliado otra vez, ahora de manera distinta. Hoy asistimos a la fusión entre el mercado, la fe y la política, que tratan de organizarnos la vida manipulando el derecho. En Italia, la corrupción no es que no sea perseguida, es que está protegida por la ley, como en el escándalo de la Protección Civil: se derogaron la transparencia y los controles ordinarios para poder robar mejor. En los años setenta las comisiones eran de risa, y en todo caso había una compostura, un respeto por la colectividad. Craxi fue devastador, un cambio de época. Ahora, la máxima es: "Si lo hace Berlusconi, ¿por qué no voy a hacerlo yo?".
MIGUEL MORA 12/12/2010
Puntal del laicismo, la democracia y el sentido común, Stefano Rodotá es un hombre exquisitamente amable. Sabio del derecho, comprometido a la antigua y heredero del activismo de Pasolini, es acaso el penúltimo humanista europeo y uno de los pocos intelectuales de referencia que quedan en esta Italia "triste y deshilachada, que solo se mira el ombligo y parece cada vez más un apéndice del Vaticano cuando se acercan los 150 años de la unidad del país".
"Italia, triste y deshilachada, solo se mira el ombligo y parece cada vez más un apéndice del Vaticano"
"Los obispos italianos no admiten el testamento biológico; los alemanes propusieron un texto más avanzado que el de la izquierda italiana"
"Necesitamos un derecho amable, no un derecho que niegue los derechos. La religión no puede domar la libertad"
"En Europa crecen la xenofobia y el racismo, y la debilidad cultural de Italia se expande por el Continente"
Profesor emérito de Derecho Civil en la Universidad de La Sapienza de Roma, Rodotà, nacido en Cosenza hace 73 años, escribe libros y artículos, asiste a congresos, dirige el Festival de Derecho de Piacenza, promueve manifiestos y da la batalla civil por un sinfín de causas, de la libertad de prensa a la ética pública y la eutanasia.
Elegido diputado por el Partido Comunista Italiano en 1979, vivió la convulsa década final de la Primera República en el Parlamento y luego fue el primer presidente del Partido Democrático della Sinistra (PDS), fundado en 1991 por Achille Occhetto a partir de las cenizas del PCI. Solo un año después, quizá profetizando la que se avecinaba, abandonó la política.
Hoy enseña en universidades de todo el mundo, y como especialista en filosofía del derecho y coautor de la Carta Fundamental de Derechos de la UE, es la "tabla" de medir libertades individuales, nuevos derechos, calidad democrática y abuso de poder. Sus textos sobre la relación entre derecho e intimidad, tecnología, trabajo, información y religión se consideran clásicos.
Ahora, Trotta acaba de traducir su libro La vida y las reglas. Entre el derecho y el no derecho, un ensayo de 2006 ampliado en 2009 en el que Rodotá replantea los límites del derecho y reivindica uno nuevo, "más sobrio y respetuoso con las múltiples y nuevas formas que ha adquirido la vida humana".
El profesor denuncia la tiranía que los nuevos popes de la ley tratan de imponer a los ciudadanos: la "casta de notables" que forman juristas y abogados, los grandes despachos internacionales que "crean las reglas del derecho global por encargo de las multinacionales", los "invisibles legisladores que secuestran el instrumento jurídico, transformando una mediación técnica en una actitud sacerdotal".
El libro traza una crítica posmarxista de la jungla de las ataduras legales que frenan las libertades que traen las innovaciones técnicas y científicas. Partiendo de Montaigne ("la vida es un movimiento desigual, irregular y multiforme"), Rodotá explica cómo el "evangelio del mercado", el poder político y la religión han coproducido "una mercantilización del derecho que abre la vía a mercadear incluso con los derechos fundamentales", según se ve en asuntos tan dispares como la inmigración, las técnicas de fertilización o los avances de la biología.
Según Rodotá, esa lógica mercantilista e invasiva es "radicalmente contradictoria con la centralidad de la libertad y la dignidad", y la privatización de la legalidad en un mundo global crea enormes desigualdades, paraísos e infiernos, "lugares donde se crean nuevos derechos y libertades y otros donde el legislador pretende adueñarse de la vida de las personas".
"La paradoja es que esa disparidad, que en teoría ayuda a extender la conciencia de la igualdad por el mundo, puede consagrar una nueva ciudadanía censitaria", explica. "Si se legisla sobre los genes, el cuerpo, el dolor, la vida, los regalos o el trabajo aplicando la represión, la arrogancia y la técnica empresarial de la deslocalización, las libertades se convierten en mercancías y solo aquellos que pueden permitirse pagar pueden acceder a ellas".
Rodotà cita por ejemplo las leyes sobre los matrimonios homosexuales o la reproducción asistida, "que en Italia han creado un flujo de turistas del derecho hacia países como España y otros menos seguros como Eslovenia o Albania". Y en el lado opuesto, "los paraísos fiscales y los países que respetan menos los derechos laborales o la legislación ambiental, y así captan empresas y millonarios".
El gran reto, afirma en esta entrevista, es "salir del derecho y regresar a la vida". O, como afirma en el prólogo del libro el profesor José Luis Piñar Mañas, "vincular vida y derecho, derecho y persona, persona y libertad y dignidad; poner el derecho al servicio del ser humano, y no del poder".
Pregunta. ¿No es paradójico que un jurista alerte contra los excesos del derecho?
Respuesta. Bueno, la mayor paradoja es que el derecho, que debe solo ser una mediación sobria y sensata, se convierta en un arma prepotente y pretenda apropiarse de la vida de la gente. Esta nueva tendencia está muy ligada a las innovaciones científicas y tecnológicas. Antes nacíamos de un solo modo; desde que Robert Edwards, el flamante premio Nobel, inventó el bebé probeta, han cambiado las reglas del juego y la ley natural no se gobierna solo por la procreación natural. Hay otras oportunidades de elegir y surge el problema: ¿debe actuar el derecho? ¿Hasta dónde? A veces, su pretensión es meter en una jaula a la ciencia, oponer derecho a derechos, usar el derecho para negar libertades. ¿Es eso lícito? A veces puede parecer que lo es, por ejemplo en la clonación.
P. ¿Y otras veces?
R. A mi juicio, el derecho debe intervenir, pero sin arrogancia, sin prepotencia, sin abusar, dejando a las personas decidir de forma libre y consciente. El caso de Eluana Englaro es un ejemplo palmario del uso prepotente de la ley y, de paso, del retraso cultural y político italiano. El poder y la Iglesia decidieron, contra lo que afirma la Constitución sobre el inalienable derecho de las personas a su dignidad y a su salud, que era preciso actuar para limitar la dignidad de esa mujer sin vida cerebral y el derecho de su padre a decidir por ella. El problema no es solo el empellón autoritario del poder político, sino el insensato desafío a la norma soberana, la Constitución, y la colaboración de la Iglesia en ese ataque.
P. La Iglesia odia también las células madre. Pero la fecundación asistida fue prohibida en Italia en un referéndum popular.
R. Algunas innovaciones científicas ponen en tela de juicio la antropología profunda del ser humano. El uso y descarte de distintos embriones en las técnicas de fertilidad es una de ellas. El derecho debe acompañar esos cambios, pero no bloquearlos. Los científicos piden reglas para saber si sus avances son moral y socialmente aceptables. Un uso prepotente de la ley limita sus investigaciones, niega el avance mismo, y al hacerlo se apodera de nuestras vidas porque nos niega todo derecho, o peor todavía, se lo niega solo a algunos. Los ricos italianos pueden ir a fertilizarse a España, los pobres no. Eso produce una ciudadanía censitaria y destruye el estado social. La vida está antes que la política y el derecho.
P. ¿La Italia actual está sometida al fundamentalismo católico?
R. Italia es un laboratorio del totalitarismo moderno. El poder, al abusar del derecho, privatizarlo y tratarlo como una mercancía, da alas al fundamentalismo político y religioso, y eso mina la democracia. Los obispos italianos no admiten el testamento biológico; los alemanes propusieron un texto más avanzado que el de la izquierda italiana. Al cumplirse un año de la muerte de Eluana, Berlusconi escribió una carta a las monjitas que la cuidaron diciendo que estaba muy triste por no haber podido salvarle la vida. Admitió públicamente que el poder había tratado de adueñarse de su vida. Ahora acaba de ofrecer un Plan por la Vida a la Iglesia. Con tal de tener su apoyo para seguir gobernando, Berlusconi ha malvendido el Estado de derecho al Vaticano por cuatro perras.
P. Y los homosexuales siguen sin derechos. Y los laicos cada vez pintan menos.
R. El Tribunal Constitucional ya ha dicho al Parlamento que debe reconocer las bodas gais. La Carta de Derechos de la UE es también muy clara. Necesitamos un derecho amable, no un derecho que niegue los derechos. La religión no puede domar la libertad. La Constitución de 1948, artículo 32, dice que la ley no podrá en ningún caso violar los límites impuestos por el respeto de la vida humana. Ese artículo se hizo pensando en los experimentos nazis, con la emotividad de los procesos a los médicos en Nuremberg. ¡Y lo hizo Aldo Moro, un político católico!
P. ¿Pensó alguna vez que llegaría a añorar a la Democracia Cristiana?
R. Aquellos políticos tenían otra talla cultural. Las discusiones parlamentarias entre la DC y el PCI eran de un nivel impresionante. Gobernando la DC se hicieron las leyes del aborto y del divorcio. Sabían que la sociedad y el feminismo las exigían y entendieron que no admitirlo dañaría su credibilidad política. Muchos eran verdaderamente laicos. Tenían más sentido de la medida y más respeto. Hoy estamos en el turismo para poder nacer y para poder morir, la gente reserva sitio en los hospitales suizos para poder morir con dignidad. ¿Es posible que un Estado democrático obligue a sus ciudadanos a pedir asilo político para morir? El derecho debe gobernar esos conflictos, no alentarlos.
P. Rosa Luxemburgo decía que detrás de cada dogma había un negocio que cuidar.
R. Desde luego, imagino que la sanidad privada influye en las posiciones del Vaticano. Desde el Concilio todo ha ido a peor, y hoy Italia está gobernada por movimientos como Comunión y Liberación, que hacen negocios fabulosos con la ayuda y la anuencia del Gobierno. La mala política siempre es hija de la mala cultura. La degradación cultural es la clave del problema. Espero que el régimen político de Berlusconi acabe lo antes posible, pero recuperarnos de este desierto cultural llevará décadas. El uso de la televisión, no solo partidista, sino sobre todo embrutecedor; la degeneración del lenguaje... Todo ha ido a menos. La degradación ha ido mucho más allá del perímetro del centro derecha, y vemos en todas partes actitudes especulares a la de Berlusconi.
P. Algunos están poniendo en discusión incluso los derechos sindicales.
R. El pensamiento jurídico se ha empobrecido mucho. En los años setenta hicimos una reforma radical del derecho de familia porque la cultura de los juristas y su sentido democrático lo permitieron. Se cerraron los manicomios, se hizo el Estatuto de los Trabajadores... Hoy todo eso sería impensable.
P. La izquierda permanece impasible... ¿Por qué?
R. La recuperación de la cultura es la primera premisa para recuperar la política de izquierda. Todos dicen que debe mirar al centro, yo creo que se debe empezar por recuperar la izquierda. Craxi destruyó la socialdemocracia, el PCI se suicidó, y ese cataclismo dura todavía. Hemos perdido la primacía de la libertad, y hoy manda el uso personalista y autoritario de las instituciones. La sociedad se ha descompuesto, el país se está deshaciendo. La política hace ostentación de fuerza, y el derecho se hace migajas.
P. ¿Europa nos salvará?
R. No parece que Europa viva un momento espléndido. Crecen la xenofobia y el racismo, y la debilidad cultural de Italia se expande por el continente. Trono y altar se han aliado otra vez, ahora de manera distinta. Hoy asistimos a la fusión entre el mercado, la fe y la política, que tratan de organizarnos la vida manipulando el derecho. En Italia, la corrupción no es que no sea perseguida, es que está protegida por la ley, como en el escándalo de la Protección Civil: se derogaron la transparencia y los controles ordinarios para poder robar mejor. En los años setenta las comisiones eran de risa, y en todo caso había una compostura, un respeto por la colectividad. Craxi fue devastador, un cambio de época. Ahora, la máxima es: "Si lo hace Berlusconi, ¿por qué no voy a hacerlo yo?".
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Rosário e os Direitos Humanos
Rosário promete buscar consenso no PNDH 3
Sérgio Bueno | De Porto Alegre
10/12/2010
Júlio Cordeiro Valor Econômico
Combate à homofobia e reforma no sistema prisional são temas emergenciais, diz a deputada Maria do Rosário, futura secretária de Direitos HumanosConfirmada no comando da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) no governo Dilma Rousseff, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) pretende buscar "consensos" para avançar na aplicação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Ao mesmo tempo em que considera o combate à homofobia e a reforma do sistema prisional como temas emergenciais, Rosário promete "abrir diálogo sem posições coercitivas" com os meios de comunicação sobre formas de enfrentar a incitação à violência no país.
O PNDH 3 foi uma das principais vidraças do PT durante a campanha presidencial. A descriminalização do aborto, um dos pontos mais atacados na versão original, foi retirada do programa no início deste ano por pressão de segmentos religiosos, mas ainda rendeu dores de cabeça para a então candidata Dilma, que teve de se comprometer a não apresentar propostas neste sentido caso fosse eleita.
Também no início do ano o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto em que retirou a expressão "repressão política", na definição em que a chamada Comissão da Verdade poderia apurar a violação de direitos humanos no país. A partir daí não ficou claro se o grupo poderia investigar agentes do Estado que torturaram presos políticos durante a ditadura militar.
Militante de longa data no campo dos direitos humanos, especialmente em questões relacionadas a crianças e adolescentes, Rosário disse que pretende discutir com "tranquilidade", sem excluir nenhum "segmento social", a implantação da Comissão da Verdade. Segundo ela, o direito à verdade e à memória não é "incompatível" com nenhuma parcela do Estado. Quanto à descriminalização do aborto, afirmou que não tem a intenção de ficar paralisada em "um ou outro tema", mas disse que o assunto deve continuar em debate.
Para o ex-deputado estadual e federal Marcos Rolim (PT-RS), especialista no assunto, mesmo com o recuo do governo em relação a pontos polêmicos, o PNDH 3 representa uma revolução para o país. O programa prevê, por exemplo, a união civil homossexual, a liberdade religiosa e o monitoramento das emissoras de rádio e televisão para coibir a transmissão de programas que promovam preconceito, como racismo ou homofobia.
Na opinião do ex-deputado, o desafio da futura secretária - que o sucedeu na presidência da comissão de direitos humanos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na legislatura 1999-2002 - será enfrentar temas que provocam "desgaste" para dar "efetividade" ao programa. Para ele, a presidente Dilma já sinaliza ter mais identidade com o tema do que Lula, até pelo fato de ter sido vítima de torturas durante a ditadura, mas os avanços dependem de reformas legais que precisam ser amplamente negociadas com a base do governo.
Segundo Rosário, a posição da presidente eleita será "essencial" para definir as diretrizes da atuação da secretaria. Por enquanto, ela teve apenas uma conversa preliminar com o atual titular da Pasta, Paulo Vannuchi, com quem vai se reunir na segunda-feira para tomar conhecimento em detalhes do estágio de implantação do programa e também para começar a estabelecer um plano de trabalho
"Não queremos alimentar apenas o caminho da polêmica", reforçou a deputada, que também pretende dar atenção à situação das crianças e adolescentes em situação de risco. Segundo ela, outros temas que a preocupam são os idosos, as comunidades indígenas, as populações migrantes e os usuários de drogas e álcool.
Professora por formação, Rosário elegeu-se vereadora em Porto Alegre pelo PCdoB em 1992 e reelegeu-se em 1996 já pelo PT. Em 1998 conquistou vaga na Assembleia Legislativa e desde 2003 ocupa uma cadeira na Câmara dos Deputados. Neste ano, chegou a ter a candidatura indeferida devido a dívidas da campanha de 2008 à prefeitura, mas foi novamente reeleita e teve o mandato confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em 2003, a futura secretária foi relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a exploração sexual infantil. Com 44 anos, ela é casada com o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Eliezer Pacheco, e tem uma filha, Maria Laura, de dez anos.
Sérgio Bueno | De Porto Alegre
10/12/2010
Júlio Cordeiro Valor Econômico
Combate à homofobia e reforma no sistema prisional são temas emergenciais, diz a deputada Maria do Rosário, futura secretária de Direitos HumanosConfirmada no comando da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) no governo Dilma Rousseff, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) pretende buscar "consensos" para avançar na aplicação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Ao mesmo tempo em que considera o combate à homofobia e a reforma do sistema prisional como temas emergenciais, Rosário promete "abrir diálogo sem posições coercitivas" com os meios de comunicação sobre formas de enfrentar a incitação à violência no país.
