sábado, 31 de janeiro de 2009

Pânico faz Brown temer ''desglobalização''

Folha de São Paulo

31/01/2009

Clóvis Rossi, enviado especial a Davos
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Primeiro-ministro britânico pede urgência na reativação do crédito e na criação de um sistema regulatório mundial
Presidente do HSBC sugere criação de um "Business20" para reunir o setor privado, promover o livre mercado e se opor à visão estatizante

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, parecia o economista Nouriel Roubini, conhecido como "Mr. Apocalipse", durante a entrevista coletiva que concedeu ontem em Davos, a ponto de ter cunhado um neologismo, "desglobalização", para referir-se ao risco que antevê em função da crise econômica global.
Ou seja, Brown teme que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, antípoda ideológico do mundo de Davos, possa vir a acertar em sua avaliação de que "Davos é o passado", se se tomar a cidadezinha suíça como porta-bandeira da globalização dita neoliberal.
Brown deu permanente tom de urgência às providências que devem ser tomadas para que, em vez da "desglobalização", tenha-se uma globalização "mais bem administrada", o que ele obviamente prefere.
A prioridade do momento é pôr de pé o que chamou de terceiro pilar das providências tomadas contra a crise, pilar "essencial para o emprego". Trata-se de "retomar os empréstimos em todas as economias".
Criticou duramente o que chamou de "nova forma de protecionismo", o financeiro, na medida em que bancos com matriz nos países ricos estão secando o crédito nos países periféricos, para repatriar capital e enfrentar os buracos nos seus próprios países.
Citou como comprovação o fato de que o investimento líquido nos países emergentes cairá neste ano para US$ 150 bilhões, apenas 15% do valor (US$ 1 trilhão) que chegou a atingir. Brown não está exagerando. Ricardo Vilela Marino, executivo-chefe do banco Itaú para a América Latina, diz que os bancos estrangeiros no Brasil estão "vampirizando" as suas filiais para fornecer capital para as matrizes.
Para o Brasil, o problema é bem menor porque a participação dos bancos estrangeiros no conjunto do sistema financeiro é pequena. Mas, nos casos de Argentina e México, para ficar só em América Latina, de fato é uma tremenda complicação.
Brown aponta qual é a complicação: a não-retomada dos empréstimos "tornará a recessão mais longa e profunda".
Completou: "As instituições internacionais têm que ser mais proativas imediatamente", na enésima vez em que usou a palavra "imediatamente" ou sinônimo dela.
O sumiço do crédito está se dando mesmo depois de os governos, pelas contas de Brown, despejarem incríveis US$ 7 trilhões para evitar o colapso do sistema financeiro -ou cinco vezes tudo o que o Brasil produz de bens e serviços por ano.
Brown defendeu os pacotes de estímulo à economia, que começam a receber tímidas críticas porque aumentam os déficits nacionais. "A política fiscal é essencial quando a política monetária está prejudicada" [porque os juros já caíram tanto no mundo rico que novas reduções não produzem efeito].
O premiê britânico, que será o anfitrião da segunda cúpula do G20 (abril, em Londres), espera que esse encontro adote pelo menos duas decisões capazes de eventualmente controlar o pânico: 1) criar um sistema de "aviso antecipado" de crise. Ele próprio admite que faz dez anos que essa ideia circula no mundo financeiro;
2) adotar um conjunto de medidas regulatórias que cubra também fundos de hedge e outros "complexos instrumentos" financeiros, que são uma das causas da crise.
Brown quer um sistema regulatório global, a partir do raciocínio de que "temos um sistema financeiro global, mas, até agora, não temos coordenação ou supervisão global, apenas supervisores nacionais".
O problema com essa proposta é que ela já figurava no comunicado da reunião de ministros da Fazenda do G20, realizada em novembro em São Paulo, mas foi descaracterizada na semana seguinte, quando se reuniram em Washington os presidentes e primeiros-ministros. O comunicado final da cúpula enfatiza a preferência pela supervisão apenas nacional.
Como a cúpula anterior foi durante a gestão Bush, a Folha perguntou a Brown se ele recebera algum sinal da nova administração norte-americana de aceitação de uma regulação global, contra a tradição dos Estados Unidos de preferir seus próprios instrumentos.
Resposta: "Agora há um consenso global de que a supervisão nacional é inadequada".
Depois de Brown, foi a vez de Angela Merkel, a chanceler alemã, defender a criação de um Conselho Econômico das Nações Unidas, à semelhança do Conselho de Segurança, que é o coração do sistema ONU.
Merkel, como seu colega britânico, lamentou que o mundo "não tenha uma arquitetura global que funcione de forma adequada" e defendeu que a cúpula de Londres do G20 tome decisões que sejam obrigatórias para todos os participantes, o que inclui os EUA.
Talvez por sentir -ou temer- a pressão do ativismo estatal, o setor privado também se mobiliza para o G20. Ontem, o presidente do grupo HSBC, Stephen Green, sugeriu a criação de um B20 ("Business20"), um conglomerado das maiores companhias do planeta, incluindo as de emergentes, desde que com operações globais.
Objetivo, segundo Green: "Promover o livre mercado e funcionar como a voz dos negócios sustentáveis".

Brasil e Índia vão à OMC por retenção de remédios genéricos

O Estado de São Paulo

31/01/2009

Denise Chrispim Marin

Carga foi retida em porto da Holanda e devolvida; governo brasileiro considera procedimento perigoso

Brasil e Índia farão uma denúncia conjunta no Conselho-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) na próxima terça-feira, em Genebra (Suíça), contra a decisão da Holanda de reter uma carga do medicamento genérico Losartan, destinado ao controle da pressão arterial. De fabricação indiana, a carga de 500 quilos do medicamento havia sido vendida a uma empresa brasileira e foi retida no porto de Roterdã por autoridades holandesas e devolvida à Índia (mais informações nesta página).

Em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que o governo holandês interferiu num ato de comércio perfeitamente legal e, além disso, criou uma situação "em que a ganância vale mais do que vidas humanas". O ministro ainda não dispunha de dados sobre o valor da mercadoria nem sobre o número de pacientes prejudicados pela retenção dos medicamentos.

Em nota divulgada ontem pelo Itamaraty, Amorim e o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, indicaram que os dois países devem iniciar, conjuntamente, uma controvérsia na OMC contra a União Europeia. Também vão atuar em "estreita coordenação" em outros foros internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e as Nações Unidas.

A parceria Brasil-Índia para revidar esse episódio inédito foi selada em reunião entre Amorim e Nath na manhã de ontem, em Davos. A nota do Itamaraty reitera que os ministros estão "muito preocupados" com o "impacto sistêmico altamente negativo" sobre o comércio de medicamentos genéricos, o intercâmbio Sul-Sul e as políticas nacionais de saúde pública.

PRECEDENTE
O procedimento da Holanda foi considerado "perigoso" pelo governo brasileiro porque abre um precedente: uma espécie de interrupção sistemática do comércio de medicamentos genéricos entre países em desenvolvimento provocada deliberadamente por iniciativas das nações detentoras de patentes farmacêuticas.

Na OMC, Brasil e Índia argumentarão que o Losartan é "insumo estratégico para a saúde pública, comercializado entre países em desenvolvimento em conformidade com disciplinas internacionais vigentes". Para os ministros, tratou-se de "grave retrocesso" em relação ao princípio de acesso universal aos remédios e de contradição com a Resolução 2002/31 da Comissão de Direitos Humanos sobre o direito ao padrão mais elevado possível de saúde física e mental.

Entenda o caso
Na semana passada, a Holanda reteve uma carga do medicamento Losartan, um genérico para hipertensão fabricado na Índia, que vinha para o Brasil. O governo holandês agiu a pedido da empresa Merck Sharp & Dohme, que tem a patente do produto na Holanda, mas não no Brasil nem na Índia

Em debate no dia 23, na Organização Mundial da Saúde (OMS), União Europeia e EUA tentaram mudar a definição do que seria remédio falsificado para permitir a apreensão de genéricos. A delegação brasileira, em parceria com países da Ásia e América Latina, impediu a ação dos países ricos

Poder inteligente

O Globo

30/01/2009

O presidente Barack Obama começa a colher os frutos de sua opção pelo smart power (poder inteligente) nas relações internacionais, em contraposição ao hard power (poder da força) do governo Bush. O Talibã chamou de "passo positivo" a decisão de fechar em um ano a prisão de Guantánamo. O Irã impôs condições bizarras, mas pelo menos respondeu à disposição de Washington de negociar. A Rússia indicou a intenção de suspender o reposicionamento de mísseis em resposta à desaceleração do plano dos Estados Unidos de instalar um sistema antimísseis na Europa Oriental.
Um dos mais felizes exemplos do smart power foi a decisão de Obama de conceder à TV Al-Arabiya, de Dubai, sua primeira entrevista exclusiva na Casa Branca. A mensagem central - "os americanos não são inimigos dos muçulmanos" - foi muito bem recebida. George Mitchell, novo enviado ao Oriente Médio, teve a seguinte instrução do presidente antes de iniciar uma maratona diplomática de oito dias por Egito, Israel, Jordânia, Arábia Saudita, França e Grã-Bretanha: "Comece ouvindo, porque frequentemente os EUA começam dando ordens."
Obama tem agido de forma consistente com sua promessa de se afastar radicalmente de opções do governo anterior que arranharam as credenciais dos EUA como um país respeitador dos direitos humanos, amante da paz e cumpridor da lei. Um fato notável foi a guinada na política para o meio ambiente, procurando compensar a recusa dos últimos oito anos de entrar na luta para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, decisiva para o futuro da Humanidade.
O presidente americano demonstra não estar disposto a tolerar situações como a do Zimbábue, onde o ditador Mugabe usa todos os meios - inclusive matar o povo de fome - para se manter no poder, que ocupa desde 1980.
Entretanto, não há, nem poderia haver, sinal de trégua na luta contra o terrorismo. A retirada de tropas do Iraque se destina, em grande parte, a reforçar o contingente no Afeganistão, onde a Otan está perdendo a guerra contra o Talibã. Aliás, no primeiro dia do novo governo, mísseis americanos atingiram um reduto da al-Qaeda na fronteira Afeganistão/Paquistão. A mensagem é clara: a diplomacia vem em primeiro lugar, mas a opção militar não está descartada. Contudo, o recurso às armas parece estar condicionado a uma sólida base ética e humanitária na Casa Branca, que pretende atuar nesses casos, segundo o presidente, sempre em coordenação com a comunidade internacional. É um bom começo.

Juiz espanhol abre inquérito contra líderes israelenses

Folha de São Paulo

30/01/2009

da redação

O juiz espanhol Fernando Andreu investiga por suposto crime contra a humanidade o ex-ministro da Defesa israelense Benjamin Ben-Eliezer, atualmente na pasta da Infra-estrutura, e outras seis autoridades envolvidas em um ataque que matou, em 2002, um líder do Hamas e 14 civis palestinos na faixa de Gaza.
O inquérito -fase inicial do processo na Audiência Nacional, alto tribunal espanhol- provocou comoção em Israel, que promete usar "todos os meios" para paralisar o caso.
A investigação aberta ontem é "uma alucinação" da Justiça espanhola, atacou o ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, que defendeu a política de "assassinatos seletivos". Execuções extrajudiciais de líderes do Hamas são consideradas legítimas em Israel, que atribui a Salah Shehadeh, o dirigente do Hamas assassinado, participação em mais de cem mortes.
Para Binyamin Netanyahu, líder do direitista Likud, partido favorito nas eleições israelenses de 10 de fevereiro, a investigação espanhola "ridiculariza a Justiça internacional".
A ação, apresentada pelo Centro Palestino para os Direitos Humanos, foi aceita por Andreu após recusa israelense em informar se o caso estava sendo investigado no país. Pela doutrina da Justiça universal, adotada na Espanha, o país é competente para julgar crimes previstos em tratados internacionais mesmo que eles não tenham ocorrido em seu território e não envolvam espanhóis.

