Em discussão, o modelo de desenvolvimento
Sergio Lamucci | De São Paulo
20/12/2010
Regis Filho/Valor
Mercadante: "O social é o grande centro das políticas de desenvolvimento"A defesa da tese de doutorado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) na Unicamp, sexta-feira, tornou-se um debate sobre os oito anos do governo Lula, com a discussão sobre a existência de um novo modelo para o país - o novo desenvolvimentismo - e a respeito de temas como os perigos do câmbio valorizado para a indústria. Na banca, estiveram os ex-ministros Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP.
Mercadante fez da apresentação da tese uma defesa enfática da administração petista. Com tintas políticas, propôs a ideia de que o governo construiu as bases de um novo modelo, em que "o social é o grande centro das políticas de desenvolvimento", com mudança no papel do Estado e uma "articulação do desenvolvimento com o meio ambiente, a educação, a ciência e a tecnologia, os grandes desafios para o futuro". Com ironia, Delfim disse ter gostado do "discurso" de Mercadante, brincando que o petista continuava "afiadíssimo" na defesa do governo.
Luiz Carlos Bresser Pereira: governo falhou no câmbio e na gestão
No novo desenvolvimentismo, "o social é o eixo estruturante do econômico", uma característica que o difere do nacional-desenvolvimentismo do passado e do neoliberalismo do período recente, disse Mercadante, escolhido para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia do novo governo. Segundo ele, o Bolsa Família, os aumentos do salário mínimo, o crédito consignado e a alta dos recursos para a agricultura familiar são algumas das medidas que reduziram a pobreza e diminuíram a desigualdade, além de ajudar a criar um mercado interno de consumo de massas. O crescimento foi mais elevado, com inclusão social.
Um papel mais forte do Estado é outra marca do novo desenvolvimentismo, disse Mercadante, enfatizando a importância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal nessa direção, ao coordenar e planejar investimentos no país. Mercadante também lembrou a reação do governo à crise global, quando a atuação firme dos bancos públicos impediu um tombo mais forte da economia, assim como a aceleração de investimentos pela Petrobras. Houve uma política anticíclica num momento em que boa parte do setor privado colocou o pé no freio, afirmou ele, que voltou à Unicamp para defender a tese, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula" depois de uma ausência de 12 anos.
Delfim Netto: "Inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade"
Pioneiro no uso do termo novo desenvolvimentismo, Bresser discutiu até que ponto o governo Lula seguiu as diretrizes do modelo. Segundo ele, o novo desenvolvimentismo prega responsabilidade fiscal, e "houve responsabilidade fiscal no governo Lula". Juros baixos fazem parte do receituário novo-desenvolvimentista, e a gestão petista, ainda que termine com taxas elevadas, promoveu queda expressiva dos juros reais, de 10% para 5%. "Houve um progresso nessa área. " Segundo Bresser, Lula deu papel mais estratégico ao Estado, além de ter contribuído para neutralizar a tendência de os salários crescerem abaixo da produtividade.
Bresser apontou duas áreas caras ao novo desenvolvimentismo, porém, em que o governo Lula falhou: a gestão pública e o câmbio, que se valorizou excessivamente. "Houve recentemente um esforço para mudar esse quadro. Guido Mantega [ministro da Fazenda] teve enorme coragem quando, há um ano, colocou o IOF sobre as entradas de capital, arriscando o seu cargo."
João Manuel Cardoso de Mello: "Sem indústria, não tem emprego"
Apontando exageros na avaliação de Mercadante sobre o governo Lula, Delfim disse não ver um novo modelo, mas sim o aprofundamento do "que precisava ser aprofundado" e já estava inscrito na Constituição de 1988, que propõe, de acordo com ele, a "construção de uma sociedade democrática, com o objetivo fundamental da construção de igualdade de oportunidades". Apesar da ressalva, afirmou considerar a gestão de Lula um ponto de inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade. "Isso já estava implícito na Constituição. Devia ter começado muito antes, mas só começou com ele."
Cardoso de Mello elogiou Mercadante e disse não ver problemas no fato de a tese ser um "trabalho de combate": "Esta casa tem tradição nisso". Fez, contudo, algumas observações, de um "leitor atento e simpático". "Primeiro, há quantos governos Lula? Um ou dois?", questionou. "É lícito fazer uma análise do conjunto do período ou seria necessário modular e até mostrar por que a inflexão no segundo governo foi possível?"
Outro ponto importante seria analisar o que "se deveu à 'virtù' e o que se deveu à 'fortuna'" no governo Lula, segundo ele. A ascensão da China, por exemplo, deslocou "a curva de demanda por produtos primários", o que teve repercussão enorme na economia global e tornou o panorama internacional favorável ao Brasil", afirmou Cardoso de Mello. "Lula mesmo diz: 'Eu tive uma sorte danada'. Ele sabe disso, o que não tira os seus méritos, porque soube aproveitar a sorte. "
Cardoso de Mello também disse que valeria a pena Mercadante "olhar para frente". Você, como aluno desta casa, sabe que [Fernand] Braudel diz que existem a longa duração, as conjunturas, que são de 50 anos, e os acontecimentos. Por enquanto, o governo Lula é um acontecimento, embora seja acontecimento importante, porque houve uma ruptura com o governo Fernando Henrique."
Delfim e Cardoso de Mello advertiram para os perigos do câmbio valorizado e de seu impacto sobre a indústria. "Dentro de 20 a 25 anos, teremos 220 milhões a 230 milhões de habitantes e será necessário dar emprego de boa qualidade para 150 milhões de pessoas, e não vamos fazer isso apenas exportando matérias-primas ou produtos agrícolas", disse Delfim.
Cardoso de Mello insistiu no papel-chave da indústria. "Nós vamos jogar o futuro da economia na capacidade que tivermos de renovar a indústria brasileira", afirmou. "Sem indústria, não tem emprego." Segundo ele, a "agricultura não tem emprego e o setor de serviços só tem empregos derivados da indústria, ou são serviços públicos."
Para Cardoso de Mello, é crucial evitar a apreciação exagerada do câmbio. "Não podemos ter um câmbio sobrevalorizado como esse de R$ 1,70, pelo qual uma bola de futebol entra no Brasil a US$ 2,95 - e dessas oficiais, não de borracha, de criança." Ele disse que o país não pode mais cometer "barbeiragens" no manejo dos juros, como a ocorrida em 2004, que abortou o crescimento daquele ano e derrubou o do ano seguinte.
Mercadante reconheceu o problema do câmbio valorizado, para ele o maior desafio de curto prazo do país. Disse, porém, não acreditar que haja um processo de desindustrialização, dada a robustez do mercado interno, embora tenha manifestado preocupação quanto ao "rebaixamento da pauta de exportações".
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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
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