O PNDH 3 foi uma das principais vidraças do PT durante a campanha presidencial. A descriminalização do aborto, um dos pontos mais atacados na versão original, foi retirada do programa no início deste ano por pressão de segmentos religiosos, mas ainda rendeu dores de cabeça para a então candidata Dilma, que teve de se comprometer a não apresentar propostas neste sentido caso fosse eleita.
Também no início do ano o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto em que retirou a expressão "repressão política", na definição em que a chamada Comissão da Verdade poderia apurar a violação de direitos humanos no país. A partir daí não ficou claro se o grupo poderia investigar agentes do Estado que torturaram presos políticos durante a ditadura militar.
Militante de longa data no campo dos direitos humanos, especialmente em questões relacionadas a crianças e adolescentes, Rosário disse que pretende discutir com "tranquilidade", sem excluir nenhum "segmento social", a implantação da Comissão da Verdade. Segundo ela, o direito à verdade e à memória não é "incompatível" com nenhuma parcela do Estado. Quanto à descriminalização do aborto, afirmou que não tem a intenção de ficar paralisada em "um ou outro tema", mas disse que o assunto deve continuar em debate.
Para o ex-deputado estadual e federal Marcos Rolim (PT-RS), especialista no assunto, mesmo com o recuo do governo em relação a pontos polêmicos, o PNDH 3 representa uma revolução para o país. O programa prevê, por exemplo, a união civil homossexual, a liberdade religiosa e o monitoramento das emissoras de rádio e televisão para coibir a transmissão de programas que promovam preconceito, como racismo ou homofobia.
Na opinião do ex-deputado, o desafio da futura secretária - que o sucedeu na presidência da comissão de direitos humanos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na legislatura 1999-2002 - será enfrentar temas que provocam "desgaste" para dar "efetividade" ao programa. Para ele, a presidente Dilma já sinaliza ter mais identidade com o tema do que Lula, até pelo fato de ter sido vítima de torturas durante a ditadura, mas os avanços dependem de reformas legais que precisam ser amplamente negociadas com a base do governo.
Segundo Rosário, a posição da presidente eleita será "essencial" para definir as diretrizes da atuação da secretaria. Por enquanto, ela teve apenas uma conversa preliminar com o atual titular da Pasta, Paulo Vannuchi, com quem vai se reunir na segunda-feira para tomar conhecimento em detalhes do estágio de implantação do programa e também para começar a estabelecer um plano de trabalho
"Não queremos alimentar apenas o caminho da polêmica", reforçou a deputada, que também pretende dar atenção à situação das crianças e adolescentes em situação de risco. Segundo ela, outros temas que a preocupam são os idosos, as comunidades indígenas, as populações migrantes e os usuários de drogas e álcool.
Professora por formação, Rosário elegeu-se vereadora em Porto Alegre pelo PCdoB em 1992 e reelegeu-se em 1996 já pelo PT. Em 1998 conquistou vaga na Assembleia Legislativa e desde 2003 ocupa uma cadeira na Câmara dos Deputados. Neste ano, chegou a ter a candidatura indeferida devido a dívidas da campanha de 2008 à prefeitura, mas foi novamente reeleita e teve o mandato confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em 2003, a futura secretária foi relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a exploração sexual infantil. Com 44 anos, ela é casada com o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Eliezer Pacheco, e tem uma filha, Maria Laura, de dez anos.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Militar relata mortes na ditadura
Folha de São Paulo 8 de dezembro de 2010
Militar relata mortes em ação na ditadura
Dois militantes que atuavam na luta armada foram assassinados em operação na zona leste de SP, em 1970
Em depoimento inédito, ex-oficial do Exército diz à Folha que chefiou busca; segundo ele, agentes só reagiram
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
Pela primeira vez, um agente da ditadura militar admite ter participado da operação que levou à morte de Antônio dos Três Reis de Oliveira e Alceri Maria Gomes da Silva, que atuaram na luta armada contra o regime.
O relato foi feito à Folha por Maurício Lopes Lima, 75, tenente-coronel reformado e ex-chefe de buscas da Oban (Operação Bandeirante).
Em novembro, o oficial foi acusado pelo Ministério Público Federal de participar de atos de violência contra a presidente eleita, Dilma Rousseff, e outros 19 presos políticos. Foi denunciado por vários, mas nega tudo.
Antônio, estudante de economia, tinha 21 anos e militava na ALN (Ação Libertadora Nacional). O Exército nunca admitiu sua morte. Alceri, 26, era operária e pertencia aos quadros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Os dois foram metralhados em 17 de maio de 1970 num aparelho (esconderijo) na rua Caraguataí, no Tatuapé, zona leste de São Paulo.
No depoimento inédito, o militar confirmou ter comandado a operação, alegou que Antônio teria atirado contra ele e classificou as duas mortes como "inevitáveis".
"Todas as equipes já tinham saído quando lá chegou não sei quem. E disse "Olha, o pessoal tá no aparelho, no Tatuapé... e no meio do corredor tem um alçapão'", relatou ele.
"Fui procurar o alçapão, encontrei (...) Peguei um canivete, enfiei, tirei e saiu um cara que me deu seis tiros. Saltei para trás [fazendo barulho de tiros], e ele atirava. Eu acho que esse era o Antonio Três Rios [sic]", disse.
Segundo Lima, Alceri chegou a ser retirada do local com vida. "Embaixo tinha uma menina, que também foi atingida e saiu com vida." "O Antônio morreu na ação. A mulher saiu viva e morreu a caminho do hospital. Baleada. Era a Alcira [sic]."
Apesar de admitir a presença na ação, ele disse não ter atirado. Responsabilizou agentes chefiados pelo capitão Francisco Antônio Coutinho e Silva, já falecido. "Não era minha equipe", disse.
O militar não esclareceu, no entanto, por que estaria acompanhado de agentes subordinados a um colega.
Ao justificar a morte de Antônio, Lima culpou a vítima: "Eu contei duas violências tremendas. Muitas vezes, inevitáveis. Como é que eu posso abrir um alçapão e me sai um cara e me dá um tiro na cara? Um não, seis."
O primeiro documento oficial sobre a morte do estudante, um laudo do IML localizado em 1991, diz que ele foi abatido com um tiro no olho direito. O laudo de Alceri contabiliza quatro tiros, sendo dois pelas costas.
O livro "Direito à Memória e à Verdade", publicado pela Presidência da República em 2007, afirma que, segundo ex-presos políticos, eles foram baleados "por agentes da Oban chefiados pelo capitão Maurício Lopes Lima".
DILMA
O militar recebe aposentadoria de R$ 11 mil brutos e vive a duas quadras da praia, no Guarujá, litoral paulista.
A ação da Procuradoria cita depoimento em que Dilma o apontou como "um dos torturadores da Oban". Em 2009, a presidente disse que ele não a agrediu, mas "entrava na sala e via tortura".
"Não assisti à tortura dela, não sei quem torturou. Eu chegava com o terrorista e entregava para o interrogador. Depois acontecia o que acontecia. Eu não sei, não queria saber", disse ele.
O oficial afirmou não ter arrependimentos. "Não tenho nenhum remorso", disse. "Eu estava numa guerra
Militar relata mortes em ação na ditadura
Dois militantes que atuavam na luta armada foram assassinados em operação na zona leste de SP, em 1970
Em depoimento inédito, ex-oficial do Exército diz à Folha que chefiou busca; segundo ele, agentes só reagiram
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
Pela primeira vez, um agente da ditadura militar admite ter participado da operação que levou à morte de Antônio dos Três Reis de Oliveira e Alceri Maria Gomes da Silva, que atuaram na luta armada contra o regime.
O relato foi feito à Folha por Maurício Lopes Lima, 75, tenente-coronel reformado e ex-chefe de buscas da Oban (Operação Bandeirante).
Em novembro, o oficial foi acusado pelo Ministério Público Federal de participar de atos de violência contra a presidente eleita, Dilma Rousseff, e outros 19 presos políticos. Foi denunciado por vários, mas nega tudo.
Antônio, estudante de economia, tinha 21 anos e militava na ALN (Ação Libertadora Nacional). O Exército nunca admitiu sua morte. Alceri, 26, era operária e pertencia aos quadros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Os dois foram metralhados em 17 de maio de 1970 num aparelho (esconderijo) na rua Caraguataí, no Tatuapé, zona leste de São Paulo.
No depoimento inédito, o militar confirmou ter comandado a operação, alegou que Antônio teria atirado contra ele e classificou as duas mortes como "inevitáveis".
"Todas as equipes já tinham saído quando lá chegou não sei quem. E disse "Olha, o pessoal tá no aparelho, no Tatuapé... e no meio do corredor tem um alçapão'", relatou ele.
"Fui procurar o alçapão, encontrei (...) Peguei um canivete, enfiei, tirei e saiu um cara que me deu seis tiros. Saltei para trás [fazendo barulho de tiros], e ele atirava. Eu acho que esse era o Antonio Três Rios [sic]", disse.
Segundo Lima, Alceri chegou a ser retirada do local com vida. "Embaixo tinha uma menina, que também foi atingida e saiu com vida." "O Antônio morreu na ação. A mulher saiu viva e morreu a caminho do hospital. Baleada. Era a Alcira [sic]."
Apesar de admitir a presença na ação, ele disse não ter atirado. Responsabilizou agentes chefiados pelo capitão Francisco Antônio Coutinho e Silva, já falecido. "Não era minha equipe", disse.
O militar não esclareceu, no entanto, por que estaria acompanhado de agentes subordinados a um colega.
Ao justificar a morte de Antônio, Lima culpou a vítima: "Eu contei duas violências tremendas. Muitas vezes, inevitáveis. Como é que eu posso abrir um alçapão e me sai um cara e me dá um tiro na cara? Um não, seis."
O primeiro documento oficial sobre a morte do estudante, um laudo do IML localizado em 1991, diz que ele foi abatido com um tiro no olho direito. O laudo de Alceri contabiliza quatro tiros, sendo dois pelas costas.
O livro "Direito à Memória e à Verdade", publicado pela Presidência da República em 2007, afirma que, segundo ex-presos políticos, eles foram baleados "por agentes da Oban chefiados pelo capitão Maurício Lopes Lima".
DILMA
O militar recebe aposentadoria de R$ 11 mil brutos e vive a duas quadras da praia, no Guarujá, litoral paulista.
A ação da Procuradoria cita depoimento em que Dilma o apontou como "um dos torturadores da Oban". Em 2009, a presidente disse que ele não a agrediu, mas "entrava na sala e via tortura".
"Não assisti à tortura dela, não sei quem torturou. Eu chegava com o terrorista e entregava para o interrogador. Depois acontecia o que acontecia. Eu não sei, não queria saber", disse ele.
O oficial afirmou não ter arrependimentos. "Não tenho nenhum remorso", disse. "Eu estava numa guerra
domingo, 5 de dezembro de 2010
Marxismo e Gramsci
"¿Me pedirás tú, muerto descarnado El Pais 5 de dezembro de 2010
La desaparición del Partido Comunista Italiano se ha tragado su obra
"Testimonian una resistencia que hizo mejores a muchos", dice su editor
Abandonar esta desesperada Pasión de estar en el mundo?"
(Las cenizas de Gramsci, Pier Paolo Passolini)
Hoy en día se lee poco a Gramsci (1891-1937). La destrucción del socialismo real y la desaparición del Partido Comunista Italiano (PCI), el más importante e influyente de Occidente, se ha tragado la obra de quien ha sido uno de los más originales pensadores marxistas de la historia. Filólogo, periodista (cofundador de la revista L?Ordine Nuovo), dirigente antifascista, teórico del marxismo, hombre de acción como líder del comunismo italiano, conviene recordar a los más jóvenes la figura de Antonio Gramsci, el hombre eternamente enfermo -sufrió una deformación de la columna vertebral que empezó a ser visible desde los siete años, y murió de un derrame cerebral- y condenado por Mussolini a más de 20 años de prisión.
Durante los 10 años que duró la dejación de libertad, pese a sus limitaciones físicas, elaboró una obra teórica que redujo el dogmatismo e introdujo frescura en el marxismo más mecanicista y ortodoxo, dada a conocer a través de 32 cuadernos que ocuparon casi 3.000 páginas. Los Cuadernos de la cárcel fueron publicados en castellano, en seis tomos, en una mítica edición de Ediciones Era, preparada por el Instituto Gramsci, con prólogo de Valentino Gerratana. Durante muchos años esos seis tomos fueron de obligada lectura para todos aquellos que se interesaban por la renovación del marxismo y su adecuación a las condiciones de la segunda parte del siglo XX.
Uno de los intelectuales españoles que más tiempo y esfuerzo dedicó al estudio de la obra de Gramsci fue, no por casualidad, Manuel Sacristán, que editó una indispensable Antología (Siglo XXI, 1974) con la que muchos ciudadanos de este país nos aproximamos a Gramsci. El historiador marxista Perry Anderson dijo hace mucho tiempo que Sacristán había sido el teórico marxista español más importante, y en esta apreciación han coincidido su selecto grupo de discípulos (reunidos en la revistas Materiales y su sucesora Mientras tanto), y muchos que, sin serlo, han resaltado su papel como científico social de primer orden. Redescubrir a Gramsci tiene la ventaja de volver a poner en circulación, más allá de esos círculos, a un autor de culto como Manuel Sacristán.
Años antes de la publicación de la Antología sacristaniana de Gramsci, en 1965 apareció en España la primera edición del otro bloque de sus escritos desde las prisiones fascistas (1926-1937): las Cartas desde la cárcel, editadas por Cuadernos para el Diálogo y traducidas por la inolvidable Esther Benítez. Estas lettere dal carcere habían sido publicadas por primera vez en 1947 y constaban de dos centenares de misivas dirigidas a su familia y amigos. En la edición de Cuadernos ya habían aumentado a 418. Ahora, se edita en España (Veintisiete Letras) una versión cuasi definitiva (su editor no descarta que aparezca alguna más), con 478 cartas del epistolario de Antonio Gramsci por las sucesivas cárceles italianas (Milán, Bari y Formia) en las que Mussolini lo tuvo encerrado, y por una clínica a la que fue trasladado al final de su vida, tras la condena por conspiración de 20 años, cuatro meses y cinco días. El fiscal que le acusó declaró: "Tenemos que impedir que este cerebro funcione durante 20 años".
Francisco Fernández Buey, uno de los discípulos predilectos de Sacristán y otro de los intelectuales marxistas españoles que mejor conocen a Gramsci, es el encargado de la edición y de la elaboración de un sugerente prólogo de esta nueva versión de las Cartas desde la cárcel. En él relata las condiciones en las que escribió el turinés y cómo era consciente de que las misivas -en las que se manifiestan sus inquietudes literarias, la preocupación por la historia y la política y también el conmovedor desvelo de Gramsci por su familia, por su mujer Yulca y por sus hijos- no eran estrictamente privadas, sino que estaba escribiendo para que fuesen leídas por el censor de la cárcel, las autoridades fascistas y por la dirección del PCI.
Decíamos antes que esta edición de las Cartas... era una buena ocasión para subrayar el papel y la obra de su introductor en España, Manuel Sacristán. También es una oportunidad para resucitar la figura del íntimo amigo de Gramsci, el economista Piero Sraffa, a quien dirige algunas de las misivas, sepultado por los partidarios del pensamiento único. Sraffa, también turinés y nacido poco después de Gramsci, es el eslabón perdido entre un economista conservador como lord Keynes (a quien las paradojas de la historia ha conducido a ser reivindicado por los progresistas) y un comunista como Antonio Gramsci.
A través de Sraffa, Keynes se interesará por la enfermedad fascista del sur de Europa y, sobre todo, por la tragedia personal de Gramsci. Este, por la mediación de Sraffa, supo del debate económico que se estaba produciendo entre las dos guerras mundiales y, sobre todo, el que se estaba originando en Cambridge con una generación incomparable de economistas como Joan Robinson, Nicholas Kaldor, Maurice Dobb, Hicks, Robertson, además de Keynes y del propio Sraffa, que dedicó su tiempo en Gran Bretaña a combatir al Duce y luchar por la libertad de Gramsci y de otros profesores universitarios encarcelados. Mussolini envió un telegrama al padre de Sraffa calificando sus artículos como "un acto de derrotismo bancario puro y duro, y un acto de sabotaje a las finanzas italianas". Por cierto que la única obra de este economista, Producción de mercancías por medio de mercancías, fue traducida en España por un jovencísimo profesor de Teoría Económica llamado Luis Ángel Rojo, que años después sería gobernador del Banco de España.