Temores
Para o juiz Andreu, há suspeita de crime contra a humanidade no assassinato de Shehadeh, em julho de 2002. A Força Aérea israelense lançou uma bomba de uma tonelada sobre a casa do dirigente do Hamas, em zona densamente povoada de Gaza. Quinze pessoas morreram, entre elas nove crianças, e 150 ficaram feridas.
O processo renovou temores de Israel, que se prepara para uma ofensiva jurídica após o recente ataque contra Gaza. Ministros receiam que o país seja pressionado a aceitar uma investigação internacional sobre as mortes de civis e uso ilegal de armas. O Tribunal Penal Internacional, que julga indivíduos acusados de crimes de guerra, examina denúncias contra Israel apresentadas pela Autoridade Nacional Palestina e pela Liga Árabe, como informou a Folha ontem.
A nova embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice, disse ontem esperar que Israel "cumpra sua obrigação internacional de investigar" as acusações de que o Exército violou leis de guerra em Gaza, mas também pediu que os países evitem "politizar" o tema. Sobre o Hamas, Rice disse que o grupo viola as leis internacionais "ao atacar Israel com foguetes e usar instalações civis para os ataques".
Com agências internacionais

Juiz militar ignora ordem de Obama e mantém julgamento em Guantánamo

O Estado de São Paulo

30/01/2009

AP, Reuters e WP, Washington
Decisão passa por cima de ordem executiva do presidente e pode levar governo a retirar acusações contra preso
Um juiz militar de Guantánamo, em Cuba, emitiu ontem um parecer contrário ao governo dos EUA e se recusou a suspender por quatro meses o processo contra um detido na base americana, como havia determinado o presidente Barack Obama logo após sua posse. A decisão surpreendeu a Casa Branca e causou um desgaste político para Obama.
O juiz James Pohl decidiu manter a audiência convocada para o dia 9 contra o saudita Abd al-Rahim al-Nashiri, acusado de ter participado do ataque orquestrado pela Al-Qaeda contra o navio USS Cole, da Marinha americana, em outubro de 2000, quando morreram 17 pessoas.
A decisão pode obrigar o Pentágono a tomar a única decisão possível para suspender o processo, que seria retirar as acusações contra Nashiri. A medida ameaça os planos de Obama de suspender todos os 21 processos que estavam em curso.
No primeiro dia na presidência, Obama assinou uma ordem executiva para suspender as comissões militares criadas pelo governo do ex-presidente George W. Bush para julgar os prisioneiros da base de Guantánamo, acusados de atos terroristas.
A suspensão dos julgamentos, considerados injustos por advogados e ativistas de direitos humanos, fazia parte da promessa de campanha do presidente de fechar a prisão e serviria para que o novo governo ganhasse tempo para avaliar os processos caso a caso. No entanto, o juiz Pohl, um coronel do Exército americano, declarou que os argumentos do governo eram "pouco convincentes".
"A comissão (militar) entende que a continuidade do processo não atrapalha qualquer decisão futura do governo. O Congresso aprovou a Lei das Comissões Militares, que continua em vigor. Temos de seguir as leis como elas são, e não nos basearmos naquilo que elas serão no futuro", disse o juiz em parecer escrito.
Nashiri, 43 anos, é um dos seis detidos de Guantánamo que podem ser condenados à morte e um dos três que a CIA reconheceu ter torturado durante os interrogatórios na base militar.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Emergentes terão meta, sem recurso

O Estado de São Paulo

29/01/2009

Europeus recuam na proposta que pode substituir o Protocolo de Kyoto e retiram 100 bi que ajudariam países

Jamil Chade

União Europeia voltou atrás e apresentou ontem em Bruxelas seu documento com propostas para substituir o Protoloco de Kyoto sem a parte que especifica os recursos financeiros destinados aos países emergentes. No entanto, ficou mantida a exigência de que as nações em desenvolvimento tenham metas para corte de emissões de CO2 de até 30% até 2020.

O Estado adiantou anteontem detalhes do rascunho que já mencionavam as metas, mas incluíam os 100 bilhões anuais (cerca de R$ 300 bilhões) para os emergentes em questões ambientais. Cerca de 30 bilhões viriam dos países ricos. Pressionada diante de sua pior recessão em 60 anos, a Europa agora evita falar quanto destinará aos emergentes, o que pode culminar no fracasso de um acordo climático mundial.

O Protocolo de Kyoto entrou em vigor em 2005 e expira em 2012. Pelas regras atuais, apenas os países desenvolvidos são obrigados a reduzir suas emissões. Um novo acordo climático está sendo negociado e deverá ser finalizado até o fim deste ano na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Copenhague. Assim como a UE, outros países terão de apresentar propostas até fevereiro.

O documento prevê a redução em 30% dos níveis de emissões de CO2 até 2020 para evitar que o aquecimento do planeta supere a marca de 2°C. O acordo prevê que todos os países ricos, inclusive os Estados Unidos, aceitariam a adoção de metas obrigatórias.

PROTESTOS

A decisão de retirar o valor gerou duros protestos de ativistas, que exigem agora explicações. A versão anterior contemplava um fundo a ser administrado pelas Nações Unidas, que monitorariam o dinheiro dado pelos países industrializados. Essa ideia desapareceu ontem da proposta. O foco passou a ser o fortalecimento e a expansão do mercado mundial de créditos de carbono, que financiariam parte do projeto. Bruxelas, porém, admite que bilhões de euros serão necessários para reduzir as emissões e que deve haver ajuda internacional.

Os grandes países emergentes por anos se recusaram a aceitar a ideia de que teriam de estabelecer metas de cortes de emissões de CO2. Para os europeus, sem uma redução da poluição entre os emergentes, as mudanças climáticas continuariam e, principalmente, não haveria acordo.

Brasil, China e Índia alertaram que não aceitariam as metas, já que frearia o crescimento econômico e não seria justo, pois a conta pela poluição no mundo deveria ser paga pelos países ricos. Um compromisso foi obtido. De um lado, os emergentes apresentariam planos de redução das emissões. De outro, os ricos pagariam parte da conta.

Para a organização Oxfam, o comportamento da UE pode fazer fracassar o acordo climático. "Se os países emergentes não souberem quanto será colocado sobre a mesa, há o real risco de que a negociação fracasse", disse Elise Ford, diretora da Oxfam. A entidade julga que a decisão de não se comprometer com o financiamento está relacionada à crise, a pior para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Para ativistas da Action Aid, é a credibilidade da UE que está em jogo. O Greenpeace emitiu nota atacando os europeus. "Compromissos financeiros concretos são necessários para construir a confiança."

Brasileiros ficam surpresos com a nova versão

Diplomatas brasileiros disseram ao 'Estado' que ficaram surpresos com a nova versão, já que o governo estava disposto a negociar. O comissário de Meio Ambiente da UE, Stavros Dimas, prometeu que recursos serão oferecidos, mas sem dar valores e voltou a dizer que o mundo precisaria de 175 bilhões para financiar o novo modelo industrial. Ele admitiu que, sem um acordo financeiro, não haverá um ambiental. Mas alertou que só poderá falar em valor quando souber o que farão os emergentes.

Questão Indígena: Terras da União para RR

Correio Braziliense

29/01/2009

Lula transfere 6 milhões de hectares para o estado como forma de resolver impasse criado com a demarcação de Raposa Serra do Sol
Às vésperas da retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que vai decidir sobre a constitucionalidade da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transferiu ontem para o governo de Roraima, onde se localiza a reserva, 6 milhões de hectares que pertenciam à União. A expectativa do Planalto é de que, com isso, seja encerrado o imbróglio acerca da demarcação de 1,7 milhão de hectares em área contínua, conforme quer a maioria dos índios, mas contraria os interesses dos produtores rurais da região. No total, a área transferida corresponde a 25% das terras do estado.
“Espero que vocês agora trabalhem com mais afinco, que aquele estado tenha mais produtores, mais produção e que tenha mais riqueza, mais distribuição de renda”, disse Lula. O presidente também cobrou celeridade no julgamento, interrompido em dezembro passado e que deverá ser retomado no próximo mês. “Agora está na Suprema Corte, e eu espero que em breve haja uma decisão final. Como não é garantido a nenhum cidadão vivo deste país entrar com recurso contra decisão da Suprema Corte, espero que se defina de uma vez por todas a questão da Raposa Serra do Sol.”
Já o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), preferiu desvincular a transferência de terra dos conflitos que se instalaram na região. “Não se trata de uma compensação. São coisas distintas. A questão indígena está sendo resolvida no Judiciário. Essa é uma questão administrativa”, disse.
Desde que o decreto de homologação foi assinado, em 2005, Roraima tem sido palco de conflitos entre índios e arrozeiros. O auge foi em maio passado, quando a Polícia Federal iniciou uma operação de retirada dos não índios da reserva. Liderados pelo prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), que chegou a ser preso, os produtores entraram em confronto com indígenas e agentes. Nesta semana, houve um novo problema na região. Na terça-feira, índios contrários à demarcação em área contínua invadiram a sede da Funai, em Boa Vista, e fizeram refém o coordenador interino do órgão, Petrônio Barbosa. Ontem, eles voltaram atrás e desocuparam o prédio.

Para ministro, mudar é ''anomalia''

O Estado de São Paulo

29/01/2009
Vera Rosa

Ele reforça decisão e aposta que Supremo a manterá
Vera Rosa
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não só não vai rever a decisão que concedeu refúgio político ao italiano Cesare Battisti como duvida que o Supremo Tribunal Federal (STF) modifique seu despacho e abra uma brecha para a extradição do ex-militante de esquerda, condenado à prisão perpétua por atos terroristas. "Se o Supremo mudar essa orientação, será uma anomalia institucional muito grande", afirmou Tarso ao Estado.
Depois que o governo de Silvio Berlusconi chamou a Roma seu embaixador no Brasil, Michele Valensise, escancarando a crise diplomática, Tarso manteve sua rotina em Brasília e disse que em nenhum momento teve a intenção de ofender o Estado de Direito italiano. "A minha jurisdição sobre esse processo do Battisti está esgotada e não tenho o que revisar", insistiu. "Agora, o Supremo vai decidir quais os efeitos dessa decisão, mas não é o caso de examinar o mérito, e, sim, a constitucionalidade da norma que outorga ao ministro o direito de conceder refúgio e interrompe o processo de extradição."
Tarso procurou baixar a temperatura da crise, seguindo ordem expressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para não esticar a polêmica. Disse entender a reação da Itália, destacou a amizade entre os dois países e afirmou confiar na superação do impasse pela via diplomática.
"Não existe crise entre o Brasil e a Itália nem atos de hostilidade", desconversou. "Acho que esse, realmente, é um caso doloroso para a sociedade italiana. Como a Itália não teve uma lei de anistia, essas graves questões, dos anos 70, ainda não estão cicatrizadas."
O governo italiano move processo pela extradição de Battisti porque ele foi condenado à prisão perpétua, acusado de quatro homicídios, entre 1978 e 1979. Dirigente do movimento intitulado Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Battisti fugiu para a França e também viveu no México. Mesmo depois de receber o status de refugiado político concedido por Tarso, no último dia 13, o ex-ativista permaneceu preso em Brasília, pois o STF alegou que vai analisar o caso em fevereiro.
Para o ministro, não há nenhum motivo para o Supremo reformar a decisão de abrigar o italiano. Tarso citou como exemplo o julgamento do ex-padre Oliverio Medina, um dos líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2007. Na época, a Colômbia pedia a extradição de Medina, mas, em seu julgamento, o STF manteve o asilo político. Motivo: avaliou que, quando o refúgio é concedido pelo Executivo, o processo de extradição deve ser extinto, como prevê o artigo 33 da Lei 9.474/97.
A polêmica que movimenta a Praça dos Três Poderes deixou Lula contrariado, mas o ministro da Justiça ainda preserva o bom humor. Na tarde de ontem, ao receber a notícia de que uma entidade italiana apoiava sua decisão de conceder refúgio a Battisti, ele não se conteve. "Acho que é a única", brincou.
Acostumado a administrar controvérsias, Tarso argumenta que o pano de fundo desse episódio é o debate sobre a soberania. "O que eu digo, repito e confirmo é que o regime de exceção convive com todos os Estados de Direito, em maior ou menor grau.

A questão nuclear e a sociedade de risco

A Folha de São Paulo de 29 de janeiro de 2009 publica a importante notícia para compreender a sociedade de risco hoje.

"Ordem nuclear pode derreter", diz acadêmico


Como se já não bastasse o soturno ambiente global, por conta da crise econômica, um respeitado especialista tratou ontem de introduzir mais alarmismo no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça).
"A ordem nuclear global não é mais estável hoje do que era a ordem financeira há um ano ou dois", disparou Graham Allison, diretor do Centro Belfer para Assuntos Científicos e Internacionais da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard.
Como a ordem financeira derreteu, fica implícito que artefatos nucleares podem aparecer amanhã ou depois nas mãos de grupos irregulares. Mais que implícito, Allison ousou dizer que, "talvez, no próximo encontro de Davos, o terrorismo tenha feito um ataque com armas biológicas ou de destruição em massa em algum lugar".
A frase do especialista surgiu justamente em um debate cujo título era "Crises a serem evitadas a todo custo", o que significa que ele não está seguro de que um atentado com artefato nuclear possa ser de fato evitado. "Nossa capacidade de avaliar riscos sistêmicos é limitada", diz Allison.
Outro acadêmico de Harvard, Daniel Shapiro, diretor da Iniciativa para a Negociação Internacional da universidade, também foi sombrio, ao lembrar que não se cumpriu a expectativa de que o mundo seria um lugar mais seguro, existente quando terminou a Guerra Fria, há 20 anos.
Em todo caso, Gareth Evans, presidente do International Crisis Group, que tem talvez a maior experiência em negociação de conflitos mundo afora, preferiu o otimismo. Para ele houve uma mudança cultural dos anos 90 para cá, pela qual se reconheceu que "a soberania não é uma licença para matar".
Evans compara o massacre em Ruanda nos anos 90 com a crise no Quênia, no ano passado, para demonstrar que a escala de violência mudou para melhor, embora continue sendo grande. (CLÓVIS ROSSI)

TPI e Israel

A Folha de São Paulo de 29 de janeiro de 2009 publica importante notícia que o TPI irá examinar acusações contra israelenses

Promotor do Tribunal Penal Internacional diz que Liga Árabe também denunciou supostos crimes de guerra de Israel na faixa de Gaza

A Autoridade Nacional Palestina pediu na semana passada a Luis Moreno-Ocampo, promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI), que investigue se Israel cometeu crimes de guerra durante a operação de bombardeio e depois ocupação por terra da faixa de Gaza.
ONGs de direitos humanos e governos árabes denunciaram o uso na ofensiva de munição de fósforo branco e bombas com urânio empobrecido. Israel negou a segunda acusação e prometeu investigar se houve uso ilegal de fósforo.
A solicitação ao TPI, sediado em Haia (Holanda), tem potencial para provocar um impacto político tremendo. Se for levada adiante, dirigentes de Israel, a única democracia do Oriente Médio, correm o risco de figurar em um banco de réus no qual, até agora, só foram acusados os piores tiranos.
Antes que o caso ganhe impacto político, no entanto, Moreno-Ocampo terá que decidir um aspecto jurídico fundamental. Ele explicou ontem à Folha que todos os Estados, membros ou não do TPI, têm o direito de recorrer à corte, estabelecida em 2002 para julgar indivíduos acusados de crimes de guerra e contra a humanidade. Mas a Autoridade Nacional Palestina não tem jurisdição reconhecida sobre um território. Ou seja, não é propriamente um Estado.
Moreno-Ocampo está recebendo informações a respeito do que ocorreu em Gaza também da Liga Árabe, que reúne 22 países. Mas ele informa que tampouco a Liga tem personalidade jurídica suficiente para provocar a investigação do TPI, do qual fazem parte 108 países (os não-signatários do Estatuto de Roma, que rege o tribunal, incluem, além de Israel, países como EUA, China e Irã).
De todo modo, o promotor saúda a iniciativa dos países árabes, por reconhecer um tribunal que está pedindo a prisão de um líder árabe, o presidente do Sudão, Omar Hassan al Bashir. O Sudão é, aliás, membro da Liga Árabe. Bashir, no poder desde 1989, é acusado de genocídio, pela matança de cerca de 300 mil pessoas em Darfur.
Moreno-Ocampo não quis, como é óbvio, comentar a atitude que pretende tomar em relação ao pedido da Autoridade Palestina, mas não fugiu de uma observação sobre o aspecto político do caso: disse que o TPI não pode servir apenas "para julgar os inimigos" (da democracia), sob pena de jamais conseguir consolidar-se.

O prazo é 2009
Já o secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Moussa, preferiu tratar dos ataques a Gaza pelo lado da expectativa positiva. Negou à Folha que os países árabes tivessem ficado paralisados pela desunião.
O que os paralisou, segundo Moussa, foi a proposta de alguns líderes, que ele não especificou, de que fossem retiradas da mesa todas as propostas de negociação com Israel, inclusive a apresentada pelos próprios árabes em 2002, por iniciativa da Arábia Saudita.
A maioria dos membros da Liga achou mais lógico esperar a posse de Barack Obama, e dar-lhe um prazo para a retomada da negociação. Mas a proposta única dos árabes sobre a mesa fica sendo a dos sauditas, cuja essência é o reconhecimento do direito de Israel a existir e à segurança -o que é negado pelo Hamas, o grupo que controla Gaza-, em troca da retirada dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e da criação de um Estado palestino viável.
Que prazo os árabes dão a Obama? "Ao longo de 2009, é preciso encaminhar a negociação. Não dá para perder outro ano, como se perdeu 2008", responde Moussa.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Os direitos contra o mercado

Jornal do Brasil

27/01/2009

Emir Sader,filósofo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro(UERJ)

Foi em 2000, quando começamos a pensar em transformar as manifestações anti-Davos – que se faziam, cercando ao balneário que tinha sido cenário de A montanha mágica, de Thomas Mann, agora conspurcado pelos agentes e pops do neoliberalismo e da globalização, no auge do inverno suíço – em um Fórum Social Mundial contraposto ao Fórum Econômico Mundial. O final da década parecia confirmar os presságios tanto do "pensamento único", quanto do Consenso de Washington. Afinal, se o modelo neoliberal tinha nascido pelas mãos de Pinochet, Thatcher e Reagan, tinha recebido as bênçãos de "modelo inevitável" pela geração seguinte, já não mais de ultra direita, mas de uma nova direita: Blair, Clinton, Felipe Gonzalez, Mitterrand, FHC, Carlos Andrés Perez, o PRI, Menem, entre outros, originários de correntes social democratas e nacionalistas. Governar não era mais abrir estradas - como se dizia antes de Getúlio -, mas abrir economias à globalização, "virar a página do getulhismo", como diria a versão cabocla – com pé na cozinha francesa, como ele esclareceria depois – da moda neoliberal.

Mas a velha toupeira fazia seu trabalho subterrâneo e não tardaria a irromper à superfície. No momento em que FHC tomava posse e assumia a versão nativa do neoliberalismo e o México assinava o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, explodia neste país a primeira crise do neoliberalismo, atendida imediatamente por um gigantesco empréstimo dos EUA, temeroso da sua propagação, e os zapatistas davam seu "grito contra o neoliberalismo".

Em plena década de ouro do neoliberalismo, os movimentos sociais começavam a articular sua resistência – dos zapatistas ao MST, dos movimentos indígenas equatorianos aos bolivianos. Uma plácida e rotineira reunião da OMC, em 1999, numa das mecas da posmodernidade – Seattle – de repente se viu bloqueada por uma imensa manifestação convocada pela internet, a que se seguiram outras tantas na Europa, na Ásia, por onde a OMC tentasse se reunir, até que estes se refugiaram em Dubai.

Não cheirava bem a virada do século para o neoliberalismo. Apesar da América Latina ter sido transformada no paraíso neoliberal, sintomas preocupantes para os gurus do Consenso de Washington se acumulavam, até que Hugo Chavez se elegeu presidente na Venezuela, em 1998, seguiu-se a crise brasileira, de 1999 – umas das três vezes que FHC quebrou o país em um tempo recorde – e a argentina, de 2001/2002, completando o trio de ferro da economia do continente, infectado pelo vírus do "livre comércio", das privatizações, desregulamentações, precarizações laborais.

A passagem da ultima década do século passado à primeira desta representa uma das viradas históricas mais impressionantes na história do continente – que eu caracterizo como mais um trabalho d´"A nova toupeira", como eu intitulo o livro que estou publicando pela Boitempo, para falar da trajetória, dos dilemas e do potencial da esquerda latinoamericana neste novo século. De laboratório de experiências neoliberais a elo mais frágil da cadeia neoliberal.

O Fórum Social Mundial foi contemporâneo desse movimento. Nasceu no momento de resistência dos movimentos sociais ao neoliberalismo, multiplicou a força dessa resistência, como espaço múltiplo de encontro de todos os que lutam por "um outro mundo possível", contra um modelo precocemente envelhecido, comprometidos com a criação de um modelo de prioridade do social, dos direitos, do humano contra a ditadura dos mercados, que levou o mundo a uma imensa regressão.

Realizado inicialmente em Porto Alegre, pelo papel que o Brasil passou a ter na nova esquerda mundial e que a capital sulina expressou através dos extraordinários governos centrados no orçamento participativo, o Fórum Social cresceu exponencialmente, transferiu-se para a Ásia e a África, para retornar a Porto Alegre e agora a Belém, no coração da Amazônia. Realiza-se no momento em que tudo o que era previsto se realizou de forma mais dramática ainda, com o desmentido cabal dos discursos apologéticos do mercado como "melhor alocador de recursos" e do Estado "como o problema e não a solução", como costumava dizer Reagan. Não por acaso o ponto alto do FSM será um grande ato com 5 dos principais presidentes latinoamericanos envolvidos na construção do "outro mundo possível" – Evo Morales, Fernando Lugo, Lula, Hugo Chavez, Rafael Correa – no dia 29 à noite, em Belém, revelando como o FSM passou da resistência à construção concreta de alternativas pósneoliberais.