Gramsci dio a la ética de la resistencia el sentido de su vida. La estancia en las prisiones explica su aserto del pesimismo de la inteligencia y el optimismo de la voluntad. Escribíamos que ahora se le lee poco. Desgraciadamente. En el prólogo de las Cartas desde la cárcel, Fernández Buey remata: "Pero se le puede leer como a un clásico. Y las cartas que escribió desde la cárcel, como un documento histórico de la tragedia del comunismo del siglo XX, como el testimonio de una resistencia que durante décadas hizo a muchos mejores. Como una página del libro blanco de un ideal".
La desaparición del Partido Comunista Italiano se ha tragado su obra
"Testimonian una resistencia que hizo mejores a muchos", dice su editor
Abandonar esta desesperada Pasión de estar en el mundo?"
(Las cenizas de Gramsci, Pier Paolo Passolini)
Hoy en día se lee poco a Gramsci (1891-1937). La destrucción del socialismo real y la desaparición del Partido Comunista Italiano (PCI), el más importante e influyente de Occidente, se ha tragado la obra de quien ha sido uno de los más originales pensadores marxistas de la historia. Filólogo, periodista (cofundador de la revista L?Ordine Nuovo), dirigente antifascista, teórico del marxismo, hombre de acción como líder del comunismo italiano, conviene recordar a los más jóvenes la figura de Antonio Gramsci, el hombre eternamente enfermo -sufrió una deformación de la columna vertebral que empezó a ser visible desde los siete años, y murió de un derrame cerebral- y condenado por Mussolini a más de 20 años de prisión.
Durante los 10 años que duró la dejación de libertad, pese a sus limitaciones físicas, elaboró una obra teórica que redujo el dogmatismo e introdujo frescura en el marxismo más mecanicista y ortodoxo, dada a conocer a través de 32 cuadernos que ocuparon casi 3.000 páginas. Los Cuadernos de la cárcel fueron publicados en castellano, en seis tomos, en una mítica edición de Ediciones Era, preparada por el Instituto Gramsci, con prólogo de Valentino Gerratana. Durante muchos años esos seis tomos fueron de obligada lectura para todos aquellos que se interesaban por la renovación del marxismo y su adecuación a las condiciones de la segunda parte del siglo XX.
Uno de los intelectuales españoles que más tiempo y esfuerzo dedicó al estudio de la obra de Gramsci fue, no por casualidad, Manuel Sacristán, que editó una indispensable Antología (Siglo XXI, 1974) con la que muchos ciudadanos de este país nos aproximamos a Gramsci. El historiador marxista Perry Anderson dijo hace mucho tiempo que Sacristán había sido el teórico marxista español más importante, y en esta apreciación han coincidido su selecto grupo de discípulos (reunidos en la revistas Materiales y su sucesora Mientras tanto), y muchos que, sin serlo, han resaltado su papel como científico social de primer orden. Redescubrir a Gramsci tiene la ventaja de volver a poner en circulación, más allá de esos círculos, a un autor de culto como Manuel Sacristán.
Años antes de la publicación de la Antología sacristaniana de Gramsci, en 1965 apareció en España la primera edición del otro bloque de sus escritos desde las prisiones fascistas (1926-1937): las Cartas desde la cárcel, editadas por Cuadernos para el Diálogo y traducidas por la inolvidable Esther Benítez. Estas lettere dal carcere habían sido publicadas por primera vez en 1947 y constaban de dos centenares de misivas dirigidas a su familia y amigos. En la edición de Cuadernos ya habían aumentado a 418. Ahora, se edita en España (Veintisiete Letras) una versión cuasi definitiva (su editor no descarta que aparezca alguna más), con 478 cartas del epistolario de Antonio Gramsci por las sucesivas cárceles italianas (Milán, Bari y Formia) en las que Mussolini lo tuvo encerrado, y por una clínica a la que fue trasladado al final de su vida, tras la condena por conspiración de 20 años, cuatro meses y cinco días. El fiscal que le acusó declaró: "Tenemos que impedir que este cerebro funcione durante 20 años".
Francisco Fernández Buey, uno de los discípulos predilectos de Sacristán y otro de los intelectuales marxistas españoles que mejor conocen a Gramsci, es el encargado de la edición y de la elaboración de un sugerente prólogo de esta nueva versión de las Cartas desde la cárcel. En él relata las condiciones en las que escribió el turinés y cómo era consciente de que las misivas -en las que se manifiestan sus inquietudes literarias, la preocupación por la historia y la política y también el conmovedor desvelo de Gramsci por su familia, por su mujer Yulca y por sus hijos- no eran estrictamente privadas, sino que estaba escribiendo para que fuesen leídas por el censor de la cárcel, las autoridades fascistas y por la dirección del PCI.
Decíamos antes que esta edición de las Cartas... era una buena ocasión para subrayar el papel y la obra de su introductor en España, Manuel Sacristán. También es una oportunidad para resucitar la figura del íntimo amigo de Gramsci, el economista Piero Sraffa, a quien dirige algunas de las misivas, sepultado por los partidarios del pensamiento único. Sraffa, también turinés y nacido poco después de Gramsci, es el eslabón perdido entre un economista conservador como lord Keynes (a quien las paradojas de la historia ha conducido a ser reivindicado por los progresistas) y un comunista como Antonio Gramsci.
A través de Sraffa, Keynes se interesará por la enfermedad fascista del sur de Europa y, sobre todo, por la tragedia personal de Gramsci. Este, por la mediación de Sraffa, supo del debate económico que se estaba produciendo entre las dos guerras mundiales y, sobre todo, el que se estaba originando en Cambridge con una generación incomparable de economistas como Joan Robinson, Nicholas Kaldor, Maurice Dobb, Hicks, Robertson, además de Keynes y del propio Sraffa, que dedicó su tiempo en Gran Bretaña a combatir al Duce y luchar por la libertad de Gramsci y de otros profesores universitarios encarcelados. Mussolini envió un telegrama al padre de Sraffa calificando sus artículos como "un acto de derrotismo bancario puro y duro, y un acto de sabotaje a las finanzas italianas". Por cierto que la única obra de este economista, Producción de mercancías por medio de mercancías, fue traducida en España por un jovencísimo profesor de Teoría Económica llamado Luis Ángel Rojo, que años después sería gobernador del Banco de España.
Gramsci dio a la ética de la resistencia el sentido de su vida. La estancia en las prisiones explica su aserto del pesimismo de la inteligencia y el optimismo de la voluntad. Escribíamos que ahora se le lee poco. Desgraciadamente. En el prólogo de las Cartas desde la cárcel, Fernández Buey remata: "Pero se le puede leer como a un clásico. Y las cartas que escribió desde la cárcel, como un documento histórico de la tragedia del comunismo del siglo XX, como el testimonio de una resistencia que durante décadas hizo a muchos mejores. Como una página del libro blanco de un ideal".
ONU e Direitos Humanos
Direitos humanos veem disputa na ONU Folha de São Paulo de 5 de dezembro de 2010
Conflito envolve hierarquia entre Conselho, baseado em Genebra, e 3ª Comissão da Assembleia Geral, em NY
Comissão tem aprovado mais condenações a países específicos, mesmo com menos resultados práticos
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
Sem resultados práticos e em geral ignoradas, as votações na 3ª Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas são uma das faces da disputa sobre qual órgão do "sistema ONU" deve ter a primazia no tratamento dos direitos humanos.
A comissão cuida de temas sociais, culturais e humanitários e fez uma incursão no noticiário depois que a diplomacia brasileira se absteve, em novembro, de condenar o Irã -também optou pela abstenção no caso de Mianmar e votou "sim" só contra a Coreia do Norte.
Desde que o Conselho de Direitos Humanos foi criado em 2006, o Brasil é um dos países que argumentam que o exame de casos específicos cabe ao novo organismo.
Substituto da Comissão de Direitos Humanos, acusada de seletividade, o conselho adotou o Mecanismo de Revisão Universal, ao qual todos os membros da ONU são submetidos a cada quatro anos.
Além disso, pode se pronunciar sobre casos flagrantes -encomendou o polêmico relatório Goldstone, sobre a ofensiva israelense contra Gaza em 2009.
Sediado em Genebra, o conselho tem 47 integrantes com mandatos de três anos. Como cada região tem representação fixa, a maioria é de países em desenvolvimento -o Brasil conclui o segundo mandato seguido em 2011.
Já da 3ª Comissão, em Nova York, todos os 192 países participam, e em geral são analisadas resoluções que não amealhariam apoio suficiente no conselho.
No próximo ano, uma revisão fixará a hierarquia entre os dois organismos. Hoje, o conselho está subordinado à Assembleia Geral, da qual a comissão é "órgão subsidiário" -há polêmica sobre qual deles é "superior".
Como a maioria dos órgãos da ONU, vivem queda de braço entre as potências ocidentais e os países em desenvolvimento, com interseções eventuais entre os grupos.
No conselho, um terço das condenações são contra Israel, por violações dos direitos dos palestinos. Na comissão, as potências propõem textos contra países com os quais têm conflitos em áreas além dos direitos humanos.
Enquanto as decisões do conselho podem ter alguma consequência -como a nomeação de relatores especiais-, as da comissão destinam-se ao que as ONGs chamam de "name and shame", envergonhar o violador.
Coerência é artigo raro nos órgãos, sobretudo entre as democracias. A China e outras ditaduras seguem ortodoxamente a linha de jamais se pronunciar sobre temas internos de outros países.
Na 3ª Comissão, os EUA votaram "não" neste ano à moção contra o racismo e a xenofobia, além de se oporem, como é praxe, à que pediu moratória na aplicação da pena de morte. Os europeus se abstiveram no caso do racismo e se uniram aos EUA no "não" à resolução contra uso de mercenários.
África do Sul e Índia se abstiveram no caso do Irã. Os indianos, com interesses em Mianmar, disseram "não" à condenação da ditadura birmanesa -única que os sul-africanos condenaram.
Na América do Sul, três países -Argentina, Chile e Peru- votaram "sim" nos três casos. Uruguai e Paraguai se abstiveram no caso iraniano, enquanto a Colômbia se absteve em todos eles.
Conflito envolve hierarquia entre Conselho, baseado em Genebra, e 3ª Comissão da Assembleia Geral, em NY
Comissão tem aprovado mais condenações a países específicos, mesmo com menos resultados práticos
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
Sem resultados práticos e em geral ignoradas, as votações na 3ª Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas são uma das faces da disputa sobre qual órgão do "sistema ONU" deve ter a primazia no tratamento dos direitos humanos.
A comissão cuida de temas sociais, culturais e humanitários e fez uma incursão no noticiário depois que a diplomacia brasileira se absteve, em novembro, de condenar o Irã -também optou pela abstenção no caso de Mianmar e votou "sim" só contra a Coreia do Norte.
Desde que o Conselho de Direitos Humanos foi criado em 2006, o Brasil é um dos países que argumentam que o exame de casos específicos cabe ao novo organismo.
Substituto da Comissão de Direitos Humanos, acusada de seletividade, o conselho adotou o Mecanismo de Revisão Universal, ao qual todos os membros da ONU são submetidos a cada quatro anos.
Além disso, pode se pronunciar sobre casos flagrantes -encomendou o polêmico relatório Goldstone, sobre a ofensiva israelense contra Gaza em 2009.
Sediado em Genebra, o conselho tem 47 integrantes com mandatos de três anos. Como cada região tem representação fixa, a maioria é de países em desenvolvimento -o Brasil conclui o segundo mandato seguido em 2011.
Já da 3ª Comissão, em Nova York, todos os 192 países participam, e em geral são analisadas resoluções que não amealhariam apoio suficiente no conselho.
No próximo ano, uma revisão fixará a hierarquia entre os dois organismos. Hoje, o conselho está subordinado à Assembleia Geral, da qual a comissão é "órgão subsidiário" -há polêmica sobre qual deles é "superior".
Como a maioria dos órgãos da ONU, vivem queda de braço entre as potências ocidentais e os países em desenvolvimento, com interseções eventuais entre os grupos.
No conselho, um terço das condenações são contra Israel, por violações dos direitos dos palestinos. Na comissão, as potências propõem textos contra países com os quais têm conflitos em áreas além dos direitos humanos.
Enquanto as decisões do conselho podem ter alguma consequência -como a nomeação de relatores especiais-, as da comissão destinam-se ao que as ONGs chamam de "name and shame", envergonhar o violador.
Coerência é artigo raro nos órgãos, sobretudo entre as democracias. A China e outras ditaduras seguem ortodoxamente a linha de jamais se pronunciar sobre temas internos de outros países.
Na 3ª Comissão, os EUA votaram "não" neste ano à moção contra o racismo e a xenofobia, além de se oporem, como é praxe, à que pediu moratória na aplicação da pena de morte. Os europeus se abstiveram no caso do racismo e se uniram aos EUA no "não" à resolução contra uso de mercenários.
África do Sul e Índia se abstiveram no caso do Irã. Os indianos, com interesses em Mianmar, disseram "não" à condenação da ditadura birmanesa -única que os sul-africanos condenaram.
Na América do Sul, três países -Argentina, Chile e Peru- votaram "sim" nos três casos. Uruguai e Paraguai se abstiveram no caso iraniano, enquanto a Colômbia se absteve em todos eles.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
A internet e Worton
O Titanic da cibercultura
Por Diego Viana | Para o Valor, de São Paulo
03/12/2010Text
Regis Filho/Valor
Wolton: "Nunca é dito nada de negativo sobre a internet; quando alguém ousa lançar ressalva, é logo tachado de reacionário"O sociólogo francês Dominique Wolton tem o hábito de nadar contra a corrente. Quando a regra entre teóricos da comunicação, inspirados sobretudo pela célebre Escola de Frankfurt, eram os ataques generalizados à indústria cultural, televisão em particular, Wolton buscou demonstrar que justamente esses veículos de comunicação que marcaram o século XX proporcionavam um meio de interação para as sociedades nacionais. Hoje, porém, a internet e as redes sociais parecem, aos olhos da maioria dos analistas, oferecer o caminho para aperfeiçoar a comunicação tanto ao redor do mundo quanto em pequenas comunidades localizadas. Mas o sociólogo discorda profundamente, enxergando nas tecnologias contemporâneas de comunicação uma ilusão de contato que, na verdade, fecha cada um sobre si mesmo. Para Wolton, em resumo, a internet é "o Titanic da cibercultura".
Especialista em comunicação e fundador do primeiro laboratório dedicado ao tema no Centro Nacional de Pesquisa Científica francês (CNRS) - o Instituto de Ciências da Comunicação -, o sociólogo rejeita a associação imediata das noções de comunicação e informação. A comunicação, para ele, envolve relações entre pessoas, e por isso tem implicações políticas, sociais e culturais que vão muito além da informação.
Seu livro mais recente, "Informar não É Comunicar" (Sulina), trata dessas questões centrais da "era da informação". O problema da internet, na concepção de Wolton, é que se trata de uma ferramenta alvo de uma idolatria até então não verificada em relação a nenhuma tecnologia de comunicação. Enquanto a televisão e o rádio foram sempre encarados como instrumentos nas mãos de grupos poderosos, sejam Estados ou corporações multinacionais, ninguém é capaz de enxergar por trás da internet a atuação dessas mesmas entidades.
"Fizeram da internet uma panaceia. Criou-se essa ilusão de que ela seria portadora de liberdade, criatividade, proximidade para todos. Nunca é dito nada de negativo sobre a internet. Quando alguém ousa lançar uma ressalva, é logo tachado de reacionário, antiquado e assim por diante", afirma Dominique Wolton, durante entrevista concedida em São Paulo.
O que cega as pessoas ao redor do mundo para o aspecto não tão revolucionário da internet - aquilo que Wolton denomina a "não revolução da cibercultura" - é uma "ideologia técnica" que vem ganhando terreno sobretudo nos últimos 30 anos. Por meio dessa ideologia, aflora uma convicção de que a evolução do desempenho dos chips e aparelhos associados, como telefones, celulares, computadores, cartões e quetais, é fonte de ganhos na vida social e na capacidade comunicativa de todos.
Mas essa convicção, argumenta Wolton, é ingênua e equivocada. A potência técnica traz mais dados, mais acessos, mais contatos. Mas os dados não são conhecimentos, os acessos não são entradas e os contatos não são comunicação. Para demonstrar sua tese, o sociólogo propõe uma grande greve tecnológica: abdicar temporariamente dos e-mails, dos telefones celulares e, "sobretudo", das fotografias com aparelhos digitais. Uma volta aos filmes fotográficos, exemplifica Wolton, obrigaria o fotógrafo - principalmente o amador - a enxergar o valor de cada imagem que faça, porque ela tem um preço e a quantidade é bastante limitada. Seria necessário olhar antes de apertar o botão do obturador: o olhar é comunicação, o botão não é.