O Brasil e os EUA de Obama

O Estado de São Paulo

27/01/2009

Rubens Barbosa, consultor de negócios, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador em Washington
Para discutir o futuro das relações entre o Brasil e os EUA de Barack Obama, o Instituto de Estudos sobre o Brasil do Woodrow Wilson Center, em Washington, realizou, em dezembro, importante encontro com a participação de autoridades, políticos, acadêmicos, empresários brasileiros e americanos.
Houve concordância entre os participantes de que, nos últimos 15 anos, as relações bilaterais se mantiveram em excelente nível e que são bem amplas as perspectivas de cooperação. Formou-se consenso, igualmente, de que haverá, em larga medida, na nova administração, continuidade na política externa dos EUA. Nesse contexto, o Brasil poderá ter uma relação diferenciada com Washington, embora a América Latina continue fora da tela dos radares da comunidade dos formuladores de decisões em Washington, exceto quando interesses concretos dos EUA possam ser afetados.
As relações entre os dois países podem ser caracterizadas como um processo complexo, mas dinâmico. Procurei mostrar no encontro as bases em que as relações poderão evoluir nos próximos anos, ressaltando três desafios: como conectar os interesses dos dois lados, a mudança de percepção sobre o Brasil nos EUA e como o Brasil deseja desenvolver suas relações com os EUA.
O primeiro desafio será o de conectar os interesses dos dois lados. No curto prazo, a tarefa é ainda mais árdua, pelo fato de o novo governo de Washington estar fortemente concentrado na estabilização e recuperação da economia, nas questões da guerra no Iraque e no Afeganistão, no conflito no Oriente Médio e no terrorismo. Do lado do governo brasileiro, há pouca chance de que haja uma modificação na visão do mundo dos atuais ocupantes da Chancelaria e na prioridade aos países em desenvolvimento (Sul-Sul) na política externa.
O segundo diz respeito à gradual mudança da percepção que os EUA têm até aqui sobre o Brasil. Reconhecido como uma potência regional emergente, o Brasil começa a ser visto em Washington como um país com peso econômico global e com papel importante em alguns dos principais temas da agenda internacional. O fato de o País ter hoje uma economia sólida e em crescimento, que poderá emergir da atual crise global ainda mais forte e mais ativo internacionalmente, contudo, ainda não é apreciado em todas as suas implicações. O establishment norte-americano reconhece e valoriza a convergência de valores e interesses entre os dois países na região, no sentido de promover a redução das desigualdades, a estabilidade econômica, a democracia e a segurança regional. O mesmo ocorre na área bilateral, e que energia (biomassa e petróleo), mudança de clima e cooperação em instituições multilaterais são identificadas como áreas de interesse comum. O tratamento diferenciado em relação aos demais países da América Latina, que parece estar-se delineando na política externa dos EUA, poderá levar, a médio prazo, a uma nova percepção sobre o País, reforçando a tendência de descolamento do Brasil do restante da América Latina.
O terceiro é saber o que o Brasil quer de suas relações com os EUA. Nos próximos dois anos, dificilmente se alterará a atitude defensiva do Itamaraty, que sintetiza as relações com os EUA como "pragmáticas e de respeito mútuo", o que no jargão diplomático muito não significa. A evolução do relacionamento entre os dois países se fará de forma incremental e com base em temas concretos. Menos retórica e mais realismo. Nada de aliança ou relações especiais ou estratégicas, de grandes projetos ou iniciativas retumbantes.
Sendo basicamente desconhecido nos EUA, o conhecimento e a compreensão da realidade brasileira e o reconhecimento da importância internacional relativa do Brasil talvez sejam o primeiro pré-requisito para o desenvolvimento de uma agenda construtiva entre os dois países. A discussão de temas de real e comum interesse tornará o Brasil importante para a política externa dos EUA. A mudança de percepção virá naturalmente, com base no interesse norte-americano, e, nesse sentido, o Brasil deveria aproveitar o início do governo Barack Obama e tomar a iniciativa de propor formas de ampliar a cooperação, especialmente nas áreas de energia, de comércio e da indústria de defesa.
A mecânica para essa parceria em novas bases já está criada pelos dois países. Desde 2003 foi tomada a decisão de institucionalizar uma cooperação mais desenvolvida e sofisticada. Durante a visita do presidente Lula a Washington foi criado um conjunto de mecanismos - encontros presidenciais com seus ministros, grupos de trabalho nas áreas mais importantes, cooperação hemisférica e em temas globais de interesse mútuo. Esses mecanismos poderão ser ativados e ampliados (como anunciado agora com a criação de grupo na área da defesa e dos diálogos estratégicos nas áreas econômica e política). No âmbito do setor privado, foi criado o fórum de presidentes de empresas para a discussão de uma agenda positiva a ser recomendada aos dois governos.
Do ponto de vista da política externa brasileira, o grande desafio do momento é o de identificar e definir nosso interesse no contexto da globalização e da crise internacional. O Brasil terá de assumir suas responsabilidades como potência econômica emergente e como poder político regional. Isso não quer dizer que o País deva adotar uma acomodação passiva ou reativa às transformações em curso, mas sim um movimento de antecipação a elas, tendo sempre presente o interesse nacional.
Nos próximos dois anos estarão sendo lançadas as bases que criarão condições para um salto qualitativo nas relações entre o Brasil e os EUA com novas administrações em Washington e em Brasília.

'Constituição trará problemas'/ entrevista

O Globo

27/01/2009

Gary Rodríguez

LA PAZ. Dispositivos da nova Constituição Política do Estado, como o que impede empresas estrangeiras de recorrer a tribunais internacionais, aliados à insegurança jurídica provocada pela disputa política em torno da aprovação da Carta devem trazer impactos negativos para a economia da Bolívia. A opinião é do gerente-geral do Instituto Boliviano de Comércio Exterior, Gary Rodríguez. Segundo ele, caso seja implementada do jeito que foi aprovada, anteontem, a CPE deve aumentar o isolamento econômico do país.

Qual o impacto da CPE na economia boliviana?

GARY RODRÍGUEZ: Se é que vai ser implementada nestes moldes, a Constituição trará muitos problemas no futuro. A pergunta hoje é: a nova Constituição será aplicada nestes termos?

Quais setores da economia serão mais afetados?

RODRÍGUEZ: Praticamente todos. O setor rural, por exemplo, terá dois problemas imediatos. O primeiro é a questão do direito das comunidades indígenas ao seu território. O segundo é quanto à execução dos dispositivos que determinam se tal propriedade cumpre sua função social ou se há exploração de mão-de-obra ou escravidão. Todas estas decisões estarão nas mãos apenas do Executivo. É o Executivo que vai decidir, por exemplo, se uma dívida de um trabalhador com o patrão é escravidão e, portanto, passível de desapropriação.

Os setores produtivos urbanos também serão afetados?

RODRÍGUEZ: Neste caso temos a questão da insegurança jurídica. Para os investidores estrangeiros não será reconhecido que os litígios sejam resolvidos em tribunais internacionais. Nosso temor é que com isso a Bolívia fique isolada. Se não reconhecermos os tribunais internacionais não poderemos participar de tradados de livre comércio e por mais que a globalização tenha seus problemas, ela tem permitido o desenvolvimento de economias pequenas como a nossa.

Existe algum exemplo concreto?

RODRÍGUEZ: Sim. A Comunidade Andina está negociando um acordo com a Comunidade Europeia só que a Bolívia vai ficar de fora.

Qual será o impacto do aumento do controle estatal sobre a economia?

RODRÍGUEZ: A nacionalização das petrolíferas, por exemplo, acabou com os investimentos externos no setor. Hoje vivemos problemas até para o abastecimento interno. Sem contar que não temos como vender mais para a Argentina por falta de investimentos em infraestrutura. Com o processo de nacionalização as empresas foram ocupadas por critérios políticos e ideológicos. Os novos executivos não conhecem o assunto, não têm capacidade de gestão. Os únicos investimentos que temos hoje no setor vêm da Venezuela, Índia e promessas do Irã. É um dinheiro que vem com objetivos mais políticos e ideológicos do que de produção. Acontece que não se combate a fome com discurso. (R.G.)

O caso Battisti

http://conjur-s2.simplecdn.net/dl/parecer-battisti.pdf. O endereço do parecer do Procurador-Geral da República no caso Battisti.

Decreto regulará a entrada em reservas indigenas

Vejam a seguinte notícia da Folha de São Paulo de 27 de janeiro de 2009 como um desdobramento da questão da diversidade no Brasil.

Indigenistas dizem que não participaram do preparo do texto; Tuma Jr. afirma que o debate incluiu a Funai e que a região precisa de "porteiro"

Índios e missionários pedem o arquivamento do decreto que restringe a entrada e o trabalho em terras indígenas. Prometem protestar contra as novas regras do Ministério da Justiça e denunciar que foram excluídos da discussão do texto durante o Fórum Social Mundial, que começa hoje em Belém (PA).
Encaminhado no início de dezembro à Casa Civil, o decreto obriga ONGs, religiosos, pesquisadores, ambientalistas e educadores a submeterem seus projetos em área indígena à análise prévia do Ministério da Justiça. O texto ficou 45 dias à espera da assinatura do presidente Lula. Há duas semanas, voltou para a equipe do ministro Tarso Genro, que não pretende alterar o documento.
A pressão de índios e indigenistas, porém, surtiu efeito. A Casa Civil devolveu o decreto ao Ministério da Justiça e diz que haverá uma consulta pública para debater as regras.
Pelo decreto, para entrar ou trabalhar em território indígena será preciso explicar o objetivo do projeto, seus custos e financiadores e apresentar estudo de impacto sociocultural. Se a reserva estiver na faixa de fronteira ou na Amazônia Legal, será preciso autorização do Ministério da Defesa e do Conselho de Defesa Nacional.
"Queremos colocar porteiro, porque porta a Amazônia já tem", diz o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., um dos responsáveis pelo decreto, que pretende controlar a atuação de ONGs e de estrangeiros em áreas indígenas: as ONGs precisam se cadastrar no Ministério da Justiça e o pesquisador estrangeiro necessita de visto específico de trabalho.
Os indigenistas criticam o decreto e alegam que sua discussão ignorou até mesmo a Comissão Nacional de Política Indigenista, que faz parte do Ministério da Justiça. "Só tivemos conhecimento do decreto mais de dez dias depois de ele ter sido encaminhado à Casa Civil. Foi preciso exigir uma cópia para ler o texto", diz Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário e membro da CNPI.
"Nem na época da ditadura houve esse tipo de controle. Tutela é coisa do passado", diz Feitosa, convencido que o governo cedeu às pressões de militares e do agronegócio.

Outro lado
Tuma Jr. defende o texto: "A natureza do problema exige um decreto urgente. Mas se a Casa Civil entender que é necessário uma consulta pública, que se faça logo". Ele nega que índios e indigenistas não participaram do debate e diz que a Funai e a Associação Brasileira de ONGs participaram da confecção do decreto. A Funai diz, porém, que só cedeu técnicos à pasta.
"É uma questão de soberania. A desculpa para internacionalizar a Amazônia é dizer que não há controle. Quando propomos regras, reclamam que é ditadura", lamenta ele.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Bolivianos aprovam nova Carta

O Estado de São Paulo

26/01/2009

Reuters e AP, La Paz
Após vitória por cerca de 60%, Evo proclama ‘refundação’ de país com igualdade para todos os cidadãos
O presidente Evo Morales proclamou ontem a “refundação” da Bolívia após a aprovação da nova Constituição do país. “Aqui começa uma nova Bolívia com igualdade de oportunidades para todos os bolivianos”, afirmou Evo à multidão que se concentrou na Praça Murillo, em La Paz, para celebrar a vitória do “Sim” no referendo constitucional. A oposição advertiu que não permitirá que a aprovação da Carta seja utilizada pelo governo para levar adiante um projeto “totalitário” e pediu um “pacto nacional” ao presidente que inclua a revisão do projeto.

De acordo com sondagens de três emissoras de TV baseadas em pesquisas de boca-de-urna (a Unitel, a Red Uno e a PAT), a nova Carta foi aprovada por cerca de 60% dos bolivianos. O levantamento feito pela rede de TV ATB também deu vitória do “sim”: 58,3% a 41,7%.

Cerca de 3,8 milhões de bolivianos foram ontem às urnas para opinar sobre os 411 artigos da nova Carta, que amplia os direitos da população indígena e dá sinal verde para que o presidente Evo Morales concorra em dezembro à reeleição.

O dia de votação foi tranquilo, sem registro de ocorrências graves. O presidente da Corte Nacional Eleitoral, José Luis Exeni, abriu a votação às 8 horas (10 horas de Brasília) com uma pequena cerimônia.

RESPOSTA
Evo votou na vila 14 de Setembro, na região cocaleira do Chapare, a 260 quilômetros de La Paz. Em uma coletiva logo após a votação, o presidente disse estar satisfeito com a reação da população. “Houve uma resposta em massa, estamos otimistas”, afirmou Evo.

O presidente disse ainda que convocará para amanhã uma reunião de seu gabinete em La Paz para planejar uma gestão plurinacional. “Devemos mudar de conduta e quero que voltemos a acolher essa trilogia da cultura indígena que nossos antepassados nos deixaram: o Ama Sua (não roubes), Ama Quella (não sejas fraco) e Ama Llulla (não mintas)”, disse Evo. “Acrescento aí algumas questões de princípios, que são o antineolibralismo, o anticolonialismo e o anti-imperialismo.”

O delegado da comissão internacional de observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), Raúl Lagos, mencionou que a votação foi tranquila, com contratempos “esporádicos” em algumas regiões.

Um dos líderes da oposição, Rubén Costas, governador de Santa Cruz, disse depois de votar que o referendo “abre a esperança de sonhar com um país melhor e de buscar equilíbrios para que todos sejamos donos da mudança”. Já a governadora de Chuquisaca, Savina Cuéllar, disse que seu Departamento não iria acatar à nova Carta porque o projeto não foi aprovado na região. Jorge Quiroga, chefe do principal partido de oposição, o Podemos, afirmou em La Paz que o governo deu uma cara de “plebiscito” à consulta para governar por decreto.

Entre as principais polêmicas contidas na Carta está a limitação dos latifúndios. O projeto também prevê que os 36 povos indígenas originários bolivianos (uma minoria que não faz parte das duas grandes etnias do país), poderão ter sistemas de Justiça próprios.

REELEIÇÃO
Se a aprovação da Constituição for realmente confirmada, o presidente Evo poderá se candidatar à reeleição no dia 6 de dezembro. O projeto estatista e indigenista da nova Carta é rejeitado pela oposição, que alega que a legislação deixaria de lado a ideia de igualdade dos cidadãos perante o Estado.

Na véspera da eleição, Evo rebateu os opositores e disse que “a Constituição não foi feita para excluir nem para marginalizar ninguém, mas para que os originários milenares (indígenas e camponeses), que são muitos, se unam aos originários contemporâneos (brancos), que têm muito mais dinheiro”.

Corte de verbas pode deixar Brasil inadimplente na ONU

Folha de São Paulo

26/01/2009

Claudio Dantas Siqueira, da reportagem local

Orçamento para pagar anuidades de organismos internacionais cai 56% em 2009

Verba serve para financiar projetos das organizações; para historiador, a falta de pagamento afeta imagem e política externa do país

O Congresso cortou 56% do orçamento destinado a pagar as anuidades referentes à participação do Brasil em organismos internacionais. De R$ 395 milhões previstos, foram aprovados R$ 171 milhões e cancelados R$ 224,5 milhões.
O enxugamento atingiu as contribuições a fóruns importantes como ONU (Organização das Nações Unidas ) e OMC (Organização Mundial do Comércio).
No caso da ONU, o MRE (Ministério das Relações Exteriores) havia definido um gasto de R$ 60 milhões, mas terá R$ 25,5 milhões, segundo levantamento feito pela Folha com a ONG Contas Abertas. Para a participação na OMC, o governo terá R$ 1,1 milhão dos R$ 2,7 milhões necessários. De R$ 6,1 milhões que seriam pagos ao Tribunal Penal Internacional, haverá apenas R$ 2,5 milhões.
As anuidades dos organismos são calculadas de acordo com percentuais específicos para cada país, levando em conta o tamanho da economia e o poder de compra dos cidadãos. Esse dinheiro serve para sustentar a burocracia e projetos dos organismos.
O corte atingiu ainda as contribuições de outros ministérios. O MEC (Ministério da Educação) pagará a Unesco R$ 8,1 milhões dos R$ 19,2 milhões definidos para o ano. O Ministério do Trabalho terá R$ 2,78 milhões dos R$ 6,5 milhões da anuidade brasileira na OIT (Organização Internacional do Trabalho).
A inadimplência cria constrangimento e limita o poder de barganha política do governo na hora de influenciar a formulação de políticas a seu favor ou atrair projetos. Quando se torna crônica, pode levar à suspensão do direito de voto do país nas reuniões de decisão.
No primeiro mandato de Lula, houve um esforço para a quitação de todas as dívidas acumuladas até então. Um dos motivos era o pleito por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Nos últimos dois anos foram pagos R$ 435,6 milhões (2008) e R$ 259 milhões (2007).
"O não pagamento é extremamente prejudicial para a imagem do país e para os objetivos da política externa do Brasil", diz o historiador Pio Penna Filho, do Instituto de Relações Internacionais da USP. Questionado, o Itamaraty não quis se pronunciar. Segundo a Folha apurou, o ministério deve pressionar por créditos suplementares.
A redução nas contribuições internacionais também afetará os projetos de infraestrutura nos países vizinhos. O Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, criado para amenizar queixas de Paraguai e Uruguai, terá R$ 50,7 milhões dos R$ 119,7 milhões previstos.
Há 18 projetos em execução, que poderão sofrer cortes: oito no Paraguai, seis no Uruguai, três na Secretaria do Mercosul e um de combate à febre aftosa. No caso paraguaio, por exemplo, o dinheiro tem sido aplicado para a reforma de rodovias, construção de assentamentos e apoio a microempresas.

'Os governos têm que agir como ambulâncias'/ entrevista

O Globo

26/01/2009

KLAUS SCHWAB

GENEBRA. Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, compara a crise atual a um "grande acidente", causado por carros que circulavam a toda velocidade sem medo de serem flagrados. Schwab defende novas "regras de tráfego", como a revisão da política de bônus dos executivos.


Líderes têm falado em refundar o capitalismo. É só metáfora?

KLAUS SCHWAB: Precisamos reformar o capitalismo. Temos que voltar a alguns valores que podem ter sido perdidos nos últimos anos, porque houve muita ganância.

Que valores vocês perderam?

SCHWAB: Temos que restabelecer o profissionalismo. Se eu vou num médico, eu assumo que ele está me dando o melhor tratamento, sem me dizer: só vou dar o melhor se você me der depois um premium (bônus). No meio empresarial, temos tido a tendência das pessoas dizerem: eu vou dar o melhor de mim só quando for motivado por dinheiro.

O senhor quer menos bônus?

SCHWAB: Tem que ter um salário razoavelmente competitivo, mas a ênfase tem que ser no razoável.

O Fórum defendeu dogmas hoje questionados, como a não intervenção do Estado...

SCHWAB: Pessoas participando do Fórum promoveram estes conceitos. Mas, em algumas reuniões do passado, chamou- se a atenção à necessidade de um sistema regulatório mais coordenado. Sempre dissemos que a economia é global, nos tornamos interdependentes.

Qual foi o problema, então?

SCHWAB: Você tem uma enorme rodovia, a globalização. Algumas pessoas dirigem a 150km/h, 200km/h, dizendo: não somos flagrados. Mas, no fim, temos um grande acidente. Os governos têm que agir como ambulâncias e socorrer os feridos e levá-los ao hospital. Mas não é o fim do trabalho. Temos que nos assegurar que o sistema de tráfego tenha mais regras.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Obama inicia mandato cumprindo promessas

Jornal do Brasil

25/01/2009

Nos primeiros dias de governo do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, três promessas foram postas em prática: a assinatura de uma ordem executiva determinando o fechamento da prisão de Guantánamo no prazo de um ano, a suspensão de interrogatórios violentos contra suspeitos de terrorismo e o fechamento de prisões secretas da CIA que ainda estejam em funcionamento. Na opinião de muitos analistas, as medidas executadas por Obama até agora são apenas simbólicas:
– Obama tinha uma dívida para quitar internacionalmente, ele tomou algumas atitudes não muito significativas para mostrar que há um novo governo atuando. Quando o Zapatero chegou ao poder foi a mesma coisa, a necessidade de mostrar a novidade é que prevalece – disse o professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Unicamp, Reginaldo Moraes.
Reginaldo ressaltou ainda a falta de engajamento e solução com relação a guerra travada entre Israel e Hamas no Oriente Médio:
– O que o Obama não está conseguindo é tomar uma posição mais clara em relação ao conflito no Oriente Médio, nos últimos dias da ofensiva israelense os Estados Unidos perceberam que simplesmente não podiam se mexer dentro daquele espaço, até a Condolezza Rice ficou perdida. As dificuldades são enormes, não é só uma questão de crise financeira. A posse dele foi muito impactante, mas ainda há muito trabalho pela frente.
A professora de História da USP Maria Aparecida de Aquino acredita que as medidas não são simbólicas, mas sim corajosas.
– Essas medidas anunciadas podem não ser tão importantes para a grave crise econômica norte-americana, mas são uma demonstração de que tudo aquilo que estava irregular no governo Bush será solucionado. Uma prisão afastada de tudo e todos dentro de um país com o qual os EUA não têm relação é muito estranho. É claro que ele também quis impressionar a população pela rapidez, mas também se movimentou como alguém que vai cumprir os seus exercícios de campanha – explicou.
Ainda segundo Maria Aparecida, o governo Obama vai pregar a transparência dentro de uma sociedade democrática.
– Admitindo as torturas que existem a partir da suspeita de terrorismo Obama está dando um passo importante ao considerá-las uma prática real e isso já é um avanço – finalizou.
Na cerimônia no Salão Oval em que assinou a ordem executiva do fechamento da prisão Obama declarou que as ações correspondem à mensagem que os Estados Unidos querem mandar para o mundo, da luta contra a violência e o terrorismo. Em 2002, no governo de George Bush, a prisão de Guantánamo foi aberta como parte da guerra contra o terrorismo depois dos atentados de Nova York e Washington, recentemente autoridades dos EUA admitiram o uso de tortura
Os métodos agressivos de interrogatórios contra os presos e a falta de acusações formais contra muitos deles geram críticas de grupos de direitos humanos e afetam a credibilidade dos EUA no mundo.

Poder inteligente

O Globo

24/01/2009

NOVA YORK. Para não haver dúvida de que o conceito de "poder inteligente" ("smart power"), defendido pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao assumir o posto, não descarta o uso do "poder forte" ("hard power"), os dois primeiros mísseis da nova administração Obama contra supostos esconderijos da Al Qaeda no Paquistão foram lançados ontem. A manutenção da estratégia, que já matou cerca de oito dos principais líderes da organização terrorista desde julho do ano passado, mostra que nada mudou essencialmente no combate ao terrorismo, embora a procura da negociação seja uma prioridade.

O próprio professor de Harvard Joseph Nye, autor da expressão "smart power" num livro de 1990 chamado "Destinado a liderar" ( "Bound to lead"), explica que o "poder inteligente" é a combinação do "poder forte" com o "poder suave", e não descarta, portanto, o uso da força militar quando necessário.

A decisão de fechar a prisão de Guantánamo e de proibir a tortura formalmente corresponde à linha geral do novo governo de dar o exemplo interno para incentivar uma nova visão da sociedade americana de valorizar conceitos básicos da democracia, como os direitos humanos.

Mas pode gerar, depois de mais de sete anos de uma política antiterrorismo que sacrificou esses valores em troca de uma suposta maior segurança da sociedade, inquietações e críticas por parte dos conservadores.