Nesse sentido, o sociólogo descreve o universo da internet no livro "Internet, e Depois" (Sulina) como ao mesmo tempo o auge e a sepultura dessa ideologia técnica. Por que sepultura? Porque "essa onipotência que se tem enxergado na internet, a partir de um certo ponto, terá de refluir necessariamente. Jamais voltaremos a ter uma ideia tão poderosa da ideologia técnica, ao menos não no campo da tecnologia de comunicação. São os excessos da ideologia tecnológica que a tornam insustentável em seu estado atual de euforia".
A briga de Wolton não é com a internet em si, naturalmente, mas com a concepção de globalização que ela carrega consigo. Em um artigo, ele escreve que "mesmo se a informação dá a volta ao mundo, é em menos de 100 quilômetros que a realidade muda". Com isso, a circulação descontrolada de informações por meio dos cabos e satélites da rede mundial acaba enfraquecendo a possibilidade real que as pessoas têm de agir. E essa possibilidade é a ação local, por meio da comunicação entre gente que se conhece e tem uma base comum de cultura histórica, linguística e social. Confrontado com o mantra da modernidade cibernética, o "pense global, aja local", Wolton deixa abertas as possibilidades. "O que temo é que a visão menos otimista, em que se perde com a globalização a própria ideia de globalizar, impeça que acreditemos na possibilidade de agir localmente."
Trata-se de verificar se a velocidade da globalização, que se manifesta numa enxurrada de dados e informações capaz de soterrar uma pessoa, permite às populações desenvolver uma compreensão própria do mundo ou não. Essa é a vantagem da televisão, aos olhos de Wolton.
No tempo em que as sociedades dependiam dela para se informar, por mais que as notícias fossem manipuladas e influenciadas por interesses econômicos e políticos, havia uma base comum a partir da qual cada um poderia tirar suas conclusões para, em seguida, discutir com os vizinhos. Havia espaço para a unidade cultural, mas também para o dissenso. Na cultura técnica, cujo apogeu é a internet, segundo Wolton, as sociedades abdicaram dessa base comum e cada um guarda suas convicções em isolamento, porque recebe apenas as informações que deseja, quando e como deseja.
Mesmo assim, não se pode dizer que a internet esteja mais livre das influências políticas e econômicas que eram tão claras nos grandes meios de comunicação de massa - jornais, internet, rádio. "A circulação da informação na internet já é também manipulada, como sempre foi, por interesses poderosos, econômicos e políticos. As questões com que vai se confrontar são as mesmas que já enfrentaram a televisão e o rádio."
Wolton ressalta que os lados político e econômico do poder são indissociáveis - "quando agem forças econômicas também agem forças políticas, e quando agem forças políticas também são forças econômicas". Mas observa que um poder econômico absoluto, ou seja, a dominação de um mercado, é concebível, mas um poder político absoluto sobre a comunicação fica, se tanto, no campo do potencial. "Os monopólios não podem fazer tudo o que querem. Eles frequentemente creem que podem controlar o país porque puxam as cordinhas, mas isso não é verdade. As pessoas são cada vez mais independentes do que dizemos a elas. Não basta ter duas rádios, três canais de televisão e uma infinidade de jornais para controlar o público."
Se a cultura da internet é uma das faces da globalização, aponta Wolton, então ela deve estar também sujeita às mesmas forças e aos mesmos problemas da globalização como um todo. O Brasil é um grande exemplo dos conflitos que podem surgir de determinadas tendências da globalização - aquelas que isolam, em vez de aproximar. No mundo todo, é possível observar uma expansão das iniciativas que erguem muros entre a identidade (o "nós") e a diferença ("os outros"). Na própria França de Wolton, o governo Sarkozy endureceu progressivamente a política de imigração, até o ápice que foi a recente expulsão de ciganos do país.
Dois outros exemplos são os muros erguidos nas fronteiras dos Estados Unidos com o México e de Israel com a Palestina, que revelam fisicamente a vontade de marcar um território e um universo de exclusão da alteridade. Finalmente, o ataque de militantes terroristas no Iraque a igrejas cristãs coptas do país revela o nível de violência a que pode chegar uma globalização que sublinha as identidades e, com elas, as diferenças.
O que tem o caso brasileiro de especial? Para Wolton, o país tem a tradição de ser a terra onde pode haver comunicação entre diferentes etnias, diferentes religiões, diferentes classes sociais. Essa comunicação não exclui, naturalmente, a existência dolorosa da dominação, da violência, da segregação e da injustiça. Mas os espaços de encontro, de contato e de confronto sempre existiram e obrigaram a que se estabelecessem formas de comunicação. Por mais desigual que fosse essa comunicação, ela sempre pareceu, aos olhos de Wolton, mais democrática do que a existente na Europa e em quase qualquer outro lugar do mundo.
Mesmo assim, o Brasil não escapa "a essa tendência à segmentação e ao comunitarismo através da segurança, de tal maneira que os ricos fiquem juntos, os pobres também, cada um em seu canto". Essa tendência se manifesta nas grandes cidades do país por meio de carros blindados, cercas elétricas e seguranças armados. O perigo é a formação de uma sociedade "em dois tempos", com duas velocidades. Um país dividido não geograficamente, como se chegou a cogitar depois das últimas eleições, mas socialmente e comunicativamente. Em outras palavras, "o multiculturalismo brasileiro talvez esteja diante de uma 'escola de realidade'. Ou bem o país resiste a essa luta ferrenha pela segurança ou entra numa estrutura de uns contra os outros, e nesse caso é toda a unidade nacional que é posta em risco. Essa unidade é vital, mas muito frágil", adverte o sociólogo.
É preciso achar uma saída para essa globalização que desumaniza e bloqueia toda possibilidade de comunicação verdadeira. Wolton estima, em "É Preciso Salvar a Comunicação" (Paulus, 2006), que os conceitos de informação e comunicação só poderão se reconciliar numa outra onda de globalização, em que as populações se darão conta da necessidade de voltar a comunicar. Há duas maneiras de isso acontecer. A otimista seria uma ação política de regulamentação e, em particular, de desconcentração do poder econômico e político das mídias.
Mas se essa ação política não ocorrer - e Wolton não a vê ocorrendo -, será preciso encontrar uma saída pela arte. "Não dá para aniquilar completamente a criatividade e a comunicação do homem. Um dia, haverá um poeta, um cantor, um filósofo, alguém que diga: 'Chega, basta!' Enfim, qualquer coisa, um homem ou uma mulher perfeitamente comum." Porém, se o grande sofrimento de todos os poetas raramente reverbera, o que se vê atualmente não permite imaginar um tal engajamento. "Por enquanto, as pessoas parecem estar mesmo é fascinadas. Elas não se dão conta de que os simulacros de comunicação não servem para nada."
Por Diego Viana | Para o Valor, de São Paulo
03/12/2010Text
Regis Filho/Valor
Wolton: "Nunca é dito nada de negativo sobre a internet; quando alguém ousa lançar ressalva, é logo tachado de reacionário"O sociólogo francês Dominique Wolton tem o hábito de nadar contra a corrente. Quando a regra entre teóricos da comunicação, inspirados sobretudo pela célebre Escola de Frankfurt, eram os ataques generalizados à indústria cultural, televisão em particular, Wolton buscou demonstrar que justamente esses veículos de comunicação que marcaram o século XX proporcionavam um meio de interação para as sociedades nacionais. Hoje, porém, a internet e as redes sociais parecem, aos olhos da maioria dos analistas, oferecer o caminho para aperfeiçoar a comunicação tanto ao redor do mundo quanto em pequenas comunidades localizadas. Mas o sociólogo discorda profundamente, enxergando nas tecnologias contemporâneas de comunicação uma ilusão de contato que, na verdade, fecha cada um sobre si mesmo. Para Wolton, em resumo, a internet é "o Titanic da cibercultura".
Especialista em comunicação e fundador do primeiro laboratório dedicado ao tema no Centro Nacional de Pesquisa Científica francês (CNRS) - o Instituto de Ciências da Comunicação -, o sociólogo rejeita a associação imediata das noções de comunicação e informação. A comunicação, para ele, envolve relações entre pessoas, e por isso tem implicações políticas, sociais e culturais que vão muito além da informação.
Seu livro mais recente, "Informar não É Comunicar" (Sulina), trata dessas questões centrais da "era da informação". O problema da internet, na concepção de Wolton, é que se trata de uma ferramenta alvo de uma idolatria até então não verificada em relação a nenhuma tecnologia de comunicação. Enquanto a televisão e o rádio foram sempre encarados como instrumentos nas mãos de grupos poderosos, sejam Estados ou corporações multinacionais, ninguém é capaz de enxergar por trás da internet a atuação dessas mesmas entidades.
"Fizeram da internet uma panaceia. Criou-se essa ilusão de que ela seria portadora de liberdade, criatividade, proximidade para todos. Nunca é dito nada de negativo sobre a internet. Quando alguém ousa lançar uma ressalva, é logo tachado de reacionário, antiquado e assim por diante", afirma Dominique Wolton, durante entrevista concedida em São Paulo.
O que cega as pessoas ao redor do mundo para o aspecto não tão revolucionário da internet - aquilo que Wolton denomina a "não revolução da cibercultura" - é uma "ideologia técnica" que vem ganhando terreno sobretudo nos últimos 30 anos. Por meio dessa ideologia, aflora uma convicção de que a evolução do desempenho dos chips e aparelhos associados, como telefones, celulares, computadores, cartões e quetais, é fonte de ganhos na vida social e na capacidade comunicativa de todos.
Mas essa convicção, argumenta Wolton, é ingênua e equivocada. A potência técnica traz mais dados, mais acessos, mais contatos. Mas os dados não são conhecimentos, os acessos não são entradas e os contatos não são comunicação. Para demonstrar sua tese, o sociólogo propõe uma grande greve tecnológica: abdicar temporariamente dos e-mails, dos telefones celulares e, "sobretudo", das fotografias com aparelhos digitais. Uma volta aos filmes fotográficos, exemplifica Wolton, obrigaria o fotógrafo - principalmente o amador - a enxergar o valor de cada imagem que faça, porque ela tem um preço e a quantidade é bastante limitada. Seria necessário olhar antes de apertar o botão do obturador: o olhar é comunicação, o botão não é.
Nesse sentido, o sociólogo descreve o universo da internet no livro "Internet, e Depois" (Sulina) como ao mesmo tempo o auge e a sepultura dessa ideologia técnica. Por que sepultura? Porque "essa onipotência que se tem enxergado na internet, a partir de um certo ponto, terá de refluir necessariamente. Jamais voltaremos a ter uma ideia tão poderosa da ideologia técnica, ao menos não no campo da tecnologia de comunicação. São os excessos da ideologia tecnológica que a tornam insustentável em seu estado atual de euforia".
A briga de Wolton não é com a internet em si, naturalmente, mas com a concepção de globalização que ela carrega consigo. Em um artigo, ele escreve que "mesmo se a informação dá a volta ao mundo, é em menos de 100 quilômetros que a realidade muda". Com isso, a circulação descontrolada de informações por meio dos cabos e satélites da rede mundial acaba enfraquecendo a possibilidade real que as pessoas têm de agir. E essa possibilidade é a ação local, por meio da comunicação entre gente que se conhece e tem uma base comum de cultura histórica, linguística e social. Confrontado com o mantra da modernidade cibernética, o "pense global, aja local", Wolton deixa abertas as possibilidades. "O que temo é que a visão menos otimista, em que se perde com a globalização a própria ideia de globalizar, impeça que acreditemos na possibilidade de agir localmente."
Trata-se de verificar se a velocidade da globalização, que se manifesta numa enxurrada de dados e informações capaz de soterrar uma pessoa, permite às populações desenvolver uma compreensão própria do mundo ou não. Essa é a vantagem da televisão, aos olhos de Wolton.
No tempo em que as sociedades dependiam dela para se informar, por mais que as notícias fossem manipuladas e influenciadas por interesses econômicos e políticos, havia uma base comum a partir da qual cada um poderia tirar suas conclusões para, em seguida, discutir com os vizinhos. Havia espaço para a unidade cultural, mas também para o dissenso. Na cultura técnica, cujo apogeu é a internet, segundo Wolton, as sociedades abdicaram dessa base comum e cada um guarda suas convicções em isolamento, porque recebe apenas as informações que deseja, quando e como deseja.
Mesmo assim, não se pode dizer que a internet esteja mais livre das influências políticas e econômicas que eram tão claras nos grandes meios de comunicação de massa - jornais, internet, rádio. "A circulação da informação na internet já é também manipulada, como sempre foi, por interesses poderosos, econômicos e políticos. As questões com que vai se confrontar são as mesmas que já enfrentaram a televisão e o rádio."
Wolton ressalta que os lados político e econômico do poder são indissociáveis - "quando agem forças econômicas também agem forças políticas, e quando agem forças políticas também são forças econômicas". Mas observa que um poder econômico absoluto, ou seja, a dominação de um mercado, é concebível, mas um poder político absoluto sobre a comunicação fica, se tanto, no campo do potencial. "Os monopólios não podem fazer tudo o que querem. Eles frequentemente creem que podem controlar o país porque puxam as cordinhas, mas isso não é verdade. As pessoas são cada vez mais independentes do que dizemos a elas. Não basta ter duas rádios, três canais de televisão e uma infinidade de jornais para controlar o público."
Se a cultura da internet é uma das faces da globalização, aponta Wolton, então ela deve estar também sujeita às mesmas forças e aos mesmos problemas da globalização como um todo. O Brasil é um grande exemplo dos conflitos que podem surgir de determinadas tendências da globalização - aquelas que isolam, em vez de aproximar. No mundo todo, é possível observar uma expansão das iniciativas que erguem muros entre a identidade (o "nós") e a diferença ("os outros"). Na própria França de Wolton, o governo Sarkozy endureceu progressivamente a política de imigração, até o ápice que foi a recente expulsão de ciganos do país.
Dois outros exemplos são os muros erguidos nas fronteiras dos Estados Unidos com o México e de Israel com a Palestina, que revelam fisicamente a vontade de marcar um território e um universo de exclusão da alteridade. Finalmente, o ataque de militantes terroristas no Iraque a igrejas cristãs coptas do país revela o nível de violência a que pode chegar uma globalização que sublinha as identidades e, com elas, as diferenças.
O que tem o caso brasileiro de especial? Para Wolton, o país tem a tradição de ser a terra onde pode haver comunicação entre diferentes etnias, diferentes religiões, diferentes classes sociais. Essa comunicação não exclui, naturalmente, a existência dolorosa da dominação, da violência, da segregação e da injustiça. Mas os espaços de encontro, de contato e de confronto sempre existiram e obrigaram a que se estabelecessem formas de comunicação. Por mais desigual que fosse essa comunicação, ela sempre pareceu, aos olhos de Wolton, mais democrática do que a existente na Europa e em quase qualquer outro lugar do mundo.
Mesmo assim, o Brasil não escapa "a essa tendência à segmentação e ao comunitarismo através da segurança, de tal maneira que os ricos fiquem juntos, os pobres também, cada um em seu canto". Essa tendência se manifesta nas grandes cidades do país por meio de carros blindados, cercas elétricas e seguranças armados. O perigo é a formação de uma sociedade "em dois tempos", com duas velocidades. Um país dividido não geograficamente, como se chegou a cogitar depois das últimas eleições, mas socialmente e comunicativamente. Em outras palavras, "o multiculturalismo brasileiro talvez esteja diante de uma 'escola de realidade'. Ou bem o país resiste a essa luta ferrenha pela segurança ou entra numa estrutura de uns contra os outros, e nesse caso é toda a unidade nacional que é posta em risco. Essa unidade é vital, mas muito frágil", adverte o sociólogo.
É preciso achar uma saída para essa globalização que desumaniza e bloqueia toda possibilidade de comunicação verdadeira. Wolton estima, em "É Preciso Salvar a Comunicação" (Paulus, 2006), que os conceitos de informação e comunicação só poderão se reconciliar numa outra onda de globalização, em que as populações se darão conta da necessidade de voltar a comunicar. Há duas maneiras de isso acontecer. A otimista seria uma ação política de regulamentação e, em particular, de desconcentração do poder econômico e político das mídias.
Mas se essa ação política não ocorrer - e Wolton não a vê ocorrendo -, será preciso encontrar uma saída pela arte. "Não dá para aniquilar completamente a criatividade e a comunicação do homem. Um dia, haverá um poeta, um cantor, um filósofo, alguém que diga: 'Chega, basta!' Enfim, qualquer coisa, um homem ou uma mulher perfeitamente comum." Porém, se o grande sofrimento de todos os poetas raramente reverbera, o que se vê atualmente não permite imaginar um tal engajamento. "Por enquanto, as pessoas parecem estar mesmo é fascinadas. Elas não se dão conta de que os simulacros de comunicação não servem para nada."