O candidato derrotado, John McCain, já saiu na frente, acusando o governo Obama de ter sido "apressado" na decisão. E o anúncio de que o segundo homem da escala de poder da Al Qaeda no Yemem é um prisioneiro de Guantánamo, liberado depois de um programa de recuperação na Arábia Saudita, fez crescer o temor de que a nova política seja ingênua diante da ameaça terrorista.

A tese do "smart power" corresponde ao propósito de Barack Obama expresso em seu discurso de posse, de continuar a liderar o mundo, mas pela negociação e pelo convencimento em vez da coerção.

Joseph S. Nye Jr, que trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa, abordou pela primeira vez o conceito para falar sobre o novo papel dos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria e a mudança que já detectava no mundo onde, defendia, o poder, além de econômico e militar, teria uma terceira dimensão, a que chamou de "soft power", a habilidade de conseguir o que se quer através da atração em vez da coerção.

Segundo ele, esse poder pode ser cultivado através de relações com aliados, assistência econômica e intercâmbios culturais. Isso resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos.

A teoria de Nye só fez crescer de importância nos últimos 20 anos, e Obama parece se movimentar nessa direção quando admite que o mundo mudou e os Estados Unidos têm que mudar também.

E que novos polos de poder estão em ascensão num mundo multipolar, que não comporta mais a imposição da hegemonia de apenas um parceiro do jogo internacional, mesmo que seja a maior potência econômica e militar do planeta, apesar da crise.

Neste mundo em que novos polos de poder surgem, os Estados Unidos não deixarão de ser muito influentes. Barack Obama parece concordar com a tese de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar, que causou estragos à imagem dos Estados Unidos nos últimos oito anos da Era Bush.

A própria vitória de Obama na eleição presidencial seria uma demonstração de que a sociedade americana estava em busca de uma mudança de rumo, e o amplo apoio internacional ao candidato democrata revela a ânsia por uma mudança de relacionamento com a maior potência do mundo.

Seria a manifesta vontade de dialogar, mesmo com os adversários, em busca de uma saída para crise como a do Oriente Médio, ou a do Paquistão, juntamente com os valores democráticos da sociedade americana reforçados pela atuação do novo governo, por exemplo, que evitaria que os terroristas recrutassem apoio entre as maiorias moderadas.

Mas o "hard power" continua a ser um recurso crucial num mundo em que grupos terroristas e estados-marginais continuam querendo impor suas ideias pela força.

Em artigo recente, Joseph Nye detalhou as fontes do "soft power": cultura, valores, desde que estimulados internamente como exemplo, e políticas inclusivas, que sejam valorizadas como tais e não pareçam intromissão indevida.

Enquanto a imagem dos Estados Unidos vem sendo desgastada pelos últimos anos do governo Bush, Joseph Nye diz que seu conceito vem sendo compreendido cada vez mais, mas não pode ser reduzido, como alguns fazem, transformando-o em apenas a influência dos jeans, da Coca-Cola e do poder do dinheiro.

Segundo ele, os Estados Unidos podem ser um "poder inteligente" investindo em bens públicos mundiais, promovendo desenvolvimento, melhorando a saúde pública e lidando com a questão climática.

Também estaria nessa linha a promoção dos direitos humanos e a democracia, mas pelo exemplo, e não pela imposição, como alegava querer o governo Bush.

O pluralismo na futura constituição da Bolívia

A Folha de Sâo Paulo de 25 de janeiro de 2009 traz importante matéria sobre pluralismo na futura constituição da Bolívia

Considerado um dos mais influentes intelectuais da Bolívia, o antropólogo e sacerdote jesuíta Xavier Albó afirma que a nova Constituição avança ao reconhecer o pluralismo étnico do país de maioria indígena. A seguir, a entrevista concedida à Folha, por telefone: (FM)


FOLHA - Quais as mudanças positivas da nova Constituição?
XAVIER ALBÓ - Trata-se da marcação das linhas de uma quadra -porque a Constituição é sempre isso- que, em termos estruturais, é muito mais inclusiva do que as Constituições anteriores, principalmente com relação a todos os povos indígenas, originários, que iam entrando pouco a pouco desde a última Constituição, iam lhes dando coisinhas. A nova Carta diz que a democracia tem de ir junto com o respeito ao pluralismo. Não só de opinião, mas de saber que o país está formado, desde antes da conquista espanhola, por povos diferentes e que, no caso da Bolívia, representam a maioria.

FOLHA - Um dos pontos mais criticados é a criação de um sistema judicial dentro das comunidades indígenas, envolvendo castigos físicos e penas de morte. Qual a sua posição?
ALBÓ - Um dos elementos do pluralismo é o pluralismo jurídico. Esta Constituição prevê três jurisdições: a ordinária, a do ambiente, ainda não desenvolvida, e a jurisdição dos povos indígenas. A última deixa claro que é apenas no território desses povos. E, ao dizer jurisdição indígena, é muito mais do que Justiça: o tema
central é que há o direito com relação à administração da terra. E tudo dentro do marco da nova Constituição. A Carta deixa claro que não há pena de morte, que é preciso respeitar os direitos internacionalmente reconhecidos etc. Portanto, isso não tem relação com movimentos de multidão, linchamentos.

FOLHA - A Constituição prevê vários tipos de autonomia, como a departamental, que precisariam ser regulamentados. O sr. acha que a aprovação provocará mais confrontos entre governo e oposição?
ALBÓ - Neste momento, houve mudanças qualitativas, melhorando o texto aprovado em 2007 com as reuniões de setembro e outubro, quando houve concessões positivas. Mas a contradição é que a oposição faz a campanha pelo "não". É um suicídio, porque, se o "não" vence, terão de atuar com a Constituição de 1967, que não tem nada de nada sobre autonomia. Parece que eles querem que a porcentagem do "sim" seja reduzida, mas sem que o "não ganh

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Obama precisa sanar economia mundial

Valor Econômico

21/01/2009
Martin Wolf

Martin Wolf é colunista do 'Financial Times'
Apiedemo-nos do presidente Barack Obama. Ele conquistou o poder em parte devido à crise econômica mundial. Ele próprio, a maioria de seus compatriotas e grande parte do restante do mundo concordam em que os EUA quebraram a economia mundial e agora têm o dever de consertá-la. Infelizmente, esse consenso é falso. A crise é um produto da economia mundial. Não pode ser solucionada pelos EUA sozinhos.
Felizmente, Obama tem a autoridade necessária para liderar o mundo rumo a uma solução: suas mãos estão limpas e sua vontade de isentar seu país de culpabilidade é evidente. É também do interesse de seu país e do mundo que a economia mundial seja posta em terreno mais sólido. Se esse esforço fracassar, temo que o resultado será um ressurgimento de protecionismo.
Qual é, então, a inadequação mundial? É a maligna interação entre a propensão de alguns países a praticar um excesso crônico de oferta e a propensão contrária de outros países a um excesso de demanda. Esse é o tema de meu livro "Fixing Global Finance". Mas a principal questão na economia mundial hoje é que a tomada de empréstimos, alimentada a crédito, pelas famílias, que sustentou o excesso de demanda em países deficitários, cessou abruptamente. A menos que isso seja revertido, o excesso de oferta dos países superavitários também precisa cessar. Essa afirmação decorre de simples lógica: em nível mundial, a oferta precisa ser igual à demanda. A questão é apenas como acontecerá o ajuste.
Michael Pettis, da Universidade de Pequim, expôs o argumento no Financial Times de 14 de dezembro de 2008. O professor Pettis vê o mundo dividido em dois campos econômicos: num deles estão os países com sistemas elásticos de financiamento ao consumidor e consumo elevado; no outro, estão países com elevadas poupança e investimento. Os EUA são o mais importante exemplo do primeiro caso. A China é o exemplo mais significativo do segundo. Espanha, Reino Unido e Austrália são miniversões dos EUA; Alemanha e Japão são versões maduras da China contemporânea.
Já argumentei que a força motriz por trás desses "desequilíbrios" foram as políticas dos países superavitários, e especialmente da China, cujos superávits cresceram com particular rapidez. Um câmbio administrado, enormes acúmulos de reservas em moeda estrangeira e a esterilização de suas conseqüências monetárias, apertada disciplina fiscal e elevada retenção de lucros de companhias geraram taxas de poupança nacional bastante superiores a 50% do PIB e superávits em conta corrente superiores a 10%. A poupança domiciliar pareceu gerar menos de um terço da poupança total. Por outro lado, investimentos foram despejados em crescente oferta, inclusive de exportações: a proporção das exportações chinesas em relação a seu PIB cresceu de 38% do PIB no início de 2002 para 67% em 2007.
A visão de que os excessos de países deficitários foram, em parte, uma resposta ao comportamento dos países superavitários é consensual entre alguns autoridades econômico-financeiras, entre elas Hank Paulson, prestes a deixar o posto de secretário do Tesouro americano. Atribui-se a Zhang Jianhua, do Banco do Povo da China, a declaração segundo a qual "essa visão é extremamente ridícula e irresponsável e deriva de uma lógica de "gângsteres"". Dessa perspectiva, o padrão de déficits e superávits mundiais foram causados unicamente pelas autoridades econômico-financeiras ocidentais, especialmente as frouxas políticas monetárias do Fed (Federal Reserve, Banco Central dos EUA) e da expansão desregulamentada do crédito.
Entretanto, seja quem for o principal responsável, uma coisa é certa: enormes bolhas nos preços de ativos tornaram possível o excesso de oferta de alguns países, especialmente a China. Desde a crise financeira asiática de 1997-98, o mundo desenvolvido - e os EUA, em especial - experimentaram sucessivamente a maior bolha no mercado acionário e a maior bolha alimentada a crédito no mercado habitacional em suas histórias. Essa era terminou. Sofreremos com suas conseqüências durante anos.
Então, o que acontecerá agora? A implosão da demanda nos setores privados de países deficitários financeiramente debilitados pode terminar de uma de duas maneiras, por meio de aumentos contrabalançadores da demanda ou mediante brutais contrações da oferta.
Caso venha a ocorrer mediante contrações na oferta, os países superavitários ficarão particularmente em risco, uma vez que dependerão da disposição de países deficitários de manter seus mercados abertos. Essa foi a lição aprendida pelos EUA nos anos 1930. Os países superavitários gostam de criticar seus clientes por seu esbanjamento. Mas quando estes param de gastar, os primeiros são fortemente prejudicados. Se eles tentarem subsidiar seu excedente de oferta em resposta a uma queda na demanda, retaliações provavelmente virão.
Evidentemente, uma expansão da demanda é uma solução muito melhor. A questão, porém, é onde e como? Atualmente, acredita-se que grande parte da expansão virá do orçamento federal dos EUA. Deixemos de lado especulações sobre se isso funcionará. Até mesmo os EUA não podem incorrer indefinidamente em déficits fiscais de 10% do PIB. Boa parte da necessária expansão na demanda mundial deve vir dos países superavitários.
A administração desse ajuste é de longe o maior problema para o grupo de 20 economias avançadas e emergentes, que se reunirá em Londres no início de abril. Obama precisa assumir a liderança. Ele pode - e deveria - dizer que espera que esses ajustes sejam feitos, mas compreende que levarão tempo. Ele pode também promover medidas excepcionais de caráter fiscal e monetário no curto prazo, se os principais parceiros comerciais de seu país fizerem os necessários ajustes de médio prazo em seus gastos. A China, em especial, precisa criar uma economia movida a consumo. Isso é de interesse da China. É também de interesse do mundo.
Entretanto isso não é tudo o que os EUA deveriam propor. Para que a economia mundial seja menos dependente de bolhas destrutivas, mais do capital superavitário mundial precisa afluir como investimento em economias emergentes. O problema, porém, é que esses fluxos também sempre resultaram em crises. É por isso que, nesta década, as economias emergentes puseram-se a acumular vastas reservas em moeda estrangeira. É essencial, portanto, fazer com que a economia mundial dê mais apoio a tomada de empréstimos líquidos por economias emergentes.
O que será necessário para isso é um seguro muito maior e mais eficaz contra riscos sistêmicos do que o atualmente proporcionado pelo FMI. Um passo crucial seria uma reestruturação da governança do FMI, para torná-lo mais solícito às necessidades de tomadores de empréstimos responsáveis. Uma das idéias que Obama deveria propor é o estabelecimento de uma comissão de alto nível para recomendar uma reestruturação radical de instituições mundiais, com vistas a baixar os riscos das crises, em mercados emergentes, que antecederam a era de bolhas nos países avançados.
Sejamos claros sobre o que está em jogo. É essencial limpar a enorme bagunça atual. Mas é também evidente que uma economia mundial aberta será insustentável se continuar dependente de bolhas. Um colapso da globalização não é, hoje, um pequeno risco. Obama está presente à recriação do sistema econômico mundial. É um desafio que ele tem de enfrentar.

O Brasil é alvo de ação na OEA por crime impune

A "Folha de São Paulo" de 21 de janeiro de 2009 traz a seguinte matéria sobre Direitos Humanos:

Sediada em Washington (EUA), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) admitiu processo contra o Brasil devido ao assassinato impune do sindicalista Gabriel Sales Pimenta. O crime ocorreu em julho de 1982, em Marabá (PA), em meio a uma disputa por terras.
O Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra), que ingressaram com a ação, reclamam da morosidade da Justiça brasileira. No mês passado, a comissão comunicou sua decisão às entidades.
No comunicado, estabeleceu prazo de dois meses para a CPT e o Cejil apresentarem novos dados. Após essa etapa, será decidido se houve violação à Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Em caso de condenação, a OEA fará recomendações ao governo do Brasil, como o pagamento de indenização à família do sindicalista e mudanças na legislação brasileira para tentar evitar impunidades, diz o Cejil.

O processo
Pimenta, 27, que também era advogado, foi morto a tiros na cidade paraense. Um ano depois, a Justiça aceitou a denúncia contra Manoel Cardoso Neto, conhecido como Nelito, irmão do ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso.
Nelito, acusado de ser o mandante do crime, só foi interrogado pela Justiça cinco anos depois (1988). A fase seguinte, de ouvir testemunhas, teria durado outros três. As alegações finais levaram mais sete anos.
O julgamento foi marcado para quatro anos depois (maio de 2002), mas Nelito não compareceu. Teve a prisão decretada, mas só foi preso em 2006, quando tinha 80 anos. Sua defesa entrou com habeas corpus alegando prescrição da ação penal. O Tribunal de Justiça do Pará, então, extinguiu o processo e soltou-o.
O advogado da defesa Edison Messias de Oliveira disse que o processo era cheio de falhas. A assessoria da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência não retornou à reportagem.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A volta do protecionismo: colapso da globalização fase II?

Valor Econômico

19/01/2009

Por Marcilio R. Machado

Muitos acreditam que a globalização seja um fenômeno recente. Não é isso que a história nos mostra. Revendo o período 1870-1913, constatamos que ele foi marcado por uma época de globalização financeira: comércio livre, imigração quase irrestrita e grandes fluxos de capital, que em alguns aspectos ultrapassa a globalização como a conhecemos atualmente. Naquele período, quando ocorreu a primeira globalização, barreiras tarifárias foram removidas. A cadeia de suprimento da época compreendia matérias-primas dos países subdesenvolvidos, transferidas para países industriais para a manufatura e distribuição no mundo. Aquela foi uma época na qual houve grande avanço em bem-estar de um número grande de pessoas no mundo, embora a maioria vivesse num estado penoso de pobreza e no campo. Em 1910, a proporção de comércio internacional em relação ao PIB global era bastante semelhante ao que constatamos atualmente.

A denominada primeira globalização desmoronou devido à fragilidade financeira da época. Os sistemas bancários não tinham redes de segurança, tais como depósitos com cobertura de seguro e instituições como os bancos centrais, que atuariam como último recurso para emprestar dinheiro, e o padrão ouro era intrinsecamente frágil porque os países podiam demandar pagamentos em ouro. Conseqüentemente, o sistema era vulnerável a pânicos, e o perigo aumentava à medida que os mercados financeiros e sistemas bancários cresciam, pois o fornecimento de ouro, que era o ativo de suporte, era fixo. Uma vez iniciado o pânico, era quase impossível detê-lo. Os sistemas bancários entraram em colapso; quebradeiras e deflação aconteceram. A Grande Depressão de 1929 levou o mundo a grande tensão e desemprego. Uma das conseqüências foi a promulgação de medidas pelo Congresso americano aumentando as barreiras protecionistas. O Reino Unido, a França e a Alemanha retaliaram. Na Itália, Mussolini se fortaleceu, apelando para o nacionalismo econômico. O mundo acabou se encaminhando para a Segunda Guerra Mundial.


Nos EUA existe um grande número de pessoas reclamando que o país não perdeu apenas as fábricas para a China, mas também os empregos. Os democratas, que assumiram o poder, têm sido tradicionalmente contra os acordos de livre comércio e já se manifestaram sobre uma revisão do Nafta, acordo que os EUA têm com México e Canadá. Nos últimos anos, os democratas têm ameaçado colocar tarifas adicionais sobre as importações provenientes da China, caso eles não deixem sua moeda valorizar. Existe receio também na Ásia, onde os produtores de têxteis do Camboja, os fabricantes de automóveis da Coréia e as empresas de terceirização da Índia receiam que medidas protecionistas sejam adotadas pelo novo governo americano. Os problemas financeiros e a perspectiva de uma recessão global causam muitas incertezas. Será que os acontecimentos atuais trarão de volta o protecionismo e o colapso da globalização fase II?


Na América Latina, os produtores de aço estão se movimentando para evitar uma provável avalanche de produtos siderúrgicos de origem da China e do Leste Europeu. Empresários do setor de calçados também estão com receio de haver uma invasão de sapatos chineses. Durante recente reunião do Mercosul, o governo brasileiro resolveu aumentar a tarifa de importação de alguns produtos. Empresários brasileiros e representantes do governo discutem a possibilidade de o país incrementar medidas de salvaguardas contra a China, caso o país direcione para o Brasil produtos que originalmente iriam para o mercado dos Estados Unidos. A primeira tentativa de globalização foi achatada pelas duas guerras mundiais e uma grande depressão. Além disso, houve o surgimento de ideologias autoritárias que foram uma tragédia para a humanidade.


Apesar de inúmeras críticas, a recente globalização teve vencedores. Alguns contestadores enfatizaram que apenas os países desenvolvidos iriam se beneficiar da globalização. Entretanto, não foi exatamente o que aconteceu. A China, por exemplo, se transformou na quarta maior economia do mundo. A sua corrente de comércio, soma das importações e exportações, deve ultrapassar US$ 2 trilhões em 2008. A Índia, que era um país fechado, se beneficiou da abertura de mercado ao abraçar as mudanças promovidas pela tecnologia. O Brasil assistiu a sua corrente de comércio saltar de cerca de US$ 43 bilhões em 1980 para aproximadamente US$ 380 bilhões estimados para 2009. O crescimento global fez com que houvesse um aumento maior nos assalariados de renda mais baixa do que naqueles que ganhavam altos salários. O Brasil se tornou, entre os países emergentes, o sétimo maior receptor de investimentos diretos do exterior. Por outro lado, o país se tornou o segundo maior investidor no exterior entre os países em desenvolvimento, com investimentos externos totalizando cerca de US$ 220 bilhões em 2006.


Embora possa ser constatado que o protecionismo possa dar um alívio em curto prazo, a sua conseqüência é um longo período de instabilidade e desaceleração econômica. Os países emergentes, como o Brasil, devem evitar o risco de ceder às pressões de grupos que demandam por protecionismo, pois pode haver risco de retaliação de outros países. Com o aumento de investimentos no exterior, o país avançou com a criação das multinacionais brasileiras, algumas situadas em países como a China e Índia, que não deverão entrar em recessão. São essas multinacionais brasileiras no exterior que poderão puxar a demanda por produtos brasileiros nesse momento de queda de preços de commodities e de recessão nos países desenvolvidos. O retrocesso é muito perigoso, pois a história mostra que foram mais de 70 anos até que a globalização financeira atingisse os níveis semelhantes aos de 1914. É difícil prever os tipos de medidas que poderão ser adotadas para atender a pressões de grupos organizados em sociedades democráticas. Concluindo, caso as negociações da Rodada Doha não avancem, o Brasil precisa refletir sobre a possibilidade de ser mais agressivo na implementação de acordos regionais. Caso contrário, poderá haver um retrocesso nos ganhos que o país obteve com a recente globalização, inclusive a melhora de vida de muitos brasileiros.

Marcilio R. Machado é membro do Conselho de Administração da AEB- Associação de Comércio Exterior do Brasil, diretor da Famex Importadora e Exportadora Ltda e doutor em administração de empresas pela Nova Southeastern University.

Viúvas de Herzog e Cunha vão a cortes internacionais

O Globo

17/01/2009

Famílias dizem que já esperavam arquivamento dos casos

Ricardo Galhardo

SÃO PAULO. As viúvas do jornalista Vladimir Herzog e do ex-militante de esquerda Luiz José da Cunha, o Comandante Crioulo da Ação Libertadora Nacional (ALN), ambos assassinados no DOI-Codi de São Paulo durante a ditadura militar, decidiram levar os dois casos às cortes internacionais de direitos humanos. Na última sexta-feira, a juíza Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determinou o arquivamento dos casos de Cunha e Herzog.

Segundo o Ministério Público Federal, a decisão da juíza elimina a possibilidade de punição aos assassinos no âmbito da Justiça brasileira, o que permite que o caso seja remetido a cortes internacionais.

- Família nenhuma pode abrir mão deste direito. Quero remeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos o mais rapidamente possível - disse a viúva de Cunha, Amparo Araújo, secretária municipal de Direitos Humanos de Recife.

Viúvas buscam apoio para levar processo adiante

Desde que soube da decisão judicial, Amparo tem conversado com organizações não-governamentais de Pernambuco e de São Paulo, como o Gabinete de Assistência Jurídica a Organizações Populares (Gajop) e a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, presidida pelo advogado Helio Bicudo, em busca de assessoria técnica.

A publicitária Clarice Herzog, viúva de Vlado - como era conhecido o jornalista -, disse ontem que vai procurar Amparo para estudar o melhor caminho a ser tomado:

- Tem que ser levado às cortes internacionais, quero dar continuidade. O caso do Vlado foi emblemático. É importante dar prosseguimento, inclusive pelo tamanho que o caso assumiu com o passar dos anos.

Amparo e Clarice lamentaram a decisão da Justiça brasileira, mas admitiram que já esperavam o resultado.

- Se a decisão fosse favorável, melhor, mas já estávamos de sobreaviso - disse Amparo.

Na sentença, a juíza argumenta que os crimes prescreveram e que o Brasil nunca ratificou a convenção da ONU que caracteriza a tortura como crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível.

Procuradores do MPF e militantes dos direitos humanos, porém, argumentam que há precedentes na Corte Interamericana de Direitos Humanos de países condenados mesmo sem ter ratificado a convenção.

A quem interessa a irrelevância da ONU?