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Diplomacia exposta
Folha de São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2010
DIPLOMACIA exposta
Site WikiLeaks começou a divulgar no domingo cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais dos Estados Unidos, produzidos entre 1966 e 2010
ONDE ENCONTRAR
Os documentos são disponibilizados no endereço cablegate.wikileaks.org
FATOS MARCANTES
HONDURAS
Documento de 24 de julho de 2009 diz que a retirada de Manuel Zelaya da presidência de Honduras em junho do mesmo ano "constituiu um golpe ilegal e inconstitucional". O texto contraria versão de que os EUA teriam apoiado o golpe
GUANTÁNAMO
Textos mostram que os EUA negociaram o destino de presos libertados da base americana de Guantánamo, em Cuba. Um texto sugere que aceitar presos seria uma "maneira barata para a Bélgica conquistar proeminência na Europa"
ESPANHA
A eleição de José Luis Zapatero à chefia do governo espanhol em março 2004 gerou uma série de despachos sobre pretensões do socialista. Os papéis indicavam temor sobre a retirada de tropas espanholas do Iraque, o que ocorreu em abril
IRÃ
Documentos relatam pedidos de líderes árabes aos EUA para que atacassem o Irã. Segundo um dos textos, o rei Abdullah (Arábia Saudita) aconselhou os EUA, em 2008, a "cortar a cabeça da cobra" enquanto havia tempo
PAQUISTÃO
Documentos mostram preocupação dos EUA com a presença de material nuclear no Paquistão - os americanos temiam que ele fosse usado em ataques. Segundo textos, os EUA tentavam, em 2007, remover urânio de um reator usado em pesquisa
CHINA
De acordo com documento emitido pela embaixada americana em Pequim em janeiro deste ano, órgão do governo chinês comandou a invasão dos sistemas de computador do Google no país, como parte de uma campanha de sabotagem
ONU
Documento endereçado a diplomatas dos EUA emitido sob o nome da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pede que se coletem informações "biográficas e biométricas" de funcionários-chave da ONU
SÍRIA
Segundo textos, os EUA não conseguiram evitar que a Síria fornecesse armas ao Hizbollah no Líbano desde 2006. Após promessa síria de não mandar mais armas ao grupo, os EUA reclamaram de novos envios
FATOS HISTÓRICOS
ARGENTINA
Documento de 28 de dezembro de 1966 menciona uma mudança unilateral da Argentina quanto à jurisdição de sua costa marinha, com um projeto de lei que incluiria as Ilhas Malvinas [disputadas como Reino Unido] em seu território
ÁFRICA DO SUL
Documento do cônsul americano na Cidade do Cabo em 17 de janeiro de 1990 informa que o líder sul-africano Nelson Mandela teria sua liberdade anunciada em 2 de fevereiro, depois de 27 anos de prisão. A notícia foi dada pelo próprio Mandela a um juiz
O QUE OS DOCUMENTOS DIZEM SOBRE LÍDERES MUNDIAIS
RÚSSIA
Dmitri Medvedev
Apesar de ser o chefe de Estado russo, a embaixada americana em Moscou disse, em 2008, que ele é "o Robin do Batman", o primeiro- ministro Vladimir Putin
FRANÇA
Nicolas Sarkozy
A Embaixada dos EUA em Paris descreve Sarkozy como "autoritário", mas diz que o francês pode manter "forte relação transatlântica com os EUA"
ITÁLIA
Sílvio Berlusconi
Documento descreve o primeiro-ministro como "irresponsável, vão e ineficaz"; outro texto cita seu gosto por festas, que o impediria de descansar
COREIA DO NORTE
Kim Jong-il
O ditador é descrito em documentos como "velho fraco" que sofreu "traumas físicos e psicológicos" em sua trajetória
LÍBIA
Muammar Gaddafi
Segundo textos, ele raramente viaja sem sua enfermeira ucraniana, descrita como "loira voluptuosa", e não gosta de voar sobre o mar
ARGENTINA
Cristina Kirchner
O Departamento de Estado pediu a sua embaixada informações sobre o seu "estado de saúde mental", se usa remédios e que decisões deixava para o marido, Néstor Kirchner
VENEZUELA
Hugo Chávez
Em conversa com um subsecretário americano, um conselheiro francês classificou o presidente venezuelano como "louco"
ZIMBÁBUE
Robert Mugabe
Documento da embaixada americana em Harare diz que o governo do presidente é atrapalhado por fatores como sua "profunda ignorância sobre economia"
DIPLOMACIA exposta
Site WikiLeaks começou a divulgar no domingo cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais dos Estados Unidos, produzidos entre 1966 e 2010
ONDE ENCONTRAR
Os documentos são disponibilizados no endereço cablegate.wikileaks.org
FATOS MARCANTES
HONDURAS
Documento de 24 de julho de 2009 diz que a retirada de Manuel Zelaya da presidência de Honduras em junho do mesmo ano "constituiu um golpe ilegal e inconstitucional". O texto contraria versão de que os EUA teriam apoiado o golpe
GUANTÁNAMO
Textos mostram que os EUA negociaram o destino de presos libertados da base americana de Guantánamo, em Cuba. Um texto sugere que aceitar presos seria uma "maneira barata para a Bélgica conquistar proeminência na Europa"
ESPANHA
A eleição de José Luis Zapatero à chefia do governo espanhol em março 2004 gerou uma série de despachos sobre pretensões do socialista. Os papéis indicavam temor sobre a retirada de tropas espanholas do Iraque, o que ocorreu em abril
IRÃ
Documentos relatam pedidos de líderes árabes aos EUA para que atacassem o Irã. Segundo um dos textos, o rei Abdullah (Arábia Saudita) aconselhou os EUA, em 2008, a "cortar a cabeça da cobra" enquanto havia tempo
PAQUISTÃO
Documentos mostram preocupação dos EUA com a presença de material nuclear no Paquistão - os americanos temiam que ele fosse usado em ataques. Segundo textos, os EUA tentavam, em 2007, remover urânio de um reator usado em pesquisa
CHINA
De acordo com documento emitido pela embaixada americana em Pequim em janeiro deste ano, órgão do governo chinês comandou a invasão dos sistemas de computador do Google no país, como parte de uma campanha de sabotagem
ONU
Documento endereçado a diplomatas dos EUA emitido sob o nome da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pede que se coletem informações "biográficas e biométricas" de funcionários-chave da ONU
SÍRIA
Segundo textos, os EUA não conseguiram evitar que a Síria fornecesse armas ao Hizbollah no Líbano desde 2006. Após promessa síria de não mandar mais armas ao grupo, os EUA reclamaram de novos envios
FATOS HISTÓRICOS
ARGENTINA
Documento de 28 de dezembro de 1966 menciona uma mudança unilateral da Argentina quanto à jurisdição de sua costa marinha, com um projeto de lei que incluiria as Ilhas Malvinas [disputadas como Reino Unido] em seu território
ÁFRICA DO SUL
Documento do cônsul americano na Cidade do Cabo em 17 de janeiro de 1990 informa que o líder sul-africano Nelson Mandela teria sua liberdade anunciada em 2 de fevereiro, depois de 27 anos de prisão. A notícia foi dada pelo próprio Mandela a um juiz
O QUE OS DOCUMENTOS DIZEM SOBRE LÍDERES MUNDIAIS
RÚSSIA
Dmitri Medvedev
Apesar de ser o chefe de Estado russo, a embaixada americana em Moscou disse, em 2008, que ele é "o Robin do Batman", o primeiro- ministro Vladimir Putin
FRANÇA
Nicolas Sarkozy
A Embaixada dos EUA em Paris descreve Sarkozy como "autoritário", mas diz que o francês pode manter "forte relação transatlântica com os EUA"
ITÁLIA
Sílvio Berlusconi
Documento descreve o primeiro-ministro como "irresponsável, vão e ineficaz"; outro texto cita seu gosto por festas, que o impediria de descansar
COREIA DO NORTE
Kim Jong-il
O ditador é descrito em documentos como "velho fraco" que sofreu "traumas físicos e psicológicos" em sua trajetória
LÍBIA
Muammar Gaddafi
Segundo textos, ele raramente viaja sem sua enfermeira ucraniana, descrita como "loira voluptuosa", e não gosta de voar sobre o mar
ARGENTINA
Cristina Kirchner
O Departamento de Estado pediu a sua embaixada informações sobre o seu "estado de saúde mental", se usa remédios e que decisões deixava para o marido, Néstor Kirchner
VENEZUELA
Hugo Chávez
Em conversa com um subsecretário americano, um conselheiro francês classificou o presidente venezuelano como "louco"
ZIMBÁBUE
Robert Mugabe
Documento da embaixada americana em Harare diz que o governo do presidente é atrapalhado por fatores como sua "profunda ignorância sobre economia"
sábado, 27 de novembro de 2010
Lei da Biodiversidade
Folha de São Paulo 27 de novembro de 2010
Governo quer nova lei da biodiversidade
Agricultura e Meio Ambiente dizem ter superado diferenças envolvendo projeto de acesso a recursos genéticos
Legislação deve ficar no lugar de MP de 2001, a qual burocratizou a pesquisa, deixando empresas na ilegalidade
CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA
O país poderá ter, no ano que vem, uma nova regra sobre uso da biodiversidade.
Os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura dizem ter superado diferenças em torno do projeto de lei de acesso a recursos genéticos, parado desde o primeiro governo Lula devido a divergências entre as duas pastas.
A nova lei substituirá uma Medida Provisória editada em 2001 e amplamente criticada por burocratizar a pesquisa acadêmica e comercial.
As regras da MP determinam que todo e qualquer acesso a recursos genéticos (fauna, flora e microrganismos) brasileiros depende de autorização do Cgen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), órgão do Ministério do Meio Ambiente, e precisa repartir benefícios com o detentor do recurso (seja o Estado, sejam comunidades tradicionais ou indígenas).
NINGUÉM LEGAL
Apesar de ter o intuito de coibir a biopirataria, a MP acabou deixando diversas universidades e empresas na ilegalidade, já que as autorizações são demoradas.
"Não conheço quase ninguém que esteja legal. Muitos passaram anos tentando", disse à Folha o farmacologista João Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina, pioneiro no desenvolvimento de drogas a partir da biodiversidade nacional.
A dificuldade cria um gargalo à inovação e ao aproveitamento econômico da biodiversidade brasileira, que ele chama de "um pré-sal". "Não há investidor que bote dinheiro porque não sabe se vai ser multado."
A situação culminou com 107 processos de acesso ilegal sendo enviados pelo Cgen ao Ibama. Resultado: multas milionárias -só a gigante dos cosméticos Natura foi multada em R$ 21 milhões. A ironia do caso é que, segundo o próprio presidente do Cgen, Braulio Dias, os 107 processos foram de instituições que haviam pedido para se regularizar.
A REGRA NÃO É CLARA
"O problema é que não havia regras claras, então os conselheiros não sabiam o que decidir", afirmou Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
Em 2007, o Cgen suspendeu a análise dos pedidos, e neste ano enviou os processos ao Ibama -que decidiu pela multa. A Natura já avisou que vai recorrer.
O episódio levou a ministra Izabella Teixeira a pedir uma reestruturação do Cgen. Dias afirma que o órgão contratará neste ano mais analistas, para agilizar as autorizações. "Os 107 casos vão ser definidos neste ano", diz.
O conselho também credenciará instituições como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Instituto Chico Mendes e algum órgão ligado à agricultura para conceder acesso aos recursos genéticos para fins científicos e comerciais.
Hoje, só o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pode conceder acesso além do Cgen, e só para cientistas.
O principal ponto, porém, é a mudança na lei.
O Ministério da Agricultura sempre foi contra o projeto da área ambiental. Primeiro, por achar que cabia a ele autorizar acesso a espécies de interesse para a agricultura.
Depois, porque a lei tem entre seus objetivos regulamentar no Brasil a Convenção da Biodiversidade da ONU. E a convenção estabelece que todo uso de biodiversidade precisa envolver repartição de benefícios.
O temor da Agricultura era que, como 90% da mesa do brasileiro é composta de espécies de outras partes do mundo, o setor agrícola fosse precisar pagar royalties aos chineses pela soja, por exemplo- e, assim, acabar ficando menos competitivo.
Governo quer nova lei da biodiversidade
Agricultura e Meio Ambiente dizem ter superado diferenças envolvendo projeto de acesso a recursos genéticos
Legislação deve ficar no lugar de MP de 2001, a qual burocratizou a pesquisa, deixando empresas na ilegalidade
CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA
O país poderá ter, no ano que vem, uma nova regra sobre uso da biodiversidade.
Os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura dizem ter superado diferenças em torno do projeto de lei de acesso a recursos genéticos, parado desde o primeiro governo Lula devido a divergências entre as duas pastas.
A nova lei substituirá uma Medida Provisória editada em 2001 e amplamente criticada por burocratizar a pesquisa acadêmica e comercial.
As regras da MP determinam que todo e qualquer acesso a recursos genéticos (fauna, flora e microrganismos) brasileiros depende de autorização do Cgen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), órgão do Ministério do Meio Ambiente, e precisa repartir benefícios com o detentor do recurso (seja o Estado, sejam comunidades tradicionais ou indígenas).
NINGUÉM LEGAL
Apesar de ter o intuito de coibir a biopirataria, a MP acabou deixando diversas universidades e empresas na ilegalidade, já que as autorizações são demoradas.
"Não conheço quase ninguém que esteja legal. Muitos passaram anos tentando", disse à Folha o farmacologista João Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina, pioneiro no desenvolvimento de drogas a partir da biodiversidade nacional.
A dificuldade cria um gargalo à inovação e ao aproveitamento econômico da biodiversidade brasileira, que ele chama de "um pré-sal". "Não há investidor que bote dinheiro porque não sabe se vai ser multado."
A situação culminou com 107 processos de acesso ilegal sendo enviados pelo Cgen ao Ibama. Resultado: multas milionárias -só a gigante dos cosméticos Natura foi multada em R$ 21 milhões. A ironia do caso é que, segundo o próprio presidente do Cgen, Braulio Dias, os 107 processos foram de instituições que haviam pedido para se regularizar.
A REGRA NÃO É CLARA
"O problema é que não havia regras claras, então os conselheiros não sabiam o que decidir", afirmou Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
Em 2007, o Cgen suspendeu a análise dos pedidos, e neste ano enviou os processos ao Ibama -que decidiu pela multa. A Natura já avisou que vai recorrer.
O episódio levou a ministra Izabella Teixeira a pedir uma reestruturação do Cgen. Dias afirma que o órgão contratará neste ano mais analistas, para agilizar as autorizações. "Os 107 casos vão ser definidos neste ano", diz.
O conselho também credenciará instituições como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Instituto Chico Mendes e algum órgão ligado à agricultura para conceder acesso aos recursos genéticos para fins científicos e comerciais.
Hoje, só o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pode conceder acesso além do Cgen, e só para cientistas.
O principal ponto, porém, é a mudança na lei.
O Ministério da Agricultura sempre foi contra o projeto da área ambiental. Primeiro, por achar que cabia a ele autorizar acesso a espécies de interesse para a agricultura.
Depois, porque a lei tem entre seus objetivos regulamentar no Brasil a Convenção da Biodiversidade da ONU. E a convenção estabelece que todo uso de biodiversidade precisa envolver repartição de benefícios.
O temor da Agricultura era que, como 90% da mesa do brasileiro é composta de espécies de outras partes do mundo, o setor agrícola fosse precisar pagar royalties aos chineses pela soja, por exemplo- e, assim, acabar ficando menos competitivo.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Blog do Gargarella
http://seminariogargarella.blogspot.com/ Vejam textos de Riegel e Post, Pzerwoski e Sustein tudo publicado na revista Acá
terça-feira, 23 de novembro de 2010
TPI e o Congo
Tribunal Penal Internacional acusa Jean-Pierre Bemba de crimes contra humanidade na República Centro-Africana
Processo contra ele é o caso mais importante já examinado pela corte, que foi estabelecida em 2002 com sede em Haia
Folha de São Paulo 23 de novembro de 2010
O ex-vice-presidente da República Democrática do Congo Jean-Pierre Bemba, 48, começou ontem a ser julgado no Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes de guerra e contra a humanidade.
É a mais importante figura já julgada pela corte, instituída em 2002 e que ainda tenta estabelecer sua eficácia para evitar atrocidades.
Bemba é acusado de ter deixado suas tropas cometer estupros e assassinatos na República Centro-Africana entre 2002 e 2003.
Ele liderou 1.500 militares em ações no país vizinho a convite do então presidente Ange-Felix Patasse.
O objetivo era ajudar o governante a lutar contra grupos que tentavam derrubá-lo do poder. A ação foi frustrada, pois Patasse foi deposto.
O promotor Luis Moreno-Ocampo disse que Bemba falhou em impedir suas tropas de "pilhar, espalhar o terror e devastar comunidades". Segundo ele, Bemba enfrenta duas acusações de crimes contra a humanidade e três de crimes de guerra.
"As tropas de Bemba roubaram os bens das pessoas mais pobres do país mais pobre do mundo", disse Moreno-Ocampo.
"As mulheres eram estupradas sistematicamente para se afirmar dominância e quebrar a resistência. Homens eram estuprados em público para que sua autoridade e capacidade de liderança fossem destruídas."
DEFESA
O acusado se declarou inocente de todas as acusações, segundo o advogado de defesa Nkwebe Liriss. "Vocês estão vendo pela primeira vez, e esperamos que seja a última, o julgamento mais injusto que a Justiça internacional já viu", disse.
Será a primeira vez em que os juízes do TPI deliberarão sobre o conceito de "responsabilidade criminal individual". A decisão pode criar jurisprudência para milhares de comandantes suspeitos de envolvimento em crimes semelhantes.
Bemba foi preso em 2008 na Bélgica e transferido em seguida para o tribunal em Haia, na Holanda, onde desde então está preso. Ele é o líder político de alto escalão que ficou preso por mais tempo no tribunal.
Seus advogados de defesa questionam o fato de Patasse e Bozize não estar sendo julgados também.
Se for absolvido pelo tribunal, Bemba tem condições de concorrer à Presidência da República Democrática do Congo em 2012
Processo contra ele é o caso mais importante já examinado pela corte, que foi estabelecida em 2002 com sede em Haia
Folha de São Paulo 23 de novembro de 2010
O ex-vice-presidente da República Democrática do Congo Jean-Pierre Bemba, 48, começou ontem a ser julgado no Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes de guerra e contra a humanidade.
É a mais importante figura já julgada pela corte, instituída em 2002 e que ainda tenta estabelecer sua eficácia para evitar atrocidades.
Bemba é acusado de ter deixado suas tropas cometer estupros e assassinatos na República Centro-Africana entre 2002 e 2003.
Ele liderou 1.500 militares em ações no país vizinho a convite do então presidente Ange-Felix Patasse.
O objetivo era ajudar o governante a lutar contra grupos que tentavam derrubá-lo do poder. A ação foi frustrada, pois Patasse foi deposto.
O promotor Luis Moreno-Ocampo disse que Bemba falhou em impedir suas tropas de "pilhar, espalhar o terror e devastar comunidades". Segundo ele, Bemba enfrenta duas acusações de crimes contra a humanidade e três de crimes de guerra.
"As tropas de Bemba roubaram os bens das pessoas mais pobres do país mais pobre do mundo", disse Moreno-Ocampo.
"As mulheres eram estupradas sistematicamente para se afirmar dominância e quebrar a resistência. Homens eram estuprados em público para que sua autoridade e capacidade de liderança fossem destruídas."
DEFESA
O acusado se declarou inocente de todas as acusações, segundo o advogado de defesa Nkwebe Liriss. "Vocês estão vendo pela primeira vez, e esperamos que seja a última, o julgamento mais injusto que a Justiça internacional já viu", disse.
Será a primeira vez em que os juízes do TPI deliberarão sobre o conceito de "responsabilidade criminal individual". A decisão pode criar jurisprudência para milhares de comandantes suspeitos de envolvimento em crimes semelhantes.
Bemba foi preso em 2008 na Bélgica e transferido em seguida para o tribunal em Haia, na Holanda, onde desde então está preso. Ele é o líder político de alto escalão que ficou preso por mais tempo no tribunal.
Seus advogados de defesa questionam o fato de Patasse e Bozize não estar sendo julgados também.
Se for absolvido pelo tribunal, Bemba tem condições de concorrer à Presidência da República Democrática do Congo em 2012
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Anais do II Forum de Grupos de estudos de Direito Constitucional e Teoria do Direito
http://rapidshare.com/files/431815850/RibasAnais_II_Forum_GP.pdf
Leiam e divulguem
Leiam e divulguem
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Audiência das quotas
No site do STF, sairam as "notas taquigraficas" sobre a Audiência Pública a respeito
das Políticas de Ação Afirmativa de Reserva de Vagas no Ensino Superior
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa
das Políticas de Ação Afirmativa de Reserva de Vagas no Ensino Superior
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa
Videos sobre cotas raciais e Estatuto da Igualdade Racial
1ª parte: http://www.youtube.com/watch?v=n9K--0d72LU
2ª parte: http://www.youtube.com/watch?v=UAX3mzHQBG4&feature=related
3ª parte: http://www.youtube.com/watch?v=FS0CJL8NEKw&feature=related
2ª parte: http://www.youtube.com/watch?v=UAX3mzHQBG4&feature=related
3ª parte: http://www.youtube.com/watch?v=FS0CJL8NEKw&feature=related
terça-feira, 16 de novembro de 2010
A crise energética e a nova sociedade
Brasil será líder na área energética, diz Rifkin
16/11/2010
Carla Romero/Valor
Jeremy Rifkin: "As atuais fontes de energia não estão disponíveis em qualquer lugar e a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo"Defensor de causas ambientais e de iniciativas de sustentabilidade empresarial, o economista americano Jeremy Rifkin é um ativista diferente. Professor da Wharton School, tradicional faculdade de administração dos Estados Unidos, sua militância se resume a aconselhar executivos de grandes corporações e chefes de Estado em todo o mundo. Já previu o esgotamento dos empregos por causa do advento de novas tecnologias e profetiza o fim da era do petróleo.
Aos 65 anos, Rifkin se dedica atualmente a ajudar a União Europeia a implantar o que chama de terceira revolução industrial. Trata-se de um plano que prevê a substituição, no longo prazo, do atual modelo energético baseado em combustíveis fósseis por fontes renováveis, com a tecnologia da internet como grande aliada.
O economista aposta que o Brasil será uma das lideranças globais na área energética nos próximos anos e terá papel fundamental na difusão de energia limpa na América do Sul. Segundo Rifkin, a adoção de novos modelos no setor energético é a principal receita da recuperação da economia mundial.
Rifkin estará em São Paulo nesta sexta-feira para participar do Prêmio Eco, iniciativa que premia ações empresariais de sustentabilidade. O evento é promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), com parceria do Valor.
Valor: Baseado em que o sr. diz que o mundo, hoje, passa por uma transição econômica?
Jeremy Rifkin: Nos últimos três anos, dois grandes eventos mostraram que estamos perto do fim da revolução industrial baseada nos combustíveis fósseis. O primeiro, em julho de 2008, veio quando o barril do petróleo atingiu US$ 147. Os preços explodiram e influenciaram a economia global, porque tudo que é produzido hoje no mundo vem dos combustíveis fósseis. Os alimentos triplicaram de preço, uma situação muito perigosa num contexto em que 40% da população mundial vive com renda inferior a US$ 2 por dia. Quando o poder de compra é afetado por causa do petróleo podemos sofrer com a paralisação do motor industrial no mundo inteiro. Esse foi o terremoto econômico, enquanto a crise financeira, que veio 60 dias depois, foi aquele abalo posterior ao primeiro tremor.
Valor: O outro evento, então, foi o colapso dos mercados financeiros?
Rifkin: Não, foi Copenhague. O momento em que a comunidade científica internacional alerta que o mundo acumulou tanto gás carbônico na atmosfera que caminhamos para riscos de mudanças catastróficas no planeta, talvez as maiores que os seres humanos já enfrentaram. O atual modelo de globalização baseado na indústria do carbono está chegando no limite. Já existem previsões de que em poucos anos o mundo já terá usado metade de suas reservas de petróleo, ou seja, vai ficar mais caro. O problema é que a energia continua vindo do carvão e dos combustíveis fósseis, China e Índia crescem com base nesse modelo. Mas se o preço do barril do petróleo chegar a US$ 147 de novo serão momentos de pânico. O mundo precisa de uma nova visão econômica, um plano revolucionário que seja poderoso o suficiente para superar riscos de crise.
Valor: Qual é o plano?
Rifkin: Se olharmos para a história, a convergência entre energia e comunicação gerou grandes impactos econômicos. No século XIX, quando a tecnologia de impressão se tornou mais barata, foi introduzido o sistema de escolas públicas no mundo todo, primeiro passo para a criação de uma força de trabalho letrada em massa, com habilidades para lidar com as complexidade das demandas energéticas da época - o carvão, o vapor. No século XX, o telefone se tornou instrumento de comunicação avançado para gerir e controlar a segunda revolução industrial, que marcou a era do petróleo e a do automóvel. Atualmente as tecnologias baseadas nessas energias estão se tornando velhas rapidamente. O mundo precisa de renovação, por isso estamos no limiar da terceira revolução industrial. A internet aparece como tecnologia de comunicação revolucionária, porque é distributiva e colaborativa, enquanto a impressão, a TV, o rádio eram centralizadas. Isso é uma peça-chave para a tendência dos negócios atualmente.
Valor: Qual a relação entre internet e o fim da era do petróleo?
Rifkin: Minha ideia é que esse modelo colaborativo e distributivo da internet possa ser convergente com novos regimes de distribuição de energias renováveis. Isso torna a ideia de terceira revolução industrial poderosa, porque terá um efeito multiplicador em todo o mundo, num processo que será liderado por Índia, Brasil e União Europeia.
Valor: Já está em andamento?
Rifkin: A União Europeia já se comprometeu com um planejamento bastante ambicioso de infraestrutura na direção da terceira revolução industrial. Eu sou um privilegiado por participar. A grande meta é passar a usar 20% de energia renovável na Europa até 2020. É uma corrida contra o tempo, governos e empresas já estão trabalhando.
Valor: Como funciona essa terceira revolução industrial?
Rifkin: As atuais fontes de energia, como carvão, petróleo e urânio, são de elite, não estão disponíveis em qualquer lugar, demandam investimentos políticos, militares e de capital. Já a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar. Mas o importante é coletar nossa própria energia. Em 25 anos, milhões e milhões de prédios no mundo inteiro poderão ser convertidos em miniusinas, utilizando o sol, o vento, o calor debaixo do solo, para gerar energia limpa em forma de hidrogênio, que será armazenado como uma mídia digital. A forma de distribuição será inteligente e compartilhada como a internet, as redes de transmissão de energia renovável serão integradas.
Valor: Na contramão do que o sr. fala, o Brasil está entrando em uma nova era do petróleo, com as descobertas da camada pré-sal.
Rifkin: O Brasil tem muita sorte em relação aos outros países do mundo e um poderoso papel no campo energético, principalmente na região onde está. Seu potencial energético limpo o transformará numa grande liderança mundial. O pré-sal tem de permitir uma transição limpa, usando as receitas do petróleo para subsidiar a construção da infraestrutura de energia renováveis. O país pode liderar esse processo na América do Sul.
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16/11/2010
Carla Romero/Valor
Jeremy Rifkin: "As atuais fontes de energia não estão disponíveis em qualquer lugar e a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo"Defensor de causas ambientais e de iniciativas de sustentabilidade empresarial, o economista americano Jeremy Rifkin é um ativista diferente. Professor da Wharton School, tradicional faculdade de administração dos Estados Unidos, sua militância se resume a aconselhar executivos de grandes corporações e chefes de Estado em todo o mundo. Já previu o esgotamento dos empregos por causa do advento de novas tecnologias e profetiza o fim da era do petróleo.
Aos 65 anos, Rifkin se dedica atualmente a ajudar a União Europeia a implantar o que chama de terceira revolução industrial. Trata-se de um plano que prevê a substituição, no longo prazo, do atual modelo energético baseado em combustíveis fósseis por fontes renováveis, com a tecnologia da internet como grande aliada.
O economista aposta que o Brasil será uma das lideranças globais na área energética nos próximos anos e terá papel fundamental na difusão de energia limpa na América do Sul. Segundo Rifkin, a adoção de novos modelos no setor energético é a principal receita da recuperação da economia mundial.
Rifkin estará em São Paulo nesta sexta-feira para participar do Prêmio Eco, iniciativa que premia ações empresariais de sustentabilidade. O evento é promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), com parceria do Valor.
Valor: Baseado em que o sr. diz que o mundo, hoje, passa por uma transição econômica?
Jeremy Rifkin: Nos últimos três anos, dois grandes eventos mostraram que estamos perto do fim da revolução industrial baseada nos combustíveis fósseis. O primeiro, em julho de 2008, veio quando o barril do petróleo atingiu US$ 147. Os preços explodiram e influenciaram a economia global, porque tudo que é produzido hoje no mundo vem dos combustíveis fósseis. Os alimentos triplicaram de preço, uma situação muito perigosa num contexto em que 40% da população mundial vive com renda inferior a US$ 2 por dia. Quando o poder de compra é afetado por causa do petróleo podemos sofrer com a paralisação do motor industrial no mundo inteiro. Esse foi o terremoto econômico, enquanto a crise financeira, que veio 60 dias depois, foi aquele abalo posterior ao primeiro tremor.
Valor: O outro evento, então, foi o colapso dos mercados financeiros?
Rifkin: Não, foi Copenhague. O momento em que a comunidade científica internacional alerta que o mundo acumulou tanto gás carbônico na atmosfera que caminhamos para riscos de mudanças catastróficas no planeta, talvez as maiores que os seres humanos já enfrentaram. O atual modelo de globalização baseado na indústria do carbono está chegando no limite. Já existem previsões de que em poucos anos o mundo já terá usado metade de suas reservas de petróleo, ou seja, vai ficar mais caro. O problema é que a energia continua vindo do carvão e dos combustíveis fósseis, China e Índia crescem com base nesse modelo. Mas se o preço do barril do petróleo chegar a US$ 147 de novo serão momentos de pânico. O mundo precisa de uma nova visão econômica, um plano revolucionário que seja poderoso o suficiente para superar riscos de crise.
Valor: Qual é o plano?
Rifkin: Se olharmos para a história, a convergência entre energia e comunicação gerou grandes impactos econômicos. No século XIX, quando a tecnologia de impressão se tornou mais barata, foi introduzido o sistema de escolas públicas no mundo todo, primeiro passo para a criação de uma força de trabalho letrada em massa, com habilidades para lidar com as complexidade das demandas energéticas da época - o carvão, o vapor. No século XX, o telefone se tornou instrumento de comunicação avançado para gerir e controlar a segunda revolução industrial, que marcou a era do petróleo e a do automóvel. Atualmente as tecnologias baseadas nessas energias estão se tornando velhas rapidamente. O mundo precisa de renovação, por isso estamos no limiar da terceira revolução industrial. A internet aparece como tecnologia de comunicação revolucionária, porque é distributiva e colaborativa, enquanto a impressão, a TV, o rádio eram centralizadas. Isso é uma peça-chave para a tendência dos negócios atualmente.
Valor: Qual a relação entre internet e o fim da era do petróleo?
Rifkin: Minha ideia é que esse modelo colaborativo e distributivo da internet possa ser convergente com novos regimes de distribuição de energias renováveis. Isso torna a ideia de terceira revolução industrial poderosa, porque terá um efeito multiplicador em todo o mundo, num processo que será liderado por Índia, Brasil e União Europeia.
Valor: Já está em andamento?
Rifkin: A União Europeia já se comprometeu com um planejamento bastante ambicioso de infraestrutura na direção da terceira revolução industrial. Eu sou um privilegiado por participar. A grande meta é passar a usar 20% de energia renovável na Europa até 2020. É uma corrida contra o tempo, governos e empresas já estão trabalhando.
Valor: Como funciona essa terceira revolução industrial?
Rifkin: As atuais fontes de energia, como carvão, petróleo e urânio, são de elite, não estão disponíveis em qualquer lugar, demandam investimentos políticos, militares e de capital. Já a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar. Mas o importante é coletar nossa própria energia. Em 25 anos, milhões e milhões de prédios no mundo inteiro poderão ser convertidos em miniusinas, utilizando o sol, o vento, o calor debaixo do solo, para gerar energia limpa em forma de hidrogênio, que será armazenado como uma mídia digital. A forma de distribuição será inteligente e compartilhada como a internet, as redes de transmissão de energia renovável serão integradas.
Valor: Na contramão do que o sr. fala, o Brasil está entrando em uma nova era do petróleo, com as descobertas da camada pré-sal.
Rifkin: O Brasil tem muita sorte em relação aos outros países do mundo e um poderoso papel no campo energético, principalmente na região onde está. Seu potencial energético limpo o transformará numa grande liderança mundial. O pré-sal tem de permitir uma transição limpa, usando as receitas do petróleo para subsidiar a construção da infraestrutura de energia renováveis. O país pode liderar esse processo na América do Sul.
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A escravatura no Brasil
Folha de São Paulo 16 de novembro de 2010
São Paulo, terça-feira, 16 de novembro de 2010
Pesquisa mostra vingança de escravo no Brasil Império
Pequenos proprietários, sem capatazes, eram vítimas fáceis de ataques; brigas incluíam até luta em bananal
Senhores mais ricos, "de novela", ficavam distantes dos cativos; número total de donos mortos é desconhecido
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Os senhores do Brasil escravocrata eram tão confiantes na submissão dos seus escravos que, com frequência, acabam assassinados por falta de tato ao lidar com eles.