Folha de São Paulo

17/01/2009

A ONU tem se mostrado irrelevante para a obtenção da paz e da segurança mundial?
NÃO

Oscar Vilhena Vieira

EM 12 de setembro de 2002, George W. Bush desafiou a ONU com a seguinte disjuntiva: ou a organização autorizava a invasão americana do Iraque "ou se tornaria irrelevante". Como a ONU, por intermédio de seu Conselho de Segurança, não se curvou à ameaça do presidente norte-americano, suas resoluções foram simplesmente desprezadas. Da mesma forma, o reincidente Estado de Israel não tem apenas afrontado a Carta da ONU e desdenhado das múltiplas resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança ou pelo Conselho de Direitos Humanos, mas feito a instituição alvo de seus ataques aéreos em sua investida em Gaza.
Mas, afinal, por que deveríamos nutrir a ilusão de que Estados soberanos, dotados de enorme capacidade de exercer a violência física, submeter-se-iam a uma organização internacional destituída de poderio militar, como a ONU?
À parte uma justificação de ordem moral kantiana, que me dispenso de desenvolver aqui, vislumbro ao menos duas razões de natureza realista, baseadas no autointeresse, para que Estados fortes se comprometam com uma organização como a ONU.
Primeiro, seria extremamente custoso obter a cooperação das demais nações só com base no exercício da violência. A criação de regras aceitáveis de convivência, respeitadas pelos próprios detentores do poder, tendem a aumentar a confiança no sistema internacional e ampliar a cooperação voluntária das demais partes.
Em segundo lugar, uma organização multilateral pode suprir dificuldades de coordenação em temas como paz, meio ambiente, deslocamentos humanos, pobreza, direitos humanos etc., canalizando responsabilidades de polícia internacional assumidas por poucos Estados.
Evidente que essas premissas apenas serão válidas quando o poder não for tão concentrado nas mãos de um ou poucos Estados, de forma que o custo de imposição de suas vontades pela força pareça irrisório em relação ao ônus da desobediência pelos pequenos Estados, tornando a existência de uma ONU irrelevante.
O fortalecimento das economias antes periféricas do Leste asiático, da Rússia, da Índia, do Brasil e particularmente da China, somado à crise do sistema financeiro dos países do Norte, criou uma situação nova de multipolaridade econômica. A participação das economias emergentes em termos de PIB já ultrapassou, ainda que ligeiramente, a dos países desenvolvidos. Os países emergentes devem concentrar mais de 60% do PIB em 2025 ("The Economist", 3/7/08).
Essa mudança tem tido forte repercussão sobre a reconfiguração do mapa político global. Se a ONU viu-se bloqueada no sistema bipolar da Guerra Fria e sucumbiu ao unilateralismo de Bush, agora se depara com um novo cenário. Nesse sentido, a ONU precisa ser reformada para atender à nova geografia do poder e ampliar sua efetividade política.
Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, já perceberam que não é mais possível garantir a segurança internacional e angariar a cooperação das demais nações pelo simples exercício da violência. Como disse Hillary Clinton no Senado americano, é necessário dar prevalência à diplomacia e à política multilateral em detrimento da pura força. A palavra de ordem é o "smart power". Os fracassos no Afeganistão e no Iraque deixam claro a impossibilidade de os EUA colocarem-se o poder único.
Um maior equilíbrio de natureza econômica, bem como uma maior dispersão do poder político, contribuirão necessariamente para o fortalecimento da ONU, tornando-a cada vez mais relevante no plano puramente político. Num mundo onde convivem muitos poderes e nenhum parece ser tão forte a ponto de subjugar os demais, a coordenação parece ser a única alternativa racional.
No plano moral, por sua vez, a ONU jamais foi irrelevante. Sua capacidade de articular temas de substantivo interesse de toda a humanidade fizeram dela uma instituição indispensável.
Portanto, o discurso sobre a irrelevância da ONU, além de politicamente equivocado, é moralmente indefensável. Interessa, sobretudo, aos tiranos de plantão.

OSCAR VILHENA VIEIRA, 42, é professor e coordenador do Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento da Direito GV e diretor jurídico da Conectas Direitos Humanos.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Resenha sobre a última de Agamben publicada no Brasil

Jornal "Estado de São Paulo" de 18 de janeiro de 2009 publica resenha de autoria de Olgária Matos sobre a última obra de Agamben editada no Brasil
Viver depois da derrota humana
Em O Que Resta de Auschwitz, Giorgio Agamben questiona futuro que privilegia a exceção
O terremoto de Lisboa de 1755 destruiu uma das mais belas capitais culturais da Europa. Época das Luzes, ele foi o suficiente para pôr por terra o otimismo leibniziano e seu "princípio do melhor". Na teodiceia, o mundo só não é bom do ponto de vista do homem, pois, para a "justiça divina", para o Deus infinito, o Mal, fruto de nossa finitude, é apenas aparência. O que o homem denomina "o Mal" contribui para a otimização do bem de todos. Essa crise da cristandade foi superada em estupor por outra, menos explicável ainda do que o "mal da natureza", porque produzido pelo homem e sua razão. Auschwitz questionou não apenas a ciência e a política, mas todo consolo metafísico para o mundo, fundado na ideia de um agente livre, capaz de discriminar o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o bem e o mal.

O Que Resta de Auschwitz é uma reflexão sobre o fechamento do tempo. O genocídio dizimou a humanidade do homem, a demarcação entre o poder ser e o poder não ser, com o que desapareceu o sujeito consciente e livre: "Auschwitz constitui o momento da experiência traumática em que o impossível se viu introduzido à força no real. Ele é a existência do impossível, a negação mais radical da contingência - a necessidade mais absoluta... A definição de política dada por Goebbels - "a arte de tornar possível o que parecia impossível" - toma seu pleno sentido. "Ela define uma experimentação biopolítica sobre os operadores do ser. A ciência e a técnica prometiam o controle das forças naturais ameaçadoras e o aprofundamento da democracia, auxiliando a política na esperança e na garantia de sobrevivência, segurança, liberdade e paz, reduzindo o poder da contingência sobre nossa condição. A Ciência revelou-se insuficiente para os problemas que o homem se propôs. Marx, na corrente iluminista, acreditava na racionalização do campo histórico pela ação consciente dos homens na ciência e na política. Por isso, o comunismo seria "o enigma da história resolvido". Mas o século 20 organizou o extermínio por despachos de escritório, segundo o "imperativo categórico" e o abstrato "tu deves" kantiano. Razão por que Eichmann pôde declarar, quando de seu depoimento em Jerusalém, ser "culpado diante de Deus, mas não responsável diante dos homens".

Os sobreviventes nos quais Agamben se detém não o são por imposição ética ou resistência vital. São sobreviventes do acaso: "O Lager, situação absoluta, põe fim a toda possibilidade de uma temporalidade originária, de fundação temporal de uma situação singular no espaço (...) Nele, o irremissível do passado torna-se iminência absoluta. Antecipação e sucessão se destroem uma a outra em uma paródia sinistra." Distantes do trágico antigo - quando o herói enfrentava o momento da decisão e os deuses, encontrando-se com seu destino - nos campos de extermínio a fatalidade é sem deuses e sem Deus. Ausentando-se do mundo, sua imagem não mais recai sobre nós "como o faziam com Agamêmnon, Macbeth ou Athalie". Primo Levi anotou em seu testemunho que, ao presenciar o fuzilamento de recém-chegados a Auschwitz, dentre eles uma criança, um prisioneiro, teria exclamado: "Mas onde está Deus?"

Para além das reflexões de Horkheimer, Adorno, Lévinas, Arendt, Camus, Foucault e da literatura de testemunho, O Que Resta de Auschwitz procura interrogar o que do Lager ainda se pode dizer. Como Kant, Agamben mantém a ininteligibilidade do mal moral, mantendo o enigma de sua origem. Os "muçulmanos" eram prisioneiros judeus encarregados, nos campos nazistas, das câmaras de gás e do extermínio. Eram "cadáveres ambulantes": "o muçulmano é o não-homem que se apresenta obstinadamente como homem, e o humano que é impossível distinguir do inumano". Homens sem vontade ou resistência, o muçulmano esperava que um milagre trouxesse a salvação, a tal ponto o mal se tornara radical. Flutuando em uma zona de indeterminação, ele é um ser "cuja vida não é propriamente vida, cuja morte não poderia ser dita morte, inscrição na vida de uma zona morta, e na morte de uma zona viva". Agamben representa a catástrofe histórica em analogia com a tragédia antiga e os dramas da Idade Média, aproximando o "muçulmano" do mártir cristão. Porque o herói encontra-se mais próximo das fontes terríficas da vida que o homem comum, ele representa toda a nossa condição e por isso sua queda tem caráter exemplar. O "muçulmano" do campo, inscrito na modernidade lógica e racional, é a contrafação do herói que, na ação trágica, encontrava, a um só tempo, identidade e imortalidade. A elas sucederam despersonalização e dessubjetivação. Com a morte do sujeito desaparece o que o define, abrindo-se o âmbito da exceção, exceção que suspende o mundo em comum que, na tradição metafísica e moral, era garantido pela linguagem. O que Resta de Auschwitz é também o que resta da linguagem.

Evocando a entrevista de Hannah Arendt à TV alemã nos anos 60, quando respondia ao que restava da Alemanha pré-hitlerista, Agamben transcreve: "a língua materna". Para compreender este "resto", Agamben se vale das línguas e da tensão que as faz vivas, seus polos de inovação e transformação, de invariância e gramatização, mas referidas ao falante destituído da capacidade de falar. Ao desconsiderar a heterogeneidade do funcionamento concentracionário e as precárias formas, individuais ou de grupos, mais ou menos passivas, de resistência, Agamben desrealiza o "muçulmano", propondo-o como uma personagem retórica, a fim de pensar o campo de concentração como o nómos da modernidade. Testemunha impossível, o "muçulmano" é privado da língua: "testemunhar significa colocar-se, no interior de sua própria língua, na posição daqueles que a perderam, instalar-se em uma língua como se ela fosse morta, ou em uma língua morta como se fosse viva". Privilegiando a poesia como o gesto por excelência de um "autor" e da testemunha, a palavra poética é o que "resta" da língua, o que a preserva do mutismo e da morte: "uma língua morta é, pois, aquela em que não mais se pode opor norma e anomia, mudança e conservação. De uma tal língua diz-se, justamente, que ela não é mais falada, quer dizer, é impossível designar a posição de sujeito." Em Auschwitz o traumatismo silenciou a voz. Não por acaso, no "muçulmano" do campo projeta-se o Bartleby de Melville que, ao final, imóvel diante do muro do cárcere onde se encontra aprisionado, vai se extinguindo e morrendo. Ele é a expressão do "desespero lívido", da "descriação". O que Resta, de Auschwitz é a afasia.

Agamben confere às "línguas mortas" um sentido novo, referindo-se a Giovanni Pascoli que, no início do século 20, utiliza o latim para escrever seus versos: "eis que um indivíduo consegue assumir a posição de sujeito em uma língua morta, restaurando nela a possibilidade de opor o dizível e o não-dizível, a inovação e a conservação que, por definição, não existiam mais. Poder-se-ia dizer que um tal poeta em língua morta, na medida em que se reinstala nela como sujeito, realiza uma verdadeira ressurreição da língua." O que Resta de Auschwitz é o resto humano, as sobras da linguagem, referências de uma humanidade futura: "o resto de Auschwitz - as testemunhas - não são nem os mortos nem os salvos", anota Agamben, "nem os náufragos nem os sobreviventes, mas o que resta entre eles." O parti pris do testemunho linguístico para Auschwitz privilegia a exceção à norma, arriscando-se ao fechamento da tênue passagem entre o real e o possível, paradoxo que, para o autor, só se resolve em um tempo que não é nem o da história, nem o da eternidade, mas o do Messias.