A conclusão é da historiadora Maíra Chinelatto Alves, cujo mestrado recém-completado na USP é sobre isso.
Ela conta, por exemplo, o caso do velho Pedro Antônio Oliveira, mais de 80 anos, de Campinas. Em 1845, irritado, teve a genial ideia de ir sozinho atrás de um dos seus 15 escravos, João de Nação, negro forte com menos de 30 anos, para castigá-lo.
Em uma cena digna de filme B de ação rodado no Terceiro Mundo, o velho e o negro se encontraram no meio de um bananal. Oliveira deu uma paulada na cabeça de João, que reagiu com uma foice, matando o seu dono.
Em sua defesa, João disse que tinha tomado "algumas pingas" e que "ainda andava meio quente delas".
Com frequência, diz Chinelatto, os donos achavam que seus escravos faziam corpo mole e desciam o sarrafo para acabar com isso.
Os mais ricos tinham intermediários, como capatazes, responsáveis por lidar com os escravos. O senhor, então, conseguia ficar mais distante. "Mantinha até uma imagem paternalista de senhor justo, a quem os cativos podiam recorrer", diz Chinelatto, que estudou processos criminais da época.
SEM INTERMEDIÁRIOS
Mas proprietários mais pobres, como Oliveira, não tinham como manter intermediários. "Não existia só aquele senhor que a gente vê em novela, com vários capatazes. Todo mundo tinha escravos, mesmo que poucos." Senhores mais pobres tinham de se misturar aos escravos.
Outro deles era João Lopes de Camargo, também de Campinas. Num dia de 1847, foi até a roça e achou o serviço mal feito. Por isso, chicoteou o escravo Matheus.
Ele reagiu, derrubando Camargo, que caiu de bruços. Mateus batia com um pedaço de pau, enquanto seu colega Venâncio atacava de enxada.
Enquanto apanhava, segundo o depoimento de uma escrava, Camargo pedia a Matheus "que pelo amor de Deus não lhe matasse", prometendo-lhe a liberdade.
Matheus: "Quando você está surrando minha mulher, não se lembra de carta de liberdade. Por isso hei de matar você, mulher e filhos".
Conseguiu matá-lo e correr para matar sua mulher, mas foi impedido por vizinhos que foram ver o que acontecia -o que mostra que a fazenda de Camargo, de fato, não era tão grande.
Um terceiro proprietário, Antônio Pinto da Silva, foi morto em 1849 depois de esbofetear um escravo que, "de modo arrogante", disse que não podia comer angu pois "isso lhe faria mal à barriga".
A punição para os escravos assassinos mudou com o tempo. No começo do século 19, a regra era a pena de morte. Com o final da escravidão se aproximando, as penas foram ficando mais brandas.
Era um sinal de que mesmo a Justiça começava a achar aceitável certa revolta contra a escravidão. Além disso, há um motivo menos ideológico: com o fim do tráfico, escravos ficaram caros, e não se mata algo valioso.
É difícil saber exatamente quantos casos aconteceram: processos podem ter se perdido, e a própria Justiça ainda estava se consolidando.
São Paulo, terça-feira, 16 de novembro de 2010
Pesquisa mostra vingança de escravo no Brasil Império
Pequenos proprietários, sem capatazes, eram vítimas fáceis de ataques; brigas incluíam até luta em bananal
Senhores mais ricos, "de novela", ficavam distantes dos cativos; número total de donos mortos é desconhecido
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Os senhores do Brasil escravocrata eram tão confiantes na submissão dos seus escravos que, com frequência, acabam assassinados por falta de tato ao lidar com eles.
A conclusão é da historiadora Maíra Chinelatto Alves, cujo mestrado recém-completado na USP é sobre isso.
Ela conta, por exemplo, o caso do velho Pedro Antônio Oliveira, mais de 80 anos, de Campinas. Em 1845, irritado, teve a genial ideia de ir sozinho atrás de um dos seus 15 escravos, João de Nação, negro forte com menos de 30 anos, para castigá-lo.
Em uma cena digna de filme B de ação rodado no Terceiro Mundo, o velho e o negro se encontraram no meio de um bananal. Oliveira deu uma paulada na cabeça de João, que reagiu com uma foice, matando o seu dono.
Em sua defesa, João disse que tinha tomado "algumas pingas" e que "ainda andava meio quente delas".
Com frequência, diz Chinelatto, os donos achavam que seus escravos faziam corpo mole e desciam o sarrafo para acabar com isso.
Os mais ricos tinham intermediários, como capatazes, responsáveis por lidar com os escravos. O senhor, então, conseguia ficar mais distante. "Mantinha até uma imagem paternalista de senhor justo, a quem os cativos podiam recorrer", diz Chinelatto, que estudou processos criminais da época.
SEM INTERMEDIÁRIOS
Mas proprietários mais pobres, como Oliveira, não tinham como manter intermediários. "Não existia só aquele senhor que a gente vê em novela, com vários capatazes. Todo mundo tinha escravos, mesmo que poucos." Senhores mais pobres tinham de se misturar aos escravos.
Outro deles era João Lopes de Camargo, também de Campinas. Num dia de 1847, foi até a roça e achou o serviço mal feito. Por isso, chicoteou o escravo Matheus.
Ele reagiu, derrubando Camargo, que caiu de bruços. Mateus batia com um pedaço de pau, enquanto seu colega Venâncio atacava de enxada.
Enquanto apanhava, segundo o depoimento de uma escrava, Camargo pedia a Matheus "que pelo amor de Deus não lhe matasse", prometendo-lhe a liberdade.
Matheus: "Quando você está surrando minha mulher, não se lembra de carta de liberdade. Por isso hei de matar você, mulher e filhos".
Conseguiu matá-lo e correr para matar sua mulher, mas foi impedido por vizinhos que foram ver o que acontecia -o que mostra que a fazenda de Camargo, de fato, não era tão grande.
Um terceiro proprietário, Antônio Pinto da Silva, foi morto em 1849 depois de esbofetear um escravo que, "de modo arrogante", disse que não podia comer angu pois "isso lhe faria mal à barriga".
A punição para os escravos assassinos mudou com o tempo. No começo do século 19, a regra era a pena de morte. Com o final da escravidão se aproximando, as penas foram ficando mais brandas.
Era um sinal de que mesmo a Justiça começava a achar aceitável certa revolta contra a escravidão. Além disso, há um motivo menos ideológico: com o fim do tráfico, escravos ficaram caros, e não se mata algo valioso.
É difícil saber exatamente quantos casos aconteceram: processos podem ter se perdido, e a própria Justiça ainda estava se consolidando.
sábado, 6 de novembro de 2010
Sistema eleitoral americano
Folha de S. Paulo 6 de novembro de 2010
Após êxito, oposição manobra para se encastelar no poder
Governadores, a maioria republicanos, controlarão redivisão de distritos para próxima eleição congressual
Processo ocorre a cada dez anos e é marcado por divisão geográfica "criativa'; reflexo se dará na eleição de 2012
J. Scott Applewhite/Associated Press
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
A conquista republicana de governos estaduais nos EUA na última terça-feira adicionou mais um problema à lista do presidente Barack Obama, desta vez com impacto direto na próxima eleição, em 2012.
A oposição terá nas mãos o redesenho dos distritos eleitorais pós-Censo 2010, em uma chance única de se perpetuar no poder. Cada distrito elege um deputado.
O redesenho é oficialmente feito em resposta a mudanças populacionais medidas pelo censo, o que ocorre uma vez por década.
O número de deputados de cada Estado é determinado de acordo com o tamanho da população.
As mudanças em geral são feitas pelas Assembleias locais e pelos governadores (em apenas 8 dos 50 Estados o Executivo não participa).
E é um fenômeno político comum o partido local majoritário usar as fronteiras de forma a garantir mais votos para si em cada área.
A manobra é feita riscando o mapa de forma a incluir ou excluir eleitores de determinado partido ou faixa demográfica com a intenção de aumentar as chances do grupo no poder.
Há inclusive um termo para isso -"gerrymandering", referência a Elbridge Gerry, governador de Massachusetts no século 19 que primeiro adotou a prática.
"O desenho dos distritos essencialmente permite que legisladores escolham seus eleitores antes mesmo de disputar a eleição", disse Dick Dadey, diretor executivo da ONG Citizens United.
Republicanos comandarão a partir de janeiro pelo menos 29 governos estaduais. O grupo bipartidário Election Data Services estima que cerca de 19 Estados verão mudança em sua representatividade depois do censo.
Em Michigan, Ohio e Pensilvânia, que devem perder vagas, haverá republicanos no poder para decidir quais distritos serão eliminados.
No Texas e na Flórida, que devem ganhar vagas, escolherão onde criar fronteiras.
Alguns analistas estimam que o redesenho dos distritos, que será feito em 2011, poderá oferecer aos republicanos um ganho de mais 30 vagas na Câmara.
DIVISÃO PARTIDÁRIA
O Partido Republicano também teve ganhos históricos em assembleias locais.
Estima-se que ao final da apuração terão controle sobre o maior número de Legislativos estaduais desde 1928.
Para Tim Storey, da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais, republicanos terão poder para redesenhar sozinhos 190 distritos, contra 70 de democratas.
O resto será planejado por governos com câmaras dividas ou comissões externas. O resultado, para Mattew Frankel, do instituto Brookings, é que aumentará também a divisão entre os partidos.
Quanto mais conseguem tornar um distrito favorável a um partido, menos os candidatos precisam se preocupar em agradar eleitores opositores e independentes.
"Sem temores de uma luta eleitoral dura, há menos incentivo para membros do Congresso para moderar suas posições", afirmou Franke
Após êxito, oposição manobra para se encastelar no poder
Governadores, a maioria republicanos, controlarão redivisão de distritos para próxima eleição congressual
Processo ocorre a cada dez anos e é marcado por divisão geográfica "criativa'; reflexo se dará na eleição de 2012
J. Scott Applewhite/Associated Press
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
A conquista republicana de governos estaduais nos EUA na última terça-feira adicionou mais um problema à lista do presidente Barack Obama, desta vez com impacto direto na próxima eleição, em 2012.
A oposição terá nas mãos o redesenho dos distritos eleitorais pós-Censo 2010, em uma chance única de se perpetuar no poder. Cada distrito elege um deputado.
O redesenho é oficialmente feito em resposta a mudanças populacionais medidas pelo censo, o que ocorre uma vez por década.
O número de deputados de cada Estado é determinado de acordo com o tamanho da população.
As mudanças em geral são feitas pelas Assembleias locais e pelos governadores (em apenas 8 dos 50 Estados o Executivo não participa).
E é um fenômeno político comum o partido local majoritário usar as fronteiras de forma a garantir mais votos para si em cada área.
A manobra é feita riscando o mapa de forma a incluir ou excluir eleitores de determinado partido ou faixa demográfica com a intenção de aumentar as chances do grupo no poder.
Há inclusive um termo para isso -"gerrymandering", referência a Elbridge Gerry, governador de Massachusetts no século 19 que primeiro adotou a prática.
"O desenho dos distritos essencialmente permite que legisladores escolham seus eleitores antes mesmo de disputar a eleição", disse Dick Dadey, diretor executivo da ONG Citizens United.
Republicanos comandarão a partir de janeiro pelo menos 29 governos estaduais. O grupo bipartidário Election Data Services estima que cerca de 19 Estados verão mudança em sua representatividade depois do censo.
Em Michigan, Ohio e Pensilvânia, que devem perder vagas, haverá republicanos no poder para decidir quais distritos serão eliminados.
No Texas e na Flórida, que devem ganhar vagas, escolherão onde criar fronteiras.
Alguns analistas estimam que o redesenho dos distritos, que será feito em 2011, poderá oferecer aos republicanos um ganho de mais 30 vagas na Câmara.
DIVISÃO PARTIDÁRIA
O Partido Republicano também teve ganhos históricos em assembleias locais.
Estima-se que ao final da apuração terão controle sobre o maior número de Legislativos estaduais desde 1928.
Para Tim Storey, da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais, republicanos terão poder para redesenhar sozinhos 190 distritos, contra 70 de democratas.
O resto será planejado por governos com câmaras dividas ou comissões externas. O resultado, para Mattew Frankel, do instituto Brookings, é que aumentará também a divisão entre os partidos.
Quanto mais conseguem tornar um distrito favorável a um partido, menos os candidatos precisam se preocupar em agradar eleitores opositores e independentes.
"Sem temores de uma luta eleitoral dura, há menos incentivo para membros do Congresso para moderar suas posições", afirmou Franke
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Argentina e Kirchner
Argentina en clave literaria EL Pais de 2 de novembro de 2010
Por:
Winston Manrique Sabogal
02/11/2010
El ADN de los países y los pueblos está escrito en su literatura. Y en Facundo, Boquitas pintadas, Los pichiciegos y Santa Evita están escritos buena parte de los de Argentina. De lo que podría ser su sino y destino. Almenos estos son algunos de los libros que se han citado estos días para tratar de entender a la Argentina y su historia y su idiosincrasia. El detonante de estas reflexiones ha sido la muerte del ex presidente argentino Néstor Kirchner, el pasado 27 de octubre, y toda la bulla que ha surgido a su alrededor. Ahora, varios escritores, editores y periodistas argentinos y un crítico literario español nos recomiendan algunos títulos clave para aproximarnos a la historia argentina; a un pasado recogido en novelas y cuentos y que nos sirven para entender aquel presente, y quizá vislumbrar su horizonte.
Una vez más la literatura nos da la clave de la realidad. En esta ocasión a través de las rcomendaciones de Pablo de Santis, Jorge Lanata, Martín Caparrós, Andrés Neuman, Juan González del Solar y Ernesto Ayala-Dip.
Una de las primeras personas en echar un vistazo a la literatura para tratar de entender y explicar la realidad argentina fue el periodista Fernando Gualdoni, subjefe de la sección Internacional de EL PAÍS, en su artículo titulado Madera de caudillo: "Para sus críticos, el ex mandatario representó la tradición autoritaria descrita por Domingo Faustino Sarmiento en su célebre libro Facundo, que describe la vida de Juan Facundo Quiroga, gobernador y caudillo de la provincia de La Rioja durante las guerras civiles argentinas, a mediados del siglo XIX. El caudillo es producto de la intensidad de la llanura argentina y de la fuerza bruta y la autoridad sin límites que allí predominan. Como el grueso de los peronistas de izquierda, Néstor Kirchner militaba y su viuda, Cristian Fernñandez de Kirchner, aún lo hace en la corriente historiográfica que postula al caudillo -en este caso encarnado en la figura de Juan Manuel de Rosas, el principal dirigente de la denominada Confederación Argentina (1835-1852)- como el héroe nacional opuesto a los intereses oligárquicos. Esta visión de la historia sostiene que América Latina entró en decadencia cuando se abrió al mercado internacional y adoptó los estándares económicos reconocidos en el mundo desarrollado. Al mismo tiempo, condena a muchos intelectuales por 'vendepatrias', es decir, por ser favorables a los intereses extranjeros frente a los nacionales. El revisionismo estuvo muy presente en el discurso de la presidencia de Kirchner durante los festejos de los bicentenarios de las independencias argentina y venezolana durante este año".
Siguiendo con periodistas argentinos, Jorge Lanata nos ofrece esta reflexión: "Como sucede siempre, las mejores radiografías sobre Argentina fueron escritas por extranjeros: Ortega y Gasset y Witold Gombrowicz. A Ortega le bastaron un par de viajes de algunos meses para entender el 'alma argentina', observación de campo más intuición pura, excelente prosa y golpes certeros: el argentino vive por delante de sí mismo. El otro, Gombrowicz, decidió ser el escritor polaco más importante del siglo XX pero vivió en Tandil: `Diario argentino', entre otros, se llamó su bitácora de aquel viaje interior en el interior de este país. Agregaría a la lista un tercero, nacido sanjuanino y vuelto extranjero, lúcido y cabeza dura, adelantado: Domingo Faustino Sarmiento, al decir de Unamuno,"el mejor escritor español del siglo XIX".
El periodista y escritor Martín Caparrós nos acerca a la idiosincrasia de su país a través de cinco libros de todos los tiempos: "Como no tenemos un origen claro, los argentinos somos rehenes del mito del origen. Por eso recomiendo primero el Viaje al Río de la Plata (1567) de Ulrico Schmidl, el primer relato que se escribió sobre estas tierras. Schmidl, un lansquenete alemán, llegó con el fundador Pedro de Mendoza en 1936 y, como todo inmigrante, se las prometía muy felices. La empresa terminó en un desastre que incluyó, por supuesto, crímenes, condenas y un hermano que se comió la nalga de su hermano.
Para seguir habría que pasar –¿cómo esquivarlo?– por el Facundo (1845) de Domingo Faustino Sarmiento. Pero yo le daría una chance a la Excursión a los Indios Ranqueles (1870) de Lucio V. Mansilla. Allí, la civilización –uno de los hombres más ricos de su tiempo– va a visitar la barbarie –los aborígenes de la última frontera– y se confunde. Es la confusión que, de algún modo, somos.
Después, para ver los primeros efectos de esa mezcla multitudinaria que convirtió a la Argentina en la Argentina, habría que leer los Aguafuertes Porteños (1933) de Roberto Arlt. La chantada, la esperanza, la desesperación y otros rasgos del supuesto caracter argentino están ahí, de una vez y para –casi– siempre.
Y, por fin, el que busca una introducción más contemporánea a lo que ha pasado en estos días debería leer los artículos que el gran cronista de la necrofilia patria, Tomás Eloy Martínez, dedica al tema en El sueño argentino (1999)".
Entre los escritores argentinos, Pablo de Santis recomienda tres libros, para ver ese arco biográfico de la Argentina: Facundo. Domingo Faustino Sarmiento. Mezcla de tratado sociológico, panfleto político y biografía de un enemigo, el Facundo es un libro intenso, radical, que plantea la realidad argentina en términos de civilización y barbarie. Esas palabras son un hechizo que, para bien o para mal, seguimos repitiendo. Sarmiento defiende la civilización pero a la vez se deja seducir por lo que el llama la barbarie. La obra de un genio, vehemente cuando está convencido, pero más vehemente cuando duda.
Borges. Adolfo Bioy Casares. Bioy registró minuciosamente los diálogos de medio siglo de amistad con Borges, y el resultado, este libro monumental y secreto, se convirtió en algo esencial de la obra de Bioy y en el documento más entretenido y malvado sobre la vida literaria argentina. En nuestra literatura no abundaron los diarios (lo más autobiográfico que tenemos es la literatura fantástica) pero estas mil y pico de páginas llenan ese vacío.
Radiografía de la pampa de Ezequiel Martinez Estrada. Horrible título (qué libro resiste en su portada la palabra "radiografía") para un libro asombroso. Capítulos breves, contundentes, líricos, para la obra central de un pensador que todo lo exageraba y cuya verdadera obsesión es la soledad a la que nos condenan nuestras grandes llanuras. Martinez Estrada llevó el ensayo a una forma límite de originalidad, como hicieron en la literatura europea Gottfried Benn y Elias Canetti".
Por su parte, Andrés Neuman se queda con dos obras contemporáneas que condensan origen y presente: Boquitas pintadas, de Manuel Puig. Sin narrar acontecimientos históricos, esta extraordinaria novela resume con bastante precisión la bipolaridad de la cultura argentina: por un lado, la tendencia al melodrama, al mito popular, a la sentimentalidad arrabalera; por otro lado, la tentación vanguardista, la influencia foránea, la experimentación esnob o genial o las dos cosas. Dicho de otra manera, su costado peronista y su costado francés. Ambos polos, siempre en tensión, explican a Manuel Puig y también a su país natal, que no siempre lo quiso tanto como él se merecía.
Los pichiciegos, de Fogwill. Después de esta novela (y de Las islas, de Carlos Gamerro), será difícil que otro libro metaforice mejor el cruento absurdo de la guerra de las Malvinas. Cuando al fin la leí, me sorprendió encontrarme con una magistral novela realista, cercana a todo eso contra lo que, más tarde, su autor se declararía. Los diálogos suenan fidelísimos, un poco vargallosianos. La narración es de un costumbrismo oscuro y sólo ocasionalmente alucinado, como en la impresionante escena donde los pichis (jóvenes desertores del ejército argentino, que tratan de salvar la vida que su patria les exigió regalar) celebran los bombardeos ingleses como una atracción de circo. Lo demás, como las descripciones del frío, el dolor o el miedo, es de una compasión y una sobriedad apabullantes. Los pichiciegos es acaso la mejor novela de guerra (o en guerra) escrita en español. Como leemos al final de la primera parte, «esas cosas, de la cabeza, en una vida, no se borran así nomás». Un escritor así, tampoco.
Uno de los editores de Lengua de Trapo, Juan González del Solar, afirma que "Si bien a todos los escritores argentinos se los mastica la patria y no se me ocurre quién le escapa -y sí se me ocurre en otras literaturas-, voy a elegir dos títulos: Facundo, de Domingo Faustino Sarmiento: cuenta la dialéctica macabra de nuestro país, la devastación perpetua del argentino a manos del argentino. Y Boquitas pintadas, de Manuel Puig: describe todos nuestros lugares comunes: entre tantos, somos cursis, sensibleros, egoístas, patéticos y adorables. Y la realidad nos importa poco".
El crítico de Babelia, J. Ernesto Ayal-Dip, que vivió muchos años en Argentina, nos ofrece la siguiente lectura: "Algunos países suelen encontrar en su literatura, novela o poesía, algunas claves de su idiosincrasia. Suelen ser un enigma histórico o sociológico para sus propios ciudadanos. Argentina es uno de ellos. Por ello no son pocos los textos, que en esta materia, son casi canónicos. Yo citaría tres: Facundo, de Domingo Sarmiento; Sobre héroes y tumbas, de Ernesto Sábato; y Buenos Aires: Psicopatología de la vida cotidiana, de Juan José Sebreli.
Facundo es un libro híbrido, casi inclasificable, fue y sigue siendo un patrón de búsqueda de una identidad nacional, además de patrón estilístico. La Argentina es su máxima heroína. Sobre héroes y tumbas es una novela total. El encuentro mágico y terrible entre Martín del Castillo y Alejandra Vidal Olmos es una alegoría de la Argentina, de su historia insondable y torturada. Alguna vez dijo el mismo autor que Alejandra era la Argentina. Y Buenos Aires: Psicopatología de la vida cotidiana es uno de los grandes hitos de la bibliografía sociológica argentina en busca de una explicación del ser argentino. De su brumoso pasado y presente.
Ortega y Gasset dijo de los argentinos que son gente inteligente pero faltos de sentido común. Una frasecita que da bastante que pensar, si somos capaces de superar su empeño de boutade".
Y sí, una vez más, la buena literatura nos sirve de faro sobre el pasado y el futuro; y estos libros recomendaso por expertos argentinos guardan algunas de las claves para entender ese país. No son los únicos, seguro que hay algunos más que ustedes conocen y pueden recomendarnos.
Por:
Winston Manrique Sabogal
02/11/2010
El ADN de los países y los pueblos está escrito en su literatura. Y en Facundo, Boquitas pintadas, Los pichiciegos y Santa Evita están escritos buena parte de los de Argentina. De lo que podría ser su sino y destino. Almenos estos son algunos de los libros que se han citado estos días para tratar de entender a la Argentina y su historia y su idiosincrasia. El detonante de estas reflexiones ha sido la muerte del ex presidente argentino Néstor Kirchner, el pasado 27 de octubre, y toda la bulla que ha surgido a su alrededor. Ahora, varios escritores, editores y periodistas argentinos y un crítico literario español nos recomiendan algunos títulos clave para aproximarnos a la historia argentina; a un pasado recogido en novelas y cuentos y que nos sirven para entender aquel presente, y quizá vislumbrar su horizonte.
Una vez más la literatura nos da la clave de la realidad. En esta ocasión a través de las rcomendaciones de Pablo de Santis, Jorge Lanata, Martín Caparrós, Andrés Neuman, Juan González del Solar y Ernesto Ayala-Dip.
Una de las primeras personas en echar un vistazo a la literatura para tratar de entender y explicar la realidad argentina fue el periodista Fernando Gualdoni, subjefe de la sección Internacional de EL PAÍS, en su artículo titulado Madera de caudillo: "Para sus críticos, el ex mandatario representó la tradición autoritaria descrita por Domingo Faustino Sarmiento en su célebre libro Facundo, que describe la vida de Juan Facundo Quiroga, gobernador y caudillo de la provincia de La Rioja durante las guerras civiles argentinas, a mediados del siglo XIX. El caudillo es producto de la intensidad de la llanura argentina y de la fuerza bruta y la autoridad sin límites que allí predominan. Como el grueso de los peronistas de izquierda, Néstor Kirchner militaba y su viuda, Cristian Fernñandez de Kirchner, aún lo hace en la corriente historiográfica que postula al caudillo -en este caso encarnado en la figura de Juan Manuel de Rosas, el principal dirigente de la denominada Confederación Argentina (1835-1852)- como el héroe nacional opuesto a los intereses oligárquicos. Esta visión de la historia sostiene que América Latina entró en decadencia cuando se abrió al mercado internacional y adoptó los estándares económicos reconocidos en el mundo desarrollado. Al mismo tiempo, condena a muchos intelectuales por 'vendepatrias', es decir, por ser favorables a los intereses extranjeros frente a los nacionales. El revisionismo estuvo muy presente en el discurso de la presidencia de Kirchner durante los festejos de los bicentenarios de las independencias argentina y venezolana durante este año".
Siguiendo con periodistas argentinos, Jorge Lanata nos ofrece esta reflexión: "Como sucede siempre, las mejores radiografías sobre Argentina fueron escritas por extranjeros: Ortega y Gasset y Witold Gombrowicz. A Ortega le bastaron un par de viajes de algunos meses para entender el 'alma argentina', observación de campo más intuición pura, excelente prosa y golpes certeros: el argentino vive por delante de sí mismo. El otro, Gombrowicz, decidió ser el escritor polaco más importante del siglo XX pero vivió en Tandil: `Diario argentino', entre otros, se llamó su bitácora de aquel viaje interior en el interior de este país. Agregaría a la lista un tercero, nacido sanjuanino y vuelto extranjero, lúcido y cabeza dura, adelantado: Domingo Faustino Sarmiento, al decir de Unamuno,"el mejor escritor español del siglo XIX".
El periodista y escritor Martín Caparrós nos acerca a la idiosincrasia de su país a través de cinco libros de todos los tiempos: "Como no tenemos un origen claro, los argentinos somos rehenes del mito del origen. Por eso recomiendo primero el Viaje al Río de la Plata (1567) de Ulrico Schmidl, el primer relato que se escribió sobre estas tierras. Schmidl, un lansquenete alemán, llegó con el fundador Pedro de Mendoza en 1936 y, como todo inmigrante, se las prometía muy felices. La empresa terminó en un desastre que incluyó, por supuesto, crímenes, condenas y un hermano que se comió la nalga de su hermano.
Para seguir habría que pasar –¿cómo esquivarlo?– por el Facundo (1845) de Domingo Faustino Sarmiento. Pero yo le daría una chance a la Excursión a los Indios Ranqueles (1870) de Lucio V. Mansilla. Allí, la civilización –uno de los hombres más ricos de su tiempo– va a visitar la barbarie –los aborígenes de la última frontera– y se confunde. Es la confusión que, de algún modo, somos.
Después, para ver los primeros efectos de esa mezcla multitudinaria que convirtió a la Argentina en la Argentina, habría que leer los Aguafuertes Porteños (1933) de Roberto Arlt. La chantada, la esperanza, la desesperación y otros rasgos del supuesto caracter argentino están ahí, de una vez y para –casi– siempre.
Y, por fin, el que busca una introducción más contemporánea a lo que ha pasado en estos días debería leer los artículos que el gran cronista de la necrofilia patria, Tomás Eloy Martínez, dedica al tema en El sueño argentino (1999)".
Entre los escritores argentinos, Pablo de Santis recomienda tres libros, para ver ese arco biográfico de la Argentina: Facundo. Domingo Faustino Sarmiento. Mezcla de tratado sociológico, panfleto político y biografía de un enemigo, el Facundo es un libro intenso, radical, que plantea la realidad argentina en términos de civilización y barbarie. Esas palabras son un hechizo que, para bien o para mal, seguimos repitiendo. Sarmiento defiende la civilización pero a la vez se deja seducir por lo que el llama la barbarie. La obra de un genio, vehemente cuando está convencido, pero más vehemente cuando duda.
Borges. Adolfo Bioy Casares. Bioy registró minuciosamente los diálogos de medio siglo de amistad con Borges, y el resultado, este libro monumental y secreto, se convirtió en algo esencial de la obra de Bioy y en el documento más entretenido y malvado sobre la vida literaria argentina. En nuestra literatura no abundaron los diarios (lo más autobiográfico que tenemos es la literatura fantástica) pero estas mil y pico de páginas llenan ese vacío.
Radiografía de la pampa de Ezequiel Martinez Estrada. Horrible título (qué libro resiste en su portada la palabra "radiografía") para un libro asombroso. Capítulos breves, contundentes, líricos, para la obra central de un pensador que todo lo exageraba y cuya verdadera obsesión es la soledad a la que nos condenan nuestras grandes llanuras. Martinez Estrada llevó el ensayo a una forma límite de originalidad, como hicieron en la literatura europea Gottfried Benn y Elias Canetti".
Por su parte, Andrés Neuman se queda con dos obras contemporáneas que condensan origen y presente: Boquitas pintadas, de Manuel Puig. Sin narrar acontecimientos históricos, esta extraordinaria novela resume con bastante precisión la bipolaridad de la cultura argentina: por un lado, la tendencia al melodrama, al mito popular, a la sentimentalidad arrabalera; por otro lado, la tentación vanguardista, la influencia foránea, la experimentación esnob o genial o las dos cosas. Dicho de otra manera, su costado peronista y su costado francés. Ambos polos, siempre en tensión, explican a Manuel Puig y también a su país natal, que no siempre lo quiso tanto como él se merecía.
Los pichiciegos, de Fogwill. Después de esta novela (y de Las islas, de Carlos Gamerro), será difícil que otro libro metaforice mejor el cruento absurdo de la guerra de las Malvinas. Cuando al fin la leí, me sorprendió encontrarme con una magistral novela realista, cercana a todo eso contra lo que, más tarde, su autor se declararía. Los diálogos suenan fidelísimos, un poco vargallosianos. La narración es de un costumbrismo oscuro y sólo ocasionalmente alucinado, como en la impresionante escena donde los pichis (jóvenes desertores del ejército argentino, que tratan de salvar la vida que su patria les exigió regalar) celebran los bombardeos ingleses como una atracción de circo. Lo demás, como las descripciones del frío, el dolor o el miedo, es de una compasión y una sobriedad apabullantes. Los pichiciegos es acaso la mejor novela de guerra (o en guerra) escrita en español. Como leemos al final de la primera parte, «esas cosas, de la cabeza, en una vida, no se borran así nomás». Un escritor así, tampoco.
Uno de los editores de Lengua de Trapo, Juan González del Solar, afirma que "Si bien a todos los escritores argentinos se los mastica la patria y no se me ocurre quién le escapa -y sí se me ocurre en otras literaturas-, voy a elegir dos títulos: Facundo, de Domingo Faustino Sarmiento: cuenta la dialéctica macabra de nuestro país, la devastación perpetua del argentino a manos del argentino. Y Boquitas pintadas, de Manuel Puig: describe todos nuestros lugares comunes: entre tantos, somos cursis, sensibleros, egoístas, patéticos y adorables. Y la realidad nos importa poco".
El crítico de Babelia, J. Ernesto Ayal-Dip, que vivió muchos años en Argentina, nos ofrece la siguiente lectura: "Algunos países suelen encontrar en su literatura, novela o poesía, algunas claves de su idiosincrasia. Suelen ser un enigma histórico o sociológico para sus propios ciudadanos. Argentina es uno de ellos. Por ello no son pocos los textos, que en esta materia, son casi canónicos. Yo citaría tres: Facundo, de Domingo Sarmiento; Sobre héroes y tumbas, de Ernesto Sábato; y Buenos Aires: Psicopatología de la vida cotidiana, de Juan José Sebreli.
Facundo es un libro híbrido, casi inclasificable, fue y sigue siendo un patrón de búsqueda de una identidad nacional, además de patrón estilístico. La Argentina es su máxima heroína. Sobre héroes y tumbas es una novela total. El encuentro mágico y terrible entre Martín del Castillo y Alejandra Vidal Olmos es una alegoría de la Argentina, de su historia insondable y torturada. Alguna vez dijo el mismo autor que Alejandra era la Argentina. Y Buenos Aires: Psicopatología de la vida cotidiana es uno de los grandes hitos de la bibliografía sociológica argentina en busca de una explicación del ser argentino. De su brumoso pasado y presente.
Ortega y Gasset dijo de los argentinos que son gente inteligente pero faltos de sentido común. Una frasecita que da bastante que pensar, si somos capaces de superar su empeño de boutade".
Y sí, una vez más, la buena literatura nos sirve de faro sobre el pasado y el futuro; y estos libros recomendaso por expertos argentinos guardan algunas de las claves para entender ese país. No son los únicos, seguro que hay algunos más que ustedes conocen y pueden recomendarnos.
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